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Resenha opinativa: “Prefácio” e “Um papel para a História” (in “A

Estrutura das Revoluções Científicas”), Thomas Kuhn


Luís Felipe G. Teixeira 1178040 – Integral 9/5/2020

O livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” é considerado a principal obra de T.


Kuhn sobre história e filosofia das ciências. Nele, é apresentada uma visão das ciências
diferente da vigente na época e afirmado que as ciências são descontínuas, com
mudanças de paradigma que sublevam o que era anteriormente pensado sobre o mundo
natural.

Primeiramente, Kuhn descreve como a história das ciências é normalmente aprendida,


em escolas e cursos superiores: a ciência é uma “reunião de fatos, teorias e métodos”1
acumulados ao longo do tempo, que abrem cada vez mais nossas mentes para mais
aspectos da realidade, juntamente com os nomes de seus autores e a descrição dos
“erros, mitos e superstições”2 que impediam o desenvolvimento da ciência. Kuhn chama
essa visão, amplamente aceita em sua época, de desenvolvimento-por-acumulação, por
mostrar um progresso ininterrupto das ciências, que simplesmente vão empilhando
conhecimentos em cima um dos outros, para melhorar e aumentar o conhecimento da
humanidade.

Porém, segundo o autor, esse modelo para a história das ciências tem sido bastante
questionado, pois cada vez mais historiadores das ciências tem sentido que “esses
simplesmente não são os tipos de questões a serem levantados”3. Eles percebem que
as teorias e concepções obsoletas da ciência não eram menos científicas, nem fundadas
por métodos profundamente diferentes dos atuais. Além disso, eram tão fundadas em
idiossincrasias arbitrárias quanto a ciência hoje em dia, sendo essas especificidades
altamente incompatíveis com as anteriores. A partir dessas noções e questionamentos
fica difícil falar, como anteriormente se fazia, em um processo puramente cumulativo na
história das ciências.

Assim, Thomas Kuhn descreve o modo como a ciência pode ser descontínua e, em certa
parte, arbitrária: na maior parte do tempo, uma ciência é estabelecida sobre um
paradigma. O autor define paradigma como “as realizações científicas universalmente
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares
para uma comunidade de praticantes de uma ciência”4. Esses paradigmas, apesar de
serem internamente coerentes e compartilhados por muitos cientistas de uma mesma
época, são baseadas em certas arbitrariedades ou, como Kuhn as chama,
“incomensurabilidades”, como o conjunto de crenças admissíveis, as concepções acerca
da natureza do mundo e do conhecimento humano, a relevância seletiva dada a certos
assuntos ou acontecimento etc. Esse conjunto de fatores que formam um paradigma
estão sempre presentes em qualquer ciência e nunca são discutidos, pois são
simplesmente aprendidos ao longo da formação de um cientista.

1. KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5. ed. Chicago: Perspectiva, 1962. p.
20.
2. Ibid. loc. cit.
3. Ibid. p. 21
4. Ibid. p. 13
Dentro de cada paradigma, delimitado no tempo, os cientistas operam a chamada
“ciência normal”, na qual diversos pesquisadores desenvolvem e aprimoram o modelo
vigente de maneira contínua. Porém, em algum momento, surge algum tipo de
observação ou fato que põe em cheque exatamente os pressupostos e compromissos
que sustentam o paradigma em vigor. Apesar de normalmente enfrentar certa
resistência, essa novidade acaba por atacar essas bases conceituais da ciência normal:
isso é uma Revolução científica. Como toda boa revolução, elas momentos de alta
instabilidade e incerteza, no qual o arcabouço e a rede teóricos de uma ciência tem de
ser repensados e reestruturados. “O mundo do cientista é tanto qualitativamente
transformado quanto quantitativamente enriquecido”5 durante esses períodos da história
dessa ciência: mais aspectos do mundo abordados, porém com pressupostos e preceitos
diferentes dos anteriores e não menos arbitrários. Depois de uma Revolução científica,
é possível voltar a fazer ciência normal.

Essa teoria parece muito adequada para a descrição da história da biologia, que, sendo
uma ciência principalmente empírica e retrodictiva, é muito moldada pelas visões de
mundo e crenças compartilhadas pelos cientistas. Apesar de Kuhn em seu livro,
descrever principalmente as revoluções na ciência físico-química, com os nomes de
Copérnico, Newton, Lavoisier e Einstein, outros estudiosos, como Michel Foucault,
descreveram descontinuidades parecidas durante a história da biologia. Em seu livro, As
Palavras e As Coisas6, ele desenvolve que, no fim do século XVIII, os historiadores
naturais passaram a observar os seres naturais sob a lente da Vida, conceito que é
caracterizado ainda hoje pelo seu funcionamento próprio e interno e pela sua definição
vaga, mas que mesmo assim entremeia toda a ciência biológica desde então. Só a partir
dessa quebra de paradigma foi possível descrever os caráteres específicos dos seres
vivos, como por exemplo a Fisiologia em Cuvier e a Evolução em Darwin. Foi um
momento no qual todos os pesquisadores na área tiveram que repensar seus preceitos
mais profundos, mudando profundamente as características dessa ciência. Tendo essa
análise em vista, faz sentido dizer que a análise de Thomas Kuhn pode explicar bem a
história das ciências e, mais especificamente, o surgimento da biologia.

5. Ibid. p. 27
6. FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: Uma arqueologia das ciências humanas. 10. ed.
Paris: Martins Fontes, 1966. p. 310-319 (principalmente).

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