Você está na página 1de 4

Mudar de paradigma

Eduardo Dayrell de Andrade Goulart

A Estrutura das Revoluções Científicas


de Thomas S. Kuhn
Tradução de Carlos Marques
Lisboa: Guerra & Paz, 2009, 288 pp.

A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Samuel Kuhn


(1922–1996), é uma das obras mais influentes em filosofia da ciência;
menos pela solidez de seus argumentos do que pelo elevado número de
divergências e debates que tem causado. Originalmente publicado em 1962
e traduzido para mais de vinte línguas, este livro constitui uma das
principais fontes de argumentos para quem defende o relativismo
epistêmico e científico. Opõe-se, principalmente, ao conjunto de crenças
compartilhadas pelos filósofos do Círculo de Viena e seus sucessores.
Sobretudo, o debate com Karl Popper (1902–1994) e Imre Lakatos
(1922–1974) foi intenso.
Thomas Kuhn graduou-se em física pela Universidade de Harvard, tendo
grande interesse por questões de filosofia da ciência. Contudo, sempre
dedicou maior esforço a investigações no campo de história da ciência,
onde se destacou com maior importância e mérito. Antes conhecido como
historiador da ciência do que como filósofo da ciência, Kuhn construiu seus
argumentos sob a influência de estudos históricos; estudando e
comparando períodos históricos do desenvolvimento científico Kuhn
pressupõe e elucida conceitos e crenças filosóficas que são caros para todos
aqueles que se interessam pelos problemas filosóficos da ciência: a saber, a
natureza do conhecimento científico e seu método, o processo de aquisição
de conhecimento científico e, sobretudo as pressuposições metafísicas da
ciência e seus praticantes.
Kuhn organiza seu livro como se segue. Começa com um prefácio e
introdução, onde expõe suas motivações e objetivos com o livro; demonstra
quais foram suas influências no processo de produção e cita trabalhos dos
filósofos que o influenciaram diretamente. Depois da introdução são
apresentados doze capítulos nos quais apresenta suas ideias e desenvolve
toda sua argumentação. O final do livro constitui-se de um posfácio em sete
partes, que foi incluído em 1969, onde Kuhn tenta esclarecer algumas de
suas idéias e argumentos em virtude de críticas recebidas.
Seguem-se alguns esclarecimentos sobre as principais idéias do livro.
Destacam-se os conceitos de ciência normal, ciência extraordinária,
paradigma, incomensurabilidade e revoluções científicas.
Segundo Kuhn, toda ciência madura atravessa dois estágios, um
aparentemente estável e um outro completamente instável, imprevisível e
revolucionário. O primeiro estágio é denominado de ciência normal. É a
ciência determinada segundo as regras e modelos de um paradigma ou de
uma tradição de pesquisa científica; neste estágio, o trabalho dos cientistas
não vai além do que esclarecer e elucidar conceitos fundamentais de
maneira acrítica e doutrinária. Tais regras da ciência normal não são
apresentadas no sentido de um conjunto de métodos que prescreverão a
pesquisa científica, mas como práticas convencionais que serão adotadas e
condicionadas a fatores sociológicos e culturais.
O conceito de paradigma foi alvo de críticas e mal-entendidos devido a
uma série de imprecisões, obrigando Kuhn, em 1969, a incluir o referido
posfácio, onde estabelece definitivamente o que quer dizer quando usa o
conceito. Kuhn defende que um paradigma científico é um conjunto de
crenças, técnicas e valores compartilhados por uma comunidade que serve
de modelo para a abordagem e soluções de problemas. A ciência normal é
encarregada de apresentar e resolver as questões que surgem no interior do
paradigma. É importante ressaltar que todos os problemas surgem e serão
resolvidos apenas dentro de um determinado paradigma e que diferentes
paradigmas apresentam diferentes questões e diferentes soluções. Não
existe um método científico que determina as práticas da investigação
científica, mas sim um conjunto de regras que são relativas, cada uma, a
diferentes paradigmas. Enquanto houver problemas cujas soluções
encaixam-se no que prevê o paradigma, a ciência normal funciona
adequadamente. Entretanto, quando começam a aparecer problemas que
divergem totalmente das expectativas esperadas, o paradigma original
começa a enfraquecer e uma nova concepção de mundo começa suceder à
antiga compreensão da ciência normal. Começa a partir de então o segundo
estágio de uma ciência, denominado ciência extraordinária. Essa ciência
está na fronteira entre dois paradigmas, modificará todas as regras do
antigo paradigma e introduzirá um novo modelo. As regras e métodos do
antigo paradigma são dispensados, pois não permitem a resolução dos
problemas apresentados. Chamada também de ciência revolucionária,
define a mudança de paradigmas como um processo descontínuo. Portanto,
a ciência normal é a praticada no interior de um paradigma e ciência
extraordinária é a praticada na faixa de transição de dois paradigmas.
Kuhn defende que a mudança de paradigmas não é um processo racional.
A idéia é que não há qualquer padrão de racionalidade que irá avaliar e
criticar os paradigmas sob um ponto de vista comum, já que cada
paradigma possui seu conjunto de regras que só tem sentido dentro de sua
própria teoria. Ora, se a pesquisa científica muda de método assim que
mudam os paradigmas, então não existe um padrão comum que possa
avaliar paradigmas concorrentes. Portanto, esses paradigmas ou modelos
científicos são incomensuráveis, ou seja, incomparáveis. Isso quer dizer
que, tomando dois exemplos de explicação das órbitas planetárias, é
impossível comparar e dizer que modelo está certo ou errado, ou qual é
mais plausível do que o outro: a teoria de Newton ou a de Ptolomeu. O
conceito de verdade científica relativiza-se ao paradigma científico em
causa. Um outro argumento de Kuhn para a incomensurabilidade dos
paradigmas é o de que se a realidade da pesquisa científica é determinada
pelos paradigmas, então cada teoria científica descreverá uma realidade
diferente. E, portanto, toda disputa científica será absurda já que o que se
disputa são duas realidades distintas. Logo, cada paradigma descreve sua
realidade e é incomensurável com qualquer outro.
A escolha entre paradigmas ou teorias científicas consiste, de acordo com
Kuhn, em disputas retóricas. A disputa entre dois paradigmas nada tem a
ver com experimentos, análises metodológicas ou deduções, mas sim com o
quão hábil forem os cientistas para estabelecerem suas regras, seus
modelos, suas questões e sua ciência normal. Isto quer dizer que o fato de o
modelo heliocêntrico do sistema solar ser considerado uma teoria
verdadeira é conseqüência somente da habilidade de persuasão de seus
defensores e não de uma determinação da argumentação racional nem de
experiências acumuladas.
A teoria que Kuhn defende em seu livro sobre o avanço do conhecimento
científico é uma teoria contrária à de que o conhecimento é produzido
mediante um processo de acumulação de informações. Segundo ele, o
processo acontece através de rupturas completas e súbitas de um
paradigma para o outro. Nada do que foi pesquisado ou organizado no
paradigma anterior será aproveitado no desenvolvimento futuro, pois são
modificações de mundos e de nada adianta utilizarmos dados de um mundo
em outro mundo totalmente diferente. A produção de conhecimento não é
cumulativa e progressiva, mas fragmentada; assim, “(…) a transição [entre
paradigmas] tem de ocorrer subitamente (embora não necessariamente
num instante) ou então não ocorre jamais”. (pág. 192).
O livro de Kuhn foi uma fonte de argumentos para sociólogos da ciência,
filósofos e historiadores que defendem um relativismo epistêmico. É uma
das principais obras dos relativistas e anti-realistas em ciência. O livro é
importante para aqueles que gostariam de conhecer mais detalhadamente
os principais argumentos de teorias relativistas.

Eduardo Dayrell de Andrade Goulart

Você também pode gostar