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12/02/2022 14:38 História da Música: Teoria dos afetos

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História da Música
Blog com a públicação de artigos e ensaios dos
alunos da disciplina de História da Música,
ministrada pelo Prof. Dr. Márcio Páscoa, na
Universidade do Estado do Amazonas.

quarta-feira, 13 de julho de 2011 Pesquisar este blog

Teoria dos afetos Pesquisar

A teoria dos afetos remonta  à Antiguidade, pois para os gregos um determinado Inscrever-se
modo musical  poderia influenciar os homens de diferentes maneiras, podendo a

Postagens
música servir de forma ético-moral. Por exemplo, o modo Dórico poderia ser usado
graças a sua serenidade, o Frígio por suas características valentes e guerreiras e já o
Comentários
modo Lídio era desaconselhável por possuir características afeminadas (GATTI,
1997, pag.16).

A palavra affectus (verbete latino) tem a ver com a palavra grega “pathos” que
significa cada estado do espírito humano, sofrimento e emoção da alma. Platão
enumera quatro afetos que são prazer, sofrimento, desejo e temor; já Aristóteles
diferencia onze tipos baseados na mistura de prazer e sofrimento: desejo, ira,
temor, coragem, inveja, alegria, amor, ódio, saudade, ciúme e compaixão. Esta
visão está proposta na obra Retórica de Aristóteles. Segundo ele, a música possuía
qualidade de transmitir impressões e criar diversos estados de ânimo.

Durante o Renascimento, período em que ocorreu uma mudança de pensamento


devido ao Humanismo, o retorno da cultura greco-romana e da disseminação dos
conhecimentos, houve uma prática (sec. XVI) em que os compositores passaram a
ter uma preocupação em como representar o texto na música. Isto ficou conhecido
como música reservata, onde o sentido musical deveria ajudar no entendimento do
conteúdo textual. A ideia pode ser elucidada no seguinte trecho musical de um
compositor franco-flamengo tardio:

"Adequar a música ao sentido das palavras, exprimir a força


de cada emoção diferente, tornar as coisas do texto tão vivas
que julgamos telas deveras diante dos olhos [...]"
           (Samuel  Quickellberg, cit. in GROUT & PALISCA, 2007,
pag.209)

Reservada porque provavelmente restringia-se à casa de um determinado mecenas,


onde as novidades dessa nova prática seriam a inclusão de cromatismos,
ornamentos, variedade modal e contrastes rítmicos. A Teoria dos Afetos, no
Período Barroco, foi possivelmente uma evolução da Música Reservata. Os dois
períodos desenvolveram o mesmo princípio mas, a diferença fundamental entre
eles está no método de aplicação , pois na Renascença   "a harmonia é mestre da
palavra" e no Barroco "a palavra é mestre da harmonia" como nos diz Monteverdi.
O Barroco possuía afetos extremos saindo de uma violenta dor para um trabalho

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exuberante.   É fácil perceber que a representação dos afetos evidencia um


vocabulário mais rico do que aquele que era feito na música reservata.

Sabe-se que a teoria ou doutrina dos afetos deu-se no período Barroco por volta do
século XVII, baseada em uma antiga analogia entre música e retórica (disciplina
que tem por objetivo estudar a produção e análise do discurso). A inovação do
recitativo deu aos teóricos uma ampla ocasião para observar o paralelismo entre a
música e o discurso (BUKOFZER, 1947, p.388). Os músicos do Período Barroco
buscavam novas tendências de expressão musical e, sobretudo nesse período
apareceu uma de suas principais características, a busca por uma forma de
linguagem musical que servisse ao texto de maneira que os sons pudessem
exprimir de fato os sentimentos, como amor, ódio, felicidade etc.

Rene Descartes (1596-1650) foi um pensador que influenciou profundamente o


pensamento do Período Barroco. Em 1638, compôs sua primeira obra teórica,
intitulada  Compendium Musicae, com base na obra Institutione Armoniche do
teórico Gioseffo Zarlino (1517-1590), ele trata da música pela razão, pela
mensuração matemática da afinação dos modos, procura situar o interprete e seu
publico como "almas sentindo música". Na sua ultima obra, o tratado As Paixões
da Alma, que foi publicado em 1649 na Holanda e na França, para responder as
perguntas da princesa Palatina. Descartes descreve vários estados emocionais e seu
processo no corpo humano.

Entretanto, J. Mattheson, um importante tratadista do barroco, na obra Der


Vollkommene Capelmeister, diz:

“A respeito da doutrina dos temperamentos e emoções,


especialmente Descartes tem que ser lido (o tratado das paixões da
alma ) por que ele fez muito em música. Esta obra serve-nos
perfeitamente, ensinando a distinguir bem entre as sensações do
ouvinte e como as fontes do som o afetam.” (HARRIS,1993,
Dissertation Services)

As Paixões da Alma se divide em três partes, a primeira fala das paixões em geral e
de toda a natureza do homem, a segunda fala das seis paixões primárias, o número
e a ordem das paixões, e a terceira sobre as paixões específicas.

“As percepções que se referem somente à alma, aquelas cujos


efeitos se sentem como na alma mesma e de que não se conhece
comumente nenhuma causa próxima à qual possamos relacioná-
las: tais são os sentimentos de alegria, de cólera e outros
semelhantes, que são às vezes excitados em nós pelos objetos que
movem nossos nervos, e outras vezes também por outras causas. “
(Descartes, art.25)

Neste trecho do artigo 25, Descartes fala das percepções que relacionamos com a
nossa alma.

Os teóricos que tentaram classificar e sistematizar os recursos da Teoria dos Afetos


foram principalmente os alemães. A discussão da Doutrina (ou teoria) dos Afetos
começou com os trabalhos de Nucius, Cruger, Schonsleder e Herbst, e tornou-se
mais explicita com Bernhard, finalmente se cristalizando de forma definitiva com
Vogot, Mattheson, e Scheibe ( BUKOFZER, 1947, p.388).

Johan Mattheson (1681-1764) na obra Der Vollkommene Capellmeister de 1739,


aborda os afetos na música, com indicações composicionais, e expõe uma nova
visão, onde dá ênfase  à necessidade do compositor conhecer os afetos e as
paixões.  O compositor de musica instrumental deveria usar o recurso adequado

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para cada sentimento como, por exemplo, para a alegria, utilizar intervalos largos, 
e para tristeza intervalos pequenos.

Joachin Quantz (1679- 1773) escreveu Versuch einer Aneisung die Flote
Tranversiere zu Spielen (1752) que apresenta elementos de  técnica e estilo  de
execução para flauta, podendo servir para música vocal e para outros
instrumentos. Para ele, o bom interprete deve saber reconhecer as representações
dos afetos, e menciona como fazer esse reconhecimento.

Os afetos e as tonalidades foram também  discutidos pelos autores Marc Antonie


Chapentier, mestre de capela da Sainte Chapelle de Paris, na obra Règles de
Composition, e Jean Phillipe Rameau (1683-1764), compositor e teórico francês no
seu Traité de I’Harmonie de1772. O próprio Mattheson na obra Das Neu-eroffnet
Orchestre (1713) abordou extensamente o assunto.

Quanto aos ornamentos, foi bastante conhecido o trabalho de Francesco Geminiani


(ca.1687-1762)  intitulado The art of playing on the violin, com orientações
especificas sobre ornamentos e afetos.

Nem todos os compositores tenham chegado a um consenso em relação às


tonalidades e sua influência  nos afetos, tornando desse modo a concepção dos
afetos na música um conceito que tende para uma interpretação pessoal. Mas, o
que devemos portanto salientar é a essência desse pensamento , ou seja ,a música e
quais emoções ela pode despertar no ouvinte e os recursos composicionais que são
mais adequados para evidenciar a representação dos afetos.

TABELA1

Relação entre tonalidade e os afetos por Mattheson:

Ré menor Devoto, calmo, fluente grandiosoSol maior Insinuante, falante


Sol menor Serenidade, amabilidade, Dó menor Amável e triste
vivacidade
Lá menor Lamentosa, respeitável e Fá menor Suave, serena,
serena profunda e pesada
Mi menor Pensamentos pesados, aflitos Si bemol maior Divertido e
e tristes exuberante
Dó maior Rude e atrevido Mi bemol maior patético
Fá maior É capaz de exprimir os mais La maior Paixões lamentosas
belos sentimentos do mundo e tristes
Ré maior Penetrante e teimosa Mi maior desespero
Si menor Bizarro, melancólico Fá sustenido Tristeza, aflição
menor

 (MATTHESON,1713)

TABELA 2

CORRESPONDENCIAS ENTRE TONALIDADES E AFETOS – MODO MAIOR


Mattheson Quantz Rameau Charpentier
Dó  maior Rude Alegre Alegre Guerreiro
Ré maior Alegre Alegre Alegre Alegre
Mi maior Penetrante Alegre Grandioso Questionador
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Fa maior Generoso Prazeroso Majestoso -
Sol maior Amoroso Prazeroso Afetuoso Doce ,alegre
Lá maior Brilhante Alegre Brilhante -
Sib maior Magnífico Alegre Intempestivo -
Mib maior Choroso Cantábile - -

TABELA 3

CORRESPONDENCIAS ENTRE TONALIDADES E AFETOS – MODO MENOR


Mattheson Quantz Rameau Charpentier
Dó  menor Triste Melancólico Lamentoso Triste
Ré menor Devoto Terno Compaixão Devoto
Mi menor Aborrecido Terno Terno Lamentoso
Fa menor Doloroso Melancólico Lamentoso -
Sol menor Encanto Terno Afetuoso Magnífico
Lá menor Honroso Melancólico - -
Si menor Melancólico Melancólico Terno Melancólico

 (GATTI, 1997,pag. 54)

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

BUKOFZER,Manfred F. Music in the Baroque Era – From Montiverdi to


Bach. w.w.Norton e Company.Icn.New York 1947

DESCARTES, Rene. O tratado das Paixões da Alma,1649. Retirado do


www.4shared.com

FUBINI, Enrico. Estética da Música. Lisboa, edições 70,  2008

GATTI, Patrícia, A expressão dos afetos em peças para cravo de François


Coupeirin (1668-1733). Universidade Estadual de Campinas – Instituto de
Artes.

GROUT, Donald V. e PALISCA, Claude V. História da música ocidental.


Tradução: Ana Luiza Maria, Lisboa, Gradiva,2007. Citação de  Samuel
Quickellberg, cit. in wolfgang  Boetticher,Orlando di Lasso ,1,240.
 
HARNONCOURT, Nicolas. O discurso dos Sons – caminhos para uma nova
compreensão musical. Jorge Zahar editor LTDA, Rio de Janeiro, 1998.

MATTHESON, Johannes. Das Neu – eroffnet Orchester. Tradução: Lucia


Carpena e Renati Sudhaus (Nov./2000). Hamburgo,1713.

MATTHESON, Johannes.   Der Vollkommene Capellmeiter. Tradução e


comentário de Harriss Ernest.EUA;UMI – Dissertation Services, Michigan,1993.
UMT.

SALGADO, Rafael. doutrina dos afetos. Salgado.weebly.com/122436

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