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FRACO CONSOLO

CÃO BRANCO

P
olanski chegou a ser convidado, cachorrinho, “the younger, the better”. De
e era uma escolha perspicaz, modo que o cão cresce com ódio a negros, e
mas entretanto teve problemas enlouquece mal vê um à frente. Os cães
com a lei e fugiu da América. apreendem o mundo a preto-e-branco, escla-
“Cão Branco” passou depois por rece Keys, e alguns homens também.
várias mãos, até que a Paramount se lem- Keys pede que lhe concedam cinco sema-
brou de Samuel Fuller, veterano da poverty nas de “destreino”; se não tiver sucesso, liqui-
row, homem de inimpugnáveis instintos po- da o bicho. O tratador prende o cão numa
pulistas, e habituado a trabalhar com pouco jaula, aproxima-se dele, com um fato de pro-
tempo e ainda menos dinheiro. Ex-jornalista, tecção, tenta dominar aquele ferocíssimo
Fuller cultivava um estilo de ‘reportagem’ es- “mastim dos Baskervilles”. Filho de antropó-
tilizada, e conhecia bem o tema racial (há logos, Keys pratica uma espécie de antropolo-
uma cena inesquecível no seu “Shock Corri- gia canina, usa técnicas de confronto, depen-
dor”, de 1963, com um afro-americano vesti- dência, confiança. Faz do ‘recondicionamen-
do de Ku Klux Klan, gritando ameaças supre- PEDRO MEXIA to’ uma missão. Mas o cão é indomável, rói a
matistas). Completado em 1981, o estupendo rede, o arame farpado, a vedação electrifica-
“Cão Branco” foi no entanto criticado à partida por umas quantas da, e volta a atacar um negro, numa igreja, enquanto, vigilante
organizações melindrosas, e o estúdio teve medo de polémicas, de mas impávido, um vitral com um São Francisco de Assis irmão de
modo que o último opus americano de Fuller não chegou a estrear todas as criaturas assiste à matança (não é difícil perceber a indi-
comercialmente. recta). Quando o dono do cão finalmente aparece, trata-se de um
“Cão Branco” começa nas colinas de Los Angeles, à noite. Ju- pacato redneck, com duas netinhas, que reage à acusação de ter
lie, uma jovem actriz, atropela um cão num túnel. Leva-o ao veteri- criado um “cão branco” com um embaraço orgulhoso. Mas o que
nário, onde lhe dizem que o bicho irá para um canil, onde será fazer ao cão? É mesmo possível “desprogramar” o racismo? E se o
abatido se ninguém o reclamar. A contragosto, Julie aceita ficar cão deixar de atacar negros, pode vir a atacar brancos?
com ele, apenas para que não o eliminem. E acaba por se afeiçoar Fuller era um cineasta melodramático e pragmático, tablóide
àquele pastor alemão branco, não muito novo, aparentemente pa- e poético, didáctico e insolente, inteligente e histérico. “Cão
cífico, mas com uns dentes temíveis. O cão brinca com a nova Branco” recorre a grandes planos, zooms, à iluminação ostensi-
dona, vigia-a, defende-a de uma violação. Mas essa ‘protecção’ va, à música épica e ameaçadora, a televisões aos berros e zooló-
começa a ser excessiva, e de repente o cão também rosna ao namo- gicos enlouquecidos. Fuller tinha dirigido filmes de guerra desro-
rado de Julie. Pior ainda é quando desaparece e mata um negro, mantizados e viris; tinha concebido manicómios menos loucos
condutor da carrinha do lixo. Regressa a casa ensanguentado, do que o mundo dos sãos; tinha boicotado o cliché da prostituta
mas a actriz não sabe o que aconteceu (“did you get in a fight?”). E redimida, e mais ainda. Em “Cão Branco”, criou um dos mais
a seguir, o cão ataca uma actriz negra. Julie suspeita de alguma poderosos animais alegóricos do cinema, o qual, como lembrou
coisa, ficou assustada com a agressividade do animal, mas prefere um crítico, está algures entre o metafísico Balthazar de Bresson
‘destreiná-lo’ a abatê-lo. O cão está “doente”, diz, e mais “doentes” e o melvilliano tubarão de Spielberg, ou, acrescento, os ursos
são as pessoas que o treinaram como “cão de ataque” (essas é que amorais de Herzog.
deviam ser abatidas, diz ela). O texto que esteve na origem do guião, “Chien Blanc” (1970), é
Devidamente açaimado, o cão é levado a um tratador de ani- um perturbador romance autobiográfico de Romain Gary, diplo-
mais selvagens, responsável de uma empresa, verdadeira arca de mata e romancista que se descobriu dono de um cão ‘racista’.
Noé, que aluga toda a espécie de fauna a clientes do mundo do Gary vivia na América, e era casado com uma actriz, Jean Seberg,
espectáculo. O tratador é um homem da velha escola, um admira- apoiante activa dos Black Panthers, que eram visitas da casa. Ter
dor de John Wayne que detesta a “Guerra das Estrelas” e os “ro- um cão racista, nessas circunstâncias, era fatal. O “Cão Branco”
bôs” em geral. Sem rodeios, explica a Julie que é difícil “destrei- de Gary é uma meditação sobre o racismo, o “radicalismo chique”,
nar” um “cão de ataque”. Sobretudo quando se trata, como depres- a paranóia estatal, as mágoas conjugais. O “Cão Branco” de Fuller
sa verifica, de um “cão branco”. Outro tratador, um negro chama- é muito diferente, menos politizado e mais político. Pessimista,
do Keys, explica a Julie que os primeiros “cães brancos” eram hostil às piedosas intenções do cinema “liberal” norte-americano,
usados para perseguir escravos em fuga, e mais tarde perseguiam Fuller considera o racismo uma “doença mental”, talvez evitável,
pretos foragidos da cadeia ou pretos em geral. Para ‘programar’ mas sugere que a violência é um mal incurável. A
os cães, um dono branco contrata um negro bêbedo ou drogado e pedromexia@gmail.com
paga-lhe para dar uma tareia ao cão, quando este ainda é um Pedro Mexia escreve de acordo com a antiga ortografia

Fuller era um cineasta melodramático e pragmático, tablóide e poético,


didáctico e insolente, inteligente e histérico. “Cão Branco” recorre a
grandes planos, zooms, à iluminação ostensiva, à música ameaçadora
Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 3

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RADAR

SUMÁRIO
MÚSICA
50 DISCOS OBRIGATÓRIOS
Música clássica, jazz e pop/rock P6
ROXY MUSIC
“The Complete
Studio Recordings” P22
JJ DOOM
“Key to the Kuffs” P24
CONCERTOS
Festival Madeira Dig P25

CINEMA
“ANNA KARENINA”
Conversa com Joe Wright P26
MICHAEL HANEKE
Entrevista ao realizador P28
“AMOR”
Palma de Ouro em Cannes P30

TEATRO & DANÇA


MADALENA VICTORINO
“A Lã e a Neve” na Culturgest P34

EXPOSIÇÕES
“FLAGRANTE DELEITE”
De Rosemarie Trockel P36

LIVROS

JOSÉ PEDRO TOMAZ


NÃO-FICÇÃO
Biografia do pianista de Hitler e vida
do embaixador de Roosevelt P38
“MUDANÇAS”
De Mo Yan, Prémio Nobel 2012 P40
GEORGE STEINER
“A Poesia do Pensamento” P42

IDEIAS & DEBATES


Joaquim Benite, 1943-2012
NEOLIBERALISMO
Uma reflexão P44
oaquim Benite começou como jornalista, aos 20 lidade atraente, porque atenta à vida real das pessoas
TELEVISÃO
“SCANDAL”
A nova série da Fox P48

CAPA ILUSTRAÇÃO DE GONÇALO VIANA


J anos. Escreveu, entre outros jornais, para “O Diá-
rio”, “O Século” e “Diário de Lisboa”, quer no cam-
po da análise social e política quer no campo da
crítica teatral. Foi, aliás, como trabalhador de teatro que
a sua vida adquiriu um relevo particular. Criou o Grupo
reais, e a uma programação heterogénea sempre em pro-
gresso qualitativo, faz do Festival um marco crucial para a
história do teatro português das últimas décadas. Aí jun-
tou criadores nacionais, de diversas idades e gerações, aos
maiores nomes estrangeiros, como Peter Brook, Giorgio
de Teatro de Campolide, em 1970, e com este grupo insta- Strehler, Peter Zadek, Peter Stein e Patrice Chéreau, só
la-se em Almada, de onde nunca mais, verdadeiramente, para citar alguns exemplos. Joaquim Benite encenou deze-
saiu. Contudo, é a partir desse momento que a sua ativida- nas de espetáculos, de Shakespeare a Samuel Beckett e
de extravasa não só para o contexto nacional como para Duras. O seu “Othello” foi um marco na relação dos clássi-
fora de Portugal. Inaugura o Teatro Municipal de Alma- cos com o público, como mais tarde “A Mãe”, de Brecht/
da, em 1987, com a peça “Dona Rosinha a Solteira”, de Gorki. Encenou recentemente as óperas “A Clemência de
Federico García Lorca Lorca; inaugura em 2005 o novo Tito”, de Mozart, bem como “O Doido e a Morte” e “A
edifício deste mesmo Teatro Municipal, um projeto dos Rainha Louca”, do compositor português Alexandre Del-
arquitetos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira. Em gado. Joaquim Benite faleceu na terça-feira à noite, na
1984 cria o Festival Internacional de Teatro de Almada, sequência de complicações respiratórias motivadas por
que em 2013 terá a sua 30ª edição. Trata-se do mais im- uma pneumonia. Preparava então, com a assistência de
portante festival de teatro em Portugal e um dos mais Rodrigo Francisco, uma nova encenação da peça “Timão
conceituados da Europa. A sua capacidade de captação de de Atenas”, de Shakespeare, obra que já tinha apresenta-
público, devido a um habilíssimo trabalho de sensibiliza- do no Festival de Teatro Clássico de Mérida, em 2008.
ção das populações, a uma política de preços e de acessibi- João Carneiro

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SOBE & DESCE
BOOK GIFT MICHAEL HANEKE
Porto Editora apresenta “Amor” arrasou nos
novo produto cultural Prémios do Cinema Europeu

A nova aposta do Grupo Porto


Editora chama-se Book Gift. Trata- O novo filme do cineasta austríaco
-se de um conceito inovador de Michael Haneke juntou à Palma de
prenda que tem o livro como Ouro conquistada no Festival de
elemento central. Tendo por base Cinema de Cannes os quatro mais
o catálogo de todas as chancelas importantes galardões da 25ª edição
do Grupo, o Book Gift existe em dos Prémios do Cinema Europeu. Na
quatro versões — desde a ficção cerimónia do passado sábado, em La
mais literária até à não-ficção —, Valletta, Malta, “Amor” venceu os João Pedro
correspondendo cada uma delas a prémios de Melhor Filme, Melhor
um universo de centenas de livros, AMY WINEHOUSE Realizador, Melhor Ator (Jean-Louis Rodrigues
Quem recebe é quem escolhe o
título que prefere.
Casa onde a cantora morreu
vendida por ¤2,44 milhões
Trintignant) e Melhor Atriz (Emma-
nuelle Riva). A obra estreou nas
e João Rui
salas portuguesas na quinta-feira Guerra da Mata
NOVO LOUVRE EM LENS (ver entrevista com o realizador na
Museu inaugura numa A casa de Amy Winehouse, no bairro página 28). Depois da estreia mundial em
zona pobre de França londrino de Camden Town, onde a Locarno, “A Última Vez Que Vi
cantora morreu a 23 de julho de Macau”, novo trabalho dos cineas-
A ideia nasceu em 2003 e está 2011, aos 27 anos de idade, foi vendi- tas, tem sido selecionado pelos
agora concretizada. O Louvre da em leilão por ¤2,44 milhões. WOODY ALLEN maiores festivais internacionais.
inaugura uma sucursal em Lens, Nada se sabe sobre a identidade do O dia a dia do cineasta foi Conquistou no passado sábado o
uma das zonas mais pobres de comprador, protegida por normas de filmado durante ano e meio prémio de Melhor Documentário
França. A coleção exposta percor- confidencialidade. Convertida em no Festival de Cinema de Turim.
re a história da Arte da Mesopotâ- local de peregrinação pelos fãs da
mia ao século XIX e inclui obras de diva, a vivenda estava à venda desde Woody Allen permitiu que uma
Botticelli, Perugino, Rafael, Rubens, maio. Mas o pai de Amy resolveu câmara lhe seguisse os passos e se António Chainho
Maler, Rembrandt e Goya. levá-la a leilão por causa da dificulda- introduzisse na sua vida quotidiana.
de que encontrou para a vender, tal Durante ano e meio, Robert B. Wei- O mestre da guitarra portuguesa
AROSO E REDSHOES a quantidade de interessados que de, vencedor de um Emmy e nomea- voltou a ser agraciado, desta vez
“3’30’’ — Percussive Sung queriam ver a casa. do para um Oscar, filmou o dia a dia nos Prémios Amália, tendo sido
Songs” em estreia no CCB do realizador. O resultado é um distinguido com o Prémio Prestígio.
documentário biográfico, “Woody
Allen: A Documentary”, com estreia
DAVE BRUBECK marcada para dia 28. Penélope Cruz
1920-2012 e John Cusack são duas das persona-
gens reais do filme.

O autor dos célebres ‘Take Five’ e


‘Blue Rondo La Turk’, o pianista

Dupla aparentemente improvável,


Dave Brubeck foi um dos músicos
mais influentes de sempre no mundo
Fundação
Nuno Aroso, percussionista desta- do jazz. Faleceu na quarta-feira, Niemeyer
cado na cena da música contempo- precisamente um dia antes de com-
rânea, e Rita Redshoes, intérprete pletar 92 anos. Pianista, compositor O Foro Asturias, um dos partidos
e compositora, que desde 2008 e diretor de orquestra Dave Brubeck políticos daquele principado espa-
desenvolve a sua carreira a solo, foi, talvez, um dos mais famosos nhol, acusa a Fundação Centro
vão subir sexta-feira, às 21h, ao músicos de jazz do século XX. A sua Cultural Internacional Oscar
palco do Pequeno Auditório do fama perdurou desde a década de 50 Niemeyer de má gestão de fundos
CCB, em Lisboa, para apresentarem até ao início do novo século, sobretu- públicos e já apresentou uma
“3’30’’ — Percussive Sung Songs”, do através do seu quarteto que in- queixa-crime contra a instituição.
um trabalho de construção de um cluía o grande saxofonista alto Paul Em causa estão ¤1,8 milhões que
universo que articula linguagens e Desmond. A sua formação erudita o principado das Astúrias e a
dá novo espaço a sons, palavras e não gerou unanimidade na aprecia- autarquia de Avilés entregaram à
gestos. Com eles vão estar, entre ção da sua música, criando uma Fundação “para tapar o buraco
outros, os compositores Oscar fricção com o jazz mais negroide, financeiro levado a cabo pelos
Bianchi, Matthew Burtner, Martin mas a sua popularidade, sobretudo seus responsáveis”, lê-se no
Bauer e Peter Ablinger. pelos concertos nas escolas, nunca comunicado do Foro Asturias.
cessou de evoluir.

Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 5

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CAPAMÚSICA50 DISCOS

50 DISCOS
QUE TODA A GENTE
DEVE OUVIR
Meia centena de álbuns (mais uma centena
de suplentes) que os leitores do “Atual” devem conhecer

Textos Ana Rocha, João Lisboa, João Santos, Jorge


Calado, Jorge Manuel Lopes, Raul Vaz Bernardo,
Ricardo Saló, Rui Tentúgal Ilustrações Gonçalo Viana

Após uma longa consideração sobre o conjunto de


discos comercializados desde o início do século XX,
os críticos de música do Expresso escolheram 50
cuja audição recomendam aos leitores. Recuperan-
do o cânone ou apostando na surpresa, aqui estão
alguns dos mais importantes álbuns da História e
alguns dos melhores jamais editados, mas não to-
dos. Apenas 50 opções de excelência cuja escuta irá
enriquecer culturalmente quem lhes dedicar a sua
atenção. Para ajudar a suprir lacunas numa tarefa
inexaurível, acrescentamos outras 100 sugestões, re-
partidas por listas de música clássica, jazz e popular.
São listas jeitosas para recortar e trazer na carteira
ou para servir de rol para o Natal.

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CAPAMÚSICA50 DISCOS

Foi um engenheiro ativo — o mítico Duarte Pache- vida. (Ganharia outro Grand Prix em 1962, com
co — que convidou Pedro de Freitas Branco (PFB, música de Falla.) Mas, por cá, PFB era visto com a
1896-1963) para fundar, organizar e dirigir a Or- proverbial inveja e recebido com indiferença (e
questra Sinfónica da Emissora Nacional (OSEN, pateadas). Com “La Valse”, abriu-me os ouvidos. As
1934). Hoje, os gestores querem fechar antenas e visões fugitivas (como num esquisso de desenho), as
canais e consignam outros ao desbarato. Amigo de derrapagens e mudanças de tempo (às vezes) no
Prokofiev, Ravel e Rodrigo, PFB era considerado o mesmo compasso — uma música fascinante que não
maior intérprete de Ravel. Em 1932, o compositor se sabia em que direção ia. Quanto ao choque mini-
chamara-o para codirigir, em Paris, um festival com malista do “Boléro”, ninguém, nem o próprio Ravel,
a estreia mundial do “Concerto em sol, para piano” foi capaz de segurar aquele ritmo insuportável. O
JORGE CALADO (com Marguerite Long). Quanto ao prestígio inter- que Toscanini despachara em menos de 14 minutos
nacional, basta citar uma série de concertos (1938) e Ravel (aliás, Albert Wolff...) em 15 minutos e
em Monte-Carlo dirigidos por Toscanini, Bruno meio, levava a PFB 18 minutos e 36 segundos — a
Walter, Furtwängler, Richard Strauss e... Freitas versão definitiva. Está editado em CD em “Les
Branco! Em Portugal, nos anos 40 e 50, havia Rarissimes de PFB” — hoje rarissérrimos. Infeliz-
concertos (gratuitos) na Estufa Fria, no Pavilhão mente, a vida já não é uma valsa. Com gestores e
dos Desportos e nas Ruínas do Carmo. No Pavilhão, políticos de chacha, corruptos e de mula ruça,
pontificava PFB à frente da OSEN, com uma progra- quando muito não passa de um chá-chá-chá.
RAVEL: “LA VALSE”, mação arrojada: música do seu tempo (em geral,
“LE BOLÉRO” com menos de 30 anos), primeiras audições várias.
(Ducretet-Thomson, 1954) 1954 marca a consagração definitiva: o Grand Prix 1954 marca a consagração
Orchestre du Théatre du Disque — uma espécie de Nobel para o intérpre- definitiva: o Grand Prix
des Champs-Élysées, te —, pelas suas gravações de obras de Ravel, entre du Disque, pelas suas
Freitas Branco (d) as quais “La Valse” e “Boléro” neste disco da minha gravações de obras de Ravel

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para cada sentimento). Ouçam ‘Ah! mio de Viena), mas morreu poucas semanas mas para ir mergulhando aos poucos,
cor!’ (II ato) e percebam que "a música é antes, com 68 anos. Confissão final: não aqui e ali, até à imersão total neste
o alimento do amor" (Shakespeare). J.C. são necessárias mais gravações da “No- oceano sem fundo. O cobiçado ouro do
na”, mas gostava de ouvir o que Andris Reno é roubado por um nibelungo e, feito
Nelsons faria com ela... J.C. anel, passa de mão em mão... e, com ele,
a desgraça. A que leva a ganância do
capitalismo! (George Bernard) Shaw foi o
MONTEVERDI: “ORFEO” (Teldec, 1969) primeiro a perceber que o “Ring” retrata
Harnoncourt (d), Concentus Musicus de Viena a evolução da riqueza das nações: se os
nibelungos são mineiros industriais,
Na fábula trágica de Monteverdi, todo o Walhalla (o palácio dos deuses construí-
turbilhão da vida e do seu corolário com MOZART: “SINFONIAS N.º 40, do pelos gigantes) é Wall Street! Talvez
a presença da morte despontam da N.º 41 (JUPITER)” (Archiv, 2006) fôssemos mais bem governados se os
primeira (1969) das duas gravações Les Musiciens du Louvre, Minkowski (d) SCHUBERT: LIEDER, VOL. III políticos arrebitassem as orelhas e fre-
realizadas pelo maestro austríaco. Logo (Deutsche Grammophon, 1972) quentassem a ópera. Pelo menos apren-
nas danças do I ato baqueamos perante a Foram os germânicos que inventaram a D. Fischer-Dieskau (barítono), diam o que os espera: o descalabro dos
força inovadora de Harnoncourt na verti- música clássica — sinfonia, concerto, Gerald Moore (piano) deuses. Com os ‘motivos condutores’,
gem rítmica, nos contrastes expressivos quarteto, etc. — tal como a conhecemos. Wagner aplica a divisão do trabalho à
e na mudança de climas psicológicos. Na Na origem está Haydn, mas não há vida É impossível termos à nossa frente um música: um tema para cada personagem,
sua discografia com interpretações sem Mozart. Quantas gravações haverá retrato da realidade total da música objeto, ideia, ação. Fechando os olhos, é
radicalmente depuradas, o Concentus destas ultrapopulares sinfonias? Não vocal de Schubert. Sermos realistas é possível imaginar o enredo. A primeira
Musicus manifestou desmesurada produti- admira que a indústria esteja de rastos. compreender isto. Gravando os três gravação de estúdio foi a de Solti (1958-
vidade entre 1954 e 1979: 160 gravações Será preciso mais do mesmo, mas em grandes ciclos de Schubert, Dieskau -65), mas já perdi a conta ao número de
lançadas no mercado discográfico, coroa- pior? A sorte é que de vez em quando teve ao seu dispor um Moore no apogeu integrais (e apareceu recentemente mais
das de prémios. Na Áustria, a corporação aparece um disco que muda tudo, que dos seus meios pianísticos. Ambos uma, a da produção de Lepage, no Met,
dos críticos dividiu-se em dois clãs: o dos transforma o familiar numa novidade. Esta manifestam uma profunda compreensão em DVD). Registada ao vivo no templo
céticos, a perorar sobre o “timbre anémi- primeira incursão de Marc Minkowski em do universo schubertiano, que divulga- wagneriano de Bayreuth, a versão de
co dos instrumentos”, e o dos fãs incondi- Mozart é um bom exemplo. Até o comple- ram de forma incansável. Ao longo de Böhm é uma cavalgada deslumbrante.
cionais, que classificaram a gravação mento — o bailado que fecha “Idomeneo” uma carreira sem mácula, o barítono Depois, os cantores: Nilsson, Rysanek,
como uma prodigiosa revelação e um — saltita, cheio de energia. (Em cena, é alemão (faleceu em maio de 2012) cres- Mödl, Dernesch, Silja, Adam, Windgassen,
milagre de música sem poeira. Juntamen- um anticlímax.) Aprecie-se o delírio conta- ceu habituado a desafiar qualquer interlo- King, Neidlinger, Stewart, Greindl, Talvela,
te com Leonhardt, Harnoncourt estabele- giante dos andamentos rápidos da N.º 40, cutor e partitura. A crítica inventou o etc. Hoje não há ninguém que se possa
ceu novos cânones internacionais para a e a majestade quase beethoveniana da termo “dieskaugrafia” para referir a medir com qualquer deles. (A propósito:
sonoridade e técnica instrumental. A.R. N.º 41 (1788), com o incrível fugato final de quantidade assombrosa das suas grava- Böhm substituiu Furtwängler em Lisboa,
cinco temas. Não conheço melhor anúncio ções ao vivo e em estúdio. Os “dieskaufi- em 1954.) Uma boa introdução é entrar
da Revolução Francesa... J.C. los” podem aqui apreciar diferentes no “Ring” a meio: “Die Walküre”, um
abordagens estilísticas e vocais quer na desaguisado familiar. Começa com um
qualidade do cantor mais “natural” e homem a correr e acaba com uma mu-
“espontâneo” quer como o mais enfático lher a dormir. J.C.
e sofisticado da sua geração. Páginas
antológicas para os ‘Lieder’ de Schubert,
servidos com timbre e expressividade
HANDEL: “ALCINA” (Erato, 2000) fenomenais. A.R.
Les Arts Florissants, Christie (d)
BEETHOVEN: “9.ª SINFONIA” (EMI, 1951)
A voz precede o som da flauta de Pã e Bayreuther Festspiele, Furtwängler (d)
está nas origens da música dita séria,
clássica, erudita, sabichona, profunda. A “Nona” é o hino europeu (para quem VERDI: “FALSTAFF” (EMI, 1957)
Adjetivos horríveis para um género sem ainda acredita). Beethoven atreveu-se a Philharmonia Orchestra, Karajan (d)
nome. No princípio era Monteverdi. Avan- juntar a voz à orquestra e, a partir daí, a
çando meio século chega-se a Handel, o sinfonia nunca mais foi a mesma. Parece Na véspera do bicentenário (que partilha
compositor global nascido em Halle que há mais de 100 gravações ‘oficiais’ (ou WAGNER: “DER RING com Wagner), Verdi tinha de estar pre-
(Saxónia), que em Roma foi romano e em centenas, contando os registos ‘piratas’). DES NIBELUNGEN” (Phillips, 1967) sente. É, com Janácek, o mais humano
Londres reinventou a englishness com a Escolho esta por ser de quem é (Furtwän- Bayreuther Festspiele, Böhm (d) dos compositores de ópera. Sabia, à
oratória inglesa. Com cerca de 40 óperas gler) e por marcar uma ocasião especial: a partida, que poderia ter feito uma lista
e 30 oratórias, o problema é a escolha. O reabertura do Festival de Bayreuth (1951), São quatro óperas e 14 discos, mas é só com gravações de Karajan, de Bach a
êxito de “Alcina” (1735) continua nesta após o pecado da contaminação nazi (e uma obra una e única — e, no fim, volta Webern; reservei-o para a última ópera-
gravação ao vivo, com Les Arts Floris- um processo rápido de desnazificação). A tudo circularmente ao princípio (ou não -prima de Verdi, imprescindível em
sants. A imaginação jazzística de Renée leitura caracteriza-se por flutuações fosse um anel). Do auto moral de “Das tempo de crise. Verdi, um octogenário
Fleming vai a matar com as liberdades do expressivas de tempi, numa incessante Rheingold” à novela de “Die Walküre”, ao sábio para quem “tutto nel mondo è
barroco. Na opera séria a história é para procura do pensamento beethoveniano romanceiro de “Siegfried” e à tragédia burla”! A primeira das gravações de
os recitativos e os sentimentos para as para lá das notas e da forma. Furtwängler épica de “Götterdämmerung”. Tal como a Karajan do “Falstaff” (remastered, 1999)
árias (e, em Handel, há um instrumento viria a Lisboa em 1954 (com a Filarmónica Bíblia, não é para ler/ouvir de seguida, continua imbatível, com uma frescura e

Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 9

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CAPAMÚSICA50 DISCOS

pujança rítmica admiráveis. Quanto ao sensação é a de música complexa reduzi- entusiasmada pede, em extra, o ‘Perdido’
elenco, temos os cantores regulares do da à sua essência: estruturas espartanas (de Juan Tizol). Sem papas na língua,
São Carlos ao longo dos anos 50 e 60: e transparentes; valorização esplendorosa Vaughan retorque “Not tonight, baby”, e
Gobbi, Moffo, Alva, Panerai, Barbieri, até dos timbres. Pensem num cristal multifa- avança com mais um tema de Gershwin, CLÁSSICA
a Schwarzkopf (em concertos e recitais). cetado! Guiados pela direção analítica e ‘I’ve got a crush on you.’ Também eu
“O tempora o mores!” Shakespeare, rigorosa de Pierre Boulez, almofadados tenho um fraquinho por ela. J.C.
Boito, Verdi, Karajan e, vá lá, Gobbi, pela voz sumptuosa de Jessye Norman, é BUS: ROMAN DE FAUVEL (Electrola, 1972)
Schwarzkopf e companhia — eis os fácil a entrada neste mundo sonoro. A Studio Der Frühen Musik,
alegres compadres e comadres do nosso grande maioria das canções coligidas Thomas Binkley (d)
contentamento. J.C. neste disco foram compostas na juventu- VÁRIOS: DECAMERON (Astrée, 1980)
de. Cá estão os “Sieben frühe Lieder”, Esther Lamandier
cujas raízes se encontram no passado, VÁRIOS: LLIBRE VERMELL
mas com inflorescências orquestrais que DE MONTSERRAT (EMI, 1979)
anseiam pelo futuro. ‘Die Nachtigall’ (rouxi- Hespèrion XX, Jordi Savall
nol) — uma tradição da ópera barroca, BERIO: “SINFONIA” (FORMAZIONI, VÁRIOS: THE LEAVES BE GREENE:
agora sem alindamentos onomatopeicos FOLK SONGS) (Decca, 1990) THE RENAISSANCE OF ENGLISH MUSIC
— evoca Schumann, mas descamba numa Royal Concertgebouw Orchestra, Chailly (d) (L’Oiseau-Lyre, 1972)
harmonia inquietante. Quanto aos “Alten- The Consort of Musicke with Martyn Hill
MAHLER: “DAS LIED berger Lieder”, sucintos como os esboços A “Sinfonia” (1968) de Luciano Berio, PALESTRINA: OFFERTORIA (Chandos, 2007)
VON DER ERDE” (EMI, 1966) de textos (em postais ilustrados) de composta para o 125.º aniversário da NY Choir of Trinity College,
Ludwig, Wunderlich, Klemperer (d) Peter Altenberger que lhe estão na base, Philharmonic, é uma deliciosa confeção do Cambridge, dir. Richard Marlow
confirmam os interesses literários de ano mágico de 1968. Onde Beethoven MONTEVERDI: “ORFEO” (Teldec, 1969)
Se há disco perfeito, é este: uma conjun- Berg. A brevidade das peças — várias pôs, Berio dispôs. Na música, a mais Harnoncourt (d), Concentus
ção ímpar de compositor, maestro (Klem- pouco ultrapassam o minuto — contrasta abstrata das artes, cabe tudo. Nesta obra Musicus de Viena
perer), orquestra (Philharmonia) e solis- com a grande orquestra. Uma espécie de para orquestra e oito vozes (amplifica- PACHELBEL: CANON IN D MAJOR &
tas. A luminosidade vocal de Fritz Wunder- contração do tempo e dilatação do espa- das), notas, fonemas e palavras juntam- GIGUE (Eloquentia & Deutschlandfunk, 2006)
lich e o timbre maternal de Christa Lud- ço (isto é, uma relatividade invertida). Na -se numa alegre salgalhada. Depois do 1.º Harmonie Universelle
wig! Mahler inspirou-se numa compilação canção central, ‘Über die Grenzen des All’, andamento (onde impera o “cru e o cozi- VIVALDI: THE VIVALDI
de textos (“A Flauta Chinesa”) de poetas contemplam-se os limites insondáveis do do”) e do 2.º (dedicado a “O Martin Luther ALBUM (Decca, 1999)
da dinastia Tang (século VIII) para compor universo e da vida: “plötzlich ist alles aus” King”), vem a collage lúdica do 3.º: um Cecilia Bartoli/Il Giardino Armonico
esta sinfonia sem número. Seria a sua (de repente tudo acabou). Estava-se em cozinhado de citações literárias e musi- — Giovanni Antonini
Nona, mas tinha razões para recear que vésperas da I Guerra Mundial. Como podia cais, à boleia do scherzo da “2.ª Sinfonia” BACH, J. S.: THE 1955 GOLDBERG
fosse a última (como nos casos de Bee- Stravinsky dizer que a música é incapaz, de Mahler. “Keep going!” Tudo o que VARIATIONS: BIRTH OF A LEGEND
thoven ou Bruckner). O tom é outonal e pela sua própria natureza, de exprimir mexe entra: da “Valse” (Ravel) e “La Mer” (Sony BMG, 2005)
sombrio. Nem o vinho espanta a tristeza. alguma coisa? J.C. (Debussy) ao “Sacre” (Stravinsky) — sem Glenn Gould
Apenas o scherzo do 5.º andamento (são esquecer Beethoven, Berlioz, Strauss, HANDEL: “ALCINA” (Erato, 2000)
seis, ao todo), ‘O bêbado na primavera’, Schoenberg, Hindemith, Boulez... textos de Les Arts Florissants, Christie (d)
põe os pássaros a cantar. Na ‘Despedida’ Joyce e Beckett, graffiti de maio de 68. ALMEIDA: “LA SPINALBA” (Naxos, 2012)
final — o mais longo de todos os anda- John Cage — cujo centenário se celebra Quintans, Rodrigues, Seara, Fernandes,
mentos —, Ludwig é sublime. Basta ouvir este ano — tem razões para sorrir. J.C. Músicos do Tejo, Magalhães (d)
os últimos compassos para perceber o HAYDN & BOCCHERINI:
que é a eternidade: “Ewig... ewig...” J.C. CELLO CONCERTOS (EMI, 1987)
Jacqueline du Pré
GERSHWIN: “GERSHWIN MOZART: “SINFONIAS N.º 40,
LIVE!” (Columbia, 1982) N.º 41 (JUPITER)” (Archiv, 2006)
LA Philharmonic, MTT (d) Les Musiciens du Louvre, Minkowski (d)
BEETHOVEN: “9.ª SINFONIA” (EMI, 1951)
Crossover? Talvez, mas é um disco Bayreuther Festspiele, Furtwangler (d)
irresistível, gravado ao vivo no Dorothy LUCIER: I AM SITTING IN A ROOM SCHUBERT: LIEDER, VOL. III
Chandler Auditorium de LA. Segundo o (Lovely Music, 1981) (Deutsche Grammophon, 1972)
BERG: “ALTENBERGER maestro (Michael Tilson Thomas, o caris- Alvin Lucier D. Fischer-Dieskau (barítono),
LIEDER, ETC.” (Sony, 1995) mático diretor da Sinfónica de San Fran- Gerald Moore (piano)
London Symphony Orchestra, cisco), “Gershwin é o Johann Strauss Começa com Alvin Lucier a descrever o SCHUMANN: LIEDER
Schein (p), Boulez (d) americano”. Medleys várias (incluindo do que vamos ouvir. Ele vai gravar a sua (DVD Medici Arts/Unitel, 2009)
“Porgy and Bess”), favoritos da Broad- voz e regravar a sua reprodução. Sem- Thomas Hampson, W. Rieger
Acreditem: a 2.ª Escola de Viena (Schoen- way, canções (com MTT ao piano). Aos pre que o som chega ao microfone está CHOPIN: “10 MAZURKAS, PRELUDE OP.
berg, Berg, Webern) produziu música 58 anos, a voz de Sarah Vaughan já não alterado pela ressonância da sala. Em 45, BALLADE OP. 23, SCHERZO OP. 31”
lancinantemente bela. (Há uma caixa de é o que era, mas a imaginação continua cada ciclo de emissão/gravação, as suas (Deutsche Grammophon, 1984)
três discos, de Karajan, que o prova.) prodigiosa, fazendo dela uma intérprete palavras vão desaparecendo, ficando Arturo Benedetti Michelangeli
Recomendo obras curtas e sintéticas quase barroca! E, se os agudos são apenas o ritmo. No final, o som torna-se BRAHMS: CONCERTOS
como as “Seis peças para grande orques- simulados, os graves continuam caverno- música. Este é um dos raros discos que (Deutsche Grammophon, 1997)
tra” (1910/28), de Webern, ou estes cinco sos como os dum baixo profundo. No fim consegue alterar a nossa perceção do K. Bohm, C. Abbado (d), M. Pollini
“Altenberger Lieder” (1913), de Berg. A do concerto, uma espectadora mais mundo. R.T. (piano), Orquestra Filarmónica de Viena

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WAGNER: “DER RING
DES NIBELUNGEN” (Phillips, 1967)
Bayreuther Festspiele, Böhm (d)
VERDI: “FALSTAFF” (EMI, 1957)
Philharmonia Orchestra, Karajan (d)
BRUCKNER: SINFONIAS 3-9 (EMI, 2011)
S. Celibidache (d), Filarmónica de Munique
TCHAIKOVSKY: “THE NUTCRACKER” LESTER YOUNG TRIO (Mercury, 1951) THE BLUES AND THE ABSTRACT
(Phillips, 1998) Lester Young TRUTH (Impulse!, 1961)
Kirov Orchestra, Gergiev (d) Oliver Nelson
RACHMANINOV: PIANO O outro lado de Lester Young, o lendário
CONCERTO N.º 2 (EMI, 1973) HENRY: “MESSE POUR LE TEMPS saxofonista que marcou de forma indelé- Se há obras perfeitas no jazz, esta é
Alexis Weissenberg (p), Berlin PRÉSENT” (Philips, 1967) vel a maneira de tocar jazz no saxofone. seguramente uma delas. Primeiro, os
Philharmonic Orchestra, Karajan (d) LUCIER: I AM SITTING O primeiro exemplo da mutação onde a músicos que nela intervêm — Freddie
STRAUSS, R.: “ELEKTRA” (Decca, 1967) IN A ROOM (Lovely Music, 1981) ingénua alegria das gravações na orques- Hubbard, Eric Dolphy, Oliver Nelson, Bill
Birgit Nilsson/Regina Resnik/Vienna Alvin Lucier tra de Count Basie foi substituída por um Evans, Paul Chambers e Roy Haynes —
Philharmonic Orchestra — Georg Solti FELDMAN: “ROTHKO CHAPEL; modo lacónico de sentir a música. Lester são sem dúvida uma equipa excecional.
MAHLER: “DAS LIED VON WHY PATTERNS?” (New Albion, 1991) manifestava as sequelas da tragédia que Depois, a qualidade das composições de
DER ERDE” (EMI, 1966) UC Berkeley Chamber Chorus, enfrentara aquando do recente cumpri- Oliver Nelson, a forma avançada como
Ludwig, Wunderlich, Klemperer (d) California EAR Unit mento do seu serviço militar. Um Lester explora a estrutura dos blues, o notável
DEBUSSY: “PELLÉAS RAUTAVAARA: “ANGEL OF LIGHT; diferente, mas ainda um músico cheio de voicing instrumental e a inspiração dos
ET MÉLISANDE” (EMI, 1958) DANCES WITH THE WINDS; CANTUS invenção e swing. Foi o produtor Norman solistas, mormente Hubbard (no seu
Angeles, Jansen, ONRF, Cluytens (d) ARCTICUS” (BIS, 1999) Granz, que sempre nele acreditou, que primeiro ano de gravações), Evans e
BERG: “ALTENBERG LIEDER” (Sony, 1995) Lahti Symphony Orchestra, Vänskä (d) organizou estas sessões em trio com o Dolphy com a novidade do seu clarinete
London Symphony Orchestra, MADERNA: “SATYRICON” baterista Buddy Rich e com um fabuloso baixo. Um exemplo de como grandes
Schein (p), Boulez (d) (Éditions Salabert, 1992) pianista oriundo de Chicago... Nat King músicos podem abraçar na unidade de
STRAVINSKY: “LE SACRE Divertimento Ensemble, Sandro Gorli (d) Cole. Uma enorme tristeza percorre a criação um êxtase particular. Tal como
DU PRINTEMPS” (Decca, 1982) HENZE: “VOICES” (Decca, 1978) música em comunhão com uma criação “Kind of Blue”, dois anos antes, este é
Detroit Symphony Orchestra, Dorati (d) London Sinfonietta, Hans Werner inexcedível. E, anote-se, ‘Back to the um marco do jazz. R.V.B.
BARTÓK: “BLUEBEARD’S Henze (d), Sarah Walker (v) Land’ é um dos grandes temas de blues
CASTLE” (Decca, 1966) REICH: MUSIC FOR de sempre. R.V.B.
Ludwig (s), Berry (bar), 18 MUSICIANS (ECM, 1978)
London Symphony, Kertész (d) Steve Reich & Musicians
JANÁCEK: “KATIA KABANOVA” SILVESTROV: “STUFEN; ELEGY;
(Blu-Ray, Fra Musica/Teatro Real, 2011) 5. SYMPHONIE” (Col Legno, 1989)
Teatro Real, Belohlávek (d), Carsen (e) Svetlana Savenko (soprano),
RAVEL: “LA VALSE”, “LE BOLÉRO” Alexei Lubimov (piano), Staatliches
(Ducretet-Thomson, 1954) Symphonieorchester Estland OUT OF THE COOL (Impulse! 1961)
Orchestre du Théâtre des PÄRT: TABULA RASA (ECM, 1984) The Gil Evans Orchestra
Champs-Elysées, Freitas Branco (d) Keith Jarrett, Staatsorchester Stuttgart, CHANGE OF THE CENTURY (Atlantic, 1960)
GERSHWIN: “GERSHWIN LIVE!” dir. Dennis Russell Davies Ornette Coleman O pianista e orquestrador Gil Evans ficou
(Columbia, 1982) & Lithuanian Chamber Orchestra famoso pelas suas colaborações com
LA Philharmonic, MTT (d) CAGE: “THE COMPLETE STRING Com os seus conceitos simplistas enrai- Miles Davis, como “Miles Ahead”, “Porgy
MESSIAEN: QUATUOR POUR QUARTETS VOL. 1: MUSIC FOR FOUR; zados na tradição folk do jazz oriunda do & Bess” e “Sketches of Spain”. Todavia,
LA FIN DU TEMPS (Philips, 1980) THIRTY PIECES FOR STRING Texas, o saxofonista liderou um conceito há muito mais de Gil Evans para identifi-
Beths, Bylsma, Pieterson, De Leeuw QUARTET” (Mode, 1989) mais radical que recusava a música de car: as suas inovadoras orquestrações
CHOSTAKOVITCH: Arditti Quartet acordes dominante e oferecia novas para a orquestra de Claude Thornhill e o
SINFONIAS (Melodyia, 1975) PREISNER: TROIS COULEURS pistas de liberdade tonal. Uma autêntica trabalho com bandas de estúdio. Neste
Kirill Kondrachine (d), — BLEU (Virgin, 1993) libertação para a qual Ornette descobriu campo, cumpre reconhecer a excelência
Orquestra Filarmónica de Moscovo Sinfonia Varsovia o companheiro ideal, o trompetista Don de “Out of the Cool”. A forma como trata
BOULEZ: “PLI SELON PLI” ADÈS: “ASYLA” (EMI, 1997) Cherry. Os seus uníssonos e a comu- os trompetes, a adaptação do som das
(Deutsche Grammophon, 2002) City of Birminggham SO, Rattle (d) nhão na improvisação abalaram a década flautas, o registo baixo dos trombones, as
Ensemble Intercontemporain, KAGEL: “PLAYBACK PLAY: NEWS de 60, e ainda hoje a música de Coleman inovadoras e atmosféricas mesclas tímbri-
Schäfer (s), Boulez (d) FROM THE MUSIC FAIR; RADIO PIECE” é um vetor acentuado dos novos concei- cas inseridas na formidável movimenta-
BERIO: “SINFONIA” (FORMAZIONI, (Winter & Winter, 2000) tos que não se alinham na tradição ção rítmica, tudo concorre para este
FOLK SONGS) (Decca, 1990) Ensemble Musikfabrik NRW, bebop. O seu quarteto clássico contava momento único do jazz orquestral. R.V.B.
Royal Concertgebouw Orchestra, Chailly (d) Mauricio Kagel (d) com dois ritmistas temerários, Charlie
GUBAIDULINA: “FACHWERK; Haden e Billy Higgins, que marcavam a
SILENZIO” (Naxos, 2011) música com uma enorme frescura. R.V.B.
Trondheim Symphony Orchestra, Oy-
vind Gimse (d), Geir Draugsvoll (bayan)

Escolhas de A.R., J.C., J.L., J.S., R.S. e R.T.

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CAPAMÚSICA50 DISCOS

HERB SNITZER/GETTY
Talvez a maior gravação ao vivo do jazz. Aconte- trou um músico arrojado que, sobretudo no clarine-
ceu em quatro noites, em 1961, entre 1 e 5 de no- te baixo, exprimia um novo universo sonoro. Os
vembro. John Coltrane tinha recentemente assina- dois saxofonistas conjugam-se na sua exploração
do por uma nova editora, a Impulse!, que, depois dum Cosmos diferente para o jazz. Além de toda a
de uma gravação com orquestra, “Africa/Brass”, temática resplandecente, acontecem duas nova
decidiu grava-lo em direto no altar do jazz, o Villa- peças exploradas à exaustão, ‘India’ (em três ver-
ge Vanguard, com o seu quarteto mais Eric Dolphy sões) e ‘Spiritual’ (quatro versões), composições
e outros colaboradores. A música é desempenhada em que predominam a intensidade reflexiva e a
por várias formações, de trio a octeto. O que irrom- profundidade que requeriam para as suas improvi-
pe destas quase quatro horas é inebriante. Uma sações. Esta distinção das duas composições não
RAUL VAZ BERNARDO parte já tinha sido publicada na década de 60, mas significa que os discos não estejam pejados doutros
o que surge agora é um sonho apocalíptico de sublimes momentos, como a fúria criativa de ‘Cha-
força, invenção, júbilo: um marco do jazz do século sin’ the Trane’, uma linha de blues modal insólita
XX. John Coltrane, sobretudo desde a sua associa- onde as referências harmónicas são dadas pelo
ção a Dolphy, não gozava duma apreciação unâni- contrabaixo e pela bateria, e ainda a aproximação
me. Alguns dos que apreciavam a sua música ante- ao free (sobretudo da parte de Dolphy) nas suas
rior, consubstanciada em “Giant Steps” e “My versões de ‘Miles’ Mode’. Não despicienda é a
Favorite Things”, não entediam a sua nova dire- riqueza e ímpeto do baterista Elvin Jones nestas
ção. Todavia, Coltrane, artista em constante evolu- noites no Village Vanguard.
THE COMPLETE ção, encetava a sua senda até ao free jazz dos
1961 VILLAGE finais da sua vida. Um furor de expressão que
VANGUARD reconhecia ser absolutamente necessário ao seu Um sonho apocalíptico
RECORDINGS jazz. As sessões gravadas pelo lendário engenheiro de força, invenção,
(Impulse!, 1997) Van Gelder seriam o melhor testemunho dum júbilo: um marco
John Coltrane novo sentir da música. Em Dolphy, Coltrane encon- do jazz do século XX

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aparece como um elemento fundamental MINGUS MOVES (Atlantic, 1973)
do ato musical. R.V.B. Charles Mingus
PAKISTANI POMADE (FMP, 1973)
Alexander von Schlippenbach
CRYSTALS (Impulse!, 1974)
Sam Rivers
SWEET EARTH FLYING (Impulse!, 1974)
MILES SMILES (Columbia, 1967)
Miles Davis Quintet
JAZZ Marion Brown
’COON BID’NESS (Arista Freedom, 1975)
Julius Hemphill
Que emoção foi ouvir esta obra. Miles NAKED CITY (Elektra/Nonesuch, 1990) LESTER YOUNG TRIO (Mercury, 1951) THE KÖLN CONCERT (ECM, 1975)
Davis, com o seu segundo grande quinte- John Zorn Lester Young Keith Jarrett
to, ensaiava uma nova maneira de sentir SARAH VAUGHAN (EmArcy, 1954) UPON REFLECTION (ECM, 1979)
o jazz. Um jazz modal mais aberto e “There are eight million stories in the Sarah Vaughan with Clifford Brown John Surman
avançado, em que os seus métodos Naked City”, dizia o filme dos anos 40 e a ELLA AND LOUIS (Verve, 1956) AMERICAN GARAGE (ECM, 1979)
deixavam oportunidade às deambula- série dos anos 60. Um dia, Zorn decidiu Ella Fitzgerald e Louis Armstrong Pat Metheny Group
ções dos instrumentistas. Mais rodados, contá-las todas em 55 minutos, acompa- THE JAZZ WORKSHOP (RCA Victor, 1957) SPIRIT CATCHER (Nessa, 1979)
depois das gravações no Plugged Nickel, nhado por Fred Frith, Bill Frisell, Wayne George Russell (Wadada) Leo Smith
onde o repertório se baseava em stan- Horvitz, Joey Baron e Yamatsuka Eye. O BRILLIANT CORNERS (Riverside/OJC, 1957) HOMAGE TO CHARLES PARKER
dards e peças antigas do líder, Shorter, saxofonista norte-americano é um sobre- Thelonious Monk (Black Saint, 1979)
Hancock, Carter e Williams desafiavam o dotado que inventou uma personagem de WAY OUT WEST (Contemporary, 1957) George Lewis
trompetista com nova temática. À imagi- guerrilheiro sónico judeu e declarou guer- Sonny Rollins WINWARD PASSAGES (Hat Hut, 1980)
nação e inovação dos sopros e piano ra aos géneros musicais, como uma SOMETHIN’ ELSE (Blue Note, 1958) Dave Burrell
respondia a agitação do sector rítmico trituradora capaz de tudo mastigar e Cannonball Adderley URBAN BUSHMEN (ECM, 1982)
com o seu inovador stop and go. R.V.B. cuspir em pautas que podem levar muitas TIME OUT (Columbia, 1959) Art Ensemble of Chicago
horas a aprender e menos de um segundo The Dave Brubeck Quartet THE JAZZ ALBUM (EMI, 1987)
a tocar. Em 1990, podia citar-se na mes- + ELEVEN (Contemporary/OJC, 1959) Simon Rattle
ma frase Last Exit, Power Tools e Machi- Art Pepper SEMPRE AMORE (Soul Note, 1987)
ne Gun, mas os anos passaram e apenas WE INSIST! FREEDOM NOW SUITE Mal Waldron-Steve Lacy
o poder deste disco se mantém intacto. (Candid, 1960) SHADES (Soul Note, 1988)
Na capa está uma foto (de Weegee) de Max Roach Andrew Hill Trio and Quartet
um homem que levou um tiro na cara. CHANGE OF THE CENTURY (Atlantic, 1960) LEGEND OF THE SEVEN DREAMS
Não digam que não foram avisados. R.T. Ornette Coleman (ECM, 1988)
...AND HIS MOTHER CALLED THE BLUES AND THE ABSTRACT Jan Garbarek
HIM BILL (RCA, 1967) TRUTH (Impulse!, 1961) NAKED CITY (Elektra/Nonesuch, 1990)
Duke Ellington and his Orchestra Oliver Nelson John Zorn
OUT OF THE COOL (Impulse!, 1961) SHADOW/LANDSCAPE
Billy Strayhorn, o colaborador e alma The Gil Evans Orchestra WITH ARGONAUTS (ECM, 1993)
gémea de Ellington, faleceu em 1967. OUT TO LUNCH (Blue Note, 1964) Heiner Goebbels
Ellington imediatamente lhe quis dedicar Eric Dolphy PLAYS STANDARDS (Nani, 1997)
uma obra que enfatizasse o seu espírito SPIRITUAL UNITY (ESP-Disk, 1965) Ground-Zero
delicado e subtil. Neste disco, em que até TOWN HALL, NEW YORK CITY, Albert Ayler Trio THE COMPLETE 1961 VILLAGE
os números mais animados são percorri- JUNE 22, 1945 (Uptown, 2005) FIRE MUSIC (Impulse!, 1965) VANGUARD RECORDINGS (Impulse!, 1997)
dos por uma estranha nostalgia, tudo Dizzy Gillespie/Charlie Parker Archie Shepp John Coltrane
funciona com perfeição, como se o MILES SMILES (Columbia, 1967) THE DARK TREE 1 & 2 (hatOLOGY, 1999)
fantasma do pianista pairasse sobre a O trompetista Dizzy Gillespie e o saxofo- Miles Davis Quintet Horace Tapscott
orquestra. São evitadas peças de Stra- nista alto Charlie Parker foram os ho- ...AND HIS MOTHER CALLED AFTER APPLEBY (Leo, 2000)
yhorn mais óbvias e surgem outras mens da rutura com o jazz tocado até HIM BILL (RCA, 1967) Parker/Guy/Lytton and Marilyn Crispell
menos conhecidas, como ‘Snibor’, um meados dos anos 40. Afora colabora- Duke Ellington and his Orchestra THE COMPLETE VILLAGE VANGUARD
blues em que o mais inspirado solista da ções dispersas que anunciaram a ‘nova FOR ALTO (Delmark, 1968) RECORDINGS, 1961 (Riverside, 2005)
sessão, Johnny Hodges, está em evidên- música’, e uma obra, “Bird and Diz”, Anthony Braxton Bill Evans
cia. Também uma peça composta enquan- gravada em estúdio com Thelonious MACHINE GUN (Bro, 1968) TOWN HALL, NEW YORK CITY,
to o músico estava no hospital, ‘Blood Monk, pouco se sabia dos encontros dos Peter Brötzmann JUNE 22, 1945 (Uptown, 2005)
Count’, contém outra performance dois gigantes, salvo o famoso concerto MUSES FOR RICHARD DAVIS (MPS, 1970) Dizzy Gillespie/Charlie Parker
tocante de Hodges. O próprio Ellington no Massey Hall, em 1953. A grande Richard Davis TEN (Blue Note, 2010)
brilha nas versões de ‘Lotus Blossom’: a surpresa dos últimos tempos foi a edição GLASS BEAD GAMES (Strata-East, 1973) Jason Moran
primeira é em solo absoluto de piano, deste concerto captado em 1945, época Clifford Jordan
mas a segunda, com o piano, o contrabai- da irrupção do bebop. Os músicos estão OPEN, TO LOVE (ECM, 1973) Escolhas de J.C., J.S., R.S., R.T. e R.V.B.
xista Aaron Bell mais o saxofone baríto- numa forma exuberante na descoberta Paul Bley
no de Harry Carney a sussurrar, é alta- dos grandes temas bop. Parker fulguran- SWEET NIGHTER (Columbia, 1973)
mente emotiva. Em conclusão, uma obra te de imaginação, Gillespie cintilante, e Weather Report
realizada em circunstâncias muito particu- uma secção rítmica intensa comandada CONFERENCE OF THE BIRDS (ECM, 1973)
lares, em que o elo especial da amizade pelo piano do esquecido Al Haig. R.V.B. David Holland Quartet

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MICHAEL OCHS ARCHIVES/GETTY


“Esse disco mudou a minha vida para sempre.” nova ‘Terra de Oz’: nem guitarras, nem bateria, nada
Talvez seja esta a ‘sentença’ preferida do melómano. dos ‘materiais de construção’ do ‘mundo real’; antes,
É sabido que, regra geral, tão hiperbólico juízo não um sopro de orquestra, guizos e uma pulsação entre
visa mais do que dar ênfase a um ‘amor de perdição’. o bater de coração daquela voz e do trenó de que se
Mas casos há em que não falta verdade à solene faz, nessa idade, o sonho de felicidade. ‘God Only
declaração. Havia, por exemplo, um garoto, 12 ou 13 Knows’, por The Beach Boys — anunciou uma voz no
anos, que digerira, vezes sem conta, um inestimável fim. E parecia mesmo que, pela primeira vez, al-
património paterno: Nat King Cole, Fran Warren, guém ousara inquiri-Lo em pessoa. Enquanto priva-
peças geniais de síncope em música (‘Hesitation’), va de sono George Martin, oficial do mesmo ofício
canções napolitanas belas como estátuas da Renas- ao serviço dos Beatles. É vê-lo, já com a sua idade,
RICARDO SALÓ cença... Aprendia, agora, a ler o mundo, e o seu mas ainda perplexo, na presença de Brian, como
coração já se dividia entre Zombies e Kinks, Who e uma criança querendo extrair o segredo do ilusionis-
Stones ou Otis e Aretha. Sabia que, um dia, a vida ta: “Mas como é que conseguiu este som?” Sem
que custa a ganhar reclamaria a sua presença e a sobranceria, Brian sorri, enquanto manipula curso-
música seguiria para o baú das memórias da ‘idade res. Afinal, quem tinha razões para entrar em depres-
da inocência’. Só que veio uma noite diferente das são profunda? De “Pet Sounds” basta sublinhar que
outras. Ligou o rádio, como sempre: para saber se cada canção é um close-up sobre esse sonho maior.
Manfred Mann e Georgie Fame tinham algo de novo.
Em vez disso, ouviu qualquer coisa que, de súbito, o
transportou para lugar incógnito. Era um ambiente Uma nova ‘Terra de Oz’:
PET SOUNDS irreal: dir-se-ia entre o sonho e a magia da ‘espera’ nem guitarras, nem bateria,
(Capitol, 1966) do Pai Natal. No meio, alguém plantara uma canção nada dos ‘materiais
The Beach Boys que um Anjo fazia florescer. Ela própria sugeria uma de construção’ do ‘mundo real’

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ouviu. Um Governo, em ditadura, atirou o completamente esmagados, encurrala- mo (‘Dali’s Car’), no ganso selvagem e
seu autor para a cadeia e outro, em dos na própria pele, paralisados pela em muito mais, inscreveu-se um raro,
democracia, devolveu-o aos arquivos do enormidade do que, numa visão de um mas imponente, exemplo da utopia do
Hospital de São José. Foi nosso e nunca segundo, se consegue apreender”. Grava- século XX: a escrita automática. R.S.
o merecemos. J.S. do em três dias, ao lado de Connie Kay,
Richard Davis e Jay Berliner, aos 23
anos, Van Morrison lançava-se numa
THE MUSIC OF THE BA-BENZÉLÉ alucinante viagem de exploração poética
PYGMIES (Bärenreiter-Musicaphon, 1966) da memória e aportava onde ninguém
Vários anteriormente tinha chegado. J.L.

No segmento de “Four American Compo-


sers” consagrado a Meredith Monk, THERE’S A RIOT GOIN’ ON (Epic, 1971)
Peter Greenaway pergunta-lhe se há um THE VELVET UNDERGROUND & NICO Sly and The Family Stone
elemento arcaico nas suas composições. (Verve, 1967)
Monk anui, acrescentando que buscou The Velvet Underground & Nico Não foi fácil suster o riso. Um disco de
inspiração no muito primitivo mas tam- polifonias de sopro do Daomé. A ‘Utopia’
bém no futurista, criando uma linguagem Contado por Lou Reed, tudo parece perseguida em conservatórios pelos
onomatopeica que, crê, tanto lembra simples e natural: “Parecia-me uma TROUT MASK REPLICA ‘cérebros’ da AACM, de Chicago, ali,
populações antigas como antecipa diálo- coisa muito evidente e muito fácil abor- (Straight/Reprise, 1969) pronta a servir, lavrada a golpes de
gos interplanetários. Podia estar a des- dar as canções como um romancista e Captain Beefheart & His Magic Band instinto. Episódio esquecido. A sensação
crever as canções dos pigmeus. E disso perguntava-me porque ninguém o tinha voltou anos mais tarde. Uma família
se lembrou Herbie Hancock quando, com feito. O que eu queria era pegar naqueles Vivia numa caravana, no deserto do negra perita no fabrico de radio hits
o porvir em mente, gravou “Head Hun- três acordes e aplicar-lhes as palavras. Mojave. Diz — num notável documentário pop-soul adquiriu consciência política. E
ters” — certificado com o galardão de Podia juntar as duas coisas e ter assim da BBC, de 1997, narrado por John Peel — ergueu uma linguagem capaz de trans-
ouro — utilizando uma melodia ouvida tudo de que, verdadeiramente, gostava: que tinha como vizinhos... coiotes e por para o campo estético o sonho de
neste LP. É música vocal da e para a a guitarra elétrica, aqueles acordes e as cascavéis. Embora nada seja tão linear, já ‘democracia’ que levava a maioria do
floresta tropical centro-africana, com os palavras. Mas não queria parecer-me se entende que tamanho despojamento free jazz a simular o fim da sociedade
seus ciclos, sonhos, prazeres e desgra- com todos os outros.” Ele, John Cale, existencial (opção própria) só podia gerar opressora pela desintegração do que
ças. E, desde a sua descoberta, de Ma- Sterling Morrison, Moe Tucker e Nico, uma linguagem artística (música e, de- levara muito suor a construir. Amálgama
donna aos Deep Forest, serviu, sem em pleno paraíso hippie, não se pareciam pois, pintura) de extrema crueza de funk-soul-jazz-rock, onde cada ‘voz’
nada pedir em troca, os interesses dos com ninguém: apadrinhados por Andy expressão — mas também esse apego à tem um papel no todo, aqui se ensina a
guardiões da Era Aquariana. Quem a Warhol, em ‘I'm Waiting for the Man’, essência das coisas que talvez só a não ser ‘do contra pelo contra’ e se
ouve deve-lhe a vida. J.S. ‘Venus in Furs’ ou ‘The Black Angel’s condição de ‘longe de lugar nenhum’ sugere uma nova sociedade. Nem lhe
Death Song’, habitavam bem mais próxi- faculte. E foi naquele bunker artesanal faltou adivinhar o fado do mito do ‘coleti-
mo do inferno, numa moldura de rock que Don van Vliet manteve enclausura- vo’: ‘Thank You (Falettinme Be Mice Elf
primitivo e experimentalismos severos. dos, durante oito meses, os cinco músi- Agin)’. Miles fez-lhe a vénia. R.S.
Em 1967, ninguém os escutou. Pouco cos eleitos — como Magic Band — para
mais de dez anos depois, “TVU & N” dar forma, corpo e expressão ao que,
eram as sagradas escrituras. J.L. também a ele, lhe podia ter valido: “I
have a dream.” Se bem que descrito o
período de incubação como um “nightma-
GUITARRA PORTUGUESA (Columbia, 1967) re” — a porta apenas se abriu na hora da
Carlos Paredes plena certeza —, não admira que este
álbum duplo (que, por acaso, até mudou
Irrompe por séculos, atravessado que a História), composto de 28 faixas, tives- WHAT’S GOING ON (Tamla, 1971)
está por poéticos modalismos medievalis- se sido gravado numa única sessão de Marvin Gaye
tas, decantados fraseados românticos, seis horas, em rigoroso regime de first
enlevos líricos de puro virtuosismo, ASTRAL WEEKS (Warner, 1968) take. Dir-se-ia que tudo é desconcertan- Melhor disco da História? Pouco importa.
elegantes melodias renascentistas ou Van Morrison te nesta peça tão influente como única As opiniões vão e vêm com o vento. Já
reprocessadas rapsódias folcloristas. E, do rock. Que tenha sido produzido por os factos são de pedra e cal. No tempo
numa configuração exclusiva à Lisboa Não é fácil de acreditar que tenham sido Frank Zappa, nas vésperas de severa de todas as revoltas, em que o negro
dos anos 60, tempera esses elementos necessários 33 anos para que, somente incompatibilização de génios, ainda terá aprende a ver-se dotado de inteligência,
com uma atitude de resistência e um em 2001, tivesse sido atribuído a “Astral sido o mais ‘normal’. A grande questão é verticalidade e dignidade, este é o acon-
desejo de transformação da sociedade Weeks”, pela Recording Industry Associa- outra: não é certo que o prazer proporcio- tecimento maior. Já que é a manifesta-
tão modernistas quão socialistas. É o tion of America, o galardão de ‘disco de nado por esta experiência ímpar seja tão ção que melhor simboliza o cinzento que
som do cinema novo, da libertação da ouro’. Cinco anos depois, Greil Marcus grandioso como o facto estético por ela se escondia sob o carnaval hippie. A
guitarra face ao fado (legado crucial da contava que Martin Scorsese lhe havia cometido. Música intelectual? Dificilmen- paciência chegara ao fim — eis do que
família Paredes) e da insubmissão cultu- revelado que toda a primeira metade de te, para o que tem ar de saído de uma trata este momento irrepetível do
ral. É um clamor contra a vida agrilhoada, “Taxi Driver” fora baseada nesse álbum; caverna. O prazer puro está em “Safe as ‘sentido do maravilhoso’. A ‘maquinaria
um ato de paixão de um homem que e, muito antes, Lester Bangs havia-o Milk”; como o psicadelismo em “Strictly industrial’ da Motown a pôr e a dispor
tinha aversão a canções de amor e a descrito como testemunho de momen- Personal”. Mas, aqui, com o espírito nos de pessoas como de peças de linha
chamada para a revolução que ninguém tos “de estupefação perante a vida, blues primitivos, em Ornette, no surrealis- de montagem. Os cidadãos afro

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CAPAMÚSICA50 DISCOS

JAN PERSSON/REDFERNS
E depois de 1972? Daqueles 12 meses em que eclo- espiritual são provisórios. Ao prescindir de palavras,
diu num só país matéria capaz de suplantar as Milton (e Naná, Novelli, Wagner Tiso, Paulo Moura,
reservas de criatividade e fantasia armazenadas no Nelson Angelo e Robertinho Silva), remetido para
mundo inteiro, conforme, para citarmos meia dúzia uma caverna de gritos mutilados, cantos primor-
de obras-primas, comprovam “Acabou Chorare”, diais e choros de guerra enquanto lá foram se quei-
dos Novos Baianos, “Vento Sul”, de Marcos Valle, mavam livros, criou um manifesto de subversão em
“Expresso 2222”, de Gilberto Gil, ou os homónimos que todos os resistentes encontraram as polissémi-
álbuns de Arthur Verocai, Jards Macalé e João cas cifras para o que procuravam. Na mais politiza-
Gilberto? E o que poderia Milton acrescentar à da das mensagens, sugeriu que esta música se podia
arquitetura daquele edifício nesse mesmo ano enrai- ouvir separada das ideias acerca de si construídas.
JOÃO SANTOS zado num “Clube da Esquina”, sedeado na confluên- E relembrou que, privado da fala, o Homem não
cia da Rua Divinópolis com a Rua Paraisópolis, em regride a uma condição primitiva; imitando sons da
Belo Horizonte, em que se combinou lição proces- natureza, evoca sempre as emoções que a natureza
sual aprendida nos Beatles, conceção filosófica lida desperta. E lembra que o processo da procura da
nos índios, a mensagem de humanismo da nueva beleza possui, por si só, o mesmo valor cultural
trova, o anseio de liberdade dos caiapós, tambus e intrínseco ao de qualquer outro. “Milagre dos Pei-
dos sem-terra e em que se alinharam as mais essen- xes”, encurralado, libertou-nos da retórica, criando
ciais forças criativas de uma geração em tudo perifé- o ouvinte puro no mais maculado dos tempos.
rica? Nunca se saberá. Porque a verdade é que a
ação repressora da ditadura militar, no seu período
MILAGRE mais feroz, censurou quase integralmente as letras Na mais politizada das
DOS PEIXES de “Milagre dos Peixes”. Sobra uma quadra aqui, mensagens, sugeriu que esta
(Odeon, 1973) um verso acolá, provas da inutilidade do ódio, do música se podia ouvir separada
Milton Nascimento medo, da hipocrisia, de que todo o terror e atrofia das ideias acerca de si construídas

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‘judiciosamente’ dispostos na primeira ocean and your open vein, between the caram a imprensa para a apresentação
linha de combate no Vietname. Uma snowman and the rain, once again, love do seu novo disco, outra banda britânica,
burguesia negra emergindo sem ligar calls you by your name”) e o fogo que os Medicine Head, editou um álbum
muito a quem dorme debaixo da ponte e derrete o gelo de uma Joan of Arc cha- chamado “Dark Side of the Moon”;
mendiga o pão de cada dia. A violência mada Nico. J.L. — Há um disco editado em 1973 que tem
intimidatória dos piquetes de greve a na capa o lado escuro da Lua e uma
esmagar a vontade individual. Nunca se pirâmide: “Sextant”, de Herbie Hancock;
ouviu outro grito como este. E Marvin — Para o solo de saxofone de Dick Parry LO DICE TODO (Salsoul, 1976)
Gaye teve coragem para tanto. R.S. em ‘Us and Them’, David Gilmour deu-lhe Grupo Folklorico
como exemplo as intervenções do saxo- Y Experímental Nuevayorquino
fonista Gerry Mulligan no LP “Gandhar-
va”, de Beaver & Krause (1971); Chegar de uma ilha em que até as pe-
— ‘Us and Them’ nasceu de uma composi- dras cantam para andar calado pelo
GAMELAN SEMAR PEGULINGAN ção ao piano de Rick Wright para o filme cimento. Vir da pérola do Caribe e ficar
— GAMELAN OF THE LOVE GOD “Zabriskie Point”, com o nome ‘The escondido na sombra de arranha-céus.
(Nonesuch Explorer Series, 1972) Violent Sequence’, que o realizador Recordar aquele país lindo e trigueiro e
Vários Michelangelo Antonioni rejeitou; viver com vergonha da pele morena.
SONGS OF LOVE AND HATE — “If I go insane, please don’t put your Não. E menos ainda a partir da “grande
(Columbia, 1971) Uma floresta virgem de gongos, sinos e wires in my brain.” Um excerto de uma urbe latinocaribenha chamada Nueva
Leonard Cohen bambu para contar a criação do mundo, letra de “Dark Side”? Não. Um excerto York”, como lhe chamou Enrique Romero
capaz de “expressar todas as matizes, de ‘If’, escrita por Roger Waters para em “Salsa: el orgullo del barrio”. De facto,
Se houve um momento em que ninguém até as inomináveis, fazendo com que as “Atom Heart Mother” (1970); para o efémero grémio de porto-rique-
duvidou que o formato da canção, tal nossas tónica e dominante pareçam — Waters escreveu uma série de pergun- nhos, cubanos e brasileiros envolvidos
como a segunda metade do século XX a fantasmas”, como escreveu Debussy tas em cartões (“Alguma vez pensaste em “Lo Dice Todo”, tratava-se aqui de
conheceu, não era, de todo, incompatível numa carta endereçada a Pierre Louÿs. que estavas a enlouquecer?”, “Tens excarcerar comunidades, inventar uma
com o texto literário poético, muito mais Da sua “Pagodes” às “Gnossiennes” de medo de morrer?”, “Quando foi a última nova cultura (numa espécie de folclore
do que no caso de Bob Dylan, isso acon- Satie, da “Miroirs” de Ravel ao “Mikrokos- vez que foste violento?”, “Tinhas ra- tão distópico quão inclusivo) e dar corpo
teceu na totalidade da obra de Leonard mos” de Bartók, do piano preparado em zão?”), colocou-os junto a um microfone a uma panfletária oração por ora sinteti-
Cohen e, em particular, no devastador Cage ao “Concerto para dois pianos” de e foi pedindo a quem passava para ler e zada em sons: crus, vibrantes, catárticos,
“Songs of Love and Hate”. Não porque, Poulenc, do “Prince of the Pagodas” de gravar as respostas. Paul McCartney foi sincréticos, capazes de arrancar o Bronx
aqui, Cohen se tenha aproximado da Britten à “Turangalîla” de Messiaen ou da um dos ‘apanhados’, mas a sua resposta do chão e replantá-lo na África Ociden-
palavra e da melodia de forma diferente repetição em Reich à heterofonia polifóni- não foi aproveitada; tal, ou do inverso. Tocar, como se fosse
do que já fizera ou viria a fazer. Como ca em toques de telemóveis, há uma — Num intervalo dos concertos e das a música o próprio sangue. J.S.
sempre, o que o leva a mover-se é “a narrativa ocidental que às delicadas gravações de “Dark Side”, o grupo
intoxicação pelo amor, a ideia de me filigranas da orquestra de gamelão almoçou com o coreógrafo Roland Petit,
render como um ébrio perante esse indonésia retorna como a um primeiro o bailarino Rudolf Nureyev e o realizador
mistério, como no êxtase de Santa amor. Nunca como aqui — numa recria- Roman Polanski para discutirem uma
Teresa. Todos esses processos — cris- ção planeada por etnomusicólogos possível colaboração: o primeiro espetá-
tãos, islâmicos, sufis, judaicos, tântricos quando a sua prática estava já abandona- culo da nova companhia de Petit, o Ballet
— de união com Deus que passam por da — soou tal dedicação tão etérea, Nacional de Marselha, com música dos
uma metáfora sexual, por uma embria- esotérica, exótica e necessária. J.S. Floyd, sendo Nureyev o bailarino princi-
guez com o ser amado”. Mas nunca pal e com Polanski a filmar. O projeto IMYRA, TAYRA, IPY (EMI/Odeon, 1976)
como desta vez tais passos seriam acabaria por se limitar à colaboração do Taiguara
dados tão à beira do abismo (“And we coreógrafo com o grupo em 1972;
read from pleasant Bibles that are bound — Em 2006, Roger Waters (e Mark Triste o dia de ir em busca da causa de
in blood and skin that the wilderness is Fisher, que concebeu os espetáculos de tão longo silêncio. Porque a voz que
gathering all its children back again”), tão “The Wall”) montou uma apresentação (re)inventou uma aguarela em forma de
próximo do desespero final que o esgar ao vivo integral de “Dark Side” e partiu país partira em 1996. Tinha 50 anos de
que nos olha da capa mal disfarça (“Now para a estrada numa digressão que idade. A quietude da morte explica o
Santa Claus comes forward, that’s a THE DARK SIDE OF THE MOON durou dois anos. O primeiro concerto silêncio da vida. Figura menor, fez-se
razor in his mit; and he puts on his dark (Harvest, 1973) aconteceu em Lisboa, a 2 de junho, no gigante quando sentiu a escrita soltar-
glasses and he shows you where to Pink Floyd Rock in Rio. -se e a maturidade chegar. E, quando
hit”), tão sufocadamente aflito perante a Acho que muitos milhões de pessoas alguém antevê o nome na História, não
perda e o fim de tudo (“There are no Apesar de uma incurável dificuldade em têm inveja de quem vai ouvir este disco hesita: rodeia-se dos melhores e deixa a
letters in the mailbox and there are no gostarmos mais de um disco dos Pink pela primeira vez. R.T. mescla de talentos fazer o resto. A
grapes upon the vine, and there are no Floyd do que de outro, escolhemos este galeria de cúmplices de Milton e Gismon-
chocolates in the boxes anymore, and como o único que deve ouvir se, por ti, em pico de forma, sob a batuta de um
there are no diamonds in the mine”). qualquer insondável razão, puder ouvir Hermeto fora de si mas seguro ao leme.
Abraçado à sumptuosa decadência apenas um. Como não se mede o eterno E Taiguara a saltar da mediania para
desenhada pelas orquestrações de Paul nem se explica o divino, vamos entreter- região de deuses: canções de pasmar
Buckmaster, resta apenas o êxtase -vos com alguns factos sobre ou relacio- nascidas da natureza, amor e política,
material (“Here, right here, between the nados com “The Dark Side of the Moon”: mudanças bruscas de cenário e um
birthmark and the stain, between the — Em 1972, quando os Pink Floyd convo- delírio coletivo sustido por mão firme.

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CAPAMÚSICA50 DISCOS

STEPHANIE CHERNIKOWSKI/REDFERNS
Num polo, estão os “4’ 33””, de John Cage. Em gesto massacre de cada acorde, triturado com o volume no
de radical minimalismo zen, a ação era substituída vermelho, só é abandonado quando definitivamente
pela imobilidade e a composição pela total disponibi- esgotadas todas as hipóteses de o transportar de um
lidade para a escuta: o mundo é uma inesgotável paroxismo para o seguinte e mais além), mas opon-
fonte de acontecimentos sonoros e, se esvaziarmos o do o excesso à ascese, o espasmo à contemplação, a
ouvido de tudo quanto esperamos que ‘a música’ lhe grande muralha ao jardim de pedras. À época, Rhys
ofereça, poderemos reconfigurar todo o nosso siste- Chatham navegava por idênticos oceanos e a poste-
ma de perceção, tornando-o capaz de apreender e rior descendência — Sonic Youth, antes de todos,
organizar a esfera acústica em seu redor — as vozes, mas também Hüsker Dü, Godspeed You! Black
a cidade, a natureza, o ‘ruído’, a própria velha ‘músi- Emperor, A Silver Mount Zion ou, em registo pop,
JOÃO LISBOA ca’ — de acordo com os padrões que, em cada instan- Jesus & Mary Chain — aplicou-se na tradução, em
te, cada aparelho auditivo decida instituir como diversas variantes, do texto do apocalipse original.
critério de seleção para o seu reportório privado. O Mas, tal como 5’44” de silêncio nunca seriam iguais
silêncio, claro, não existe, mas a ideia que dele faze- ou melhores do que 4’33”, nada nem ninguém volta-
mos é o atrator ideal de tudo o que, agora, aqui, ali, ria sequer a abeirar-se da intensidade do tremendo
produz um som a que atribuiremos (ou não) sentido. abalo que, em 1981, numa perfeita simetria com o
No polo oposto, 29 anos depois, Glenn Branca blo- Cage de 1952, “The Ascension” provocou.
queava toda e qualquer possibilidade de dirigirmos a
atenção para outro lado que não a enxurrada elétri-
ca de quatro guitarras, baixo e bateria, numa violen- Nada nem ninguém voltaria
THE ASCENSION ta operação de extermínio da mais ínfima possibilida- sequer a abeirar-se da
(99 Records, 1981) de de silêncio conduzida até ao último interstício da intensidade do tremendo abalo
Glenn Branca série harmónica, tão minimal quanto a de Cage (o que “The Ascension” provocou

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Mais triste do que a morte? Não; mas Ley Rochereau e só em 86 editaria seis espelho deformante (“Agora, o meu sa com o Rouxinol’: “Ela sempre teve
que corram abaixo-assinados para a álbuns em que dificilmente se encontram ponto mais forte é pegar numa coisa, medo dos pingos da chuva/ E ele sem-
reedição em CD... R.S. temas com menos de 10 minutos). Triste, combiná-la com outra com que não tenha pre teve medo dos raios do sol.” Mas já
autoexilado, às avessas com Mobutu, e nada a ver e conseguir que isso faça Camões dizia que “o mundo é feito de
cada disco revela-se um portento de sentido. Digamos que procuro formas mudança”. E, aqui, os indícios vieram do
liberdade e invenção, oxigénio para um diversas de usar um guarda-chuva. A choque frontal de erudição e instinto em
continente inteiro em lenta asfixia. J.S. maior parte dos instrumentos são quadra- Rhys Chatham e Glenn Branca. Passos,
dos, mas a música é sempre redonda e a ainda, inseguros no rock para ir desaguar
verdade é que não gosto de linhas re- na primeira simbiose orgânica de harmo-
tas”). Escancarando a nova era, estava o nia e dissonância com ‘canção pop a
magnífico “Swordfishtrombones”. J.L. cavalo’. Mais que prova da genialidade de
COLOSSAL YOUTH (Rough Trade, 1980) Lee Ranaldo e Thurston Moore, a sobre-
Young Marble Giants -excelência do repertório seria fator de
abolição da fronteira música-ruído.
O minimalismo arquitetural de Le Corbu- Desde então, facetas de uma só realida-
sier e Frank Lloyd Wright a acondicionar MUSIC FOR A NEW SOCIETY de. Como ‘evol/evil’ e ‘love’. R.S.
num minúsculo envelope a música dos (Ze Records, 1982)
Beatles, Brian Eno, Kraftwerk, Devo, John Cale
Bowie (do período de Berlim) e Can. Não
se adivinharia imediatamente, mas é por Doze anos depois de ter gravado “Music UNITED STATES LIVE (Warner, 1984)
aí que Stuart Moxham desenha a genea- for a New Society”, John Cale confessaria Laurie Anderson
logia do único e (por isso duplamente) que “não era preciso ter sofrido tanto
precioso álbum dos Young Marble Giants. para gravar um disco, não era preciso Antes de pensar que “Big Science” é o
Com uma drum machine artesanal, partir as pernas para voltar a aprender a ‘melhor disco’ de Laurie Anderson, faça o
guitarra, baixo, órgão Galanti e a voz de andar. Não me agrada a ideia de encarar a favor de ler as letras miudinhas: “Songs EN CONCERT À PARIS VOL. 1 (Ocora, 1986)
Alison Statton, em Cardiff, havia quem, a música de uma forma descontraída, mas from ‘United States I-IV’”. Ou seja, são Nusrat Fateh Ali Khan
partir das células avulsas que o punk ter de chegar a tais extremos foi realmen- apenas 38 minutos de canções escritas
cuspira após ter esquartejado o obeso te excessivo”. Mais um exercício de para uma performance multimédia que Um Ocidente enfermo, e até à imprensa
rock que o antecedera, se ocupasse a desmantelamento sonoro e existencial do em palco durava oito horas (normalmen- norte-americana, que o viria a adotar,
reativar a matéria primordial de onde a que uma convencional coleção de compo- te divididas em duas apresentações) e este ‘rei da abertura ao sucesso’ chegou
música resultara e, ao repor em movi- sições, era uma falhada exorcização de que tem uma edição gravada ao vivo com ardor messiânico, não obstante
mento a máquina sonora, torná-la, simul- demónios que sugava do interior de cada chamada “United States Live” com advertências do género ‘ignorem a men-
taneamente, invisível, luminosa e quase peça o último sopro de vida que lhe restas- quatro horas de música e texto. Esta não sagem e concentrem-se no som’, o que
homeopaticamente indetetável. Relojoa- se, encenada por entre destroços, silhue- tem os filmes e as projeções, mas experi- excitava os sentidos mas negava-lhes o
ria tão frágil e perfeita que, uma nota ou tas desfiguradas, estilhaços de melodia mente ouvir tudo de seguida e olhar para êxtase. Ao vivo, o espírito do paquista-
um beat a menos, e tudo desabaria. J.L. para um teatro da crueldade, súplicas as fotos e desenhos que acompanham nês mais pesado em palco intoxicava-se
exangues (“Keep me alive...”) e a “Ode à os discos e acredite que no final se vai com Alá, o Seu profeta, santos sufis, e
Alegria”, de Beethoven, apunhalada e levantar e aplaudir como se estivesse na levitava. E se lhe perguntavam qual era a
convertida em mortalha fúnebre (“Damn Brooklyn Academy of Music em 1983. mensagem, ele respondia: “Humanidade.”
life, damn life, what’s it worth?”). J.L. Este é o retrato áudio perfeito da mais Num gelado novembro de 1985, em Paris,
brilhante antropóloga cultural gerada pela o seu melismático canto ondulou sobre
downtown nova-iorquina a conversar ou uma procissão de vozes, harmónios e
cantar sobre transportes, política, dinhei- tablas e mostrou o caminho para a felici-
ro, amor, tecnologia, industrialização ou dade. Mais de dez anos depois, no Institu-
LE QUART DE SIÈCLE DE FRANCO autoridade com um humor, uma musicali- to do Mundo Árabe, um empregado da
DE MI AMOR (Edipop, 1981) dade e uma inventividade de processos Radio France tentava explicar-me o que
Franco & Le TPOK Jazz que apanhou o mundo de surpresa. R.T. sentiu ao vê-lo no Théâtre de la Ville
numa dessas noites e perdeu-se, absor-
Acordes telintam, anunciando “cidadão, SWORDFISHTROMBONES (Island, 1983) to, os olhos cheios de lágrimas. J.S.
mostra respeito a dançar comigo!”, na Tom Waits
interjeição de uma mulher que, aplicando
um sermão sobre decoro na pista de Em Tom Waits, existe, indiscutivelmente,
dança, conclui: “Estou aqui porque não um a.S. (antes de “Swordfishtrombones”)
resisto à OK Jazz!” Sob uma chuva miudi- e um d.S. (depois de “Swordfishtrombo-
nha de guitarras elétricas, enrola cada nes”). Se, na primeira fase, ele representa-
sílaba na ponta da língua e arruma o va o papel de jovem herdeiro do legado EVOL (SST, 1986)
assunto em dois minutos e meio — fal- beatnick, eterno habitante das small Sonic Youth
tam 15 para a canção terminar. ‘Bina Na hours, com um copo de bourbon sempre SIGN ‘O’ THE TIMES (Paisley Park, 1987)
Ngai Na Respect’, nesta celebração dos pronto para dar de beber a um piano Melodia e ruído viviam cada um para seu Prince
25 anos de carreira de Franco, represen- alcoólico, na segunda, à boleia dos blues, lado. Este, na ‘vanguarda’ (Cage e Futu-
ta exemplarmente uma singular disposi- de Captain Beefheart, Harry Partch e rismo); aquela, por toda a parte menos Quase qualquer álbum de Prince da
ção sinfonista na rumba congolesa (o seu Kurt Weill, partiu em demanda da Améri- na Academia (Porter e Beatles). Lembra década de 80 podia aqui figurar como
autor gravaria ainda quatro LP com Tabu ca “surrural” e descobriu-a refletida num Alceu Valença e ‘O Casamento da Rapo- exemplo de um caminho absolutamente

Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 19

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CAPAMÚSICA50 DISCOS

único que se rasgou pela música popular balada apátrida vociferada nas esquinas, (“Dream Theory in Malaya”). Já o esteta
americana adentro. Poder-se-ia exaltar manual do desejo mais sórdido. Uma de Memphis se consumia em ardente
o mais noturno “Purple Rain” (1984), o doença do espírito para lá de geografia, pós-fusão, quando recebeu de Eno o
hiperconciso “Parade” (86) ou o mais natureza e comportamentos adquiridos. final push para um futuro ancestral e
carnal-espiritual “Lovesexy” (88), mas “Ponham-vos raiva e uma arma nas hipertecnológico. Nascia o que não ema-
“Sign ‘O’ the Times” é o que faz por mãos a ver se vocês não disparam”, na deste ou de outro mundo mas do
chegar, acima de todos os outros, à disse-me em 1998 Kip Hanrahan, o espírito. E, aí, tudo é possível (“Possible
condição de obra total. Obra total, geral- produtor, referindo-se a este disco. “A Musics”). Depois, o evoluir da ousadia NEW ANCIENT STRINGS — NOUVELLES
mente festiva, sem a naftalina referen- vida a acabar e ainda tudo por fazer”, por meandros luxuriantes de uma adapta- CORDES ANCIENNES (Hannibal, 1999)
cial — apenas James Brown espreita dizia-lhe Piazzolla. Tanta beleza, tanta ção (sem apocalipse) de “O Coração das Toumani Diabaté with Ballaké Sissoko
através do funk a régua e esquadro de paixão, um crime e um milagre: 100 anos Trevas”. Quando já tinha Kurtz diante de
‘Housequake’, uma de duas canções num par de mãos, um casal trancado si, ouviu ecos de hip-hop, mirou as Para se compreender a importância
onde Prince cede o protagonismo a num abraço fatal, música mais pesada do caveiras no topo de varas e desejou a deste álbum há que viajar até à sua
Camille, alter ego de voz hermafrodita (a que a noite e um menino grande a ser rua da grande cidade. E esta obra-prima fonte. Não propriamente até ao século
outra é a nebulosa e perturbante ‘If I criança pela última vez. J.S. — que nem de Duke nem de Miles pres- XIII e à formação do Império do Mali, a
Was Your Girlfriend’). Em 16 canções, cinde — mais não é que a injeção de que remonta tematicamente parte do
“Sign ‘O’ the Times” tanto serve um onirismo no coração da avenida. Choque seu material, nem ao XVII, quando, no
boletim noticioso pessimista sobre o frontal com o rapaz do skate e um salto reino do Gabu, surgem relatos desta
estado do mundo com fundo sonoro de de 20 anos que nem o autor sentiu ser harpa de 21 cordas, na qual, conforme
ecos e silêncio (a espantosa faixa-título) altura de retomar. R.S. disse Ablaye Cissoko, se depositaram as
como aplica caixa de ritmos lubrificada a “bibliotecas de África”. Não: basta ir até
uma história para adultos (‘The Ballad of 1970, e aos duetos de kora registados
Dorothy Parker’). Tanto faz pop mediada por Sidiki Diabaté e Djelimadi Sissoko,
por um caleidoscópio infantil (‘Starfish 3 FEET HIGH AND RISING pais de Toumani e Ballaké, em “Cordes
and Coffee’) como permite que uma (Tommy Boy, 1989) Anciennes”, lançado pela Bärenreiter-Mu-
peça rock linear se dissolva num passeio De La Soul sicaphon ao lado de volumes dedicados a
espacial sem rumo (‘I Could Never Take tradições fulani, songhai e mandê, à
the Place of Your Man’). Tanto põe a ‘A magia da música.’ Que melhor chavão música popular do Ensemble Instrumen-
guitarra a uivar em prol da devoção para arrumar o assunto? Sobretudo 69 LOVE SONGS (Merge, 1999) tal du Mali e a expoentes de música
espiritual (‘The Cross’) como erige, no quando cheira a Natal. Mas há, de facto, The Magnetic Fields moderna como as orquestras regionais
final, a mais persuasiva canção de amor na música qualquer coisa que não se de Ségou, Mopti, Sikasso e Kayes ou a
físico (‘Adore’). Ao contrário de discos explica. Que resiste a análises e impõe a A monumentalidade do álbum triplo Rail Band. E verificar que a ação desse
anteriores de Prince, o vasto território sedução. Este caso até era claro como impressiona. A precisão erótico-aritméti- tempo em tudo difere daquela encetada
que “Sign ‘O’ the Times” cobre ainda não água. Superabundância de ideias, rara ca do conceito também. E tudo apenas no final da década de 90. Se a primeira
foi contemplado com revivalismos e aptidão para a escrita criativa, conheci- porque o quase artesanal mas erudito correspondia a um impulso de vale-tudo
recriações. Porventura porque a sua mento do psicadelismo, o rico espólio escritor de canções Stephin Merritt lhe arquivista sob os auspícios da UNESCO
discografia lançada através da Warner discográfico familiar e — para dar expres- apeteceu enveredar pela faceta Brill (com a música do Mali a encontrar abri-
(de 1978 a 1996) não teve ainda direito a são ao seu ideário conceptual — a explo- Building de composição em linha de go nas grandes capitais culturais euro-
reedição embonecada, mas sobretudo ração isenta da noção de limite do ‘arma- montagem. Tal como o mestre, Irving peias enquanto os seus autores, como
porque a visão aqui contida é demasiado mento’ de uma nova geração de artífices Berlin, optou pelo método ‘9 to 5’ e, daí, Boubacar Traoré, procuravam pelas suas
pessoal, intrincada e aberta para mes- (sampler, sobretudo). Teve forma de resultou algo como uma enciclopédia da ruas emprego na construção civil), já a
tres do pastiche. J.M.L. quiz show, como dispositivo cénico. E ‘love song’, declinada em todas as suas segunda implica reconhecer-se a existên-
não podia dar mais pela maximização da facetas e subgéneros. O que, em tão cia de uma música clássica maliana com
visão lúdica da música ou ser mais feliz formidável labirinto, tanto pode significar pelo menos oito séculos, revista segun-
na invenção melódica e orquestral. Quer uma ‘Papa Was a Rodeo’ inspirada pelos do preceitos que não ficam aquém daque-
dizer que decidiu a sua sorte pelo pleno duetos de Nancy Sinatra com Lee Hazle- les que, por exemplo, conduziram Jordi
uso de bens anteriores à revolução wood como outra na qual, em homena- Savall à recuperação de cancioneiros
digital. Há qualquer coisa na música... R.S. gem aos míticos compositores da Mo- medievais e trovadorescos. Ou seja,
town, Holland-Dozier-Holland, o linguista produzir a mais cristalina evocação, em
Ferdinand de Saussure é impiedosamente formas eminentemente contemporâneas
THE ROUGH DANCER AND THE abatido, em retaliação contra a sua pers- (acentuando cadências, fluências melódi-
CYCLICAL NIGHT (TANGO APASIONADO) petiva desconstrucionista e semiótica e cas, cruzamentos rítmicos, texturas
(American Clavé, 1988) em nome da visão pop do mundo. J.L. polifónicas), de uma rara catedral de
Astor Piazzolla tolerância e devoção edificada na órbita
do sagrado e, porventura, civilizacional-
Anos de luta, amargura, ressentimento, mente arruinada em todos os domínios
triunfo e fama para isto. Regressar à DRESSING FOR PLEASURE (Warner, 1994) que não os artísticos. J.S.
Nova Iorque da sua infância, à cidade Jon Hassell & Bluescreen
que, quando em Buenos Aires o tinham
como assassino, lhe serviu de casa longe Quarto Mundo. ‘God Only Knows’ à
de casa, e encontrar nos bolsos um escala planetária? Toda a gente sonha. E
arsenal para sobreviver nas ruas: o o veterano de “In C” soube de um lugar
tango enquanto morada do exílio, louca onde ele tem relevo na vida comum

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POPULAR IMYRA, TAYRA, IPY (EMI/Odeon, 1976)
Taiguara
LONDON CALLING (CBS, 1979)
HIGHWAY 61 REVISITED (Columbia, 1965) The Clash
Bob Dylan AJA (ABC, 1977)
PET SOUNDS (Capitol, 1966) Steely Dan
The Beach Boys COLOSSAL YOUTH (Rough Trade, 1980)
REVOLVER (Parlophone, 1966) Young Marble Giants
Beatles LE QUART DE SIÈCLE DE FRANCO
THE MUSIC OF THE BA-BENZÉLÉ DE MI AMOR (Edipop, 1981)
PYGMIES (Bärenreiter-Musicaphon, 1966) Franco & Le TPOK Jazz
Vários THE ASCENSION (99 Records, 1981)
GUITARRA PORTUGUESA (Columbia, 1967) Glenn Branca
Carlos Paredes THE VISITORS (Polar, 1981)
THE VELVET UNDERGROUND & NICO Abba
(Verve, 1967) MUSIC FOR A NEW SOCIETY
The Velvet Underground & Nico (Ze Records, 1982)
ASTRAL WEEKS (Warner, 1968) John Cale
Van Morrison SWORDFISHTROMBONES (Island, 1983)
BEGGARS BANQUET (Decca, 1968) Tom Waits
Rolling Stones UNITED STATES LIVE (Warner, 1984)
ELECTRIC LADYLAND (Reprise, 1968) Laurie Anderson
Jimi Hendrix Experience LIBERTY BELLE AND THE BLACK
JOY OF A TOY (Harvest, 1969) DIAMOND EXPRESS (Truetone, 1986)
Kevin Ayers The Go-Betweens
TROUT MASK REPLICA EVOL (SST, 1986)
(Straight/Reprise, 1969) Sonic Youth
Captain Beefheart & His Magic Band CONTROL (A&M, 1986)
COM QUE VOZ (EMI, 1970) Janet Jackson
Amália EN CONCERT À PARIS VOL. 1 (Ocora, 1986)
THERE’S A RIOT GOIN’ ON (Epic, 1971) Nusrat Fateh Ali Khan
Sly and The Family Stone SIGN ‘O’ THE TIMES (Paisley Park, 1987)
WHAT’S GOING ON (Tamla, 1971) Prince
Marvin Gaye THE ROUGH DANCER AND THE
SONGS OF LOVE AND HATE CYCLICAL NIGHT (TANGO APASIONADO)
(Columbia, 1971) (American Clavé, 1988)
Leonard Cohen Astor Piazzolla
TRANSA (Philips, 1972) 3 FEET HIGH AND RISING
Caetano Veloso (Tommy Boy, 1989)
GAMELAN SEMAR PEGULINGAN De La Soul
— GAMELAN OF THE LOVE GOD DRESSING FOR PLEASURE (Warner, 1994)
(Nonesuch Explorer Series, 1972) Jon Hassell & Bluescreen
Vários SHLEEP (Hannibal, 1997)
THE DARK SIDE OF THE MOON Robert Wyatt
(Harvest, 1973) 69 LOVE SONGS (Merge, 1999)
Pink Floyd The Magnetic Fields
MILAGRE DOS PEIXES (Odeon, 1973) NEW ANCIENT STRINGS
Milton Nascimento — NOUVELLES CORDES ANCIENNES
JOÃO GILBERTO (Polydor, 1973) (Hannibal, 1999)
João Gilberto Toumani Diabaté with Ballaké Sissoko
HELL (Polydor, 1974) ESTUDANDO O PAGODE (Trama, 2005)
James Brown Tom Zé
I WANT TO SEE THE BRIGHT BLACKOUT (Jive, 2007)
LIGHTS TONIGHT (Island, 1974) Britney Spears
Richard and Linda Thompson BOXER (Beggars Banquet, 2007)
THE HISSING OF SUMMER The National
LAWNS (Asylum, 1975) AFRICAN ELECTRONIC
Joni Mitchell MUSIC 1975-1982 (Born Bad, 2011)
DR. BUZZARD’S ORIGINAL Francis Bebey
SAVANNAH BAND (RCA, 1976)
Dr. Buzzard’s Original Savannah Band Escolhas de J.L., J.M.L., J.S., R.S. e R.T.
LO DICE TODO (Salsoul, 1976)
G. Folk. y Experímental Nuevayorquino

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MÚSICA

Os Roxy Music
em janeiro de 1970

Memórias do futuro
Como sobrevive o legado dos Roxy Music em 2012? Uma parte bem, outra nem por isso

Texto Jorge Manuel Lopes

H
ouve um tempo em que sic”, de 72, é bastas vezes uma erup- regresso em 1979 com “Manifesto” é Bryan Ferry, enfim, com os trajos de
os Roxy Music foram um ção de fascinantes tonalidades, um bi- um grato alívio, assinalando o arran- crooner etéreo que assumiria daí em
meteorito vindo de um cho novo a irromper de um corpo que da sua melhor fase. O campo sono- diante. O derradeiro “Avalon”, lança-
lugar intrigante do Cos- (rock) tradicional. A poeira primor- ro surge claro e menos atafulhado, do dois anos depois, é o diamante que
mos. Traziam a exube- dial assenta em “For Your Pleasure” bem mais vibrante e cintilante, mes- encima esta narrativa, obra com as
rância e a perversidade que fez o me- (73), as ideias ganham maior defini- mo tratando-se sobretudo de um en- melhores cores daquela década, cápsu-
lhor glam rock mais os acabamentos ção, a balbúrdia do registo de estreia saio geral para os dois derradeiros ál- la de pop-rock luxuosa, elegante e tão
burilados do progressivo. Tinham dissipa-se, e eis a obra mais dinâmica buns. “Flesh + Blood”, de 80, tem a imaculada hoje como então, povoada
consciência aguda do passado da músi- e bem articulada desta fase. Do mes- mistura certa de sintetizadores árti- de pinturas crepusculares e com a pro-
ca popular mas empurravam-no fre- mo ano e já sem Eno, “Stranded” é cos, funk branco, new wave sofistica- messa de exotismo. Durante os seus
quentemente para uma discussão es- um objeto esforçado que procura pon- da e texturas ambientais, e apresenta quase 38 minutos, os Roxy Music to-
quizoide com um futuro sem forma ad- tos de fuga criativos e só pontualmen- mam os Japan por irmãos gémeos.
quirida e a um passo do abismo. te (como em ‘Street Life’) os encon- “The Complete Studio Recor-
Escutado em 2012 à boleia da cai- tra. O impasse acentuar-se-á em dings” contém ainda o duplo CD “Sin-
xa “The Complete Studio Recor- “Country Life”, de 74, entre suites de gles, B-Sides and Alternative Mixes”.
dings”, o capítulo inicial da banda de rock espacial periclitantes e passa- Tem, de facto, singles notáveis não in-
Bryan Ferry, Phil Manzanera e Andy gens explícitas, sem sentido nem inspi- cluídos nos álbuns de originais (‘Virgi-
Mackay, que rendeu cinco álbuns en- ração evidentes, por eras musicais já nia Plain’, a versão disco-sound de ‘An-
tre 1972 e 1975, adquiriu uma película então caducas (blues-rock, boogie). gel Eyes’), lados b curiosos e misturas
de familiaridade e um maligno estatu- “Siren”, de 75, emite sinais de espe- alternativas de interesse somente mu-
to canónico que levam o ouvinte a vas- rança através da linha de baixo que seológico. Mas a ausência, num objeto
culhar argumentos para, esbatido o empurra ‘Love Is the Drug’ para a pis- cuidado e dispendioso como este, das
efeito de estranheza, convencê-lo da ta de dança, mas o resto limita-se a HHH letras das canções — que constavam
premência destes discos. Os dois pri- viajar na maionese. THE COMPLETE STUDIO RECORDINGS das reedições simplificadas destes dis-
meiros, com Brian Eno a bordo, são os O banho de modernismo que lava Roxy Music cos, ocorridas nas últimas décadas — é
que melhor sobrevivem. “Roxy Mu- o som dos Roxy Music aquando do seu Virgin/EMI incompreensível. A

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HHH HHHH
DESFADO THE CHOPIN ALBUM
Ana Moura Lang Lang
Universal Music CD+DVD Sony

Comecemos por fazer o seguinte Em 2010, no ano do bicentenário do


exercício: esquecer que ‘Fado Alado’ nascimento de Chopin, o musicólogo
(letra e música de Pedro Abrunhosa), Charles Rosen publicou um artigo em
‘A Minha Estrela’ (letra de Hermano “The New York Review of Books”
Sobral e música de Luísa Sobral), onde discorreu sobre a forma como a
‘Como Nunca Mais’ (letra e música de obra do compositor polaco estava
Tozé Brito), ‘Dream of Fire’ (letra e decididamente instalada no
música de Ana Moura, com uma quase establishment musical em 1849, no
despercebida participação de Herbie ano da morte de Chopin aos 39 anos
Hancock) e ‘Quando o Sol Espreitar de de idade. Paradoxalmente, leem-se
Novo’ (letra e música de Manel Cruz) abundantes críticas dessa época que
fazem parte deste disco. Depois oiça- ‘justificavam’ não ser possível colocar
mos os 12 temas que restam. Só assim Chopin no Panteão dos gigantes da
vale a pena e vale muito a pena. Evo- música com estes argumentos: ele
luindo entre a música popular portugue- tinha-se dedicado quase
sa, a MPB, o cool jazz, o pop, o R&B e exclusivamente ao piano, compondo
o Fado (com letra maiúscula, sim) Ana apenas três peças para violoncelo;
Moura tem um grande disco. O mérito Chopin não tinha composto nenhuma
é dela. Desde logo ao escolher como ópera, sinfonia ou peça litúrgica (e,
produtor Larry Klein, podendo assim contudo, manifesta na sua obra uma
mais facilmente contar com as colabo- profunda compreensão da música
rações preciosas de David Piltch no instrumental alemã e da ópera italia-
baixo, de Dean Parks na guitarra, de na); era considerado efeminado por
Jay Bellerose na bateria e de Patrick ser autor de uma música encarada
Warner nos teclados, numa viagem como ‘excessivamente’ delicada e
fortíssima e muito pouco ortodoxa lânguida. Havia ainda quem mencionas-
pelos caminhos do abrangente rótulo se que Chopin dava aulas praticamen-
da world music. Mas o mérito é dela te só a mulheres e que não tinha como
também pela capacidade com que alunos futuros “leões do piano”. Em
agarra vocalmente os contributos de textos da época lê-se que, pelas suas
Joni Mitchell e David Poe em ‘A Case afáveis mazurcas, valsas, fantasias,
of You’, grande canção de amor da barcarolas e noturnos, a música de
compositora canadiana (ex-mulher de Chopin era de salão. Relativamente ao
Larry Klein), e em ‘Thank You’, o mais dilúvio de censuras oitocentistas a
jazzístico dos temas do álbum feito Chopin, Lang Lang (Shenyang, 1982),
pelo músico nova-iorquino. O mérito é um genuíno “leão do piano”, situa-se a
dela ainda por manter a guitarra portu- anos-luz de distância. No DVD que
guesa de Ângelo Freire, num trabalho acompanha esta edição, intitulado
extraordinário, em tudo o que aqui é “My Life with Chopin”, o pianista
música. Mérito por não se desligar do chinês recua até 1994 para nos contar
que melhor sabe fazer e apresentar de que forma toda a sua carreira
um magnífico ‘Fado Primavera’ (letra artística foi determinada pelo estudo
de Manuela de Freitas), o ‘Fado Naza- da obra de Chopin. Após a gravação
ré’ de Fontes Rocha, e dois originais de “La Grande Valse Brillante, op.18”
‘Fados Macau’ e ‘Santa Luzia’. Mérito ou dos “Études, op. 25”, Lang Lang
dela, enfim, por ser a fadista portugue- pondera que “não se trata apenas de
sa que melhor sabe ‘desvirtuar’ o fado, um exercício técnico de dedos e de
se assim os puristas quiserem enten- mãos que nos faz sentir fisicamente
der. Ela está defendida. “Desfado”, o exaustos; trata-se de um permanente
título do álbum, fala por si. Ninguém exercitar para o coração, emoções
espere um disco tradicional. e mente do intérprete.”
Alexandra Carita Ana Rocha

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MÚSICA

tual, disco e pop psicadélica. Falta,

O mundo agora, saber que repercussões irá ter


a Ocidente a copiosa série de reedi-
ções da sublime pop iraniana anterior

numa caixa à revolução islâmica... Deste modo,


será pacífico afirmar que cada forma
de expressão de música popular (de HHHHH
novo, como quase tudo) não é uma PARALLAX
realidade de costas voltadas para o Eric Revis
mundo. Mesmo quando possa pare- Clean Feed/Trem Azul
cer tão estanque como se fechada a
Texto Ricardo Saló sete chaves.
E, no entanto, por paradoxal que Eric Revis é, desde 1998, o contrabai-

A
música é uma caixa de tre outras coisas — que basta haver pareça, aí se descobrem — por vezes xista do quarteto de Branford Marsalis.
surpresas. Nem sempre uma vaga de reedições para que não — os melhores exemplos de integra- Com o seu som profundo e cavernoso,
agradáveis, sem dúvida; se tenha que esperar muito pelos re- ção do estímulo alheio num universo deu sempre grande solidez à música
mas não é dessas que flexos da exposição de ‘estetas exaus- de autor. Ou seja: de alguém que foi do grupo. Este é o seu terceiro CD,
aqui se trata. E, em tos’ aos ventos de um passado ainda capaz de definir uma estrutura de lin- que reúne um conjunto estelar — dois
grande parte, é por isso que quem na fresco. E para que — ato contínuo — o guagem autónoma, onde esses ele- instrumentistas do trio Bandwagon, de
música tem uma fonte maior de pra- seu instinto criativo revele novo alen- mentos exógenos são objeto de inser- Jason Moran, o baterista Nasheet
zer continua a ouvi-la todos os dias. to e logo faça despertar a urgência de ção suficientemente subtil para não Waits e o próprio pianista Jason Moran,
Coisa que não falta, ao longo da histó- regeneração do seu ofício. (Ou)viu-se representar ameaça para o respetivo mais o saxofonista Ken Vandermark,
ria, é aquela sensação de que se che- com James Brown, p. funk, jazz espiri- B.I. Nenhum sentido faria o que se lê músico de múltiplos projetos no free,
gou ao fim da estrada e que o melhor se não fosse esse o caso de Jneiro Ja- associado à Clean Feed. À partida, o
será mudar de ramo. Mas a música rel e DOOM. Embora aparente ser recurso a Vandermark redunda num
O duo norte-americano de Jneiro
(como quase tudo na vida) é uma enti- Jarel e DOOM assinam um trabalho
tão fechado sobre a sua especificida- sucesso, na medida em que fornece a
dade dinâmica. Quer isto dizer — en- que é um banho de invenção de estética e social como — salvo ra- este quarteto uma grande originalida-
ríssimas exceções — todo o hip-hop de de som que um saxofonista mais
pós-Digable Planets, o disco do duo ortodoxo poderia tornar acomodatícia.
norte-americano quase se ouve como Aliás, a sua utilização do clarinete
o Holger Czukay vintage. Os ingre- contribui também para a variedade
dientes podem ser rádio, field recor- tonal que “Parallax” encerra. Toda a
dings, ecos da indústria pesada, re- obra está recheada de momentos
cortes de diálogos do cinema mas inventivos e originais, onde as composi-
também da real life, obstinação rítmi- ções servem tanto o coletivo como as
ca enfatizada pela consciência do va- vagas de improvisação. O sentido de
lor do silêncio, sintomas de uma asfi- unidade está bem representado em
xia tecnológica atenuada por sólidos ‘Dark Net’, uma composição do saxofo-
indícios de invenção eletrónica, aro- nista Michael Attias. Também ‘Split’, de
mas pop nos ‘instantâneos’ de Beth Vandermark, é um bom trampolim para
Gibbons e Damon Albarn, ambiên- a imaginação do quarteto, neste caso
cias (notáveis) de música erudita e, já funcionando dum modo mais tradicio-
até, uma dissertação sobre melanina; nal, com a intervenção de Jason Moran.
mas o desenlace é hip-hop, cujo grau Portanto, quatro músicos de talento
de ‘pureza’ rivaliza com o dos Jungle concebem uma música espontânea
Brothers, ainda que seja os Gang com prodigiosos instantes. O CD está
Starr que traz à memória. Um banho em nome do contrabaixista, que evita
de invenção. A ‘solar’ em excesso; para isso utiliza
curtos interlúdios que se integram na
estrutura acústica do grupo. Seria
errado não destacar as duas peças
mais tradicionais tocadas. A primeira,
uma grande canção de Fats Waller, ‘I’m
Gonna Sit Right Down and Write My-
self a Letter’, em roupagem original,
com o contrabaixo em intensas linhas
com arco, às quais se sobrepôs a linha
melódica. Outra é o tema de Nova
Orleães de Jelly Roll Morton, ‘Winnin’
Boy Blues’, com Moran a destilar gran-
HHHH des ideias e um solo inspirado de Ken
KEY TO THE KUFFS Vandermark. Um álbum coerente e
JJ DOOM brilhante, com um Jason Moran genial.
Lex/CoOp Raul Vaz Bernardo

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CONCERTOS
a atual, mas o ambiente é frio e nór- nenhuma outra ópera trágica have-

A queda de Gustavo dico, claustrofóbico e monocromáti-


co, como num filme de Bergman. Ce-
nários oblíquos (Paul Steinberg), do-
rá tantos risos e gargalhadas (de tro-
ça ou ameaça), nem tanta mascara-
da. Seria difícil reunir, hoje em dia,
minados pela pintura (teto) da Que- um elenco melhor. Karita Mattila —
da de Ícaro. Verdi tem aqui a sua aparentemente em colisão com o
Texto Jorge Calado ópera mais (desconcertantemente) Met — abandonou o papel (Amelia),
inspirada, com um protagonista vo- sendo substituída por Sondra Radva-

O
Met inicia as comemora- lúvel e mercúrico, poético e político, novsky, um dos melhores sopranos
ções do bicentenário ligeiro (a rondar a opereta) e dramá- verdianos, generosa no canto e boa
verdiano com esta nova VERDI: “UN BALLO IN MASCHERA” tico. Há algo de Don Giovanni neste atriz. (Esteve para vir ao São Carlos
produção de “Un ballo Álvarez, Radvanovsky, Hvorostovsky, Gustavo III — o que torna o papel para um “Trovatore” na era Pina-
in maschera” — uma Blythe, Kim, Luisi (d), Alden (e), Steinberg (c) uma dádiva (e um desafio) para um monti, mas trocou Lisboa por um ca-
obra inspirada no assassínio (real) Met Opera em direto e HD grande tenor (que é aquilo que Mar- samento e lua de mel algures.) Na
de Gustavo III (1746-1792) da Suécia para a Gulbenkian, Lisboa, hoje, 18h celo Álvarez é). Por outro lado, em linha do fabuloso Bergonzi, Álvarez
num baile de máscaras na Ópera de canta como um poeta, mas possui
Estocolmo. A ópera seria “Gustavo também a gravitas que esta ópera
III”, mas problemas com a censura exige. Atenção ao II ato no campo
levaram à mudança de título (“Una da forca (onde cresce a mandrágo-
Vendetta in Dominò”) e local (Pome- ra). Dmitri Hvorostovsky (Anc-
rânia); o rei passava a ser um duque. karström) vocaliza com a autoridade
Mesmo assim, não passou. Quando habitual. Fabio Luisi (maestro prin-
se estreou em Roma, em 1859, to- cipal) dirige esta e as duas próximas
mou o título definitivo, mas o prota- transmissões HD, “Aida” e “Les Tro-
gonista era agora governador de Bos- yens”. “Un ballo in maschera” é uma
ton, Riccardo. Regicídio (ou duquecí- corrida para a morte. Alden celebri-
dio), nem pensar! Modernamente, a zou-se com outro “Ballo” para a
tendência é regressar à situação ori- ENO (Londres), em 1989. Neste, a
ginal (corte sueca), embora o triân- frieza nórdica gela as emoções. A
gulo amoroso faça pouco sentido
com um rei que era reconhecidamen-
te homossexual. Mas lá está o pajem
Oscar (travesti) para o que der e
KEN HOWARD/MET OPERA

vier... Foi esta a opção de David Al-


den — um reputadíssimo encenador
que iniciou a sua carreira internacio-
nal em Lisboa (“La voix humaine”, Dmitri Hvorostovsky
(Anckarström)
com Evelyn Lear, em 1978) e que e Sondra Radvanovsky (Amelia)
agora se estreava no Met. A época é em “Un ballo in maschera”, de Verdi

Madeira Dig em crescendo


A ideia do festival Madeira Dig é ma- mas a sequência de imagens ficou tic Ensemble (Carlos Zíngaro, pionei- profundidade de campo, repetiram
deirense, desde 2004, da que hoje se aquém do aguardado. Já a coerência ro da música experimental entre nós, de forma dispensável algum discurso,
chama Agência de Promoção da Cul- entre elas e a música composta estive- com Emídio Buchinho e Carlos San- não feriram a simbiose entre os dois
tura Atlântica, a que se juntaram dois ram à altura dos trabalhos em filmes tos) apresentou-se com o francês elementos do duo improvisado. O
apoios: a Estalagem da Ponta do Sol e como “Insomnia”. Os Sculpture im- eRikm. Explorando as capacidades concerto de encerramento foi do ar-
o Centro das Artes Casa das Mudas, pressionaram. Dan Hayhurst (músi- dos instrumentos (violino, guitarra tista multidisciplinar e designer gráfi-
que faculta a sala de concertos. A par- ca) e Reuben Sutherland (imagem) elétrica...), o trio propôs uma linha co Mark Fell, que hoje trabalha com
ceria com a Digital in Berlin é bem constituem um duo de invulgar vivaci- melódica superiormente composta, som sintético, luz, tecnologias experi-
mais recente. A edição deste ano teve dade, com música ao vivo de registos com pequenas intervenções plastica- mentais e outros sons não musicais.
programação cuidada. Eis os desta- feitos em equipamento arcaico de mente convincentes, que convidaram A sua música minimal e as imagens
ques de entre os nove concertos. Bios- som e imagens zoetrópicas criadas pa- a uma adequada relação com o ‘instin- propostas foram bom final para o Ma-
phere, nome de registo do norueguês ra serem projetadas nas paredes do to e sensibilidade’ do convidado. A úl- deira Dig, cuja programação superou
Geir Jenssen, é especialista em am- concerto a partir de suportes disco- tima noite foi de apoteose, com a in- em coesão e valor as propostas de edi-
bientes tecno e arctic. Requisitado pa- gráficos ‘helicoidais’. As manipula- tervenção musical de Palmer El- ções anteriores.
ra intervir em bandas sonoras de fil- ções digitais e analógicas provocam dritch assumindo as imagens projeta- António Loja Neves
mes, os loops e samples com raiz na uma amálgama sónica e visual entro- das de p.ma (Pedro Maia). E mesmo (O Expresso viajou
ficção científica estiveram presentes, sada e coerente. ZNGR Electroacous- quando estas, circulares e sugerindo a convite do Madeira Dig)

Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 25

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CINEMA

Depois de “Orgulho
e Preconceito”,
Joe Wright adapta
outro grande clássico
da literatura: “Anna Karenina”.
Keira Knightley volta
à cena com Matthew Macfadyen,
Jude Law, Aaron Taylor-Johnson,
num filme arriscado
onde o real acontece num teatro.
Em Londres, conversámos
com realizador e elenco

PORQUE LHE
CHAMAM AMOR? Texto Cristina Margato, em Londres ecrã, como também porque sentiu que “estava sem-
pre a fazer o mesmo caminho e queria fazer algo de
diferente”. O realizador, sublinhe-se, é filho de ma-
O nome do dramaturgo Tom Stoppard rionetistas, e isso não é um mero pormenor na sua
é suficiente para evocar, de imediato, o palco e o vida. Mas a derradeira influência para a afirmação
teatro inglês. E foi em Tom Stoppard que Joe do teatro terá estado na leitura de um livro de Orlan-
Wright pensou e a quem encomendou o guião quan- do Figes — “Natacha’s Dance: A Cultural History of
do decidiu filmar “Anna Karenina”, de Tolstoi. Não Russia” — no qual a sociedade de São Petersburgo é
é, contudo, em Stoppard que se deve procurar a ra- descrita como vivendo num contínuo ato performati-
zão pela qual Wright decidiu filmar grande parte da vo, a pretender ser o que não é. O palco torna-se
ação dentro de um antigo teatro. Ao saber da ideia metáfora dessa sociedade.
do realizador, o dramaturgo e argumentista de “An- O clássico russo, de Tolstoi, pilar da literatura
na Karenina” ter-lhe-á respondido: “Quero ver is- mundial foi várias vezes adaptado ao cinema, em
so!” E o realizador tê-lo-á feito, “sem mudar uma diversas épocas: e a personagem principal, Anna Ka-
única palavra do guião”. renina, interpretada por atrizes tão diferentes quan-
Joe Wright (n. 1972) trabalhava na pré-produção to Greta Garbo, Vivien Leigh, Sophie Marceau ou
do filme, há pelo menos duas semanas, quando lhe Helen McCory (sem contar com as russas). Joe
terá ocorrido a ideia de substituir as filmagens em Wright sentiu que podia voltar a fazer uma versão
diferentes locais, na Rússia e Inglaterra, pelo espaço cinematográfica, sem perder muito tempo a olhar
de um teatro — não só porque se optasse por locais para as anteriores: “Cheguei a um dado momento
reais “ia gastar grande parte do orçamento em coi- da minha vida em que a história se tornou próxima:
sas como hotéis e viagens”, que não se iriam ver no tinha 40 anos, estava casado e esperava o nascimen-

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menos pelo qual valha a pena morrer: “Para mim,
Keira Knightley família e amor são a mesma coisa. A família é aquilo
sobre Anna: “Todos somos que resulta do amor, é a continuação do amor. A
carentes, e a carência minha família é uma extensão do meu amor. A rela-
ção de Anna e Vronsky é destrutiva e obsessiva. Não
é das coisas mais nos leva à verdade. O caminho de Levin [Domhnall
repelentes e difíceis Gleeson] é o certo.” O romance, recorde-se, começa
de ver. (...) Ela concentra com a célebre frase: “Todas as famílias felizes pare-
cem iguais; mas cada família infeliz é infeliz à sua
alguns dos nossos maneira” (tradução da edição inglesa).
maiores defeitos” A visão de Joe Wright acabou por ser facilmente
adotada pelo elenco. Keira Knightley, por exemplo,
tinha lido o livro há alguns anos e recordava dele o
lado romântico. Mas à medida que se foi apropriando
do papel de Anna Karenina começou a ter uma opi-
nião muito diferente sobre aquela mulher e passou a
vê-la como alguém que quebra o seu código moral,
porque se sente apanhada na sua própria armadilha:
“Ela é muito manipuladora. Mesmo não gostando do
seu comportamento, tenho de reconhecer que todos
nós podemos ser enganadores, manipuladores e hor-
ríveis para as pessoas que mais amamos. Faz parte
do ser humano. Todos somos carentes, e a carência é
das coisas mais repelentes e difíceis de ver. Mas to-
dos nós mostramos essa carência de vez em quando,
porque não queremos sentirmo-nos sozinhos. Tal co-
mo ela, dizemos aos outros: ‘Salvem-me!?’ Ela con-
Keira Knightley é Anna centra alguns dos nossos maiores defeitos.”
Karenina — uma mulher
que é “apanhada na sua
Neste reajuste de peças, é Jude Law, no papel do
própria armadilha” respeitável marido de Anna Karenina, que acaba por
se destacar. Num modo quase irreconhecível, apare-
to do meu primeiro filho.” O realizador inglês já ti- Levin por Kitty. A primeira decorre totalmente den- ce como aquele que é leal ao amor: “Não li o roman-
nha feito outros clássicos da literatura, e os filmes tro de um teatro, ao ponto de até a corrida de cava- ce, não o quis ler. Construí o meu papel de Karenin a
de época não eram uma novidade no seu percurso — los onde Anna se trai, mostrando publicamente o partir da visão de Joe. Tinha informação suficiente
embora prefira olhar para “Orgulho e Preconceito”, seu amor por Vronsky, ser feita aí; a segunda passa- da parte dele e do Tom, e a visão deles era muito
de 2005 (adaptação do romance de Jane Austen), -se em exteriores gelados, que incluem alguns locais específica. Não quis pensar que Karenin era visto nor-
ou “Expiação”, de 2007 (adaptação do romance de na Rússia. O adúltero Oblonsky, irmão de Anna Ka- malmente como o mau da história. Mesmo quando
Ian McEwan), como “contos de fadas”, filmes onde renina, perde algum peso ao ser tratado como uma se tem um grande romance como este é preciso deitá-
explora ”um mundo imaginário”. espécie de comic relief, e o papel é entregue a Mat- -lo fora. No final, o filme é mais sobre o Joe, até por-
“Anna Karenina” passa-se no século XIX, num thew Macfadyen, que em “Orgulho e Preconceito” que os filmes são sempre sobre os realizadores.” A
momento em que a aristocracia russa, na ausência contracenava com Keira Knightley, agora escolhida cmargato@expresso.impresa.pt
de uma identidade própria, tenta imitar a alta socie- para a Anna Karenina de Joe Wright. (O Expresso viajou a convite da Zon Lusomundo)
dade francesa, agindo e falando como tal. O filme de Não é só Oblonsky que surpreende. Também a
Wright não pretende seguir religiosamente a época, escolha de Vronsky é arriscada. Ao atribuir o papel
na medida em que “muita da investigação que foi a Aaron Taylor-Johnson, de cabelo oxigenado, con-
feita nesse sentido terá sido esquecida no momento tra vontade do próprio, Wright quer sublinhar o seu
seguinte”. Prefere concentrar-se no ambiente e nu- lado juvenil: “Ele é descrito no romance como um
ma visão que Wright assume muito própria: “Have- jovem soldado pela própria Anna, e a forma como se
rá tantas versões do romance quanto leitores... To- apaixona é muito imatura. Vejo nele o rapaz que eu
dos nós temos a nossa experiência do romance. Fiz posso ter sido quando uma vez, em miúdo, me apai-
a adaptação que criei na minha cabeça.” Uma verti- xonei por uma rapariga numa loja e achei que ela
ginosa e difícil dança, criada pelo coreógrafo Sidi era a mulher da minha vida a partir de um simples
Larbi Cherkaoui (o público português já pôde assis- olhar. Ele é muito impulsivo! Se fosse um homem
tir aos seus espetáculos no CCB), é um bom exemplo mais velho que se apaixonasse, através de um único
dessa tentativa de Wright se apropriar da história olhar por uma mulher ao vê-la numa estação de com-
de modo muito próprio: “Sou fascinado pela forma boios, ia parecer mais um perseguidor obsessivo do
como as pessoas comunicam fisicamente. A dança que um apaixonado...”
foi trabalhada com Sidi Larbi como uma extensão Kitty (Alicia Vikander), num momento de deses-
das personagens e dos momentos em que estas não pero do filme, grita: “Porque lhe chamam amor?”
estão a dançar...” Tom Stoppard, por seu lado, subli- Ao que lhe respondem: “Porque é.” “Anna Kareni-
nhou os dois braços da narrativa: de um lado, a pai- na” é um romance sobre o amor, e outras coisas,
xão proibida de Anna Karenina pelo jovem Vronsky mas há muitos possíveis formatos para o amor, e
(com todos os abalos que produz nas suas vidas e na Joe Wright não quer defender a relação de Anna
sociedade que os rodeia); do outro, o amor do rural Karenina e Vronsky como um ato de amor, muito

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CINEMA

MICHAEL
HANEKE
Conversámos em Cannes
sobre “Amor”, o filme
que valeu a segunda
Palma de Ouro
ao cineasta austríaco

Entrevista Francisco Ferreira, em Cannes

Encontrámos Michael Haneke


horas depois da estreia mundial de “Amor”, a
meio do Festival de Cannes (que o filme acabaria
por vencer), no Hotel Majestic. O cineasta austría-
co, acompanhado de um intérprete, respondeu às
perguntas apenas em alemão, de uma forma pausa-
da e sucinta. Antes de Haneke entrar na sala, tínha-
mos falado com o protagonista do filme, o grande
ator Jean-Louis Trintignant, numa conversa que
trouxemos à capa deste caderno, há pouco mais de
seis meses, na edição de balanço do festival. Pode-
mos ler a conversa que se segue, por isso, como a
segunda parte do mesmo encontro. Uma conversa
à volta de um filme sobre a morte que se chama
“Amor”. À volta de Georges (Jean-Louis Trintig-
nant) e Anne (Emmanuelle Riva), dois octogená-
rios, ambos professores de música na reforma. Um
dia, Anne sofre um princípio de enfarte: fica parali-
sada do lado direito. Vai ao hospital, volta para

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dições com a maior parte das atrizes francesas da-

“A SOCIEDADE ATUAL quela geração, mas na verdade a imagem que ti-


nha na cabeça era a da Emmanuelle em “Hiroshi-
ma, Meu Amor”. Decidi depois parar as audições.
ENCARREGOU-SE Fui pedir-lhe que interpretasse o papel.
Isabelle Huppert está creditada no genérico como
uma “participação especial”. Fez vários filmes
DE ESCAMOTEAR com ela. Necessita da sua presença? O elenco de
“Amor” foi um verdadeiro dom para mim. Estou
muito agradecido aos atores, também a Isabelle
O SOFRIMENTO Huppert, que conheço muito bem. Foi pela amiza-
de que nos une que ela aceitou interpretar o papel

DOS IDOSOS” da filha de Georges e de Anne, que é um papel


menor, demasiado pequeno para uma atriz como
ela. Isso comoveu-me muito.
Ensaiou muito com os atores? De maneira nenhu-
casa: o marido cuidará dela a partir daí. Ela deixa- mento dos meus pais em Viena, adaptando a deco- ma. Nem gosto de o fazer habitualmente. Sou mui-
rá de andar. De falar. Cai na cama. É o princípio do ração de interiores à França. to mais tecnicista. Em “Amor”, entrámos no dé-
abismo. De um “Amor” assim, nunca no cinema se As personagens de Georges e Anne dão-nos a cor, eu indiquei-lhes as posições, fiz algumas corre-
morreu até à chegada deste comoventíssimo filme. sensação de pertencerem a uma sociedade e a ções, e foi tudo. Começámos a filmar imediata-
um tempo que já não existem. Concorda? Eu des- mente. Com atores deste nível, a melhor take é
Filmar a experiência de uma vida que se apaga é crevi uma sociedade e um tempo que conheço, sempre a primeira. Claro que isto não é uma re-
mostrar aquilo que muitos de nós não querem pois é daquele mundo que venho. O meu padrasto, gra, cada realizador tem a sua. No caso de “A-
ver. Pensou nisso antes da rodagem de “Amor”? tal como a personagem de Georges, foi chefe de mor”, a repetição era uma ameaça. Poderia trazer
Concordo que este filme toca num ponto incómo- orquestra e compositor. Vivíamos numa casa em o perigo do teatro — e o Jean-Louis é, essencial-
do, se era a isso que se referia, mas como tenho que a música estava sempre presente. Mas a histó- mente, um ator de teatro. Mas o que eu procurava
dito noutras entrevistas não acho que o tema de ria do filme não é a história da minha família. Em era um efeito de realismo.
“Amor” seja tão pouco usual. Eu diria até que a relação à classe social das personagens, que é uma “Amor” começa com um quarto fechado, tão fe-
fatalidade do envelhecimento é cada vez mais ex- classe privilegiada, tenho de acrescentar outra coi- chado que nele podemos ver um túmulo. Já o final
plorada nos dias que correm, do cinema aos dra- sa. Se Georges e Anne viessem de uma família po- do filme é quase fantomático. Acha que esta foi a
mas sociais da televisão. Mas não fiz este filme por bre, acho que os espectadores começariam a pen- maneira que encontrou para sublimar a morte?
causa do seu tema, que é obviamente importante. sar que as decisões das personagens eram motiva- Natürlich. É aí que quero chegar.
Como sempre, fi-lo porque fui perturbado por um das pela falta de dinheiro, afastando-se assim dos Ao longo da sua já extensa carreira, muitas pes-
episódio que me fez pensar e me levou depois a problemas que eu queria abordar. soas disseram que tem um coração de pedra. Mas
uma reflexão artística. Abordei-a da forma mais Acabei de falar com Jean-Louis Trintignant, que agora fez um filme chamado “Amor”. E julgo que
frontal possível. me disse ser favorável à eutanásia. Qual é a sua não há nenhuma ironia neste título: é absoluta-
Que episódio foi esse? Penso nele há já alguns opinião sobre o assunto? Eu sei que a eutanásia mente sincero. Este filme abriu alguma porta para
anos, ainda antes de ter filmado “O Laço Branco”. toca diretamente em “Amor”, mas não considero si como realizador e como homem? Acho que os
É uma história pessoal ligada à doença que viti- que este seja um filme sobre a eutanásia. É antes meus filmes refletiram sempre os temas que explo-
mou uma das minhas tias, que me criou e que se um convite para refletir sobre ela. Por isso, vou ravam, e este não é o primeiro a quebrar esse ‘cora-
suicidou aos 92 anos. O que mais me impressionou manter-me coerente e prefiro não revelar a minha ção de pedra’. É claro que não pude ter um resulta-
na sua agonia não foi propriamente o fim da sua opinião: se o fizesse, estaria a trair aquele convite. do tão terno quando fiz “Funny Games”, por exem-
vida, mas a incapacidade física em que ela se en- Tem também a reputação de preparar as suas ro- plo. Mas mesmo em “Funny Games”, se reparar,
contrava e a impotência em que eu me descobri dagens ao ínfimo detalhe, de ser um calculista. também há momentos de ternura profunda que se
quando a quis ajudar. Acho que todos nós, a um Ainda se deixa surpreender pelos filmes? Ou a passam entre as vítimas do assalto. Nos meus fil-
dado momento, somos assaltados por essa má sua relação com o que faz não passa por aí? Passa mes anteriores abordei questões que, do ponto de
consciência que nasce da nossa impotência em aju- sim... e a surpresa vem sempre dos atores. No caso vista humano, me obrigaram a ser áspero e frio.
dar os que amamos. A sociedade atual encarregou- de “Amor”, sinto que eles deram-me muito mais Não penso, contudo, que sou uma pessoa diferente
-se de escamotear o sofrimento dos idosos. Criou do que eu lhes exigi. do que era antes. Nem que estou a ficar mais sere-
lares e hospitais. Mas as personagens do meu fil- É verdade que escreveu este papel para Jean- no com o tempo. Do exterior, talvez haja pessoas
me, como já viu, escolhem ficar em casa. -Louis Trintignant? Sim. A um ponto tal que, se que possam dizer que sim. Mas eu não posso. A
E dessa casa, desse espaço em huis clos, pratica- ele não tivesse aceitado o papel, eu não teria feito o
mente não saímos. Porquê? Tenho nas mãos uma filme. Há muito tempo que queria trabalhar com
personagem doente, para quem os limites do mun- ele. Admiro-o desde a minha adolescência, do tem-
do se tornam as paredes da sua casa e, por fim, as po de “E Deus Criou a Mulher”. Os meus ídolos
do seu quarto. Decidi desde o início que não sairia nesse tempo já eram Brando e Trintignant. São
daquele apartamento. Achei que esta era a forma atores que sabem guardar segredos, coisas que
mais acertada de estar à altura do tema do filme. nunca poderemos decifrar. Trintignant dá ao pa-
Mas filmar num apartamento verdadeiro levanta- pel uma tal generosidade, entrega-se com tanta
va-me outros problemas, sobretudo de ilumina- tristeza e ternura que o resultado se torna muito
ção, e eu precisava do espaço insonorizado de um complexo, muito além daquilo que eu tinha imagi-
estúdio. Embora a ação do filme se passe em Paris, nado e escrevi no guião.
aquele não é um apartamento parisiense. Transfor- E em relação a Emmanuelle Riva? Foi um caso dife-
mei-o noutro que eu conheço muito bem, o aparta- rente. Lancei-me num longo casting em que fiz au-

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CINEMA

Cadernos da casa morta


Supomos que o espectador vai entrar no novo filme de Michael
Haneke de pé, mas temos a certeza que sairá dele de rastos

Texto Vasco Baptista Marques

A
viso à navegação: a déci-
ma segunda longa do
austríaco Michael Hane-
ke (que, no passado sá-
bado, somou os galar-
dões para o melhor filme e para a me-
lhor realização nos Prémios do Cine-
ma Europeu à Palma de Ouro de Can-
nes), “Amor”, representa um ponto
de viragem na obra do cineasta. De
facto, após vinte anos a tecer a autóp-
sia política e sociológica da classe mé-
dia europeia (é o eixo que vai de “O
Sétimo Continente”, de 1989, a “O La-
ço Branco”, de 2009), Haneke parece
superar aqui a limitação capital do
seu cinema: a pose clínica e doutoral
de um olhar que concebia cada filme
como uma lição, cada espectador co-
mo um aluno e cada personagem co-
mo uma cobaia. Pois bem: preservan-
do embora as principais marcas de es-
tilo do realizador (a construção con-
centracionária do espaço, a crueza da
análise...), “Amor” surpreende, antes
de mais, pela sua capacidade de conci-
liá-las com o máximo lirismo e a máxi-
ma intimidade. O resultado da síntese
é — diga-se desde já — o mais belo tra-
balho de toda a carreira de Haneke.
A história do filme quer-se simples res de música (Jean-Louis Trintig- Michael Haneke com pressa se transformará numa tumba.
Emmanuelle Riva e Jean-Louis
na sua estrutura, mas devastadora nant e Emmanuelle Riva, ambos su- Trintignant durante
A confirmação do presságio, essa,
nos seus efeitos. É, aliás, com estron- blimes) que, no seu apartamento pari- a rodagem de “Amour” chegará na manhã seguinte, sob a for-
do que nela entramos, seguindo um siense, vão partilhando, sem preocu- ma de uma trombose que, numa elipse
grupo de bombeiros que arromba a pações aparentes, os pequenos ri- narrativa, atira a mulher para a sala
porta de um apartamento para, no ter- tuais do quotidiano. A diluição dos de operações de um hospital, da qual
mo de um longo plano-sequência, des- corpos das personagens no interior regressará semiparalisada e a precisar
cobrir uma mulher de 80 anos morta de uma sala de concertos (naquela de atenção permanente. O que se se-
sobre uma cama coberta de pétalas. que será a única sequência a ter lugar gue é a crónica de uma dupla amputa-
Trata-se de um prefácio corajoso, que fora do apartamento) assegura-nos a ção: a dela (que progressivamente vai
arrisca começar pela conclusão para normalidade das suas vidas, mas o re- perdendo as suas faculdades físicas e
colocar de imediato a narrativa sob o gresso a casa do casal revela que, na intelectuais) e a dele (que cedo se des-
signo da morte. Dela, as personagens sua ausência, alguém tentou forçar a cobre condenado a não poder fazer
e o espectador não mais se livrarão, porta da entrada. A cena, como é HHHH mais do que zelar por ela). Para filmá-
sendo convidados a embarcar — até bom de ver, obriga-nos a estabelecer AMOR -la, Haneke reduzirá ao mínimo os mo-
final — num flashback sem fissuras um raccord mental com o prefácio de Michael Haneke vimentos de câmara, no intuito de ex-
que, implacavelmente, desenvolve o (prenunciando deste modo a iminên- (Áustria/França/Alemanha) plorar, em grande plano, os exaustos
trajeto que a ela conduz. cia da morte), e, daí em diante, a câ- com Jean-Louis Trintignant, rostos do casal. O gesto de aproxima-
É por esta via que mergulhamos mara não mais abandonará os quar- Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert ção condensa ao máximo o espaço da
na vida de um velho casal de professo- tos e corredores de uma casa que de- Drama M/12 ação, cerrando-o sobre os corpos, e as-

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sim nasce um filme de câmara claus-
trofóbico e sepulcral (pensa-se, por ve-
zes, no cinema de Bergman) onde tu-
do se joga na descrição de um ato de
resistência íntimo contra a chegada
do inevitável.
Ora, o que nos comove, no novo
Haneke, é o modo como o cineasta se
coloca, sem qualquer distância emo-
cional, sempre ao lado das persona- HH
gens (e nunca acima ou contra elas) ANNA KARENINA
para comungar da sua agonia. Neste de Joe Wright (Reino Unido)
quadro, a mais visível marca do amor com Keira Knightley, Jude Law,
que o realizador sente por elas residi- Aaron Taylor-Johnson
rá, sem dúvida, na forma como inves- Drama M/12
te a figura de Trintignant de uma fun-
ção testemunhal: é, com efeito, da ex-
trema proximidade do seu olhar so- ESTREIA Tal como as que a antecede-
bre a decomposição da mulher que flo- ram — as de Clarence Brown (1935),
resce a extrema tristeza do filme (veja- Julien Duvivier (1948)... —, esta adapta-
-se, por exemplo, aquele genial flash- ção do romance de Lev Tolstoi está
back dentro do flashback onde, condu- longe de fazer justiça à sua matéria de
zido por um dos Impromptus de Schu- origem. Mas não, diga-se, por falta de
bert, ele faz aparecer, no seu abati- ambição. De facto, esta quinta longa
mento, a memória nostálgica do seu de Joe Wright (que aqui trabalha a
passado conjugal). E mesmo o movi- partir de um argumento de Tom Stop-
mento pelo qual Trintignant vai gra- pard) servirá para confirmá-lo como
dualmente blindando a casa (o símbo- um realizador com mais olhos do que
lo físico da intimidade do casal) das barriga. As sequências iniciais do filme
diversas tentativas de intromissão do estão lá para prová-lo. O que vemos,
exterior se assemelha a um ato de aí? A Moscovo do século XIX luxuosa-
amor. Por ela passarão familiares (a mente recriada em estúdio, a delibera-
filha e o genro), um antigo aluno (“to- da exposição do estúdio como lugar
que uma Bagatelle de Beethoven”, diz- de uma recriação (pela mostração das
-lhe a velha professora como quem suas ‘entranhas’ e dos seus cenários
confessa já não ter tempo para bagate- pintados) e a encenação operática dos
las) e uma miríade de enfermeiras movimentos das personagens (filma-
que se desdobram em palpites — auto- das por uma câmara que, com elas, vai
matismos de cuidado que Trintignant valsando em longos planos-sequên-
rejeita para chamar a si a tarefa de cia). A exuberância coreográfica da
velar pela mulher. abertura prepara-nos para um musical,
Posto isto, que fique claro: aqui, a mas o seu objetivo é outro: estabele-
compaixão caminha sempre de mãos cer uma analogia entre a artificialidade
dadas com uma violência que, longe da representação e a artificialidade
de a anular, a realiza e a intensifica. das convenções sociais que condena-
Na verdade, é da recusa de todo o flo- rão a adúltera Anna Karenina ao ostra-
reado (confira-se a cena em que ele a cismo. O jogo de espelhos que assim
esbofeteia na cama) que nasce o ‘liris- se tece entre o texto e a mise en
mo dialético’ de um filme que, como scène é sugestivo, mas Wright cai no
poucos, sabe conjugar dois sentimen- erro de se deixar fascinar (narcisica-
tos contraditórios no seio de um mes- mente) pela inteligência do efeito,
mo plano. Dir-se-á, talvez, que Hane- enfatizando em demasia a natureza
ke mancha a pintura na cena da mor- postiça dos décors e perdendo-se na
te da mulher, impondo à personagem eloquência inútil dos seus movimentos
de Trintignant o peso de um gesto de câmara. O resultado é um filme tão
ambíguo que nos obrigaria a interro- vistoso quanto cerebral que, ficando
gar retrospetivamente o sentido de cativo das suas próprias convenções,
tudo o que vimos. Compreendemos, acaba por falhar o essencial: a restitui-
mas discordamos. De facto, basta ver ção da vertigem erótica da protagonis-
com atenção as sequências que se lhe ta, que, esquecida algures no interior
seguem para perceber que, nela, o da casa de bonecas que Wright para
que se representa é um suicídio. É ela construiu, só parece existir para
que daquela casa — e deste filme — confirmar a aplicabilidade de um concei-
ninguém sai vivo. A to visual. V.B.M.

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CINEMA

l HH HH
AMANHECER VIOLENTO SININHO E O SEGREDO DAS FADAS DESTE LADO DA RESSURREIÇÃO
de Dan Bradley (EUA) de Roberts Gannaway e Peggy Holmes (EUA) de Joaquim Sapinho (Portugal)
com Chris Hemsworth, com as vozes (na versão original) com Pedro Sousa, Joana Barata, Sofia Grilo
Josh Peck, Josh Hutcherson de Mae Whitman, Timothy Dalton, Drama M/12
Ação M/12 Anjelica Huston, Lucy Hale
Animação M/6
Basta ver a primeira sequência (uma
HH ESTREIA No filme original (e quem série de curtos planos fixos que, pela
O CHEF ainda se lembra dele?) que John Milius ESTREIA A aposta da Disney para este origem desconhecida do som que os
de Daniel Cohen (França/Espanha) realizou em 1984, um grupo de adoles- Natal começa em verso, com uma acompanha, nos remete para o fora de
com Jean Reno, Michaël Youn, centes americanos defendia a sua canção, é ecológica, luxuriante, vaga- campo) para perceber onde ela quer
Raphaëlle Agogué terra de uma invasão da União Soviéti- mente feminista e traz-nos a fada chegar: à apresentação do sensível
Comédia M/12 ca. Embora improvável, o golpe, em Tinker Bell (Sininho), famosa pelas como um obstáculo intransponível que,
plena Guerra Fria, era credível. De que suas aparições nas aventuras de Peter ao mesmo tempo, nos convida e nos
se lembrou este remake? Partir de Pan. Emancipada, curiosa como um impede de ir ‘além’ dele. A segunda
ESTREIA É possível fazer uma comédia uma mensagem de especulação pura gato, esta Sininho de generoso vesti- sequência reformula a questão, lançan-
em que o tema seja a cozinha dos baseada na crise e figurar a mesma do curto anseia conhecer o mundo que do-se ao mar num desejo de passagem
grandes mestres e as suas tendên- invasão aos EUA mas... por tropas existe para lá do Vale das Fadas. Aven- entre dois planos (o da superfície e o
cias? Em que a perda de uma estrela norte-coreanas. Enquanto a família e tura-se no Bosque do Inverno e por lá da profundeza das águas) que obriga a
no guide seja cláusula contratual para amigos de Jed Eckhert (Chris Hems- encontra uma fada de gelo (Periwink- câmara a posicionar-se na fronteira em
despedimento? Em que a opinião dos worth) se preparam para a guerra na le) que se torna sua amiga, perturban- que um confina com o outro. É um belo
críticos possa mudar as vidas dos sua cidade dos arredores de Washing- do com isso o equilíbrio entre os dois estudo sobre o espaço que começa a
criticados? Mas em que o amor — ah, ton, o filme não perde tempo a entrar mundos. Não se espere daqui a ousa- ruir no momento em que, sobre ele,
l’amour — seja, finalmente, a única no ridículo. Incapaz de explicar como dia e a ambição das animações Dis- Sapinho enxerta um esboço de narrati-
coisa que interessa, ou não fosse este tal invasão foi possível, Dan Bradley ney/Pixar: muito mais modesto, “Sini- va que se limita a ‘fazer eco’ a este
filme francês? Claro que é. Como prota- reduz um filme ao borrão do episódio- nho e o Segredo das Fadas” trata-se prefácio. Recortam-se então duas
gonista, o jovem Jacky Bonnot, prodi- -piloto de uma série de TV em que apenas de um Disney clássico e inofen- figuras principais: um monge surfista
gioso amador das artes culinárias que ninguém acreditaria. Estará Kim Jong-il sivo a cumprir programa (embora com foragido da família que vai e vem entre
não consegue arranjar emprego na no túmulo a dar gargalhadas? uma personagem mais saída da casca a praia do Guincho e um convento na
área da sua paixão porque sempre Francisco Ferreira do que é hábito...). F.F. Arrábida e a sua irmã mais nova que,
tentará impor as suas ideias gastronó- nos intervalos da escola, parte em
micas aos boçais costumes das gentes. busca do irmão. Entre ambas, um deno-
E — por bem fazer, mal haver — só por minador comum: a vontade de religa-
horas se mantém ao fogão dos seus H HHH ção com uma figura inacessível (o pai e
empregadores. A mulher com quem CLOUD ATLAS MATA-OS SUAVEMENTE Deus, para ele; o fantasma do irmão,
vive está a ficar farta de um adolescen- de Tom Tykwer, Andy Wachowski de Andrew Dominik (EUA) para ela) que só se dá a conhecer por
te tardio que não percebe que a vida é e Lana Wachowski com Brad Pitt, Ray Liotta, vestígios (uma foto, um ícone) e que
dura e é preciso ganhá-la, mesmo que (Alemanha/EUA/Hong Kong/Singapura) Richard Jenkins motiva a deriva das personagens por
se tenha de cozer bacalhau fresco em com Tom Hanks, Halle Berry, Hugh Grant Crime/Thriller M/16 um espaço que resiste à ressurreição
água fervente em vez de o cozinhar a Drama M/12 dos ausentes. O problema é que o filme
vapor para não perder os sucos e o não consegue libertar-se do seu exces-
gosto. Até que, um dia, Jacky encontra Embrulhado num thriller que decorre so de matéria (para quê as sequências
Alexandre Lagarde, uma lenda da Olha que três: de um lado os irmãos no submundo do crime, onde alguns da irmã na escola?), ficando cativo da
gastronomia parisiense, três-estrelas- Wachowski, que, inflados pelo êxito da comparsas têm de ser eliminados natureza decorativa dos diálogos, de
-três e com os novos menus de saison trilogia “Matrix”, já só sentem o céu mesmo que não sejam culpados — uma direção de atores deficiente e,
aguardados como um acontecimento. como limite; do outro o alemão Tom tudo em nome da ‘opinião pública’ —, sobretudo, da sensação de que o reali-
E encontra-o no momento em que a Tykwer, que, depois do curioso “Corre, Andrew Dominik constrói uma parábo- zador se limita a sublinhar à exaustão
entidade patronal começa a considerar Lola, Corre”, até nem se saiu mal de la da América da crise financeira. Pon- uma ideia que se esgota na primeira
Lagarde antiquado, ele que continua a todo de um filme impossível (“O Perfu- tuando todo o filme até à punchline meia hora. É certo que, pelo meio,
confecionar os pratos sem recorrer a me — História de Um Assassino” — o final — “a América não é um país, é um Sapinho ainda faz falar os espaços (os
esferificações, à cozinha molecular e a livro vivia da excruciante descrição de negócio” — há, na banda sonora, em vidros de uma rulote transformam-se
outras modernidades que o filme satiri- odores, não há equivalente fílmico para ecrãs de televisão, intervenções públi- em vitrais), mas isso não chega para
za com gosto (o gag do azoto a sair da isso); porque não visar o céu também? cas de mais que um Presidente sobre salvar o filme das suas personagens.
boca dos comensais é insuperável) — Eis que lhes cai nas mãos o livro saga o colapso financeiro cujas ondas de Vasco Baptista Marques
ele precisa mesmo de ajuda. Mas Jacky de David Mitchell com seis histórias, do choque estamos a sofrer duradoura-
é um amador que ama tão completa- século XIX a um futuro pós-apocalípti- mente, criando uma espécie de foco
mente a coisa amada que quase é co, a fazer da espécie humana um elo iluminador do que na ação vai aconte-
melhor que Lagarde a fazer a cozinha... de luta pela liberdade — e partem para cendo. Entre o pequeno crime das
de Lagarde. O que o leva, está bom de um dos mais desmesurados filmes de ruas e o grande crime de Wall Street,
ver, ao paraíso, como é próprio de um que me lembro, 100 milhões de dólares este filme desenvolve-se, em diálogos
cinema levezinho e bem-disposto de de pomposo desperdício, com os ato- cínicos e gestos brutais, com efeitos
que “O Chef” é acabado exemplo. res (Tom Hanks à cabeça) a desdobra- de linguagem e alguns tiques de estilo
Jorge Leitão Ramos rem-se em papéis sem conexão. J.L.R. que quase o deitam a perder. J.L.R.

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OCINEMADÁOQUEAVIDAROUBA

POR
MANUEL S. FONSECA

HERÓIS DO MUNDO, HERÓIS DE MIM


São heróis. Voltei a pensar neles enquanto via o último filme de
Clint Eastwood, pai e filha. Temos a cabeça e o coração cheio
deles. Sabemos bem que não são só nossos, que são heróis do
mundo todo, de todo o mundo. Mas acreditamos que é mesmo a
“mim” que eles querem e tratam de forma especial. Porque só
esse “mim” que os idealiza é que conhece um incerto pormenor
íntimo, uma secreta intenção pela qual, sendo heróis do mundo,
são acima de tudo privados heróis de “mim”. Heróis do mundo,
heróis de mim, são mãe e pai.
A mãe, Ma Joad, de “The Grapes of Wrath”, que Steinbeck escre-
veu, mas a que só John Ford deu o tom certo quando a pôs, intei-
ra, no corpo amplo de Jane Darwell. Conhecem a história desses
anos de crash (anacrónicos e remotos, não é?!), crise e desempre-
go: Ma Joad perdeu tudo, empurrada para fora da casa que era
dela, restos náufragos de família a caírem-lhe aos pés.
E é a luz da mãe Joad, uma luz de primeiro sol da manhã, que a
tudo resiste e a todos salva. Ela diz: “We’re the people that live.
They can’t wipe us out; they can’t lick us. We’ll go on forever, Pa,
’cause we’re the people.”
Não nos conseguem destruir, jura ela, porque somos o povo que
vive. E cada uma das palavras, na boca dela, nos rasga o coração,
nos exalta e devasta, nos oferece a coragem de lutar e vencer, por
nós e por ela, a mãe de todos os homens, de todas as mulheres e
de mim, senhora minha mãe.
Há um pai, Mr. Morgan, que Donald Crisp encarnou noutro filme
de John Ford. Símbolo do mundo de inenarrável harmonia que é
o vale verde e galês de “How Green Was My Valley”, Mr. Morgan
é o severo e justo pai de sete filhos, mineiro como mineiros são os
filhos logo que podem trabalhar. O ritmo do dia é o ritmo do
trabalho, sirenes e sinos, rituais e refeições, num mundo de honra
a que preside uma ordem serena e imutável, tão parecida com o
feliz mecanismo de um relógio.
Mr. Morgan não está preparado para a avaria desse relógio. Vai
acabar arrumado no seu imprestável tempo. O tempo novo,
“este tempo”, é de emigração e greves, é tempo dos filhos que
criou e duma luta que não compreende. Os filhos partem e Mr.
Morgan já não voltará a cortar a carne do saboroso assado da
refeição de família.
No último jantar em que o vemos, amado ainda pela sombra da
mulher, só o pigarrear do minúsculo filho mais novo, sentado
na pontinha da grande mesa vazia, tenta acordar nele o orgulho
e o respeito passados: “Eu sei que estás aí, meu filho”, diz-lhe
Donald Crisp, e é uma das frases mais mágicas que o cinema já
me fez ouvir. É este o pai, herói tão estrito e tão vulnerável
como sempre o são todos os pais, pai de mim também, senhor
meu pai.
São, mãe e pai, os heróis mais amados. Mulheres e homens assim
nunca morrem.
manuel.s.phonseca@gmail.com
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia

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TEATRO & DANÇA

Obra ao branco
de espetáculos e exposições e onde an-
tes se produziam os lençóis ASA. Em
cena, diz Madalena, há lã e há neve
numa paisagem branca construída
com o recurso a lençóis que celebram
Madalena Victorino foi buscar os gémeos, a lã e a neve, os trabalhadores daquela fábrica. E,
para nos dizer que somos mais fortes juntos num tempo em que até as estações se
confundem umas com as outras, onde
nada é estável e previsível, ela traz ou-
tras questões, como esta: em que épo-
ca nos encontramos para partir em
viagem? E responde: “O inverno é um
Texto Claudia Galhós lugar de interior.” E dali sai o tema
central do espetáculo, que é a comuni-
cação, os seus mistérios, a sua necessi-
dade e a sua dificuldade. E aqui nova-
mente surgem os gémeos, com a for-
ma particular de estar em permanen-
te comunicação, mesmo quando dis-
tantes um do outro. “Eles transpor-
tam consigo dessa primeira estação
da existência, dentro do ventre da
mãe, um conhecimento mútuo.” Na
forma como se tocam, como se movi-
mentam, como estão sempre ligados,
Madalena vê a imagem do mundo que
defende: “Se não comunicamos enlou-
quecemos, ficamos encerrados dentro
de uma realidade que deixa de fazer
sentido. A nossa relação com o real
faz-se através do outro, e é nesse em-
bate que a nossa vida ganha sentido.
Num tempo em que o isolamento, a
solidão e a dúvida sobre o futuro são
cada vez mais fortes, parece-me que o
contacto com o outro, feito de uma for-
ma forte e duradoura, pode trazer for-
ça para estar vivo agora. Conhecer os
outros de uma forma mais atenta e ge-
nerosa parece-me fundamental.”
Com um elenco de nove intérpre-
tes que junta bailarinos profissionais e
gémeos escolhidos em Lisboa e Gui-
marães, e a música ao vivo de Carlos
FOLHA

Bica e João Paulo Esteves da Silva, Ma-


dalena Victorino fala do inverno, fala

O
que é ser gémeo? O que é relação entre o céu e a terra, no caso O branco de um inverno da lã e da neve e do calor fraterno que
interior em Marta Silva
isso, além da ideia mais de “Caruma”, ou significar levar para a ideia de gémeos transporta. Tudo is-
comum de que são pes- cena um território geográfico mais to se traduz numa união que é física e
soas iguais capazes de concreto, como em “Vale”. Desta vez, que põe em jogo uma energia de liga-
sentir o que o outro sen- há um certo país também dentro da ção de corpos muito particular. Por is-
te. A coreógrafa Madalena Victorino ideia dos gémeos, por isso chamou ao so, diz ela, estas são questões que atra-
convida a olhar para lá destes lugares- espetáculo “A Lã e a Neve”. Estas são vessam todo o campo da dança, “a
-comuns na sua nova criação “A Lã e a para ela palavras gémeas: muito idên- energia que corre entre eles, que se
Neve”. Ela diz, por exemplo: “Este fe- ticas em alguns aspetos, mas ao mes- sente na segurança de ter o outro sem-
nómeno do nascimento múltiplo deu- mo tempo com uma ligação intrigante pre ao lado, a certeza de que esse laço
-me a conhecer pessoas que já se co- e não óbvia. A lã liga-se à neve porque não se quebra”... Mas são questões
nheciam antes de terem nascido.” ambas se ligam ao frio e ao calor. que atravessam também todo o cam-
Há anos que Madalena tem este de- O espetáculo foi construído numa po da vida humana. E deixa uma ideia:
sejo de trabalhar com gémeos e com o residência artística que passou pela fá- “Se todos achássemos que temos os
tema dos gémeos. Normalmente, o brica ASA, de Guimarães, onde se es- outros ligados a nós por laços indisso-
ponto de partida para uma nova obra treou no mês passado. Esta é uma anti- A LÃ E A NEVE lúveis, teríamos outra confiança para
é um conjunto de ideias ou questões ga fábrica têxtil agora convertida em de Madalena Victorino lidar com este terreno movediço que é
que a perseguem e que podem ir da pavilhão multiúsos para apresentação Culturgest, Lisboa, dias 14, 15 e 16 o mundo hoje.” A

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OS PÁSSAROS
de André Murraças
CCB, Lisboa, até dia 10

A inspiração vem do conto “Os Pássa-


ros”, de Daphne du Maurier (1952), e
do filme de Hitchcock com o mesmo

VEL Z
nome (1963). Do conto inicial, aquilo
que fica para o filme é, essencialmen- HHHHH
te, a situação em que uma comunidade CAM — CONCEITO ARQUIVO MUSEU
é atacada, inexplicavelmente, por de Luís Castro e Vel Z
pássaros. Foi isto que André Murraças Armazém 13, Beco da Mitra, Rua do Açúcar,
reteve, também, para escrever o Poço do Bispo, Lisboa, até dia 16
texto e conceber este espetáculo. Tal
como no filme de Hitchcock, o lugar
muda. Passa agora a ser Lisboa e, No manifesto que é projetado durante
rapidamente, Portugal inteiro. O que a apresentação de “CAM” pode ler-se:
fica é, igualmente, a narrativa de um “Em ‘CAM’, um diretor de uma estrutu-
ataque inexplicado, mas mortal. Não é ra criativa imobilizado ao fundo do
só “uma cidade inteira apanhada de armazém, onde está precariamente
surpresa. Um país apanhado de surpre- instalado o seu espólio, espera. À sua
sa”; são multidões mortas nas condi- direita, jovens atores jazem em cai-
ções mais violentas. São três as perso- xões. À sua esquerda, personagens
nagens: João Valente, Mário e Cosette. concluídos espalham-se como está-
Um é escritor, outro é um jovem “indig- tuas. Um todo espera.” A descrição é
nado”, ela é a mulher fatal, acompa- perfeita, como perfeito é todo o acon-
nhante de profissão. O ataque dos tecimento, performance e instalação:
pássaros passou, na versão de André “perfinst”, um conceito que Luís Cas-
Murraças, a ser “uma metáfora da tro, com Vel Z, tem vindo a explorar
situação atual de Portugal”. As pes- incessantemente. As portas abrem-se
soas sentem-se ameaçadas e não para uma visita que assume o modelo
sabem porquê, as explicações forneci- de uma visita a uma exposição ou a
das pelos governantes e responsáveis uma venda futura. Existe um guião,
são tão elucidativas quanto as solu- um inventário para consulta. Falta
ções propostas, ou seja, zero. O resul- dizer, contudo, que além dos caixões
tado é a desagregação progressiva dos jovens atores, e alternando com
das relações sociais e familiares e, eles, há mais dois caixões, um com
inevitavelmente, a instalação de um objetos grandes e outro com objetos
ambiente de medo que mina pelo pequenos; que, por exemplo, no “item”
interior a existência da população. 15 — Farol, a performer Inês Mendes,
Neste contexto, a leitura de André as pétalas de buganvília usadas em
Murraças cria, contudo, uma compo- “Húmus 2010” e os restantes objetos
nente tensional que decorre da coexis- são indícios de um particular refina-
tência entre estas premissas negati- mento expressivo. Falta referir a
vas e outros dois aspetos, ligados à organização, em todas as etapas
vontade de sobrevivência e de regene- deste percurso, de objetos de cena, de
ração: preservar a memória, pela objetos utilitários, de pedras redondas
escrita; preservar a espécie, pela e de múmias de gatos recolhidas em
reprodução. João Valente e Mário tubagens de ar condicionado (uma
morrem, mas Cosette fica grávida do com uma fita ao pescoço); falta referir
rapaz e herdeira das memórias do a articulação entre a noção de estátua
escritor. Trata-se, assim, de lutar e os atores que sugerem estátuas;
“contra o esquecimento”. referir a relação entre imobilidade e
João Carneiro movimento; referir que a palavra
“imobilizado” e a palavra “espera”,
utilizadas no contexto desta realiza-
JOSÉ PEREIRA E PEDRO ALMEIDA

ção, funcionam como polos de um


discurso que consegue o aparentemen-
te impossível: mostrar, com a imobilida-
de das estátuas, com o quase congela-
mento das cenas, a vida no teatro e,
assim, a possibilidade de a arte chegar
ao cerne das questões humanas. J.C.

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EXPOSIÇÕES

de lã como se Trockel quisesse inventar


um monocromatismo doméstico.
Talvez possamos entender o traba-
lho de Trockel não como um queixume
pela evidente falta de proporcionalida-
de entre artistas homens e mulheres ao
longo da história da arte, mas como
uma obra resultante da assimilação des-
se legado e da sua devolução recaracte-
rizada. Mais do que como uma afirma-
ção autoral, a sua obra desenvolve-se
como um atlas feito de encontros com
esta história com(tra) a qual ela investe
a sua história pessoal de mulher e artis-
ta. Esse é um exercício de esmiuçamen-
to, como metaforicamente exemplifica
a peça sem título de 1986 em que uma
superfície multicolor e tricotada desem-
Vista da exposição “Flagrante
Deleite”, da alemã Rosemarie boca em três fios de cores diferentes. É
Trockel, na Culturgest por isso que mais do que uma substitui-

DMF
ção dos estereótipos masculinos pelos
femininos (ou pela mimese dos primei-
ros em tonalidade feminina), a obra de

A arte
Trockel se desenvolve como uma com-
plexificação dos dados culturais ineren-
tes à prática artística do século XX, ema-
ranhando-os e desenmaranhando-os e
investindo noções como artista, auto-

da interferência ria, medium, estilo, umas contra as ou-


tras. Ao mesmo tempo, há aqui uma es-
pécie de guerrilha feita às referências
originais (o minimalismo, a abstração,
a arte povera, Beuys) que ao cruzá-las e
Uma artista alemã às voltas com a arte fazendo-as interagir, as suja e quase em-
do século XX: humor e memória na Culturgest baraça, mas ao mesmo tempo as revita-
liza. Com frequência, Trockel estabele-
ce jogos de subversão do medium, quer
das condições do desenho, no qual ex-
Texto Celso Martins plora a dimensão plástica e tridimensio-
nal, como nas colagens onde a presença

C
ertas obras quando coloca- kel produz sobretudo uma arte da inter- da fotografia institui planos, quer da es-
das no início de uma expo- ferência, ou seja, introduz nas suas cultura que pode apresentar-se como
sição são não apenas um obras elementos formais e simbólicos “quadro”, como na peça sem título feita
cartão de visita, como um que tendem a redefinir a nossa perce- em aço com 15 chapas de fogão aqueci-
inventário de possibilida- ção da arte moderna e contemporânea das. Noutras é pela simultaneidade en-
des. Exposta numa parede, uma lâm- e a sua condição essencialmente mascu- tre sensibilidades estéticas que a faísca
pada de néon acesa com duas extremi- lina, a uma outra luz. Só que ao contrá- essencial se dá, como no modo como as
dades espiraladas tem o nome de “Spi- rio, por exemplo, de uma artista da sua suas cerâmicas vidradas, descendentes
ral Betty”. Rosemarie Trockel (n. 1952) geração — a americana Barbara Krue- do informalismo, se encontram com es-
faz assim uma alusão humorada à obra ger — o que esta retrospetiva organiza- truturas minimais.
referencial de Robert Smithson e da da conjuntamente pelo WIELS Con- Há na obra de Rosemarie Trockel
land art, “Spiral Jetty”, mas também a temporary Art Centre (Bruxelas), Cul- uma investida reinterpretativa sobre a
Dan Flavin o minimalista que populari- turgest e Museion (Bolzano) revela é história da arte recente, mas ela não se
zou o uso do néon em escultura. que esse empenhamento tem outra so- confunde com as estratégias em voga
O visitante avisado lerá estas refe- fisticação retórica. Trockel não faz sta- quando a sua obra se iniciou (como a
rências e, sobretudo sorrirá diante do tements, simplesmente feminiza. apropriação, o pastiche ou a descontex-
título, como sorrirá outras vezes ao lon- Vejam-se as assemblajes nas quais tualização) e, ao mesmo tempo, não se
go da exposição, porque o humor e um uma máscara feminina se sobrepõe a destina ao comentário irónico e instru-
enraizamento na memória da arte do outra masculina; as esculturas cuja “se- HHHH mental. Ela vive numa espécie de estado
século XX são fatores decisivos na obra riedade” é boicotada por um elemento FLAGRANTE DELEITE de hipertexto histórico que se exprime
desta alemã que estudou em Colónia e estridentemente decorativo; as cola- Rosemarie Trockel no(s) material(ais) e nas suas conexões e
que iniciou atividade artística sob a in- gens cujos conteúdos oscilam entre ima- Culturgest, Lisboa, até 6 de janeiro de 2013 disjunções possíveis e é nesse espaço,
fluência de Joseph Beuys. gens de géneros distintos; ou as gran- Tel. 217 905 155 que vai da identificação ao estranhamen-
Acentuadamente feminista, Troc- des “pinturas” unicolores feitas de fio www.culturgest.pt to, que vive a sua energia essencial. A

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ESCOLHAS DE

ATABELAPERIÓDICA

POR
JORGE CALADO

CARLOS CORREIA A VER O MAR


Artista plástico Como toda a gente que a viu, gostei
de “As Idades do Mar”, na Gulben-
EXPOSIÇÕES kian. Exultei com as misturas e as
AFINAL ERA surpresas. A baralhada de épocas e de
UMA BORBOLETA estilos (e de graus de talento). Um
João Queiroz Pousão grande, um Constable minús-
Pavilhão Branco do Museu culo e luminoso e um inesperado
da Cidade, Lisboa, Caspar D. Friedrich. A quadrícula de
até 10 de fevereiro de 2013 Torres-García e o futurismo de Ama-
DEBAIXO DAS PEDRAS deo. O mar mutável como a energia, a
DA CALÇADA, A PRAIA! mola do mundo. E não faltam as
Jorge Queiroz obras-primas da Casa, a começar
Fundação Carmona e Costa, pelos Turners. Da varanda do meu
Lisboa, até 2 de fevereiro de 2013 quarto vejo o Tejo a entregar-se ao
Atlântico (e Sintra, entre as árvores).
LIVROS Agrada-me pôr a mente a viajar sozi-
Ó nha pelos estranhos mares do pensa-
Nuno Ramos mento (como no poema de Words-
Cotovia worth). Há meses fui visitar Sofia
ENTRE O CÉU E A TERRA Prestes na sua casa e estúdio nas
Rui Chafes faldas da serra de Sintra, com o mar
Documenta ali tão perto. Gosto muito da sua
PERDER TEORIAS pintura volumétrica, lavada e solitá-
Enrique Vila-Matas ria. Noto o parentesco figurativo com
Teodolito Eric Fischl e a atmosfera carregada
HENRIQUE POUSÃO de cinzentos (e os pedregulhos) de
Vítor Silva João Hogan. Bem como a companhia
Dafne dos animais (cães a solo, e gaivotas,
muitas). Na sua pintura, passeio pelo
MÚSICA litoral — a Marginal, a Adraga, a
CRIÔLO Praia Grande. Reparo nas ameaças da
B-Fachada técnica e da máquina: os postes de
eletricidade, a mota e a lambreta, o
DOCUMENTÁRIO carro pela autoestrada, a bomba de
ÂNGELO DE SOUSA gasolina, o avião minúsculo mas
– TUDO O QUE SOU CAPAZ ameaçador (lembro-me dos Concor-
Jorge Silva Melo des de Wolfgang Tillmans). Ultima-
Midas Filmes mente, as cores carregaram. A presen-
ça humana tornou-se mais forte, mais
escultórica. A contemplação deu
lugar à ação. As máquinas (os trato-
res nas praias de pesca) dominam a
composição. A obra gráfica, a aguare-
la e o vídeo também impressionam.
Sei que Paula Rego gosta da pintura
de Sofia Prestes, mas quem mexe os
cordelinhos anda distraído e ainda
não reparou.

www.sofiaprestes.com

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LIVROS

ANTI-HERÓIS
ACIDENTAIS
As descrições de Putzi
dão-nos um retrato
íntimo de Hitler
para lá da
sua atuação
pública
CORBIS

Duas grandes histórias que Ernst Hanfstaengl fez parte do núcleo mais res- na um esteio no caminho para o poder de Hitler.
trito de colaboradores de Hitler na sua ascensão, foi Bem nascido e cosmopolita, culto e à vontade
se cruzam na Alemanha o spin-doctor do III Reich para a imprensa mundial, nos salões, Putzi distingue-se da trupe rude e radical
nazi: o pianista de Hitler e caiu em desgraça e, no fim da guerra, estava do lado
americano a combater os nazis. Em boa hora Conra-
que forma a primeira corte nazi. Hitler torna-se pre-
sença habitual em sua casa, e Putzi propõe-se “refi-
o embaixador de Roosevelt di, com faro de jornalista e talento de romancista, ná-lo”, qual Pigmaleão. Hitler, por seu lado, além de
tropeçou na sua história e decidiu contá-la. “O Confi- uma mal disfarçada paixoneta pela senhora Hanfs-
dente de Hitler” é daqueles casos em que a realida- taengl (chega a declarar-se de joelhos), tem outros
Texto Filipe Santos Costa de supera a ficção. Putzi (1887-1975) nasceu em Mu- interesses na relação com Putzi: este abre-lhe por-
nique, no seio da melhor aristocracia bávara, filho tas e ajuda-o a recrutar apoiantes e financiadores na
de pai alemão e mãe norte-americana. Saiu da Ale- alta sociedade; e ainda se torna o pianista privado
A vida de Ernst Hanfstaengl dava um manha para estudar em Harvard, onde ganhou esta- do líder nazi, para quem tocava Wagner pela madru-
filme. Para já, deu um excelente livro, “O Confiden- tuto de lenda como grande pianista e amigo de gran- gada dentro, para o ajudar a relaxar.
te de Hitler”, pela mão de Peter Conradi (coautor de des farras (tudo com Putzi era em grande, a come- Quando Hitler chega a chanceler, Putzi fica à
“O Discurso do Rei”). Que o comum dos mortais çar pelos seus quase dois metros de altura). Estabe- frente do departamento de imprensa estrangeira do
nunca tenha ouvido o impronunciável nome de leceu-se numa galeria de arte em Nova Iorque e tor- Reich — é o “gajo porreiro” que manipula os corres-
Hanfstaengl (Putzi para os amigos) tem pouco a ver nou-se uma figura da sociedade. Amigo de artistas e pondentes internacionais e tenta suavizar o nacio-
com a incrível história da sua vida — a razão estará, jornalistas, também conviveu com Franklin D. Roo- nal-socialismo, mas também é o excêntrico que recu-
antes, na abundância de heróis e monstros que ocu- sevelt, que viria a ser determinante na sua vida. sa usar a saudação “Heil Hitler”, que considera ridí-
param o palco da II Guerra Mundial. A Putzi, não Hanfstaengl volta a Munique na ressaca da I cula. Conforme o regime endurece, vai-se afastan-
lhe serve nenhum desses rótulos. Assenta-lhe me- Guerra Mundial, quando um cabo austríaco come- do, tanto devido a divergências como à intriga que
lhor o de anti-herói — tal como a William Dodd, o ça a agitar as cervejarias da cidade. É aí que ouve minava o núcleo duro nazi. Um afastamento que aca-
(também esquecido) protagonista de “No Jardim Hitler pela primeira vez, em 1922 — num momento ba com a sua espetacular fuga da Alemanha, suspei-
dos Monstros”. Dois homens cujas vidas se cruza- que mudará a sua vida, dirige-se a ele, diz-lhe que tando que Hitler o queria matar.
ram no coração da Alemanha nazi e se voltam a en- concorda com 95% do que ouviu e disponibiliza-se O “pianista de Hitler”, como lhe chamava a im-
contrar, por coincidência, nas livrarias portuguesas, para discutir os outros 5%. Embora crítico das prensa sensacionalista, está refugiado em Londres
nestes dois livros acabados de publicar. suas ideias mais extremistas, Putzi depressa se tor- em 1939, quando é declarada a guerra. Como milha-

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res de alemães, é enviado para um campo de deten-
ção. Depois de intermináveis atribulações, acaba
nos EUA, sob proteção direta do Presidente Roose-
velt, a produzir relatórios para os serviços secretos:
comenta os discursos dos dirigentes nazis e elabora
perfis psicológicos de Hitler e da sua entourage.
Com base num notável trabalho de pesquisa —
apoiado sobretudo em documentos oficiais e diários
—, Conradi tece esta biografia como um thriller polí-
tico de grande fôlego. Um dos muitos episódios es- HHHH
tranhos do seu protagonista envolve Martha Dodd, O CONFIDENTE DE HITLER
a vistosa filha do embaixador americano em Berlim. Peter Conradi
Convencido de que uma das razões da crescente Matéria-Prima Edições,
agressividade do Führer era a ausência de vida amo- 2012, trad. de Carlos Costa,
rosa e sexual, Putzi decide arranjar-lhe uma namora- 394 págs., ¤19,50
da. “Martha, você será essa mulher!”, diz o dirigente Biografia
nazi à perplexa filha do embaixador. Marca-lhe um
chá com o ditador, mas o encontro não corre bem.
Este é um dos vários momentos em que “O Confi-
dente de Hitler” e “No Jardim dos Monstros” se cru-
zam. O livro de Erik Larson retrata Berlim entre
1933 e 1937, os anos em que William E. Dodd repre-
sentou os EUA na capital do Reich. Se Putzi domina-
va os meandros do nazismo e da comunidade estran-
geira radicada em Berlim, Dodd era o oposto: um
peixe fora de água tanto junto dos dignitários nazis
como na comunidade diplomática.
Velho historiador, genuíno democrata jefferso-
niano, Dodd (1869-1940) foi parar a Berlim graças a HHHH
um enorme equívoco: tinha pedido a Roosevelt, de NO JARDIM
quem era amigo, a nomeação como embaixador nu- DOS MONSTROS
ma capital europeia onde pudesse cumprir o sonho Erik Larson
da sua vida, escrever uma história em quatro volu- Bertrand Editora, 2012,
mes do Sul dos EUA (!). Calhou-lhe Berlim... trad. de Raquel Dutra Lopes,
A principal diretiva que Dodd levava era garantir 476 págs., ¤18,80
que a Alemanha não falhava os pagamentos das in- História
demnizações da I Guerra Mundial aos EUA. Essa
continuou a ser a prioridade, mesmo perante os si-
nais de alarme que Dodd enviava sobre o rearma-
mento ou a “questão judaica”. Sem saber de diploma-
cia, o embaixador sabia de História — e via formar-
-se a tempestade perfeita. “Não tinha ilusões quanto
a Hitler quando fui nomeado. Mas pelo menos espe-
rava encontrar algumas pessoas decentes à volta de-
le. Estou horrorizado por ter descoberto que todo o
grupo não passa de uma horda de criminosos e co-
bardes”, diz Dodd, pouco depois de ocupar o posto.
A sua filha, Martha, demorou mais tempo até
perceber o que havia para lá dos salões aveludados e
das fardas elegantes dos nazis. Muito solicitada para
festas, colecionava casos amorosos, que lhe valeram
o rótulo de “Nympho” — entre eles, Rudolf Diels,
comandante da Gestapo, e Boris, primeiro secretá-
rio da embaixada da URSS, cargo que encobria a
sua ligação ao NKVD (antecessor do KGB). Política,
amor, espionagem, terror, traição — sim, os ingre-
dientes estão todos lá, e Larson maneja-os com arte,
sem perder o foco da História com H grande.
Dodd ficou conhecido no Departamento de Esta-
do como “Cassandra”. Putzi foi descrito por um jor-
nal americano como “o bobo da corte de Hitler”.
Ambos foram personagens trágicas em circunstân-
cias dramáticas que mereciam estas biografias. A
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LIVROS

que sublinhava a dimensão da sua bo-


carra (logo ele, Yan, que também so-
fria dessa desproporção física). Na
mesma altura, outro aluno farta-se do
“controlo asfixiante”, desafia a autori-
dade dos professores, rasga os livros e
vai-se embora. “Quase parecia que ha-
via feixes de luz dourada a irradiar do
corpo do He e, embora eu não soubes-
se o que iria na cabeça dos demais, na
minha cabeça, naquele momento, ele
era uma personagem decididamente
heroica à medida que avançava, insti-
gado pela honra a não voltar para
trás.” O paradoxo é este: ao ver a atitu-
Na escola, Mo Yan de de He, Yan sonha “com a concreti-
era conhecido por ter
uma boca grande
zação de proeza semelhante um dia”,
e certa vocação mas quando o expulsam da escola ele
para bode expiatório fica “destroçado” e admite que foi um
suplício “ter de a abandonar”.
O livro acompanha dois tipos de

NAVEEN KISHORE
mudanças, intercaladas numa narrati-
va ágil, rápida, mas dispersa, cheia de
derivações, saltos no tempo e uma assu-
mida “verbosidade” (“Tenho a cabeça
atulhada de lembranças variegadas

Camiões, bocarras que, não sendo minha intenção anotá-


-las, brotam de moto próprio”). Por
um lado, acompanhamos as muitas in-
cidências da vida de Yan: o trabalho nu-
ma fábrica de algodão; o receio de ficar

e a nova China “entalado no degrau mais baixo da so-


ciedade”; o fascínio infantil por ca-
miões (sobretudo um certo Gaz 51, de
fabrico soviético e “rápido que nem
uma flecha”); o alistamento no exérci-
Autobiografia romanceada do Nobel 2012 enquanto jovem no período pós-Mao to, sempre com funções menores; e
por fim a redenção pela escrita literá-
ria. Para Yan, “os acontecimentos es-
tão em fluxo permanente”, num corte-
jo de “acidentes”, “estranhezas” e “cu-
Texto José Mário Silva riosidades”, narrado com a volúpia dos
melhores contadores de histórias. As

V
encedor do Prémio No- devemos tolerar aqueles que se escon- outras mudanças são as de um país
bel de Literatura deste dem nos seus quartos e usam a litera- que nos anos 60 não tinha um único
ano, o escritor chinês tura para transmitir as suas opiniões.” quilómetro de autoestrada mas se
Mo Yan, até agora prati- Uma obra como “Mudanças”, auto- transformou, em poucas décadas, nu-
camente desconhecido biografia romanceada escrita em ma potência económica à escala mun-
no Ocidente, está longe de ser consen- 2010 para a coleção “O que foi o comu- dial. Yan lembra-se de temer a “perdi-
sual — sobretudo entre os compatrio- nismo?” (dirigida por Tariq Ali), podia ção” da China após a morte de Mao
tas que têm coragem para levantar a trazer mais luz sobre o percurso de Tsé-Tung. Pelo contrário, não só a Chi-
voz contra o Governo de Pequim. Yan e o modo como se posiciona na na continuou a existir “como começa-
Quando a Academia Sueca anunciou a sociedade chinesa. Em vez disso, este va a prosperar”. Onde antes havia ape-
sua escolha, houve logo quem apontas- livrinho que marca a estreia de uma nas restaurantes públicos (“com o seu
se Yan como um autor alinhado com o nova editora portuguesa (a Divina Co- abominável serviço”) e cooperativas de
poder. Ao contrário de outros artistas, média, de Alexandre Vasconcelos e abastecimento, apareceram pequenos
forçados ao exílio ou sujeitos a prisão Sá, ex-diretor editorial da Objectiva), empresários e bancas privadas despon-
domiciliária (como Ai Weiwei, não só consegue aprofundar as dúvidas. taram “como o bambu após um agua-
por acaso um dos críticos mais ferozes Miúdo “inseguro”, muitas vezes “de- ceiro primaveril”. Dito isto, quando em
da atribuição do Nobel), Yan nunca le- masiado esperto para o seu próprio HHH 1990 se vê forçado a dormir num depó-
vantou ondas nem manifestou solida- bem”, bode expiatório das asneiras MUDANÇAS sito de sucata, à mercê das ratazanas, o
riedade com as vítimas de perseguição alheias, acabou expulso da escola, por Mo Yan que ele dispõe na soleira da porta e jun-
política. Em 2009, afirmou: “Alguns ter supostamente inventado uma alcu- Divina Comédia, 2012, trad. de Vasco to da cama, à laia de sentinelas, são es-
poderão querer gritar nas ruas, mas nha para o professor de matemática Gato, 155 págs., ¤14,90 tatuetas do Presidente Mao. A

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ESCOLHAS DE

ISTOANDATUDOLIGADO
HHHH HHHH
SOMOS TODOS UM BOCADO CIGANOS O SINO DA ISLÂNDIA
Manuel Jorge Marmelo Halldór Laxness POR
ANA CRISTINA LEONARDO
Quetzal, 2012, 144 págs., ¤13,30 Cavalo de Ferro, 2012, trad. de João
Romance Reis, 447 págs., ¤19,90 JORGE REIS-SÁ
Romance Autor e editor DESABAFOS
Estudou Biologia e fundou Já me acontecera. Olhar para o ecrã
O ambiente deste romance não é uma as Quasi Edições. Publicou do computador e, em vez de desatar a
moldura arbitrária, mas um elemento “Quem conhece as palavras não conse- vários livros de poesia e preenchê-lo com frases indignadas
significante. Transporta uma rede de gue contar a história, Snaefrídur. Só o narrativa. Organizou, com Rui polvilhadas de ironia (culta, de prefe-
sentidos — precariedade, marginalis- consegue quem respira de verdade. Lage, a antologia “Poemas rência), perderem-se os olhos na
mo, incerteza — que interagem com a Respira”, aconselha Arnas à mulher que Portugueses” (Porto Editora, barra de ferramentas que encima a
trama e com a evolução do narrador. ama. Os tempos são os finais do século 2010). É editor na Babel página em branco: base, inserir, es-
Ambos precisam dessa incerteza. E, XVII, o lugar a Islândia, submetida ao e cronista das revistas quema de página, referências, mai-
em contraponto com ela, ganha espes- jugo tirânico do reino da Dinamarca. A “LER” e “Sábado” lings, rever, ver, pesquisar… Juro que
sura este romance breve e exato, com ilha, apesar da sua história cantada nas não vou copiar todas as ferramentas
o apuro verbal, o acerto rítmico e o sagas e canções, padece de condições NÃO É MEIA NOITE que o Word me proporciona, apesar
controlo narrativo de uma epopeia dos de vida sub-humanas. Neste romance QUEM QUER de uma vez ter lido e gostado de uma
pequenos. Após uma queda brutal, o de Laxness, Nobel em 1955, e publica- António Lobo Antunes novela de Camilo Castelo Branco (não
primo do narrador convalesce, “entre- do uma década antes, assistimos à Dom Quixote, ¤19,90 me lembro qual) em que este atestava
vado”, e a partir desse incidente minia- saga de um povo que só em 1944 várias páginas com uma extensa lista
tural (seguido da morte de um burro conseguira a independência plena. O MORTALITY de nomes de remédios e mezinhas. O
amestrado, vítima de um louco, vere- protagonista é um camponês típico, Christopher Hitchens efeito era supermoderno, se não
mos), rasga-se um mundo em falência pobre, bronco e desbocado, condenado Atlantic Books, ¤13,80 mesmo pós-moderno, embora possa-
diante do leitor. Antiga glória, à som- à morte, libertado por capricho da mos desconfiar que a sua inserção na
bra apenas de memórias, o Grande jovem dama loura, e cujas peripécias ATÉ AO FIM obra tenha resultado mais de um
Circo Romani é um entretém deprimen- por essa Europa em guerra seguimos Ian Kershaw bloqueio momentâneo — ou mesmo
te, onde se arrastam as mínimas atra- até uma Copenhaga em chamas. O Dom Quixote, ¤29,90 de uma necessidade pecuniária (paga-
ções de um espetáculo cediço e torpe. pretexto de tantas desventuras é um mento à letra) — do que de uma
Ademais, em moratória — essencial sino secular, confiscado pelo enviado POESIA REUNIDA decisão consciente de furar os câno-
para o romance. Não é um mundo às do monarca dinamarquês. As figuras da Maria do Rosário Pedreira nes vigentes. A necessidade faz o
avessas, ou um grémio de aberrações dama, do erudito e do camponês dão Quetzal, ¤15,50 ladrão, if you know what I mean...
(como “Santa Maria do Circo”, de corpo ao carácter de um povo antigo, Não deixa de ser curioso, todavia,
David Toscana), mas um universo rude pagão nas origens, cristianizado à PORVENTURA que, com tanta coisa a acontecer, me
e vil. Com a beleza fosca de uma nu- força, rebelde e submetido, mas insub- Antonio Cicero tenha dado hoje para a falta de assun-
dez entrevista, dos pequeníssimos misso, orgulhoso da sua cultura ances- Record, 24,90 reais to. Se eu fosse a Vita Sackville-West,
truques, mínimos encantos, roídos por tral. A linha invisível que liga a mulher a ausência de inspiração (poética)
uma espécie de determinismo que elfo ao estudioso, apesar da passagem seria facilmente substituída por algu-
conduz este circo (este mundo?) a dos anos, dos infortúnios pessoais e do mas frases dedicadas à jardinagem e
uma ruína prevista e cantada, em afastamento geográfico, nunca se ficava o caso resolvido, embora a
antecipação, por um romance de extre- esbate: “Quando parti e, contrariamen- época se apresente mais apropriada à
ma destreza. A fiabilidade do narrador te ao que lhe prometi, não regressei — feitura de compotas. Quem diz compo-
radica na consistência com que se cria porque o destino é mais forte do que a tas diz tricot, mas pelo meio deu-se a
essa entidade. Visível, por exemplo, na vontade humana, como se diz nas libertação da mulher e essas tarefas
estratégica inserção do calão e do sagas”, diz Arnas, para concluir: “Os foram perdendo mais-valia. Quando
registo familiar, nos efeitos de verosi- antigos filósofos ensinavam que a falta eu andava no Ciclo Preparatório, que
milhança — condicionada pela incons- de fé no amor é a única traição que os já não existe, fazíamos botinhas e
tância que tipifica a adolescência. Júlio deuses encaram com clemência: Venus casaquinhos em lã para os pobrezi-
investiga os casos, mas, no processo, hoc perjuria ridet.” A outras traições nhos; agora, que a vida está muito
não se descobre a si, como sucederia reservam destinos bem menos riso- mais facilitada, basta-nos entregar um
num cliché. A incerteza será sempre nhos. como bem sabem todos aqueles pacote de arroz ou massa aos voluntá-
timbre deste livro: entre duas figuras que por arrogância pretendem que os rios do Banco Alimentar... Inegável,
femininas com a mesma inicial, entre a povos são joguetes inertes das suas porém, é que a caridade perdeu al-
criancice e a adolescência. miríficas e tresloucadas ambições. gum encanto pelo caminho. Enfim, é
Hugo Pinto Santos José Guardado Moreira o preço do progresso!

Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 41

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LIVROS

O pensamento aqui que Steiner se detém, muito em-


bora fazendo necessárias incursões
nos outros dois domínios — temos a

e as suas formas questão da filosofia como um género


literário ou, seguindo com mais rigor
a hipótese ensaística de Steiner, o esti-
lo e os protocolos retóricos com os
quais identificamos o texto literário
inerentes aos textos filosóficos.
Texto António Guerreiro Poderíamos então dizer que Stei- HHH
ner vai contra o princípio de que há MEMÓRIAS — UM COMBATE
uma musa dos poetas, mas não há PELA LIBERDADE (III Volume)
uma musa dos filósofos. Mas é preciso Edmundo Pedro
também ter em conta que um título Âncora, 2012, 311 págs., ¤20
como “Poesia do Pensamento” joga Memórias
numa duplicidade, obriga-nos a ter
em conta tanto o genitivo subjetivo
(que se refere à poesia inerente ao pen- Simbolicamente, o terceiro e último
samento) como o genitivo objetivo (re- volume das memórias de Edmundo
ferente à poesia sobre o pensamento). Pedro foi lançado no dia do seu aniver-
É num movimento constante entre sário, 8 de novembro. É um livro escri-
um e outro que se move George Stei- to algo à pressa, o que o autor reco-
ner. Trata-se então de ler os grandes nhece quando diz: “Estou a chegar aos
filósofos da tradição ocidental como 94 anos. O tempo voa cada vez mais
COLIN MCPHERSON/CORBIS

produtores de um estilo, de uma retó- depressa. Quero, antes de morrer,


rica, conduzindo-nos assim não só ao acabar este livro.” Da trilogia, o primei-
coração da linguagem, mas também à ro volume, editado em 2007, é de
“criatividade da razão”. Nietzsche ocu- longe o melhor. Mesmo surpreenden-
pa na economia do livro e na argumen- te, pela qualidade da escrita, pela
tação de Steiner um lugar muito im- minúcia do detalhe, pelo encadeamen-
portante. Não só porque Nietzsche for- to dos episódios. Para quem quiser

A
o escrever sobre a “a Steiner vai contra nece, nos seus textos, matéria suficien- estudar o que foi o tenebroso campo
o princípio de que há uma
poesia do pensamento”, musa dos poetas
te para pensar a “poesia do pensamen- de concentração do Tarrafal, onde o
George Steiner confron- to”, mas também porque a operação então jovem militante comunista
ta-se explícita ou implici- de Steiner é muito nietzschiana: não penou nove anos, é obrigatório. O
tamente com três gran- se trata propriamente de insistir no segundo volume cobriu o período
des questões que atravessam a histó- nascimento do pensamento a partir entre o fim da II Guerra Mundial e a
ria do pensamento ocidental (como sa- do espírito da tragédia, mas no nasci- Revolução dos Cravos. Este último
bemos, ele tende a situar-se sempre mento da filosofia a partir da literatu- abrange a época posterior ao 25 de
neste nível de grande alcance e que im- ra. O seu corpus é imenso, como con- abril. Mas só teoricamente, uma vez
plica as grandes sínteses). Em primei- vém a um velho humanista e erudito, que acaba por se fixar no relato do
ro lugar, temos a complexa relação en- cuja obra, a partir de certa altura, se famoso caso das armas fornecidas
tre a filosofia e a linguagem, não só no inclinou para a tarefa desesperada de pelo Grupo nos Nove ao PS no dia 25
sentido em que é sempre a experiên- salvar o que, no seu diagnóstico, é de novembro de 1975. As suas conse-
cia da pura existência da linguagem uma cultura ameaçada. Esse corpus quências foram nefastas para o autor,
que abre ao pensamento a pura exis- vai dos pré-socráticos a Celan, com es- detido em 1978 quando se preparava
tência do mundo, mas também no sen- tações obrigatórias e prolongadas em para devolver um caixote de metralha-
tido para que remetia Wittgenstein, Heraclito, em Platão, em Dante, em doras G3 ao Exército — numa opera-
quando dizia que pensar é algo que Hölderlin, em Hegel, em Heidegger e ção em que os media o envolveram na
nós só podemos fazer na linguagem e muitos outros. E dá um especial rele- suspeita (não confirmada) de contra-
que, por conseguinte, toda a interroga- vo a certas relações e diálogos proble- bando de eletrodomésticos. Dirigente
ção filosófica pode ser apresentada co- máticos entre filósofos e poetas: He- do PS, o então presidente da RTP,
mo uma interrogação sobre o significa- gel e Hölderlin, Heidegger e Celan, nomeado por um Governo de Mário
do das palavras. Em segundo lugar, te- etc. Por outro lado, Steiner vai mos- Soares, esteve detido seis meses,
mos a velha inimizade, inaugurada trar que a “poética dos géneros”, na vindo a ser absolvido pelo tribunal.
por Platão, entre poesia e filosofia, en- medida em que “tanto em filosofia co- Mas o caso das armas colou-se-lhe de
tre uma palavra que nasce de um polo mo em literatura, o estilo é a substân- tal forma à pele que se transformou
extático e inspirado, e outra que rele- cia”, tem uma importância fundamen- numa obsessão, em que envolveu
va do polo racional, do logos (esta últi- tal. E por isso o pensamento filosófico nomes como Ramalho Eanes, Mário
ma, como sabemos, abre uma cisão crí- HHHH é sempre consubstancial a uma deter- Soares e Manuel Alegre, de quem foi
tica, que é a do conhecimento; e sabe- A POESIA DO PENSAMENTO minada forma literária, seja ela o diá- esperando uma palavra que o libertas-
mos também como a poesia, a partir George Steiner logo, o fragmento, o aforismo, ou ou- se de tão terrível fardo.
do Romantismo, se abre a essa dimen- Relógio D’Água, 2012, trad. de Miguel tra qualquer. A José Pedro Castanheira
são crítica). Em terceiro lugar — e é Serras Pereira, 232 págs., ¤20 aguerreiro@expresso.impresa.pt

42 | ATUAL | 08 de dezembro de 2012 | Expresso

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Semana 47 (de 19/11 a 25/11)
OSMAISVENDIDOS
FICÇÃO NÃO FICÇÃO

HHHH HHH
ANIKI-BOBÓ JORNALISTAS-ESCRITORES
Manuel António Pina — A NECESSIDADE DA PALAVRA
Assírio & Alvim, 2012, 96 págs., ¤10 Fátima Lopes Cardoso
Ensaio MinervaCoimbra, 217 págs., ¤17,50
Investigação
1 As Cinquenta
Sombras — Livre
E. L. James
1 Dentro do Segredo
José Luís Peixoto
(-) Quetzal
(1) Lua de Papel
Já estava tudo em “Aniki-Bóbó”, de
1942: “A culpa, o pecado, o desejo, a Tese de mestrado da autora em Comu-
2 As Cinquenta
Sombras de Grey
2 Refeições
em 15 Minutos
Jamie Oliver
morte; os amores contrariados ou nicação, Cultura e Tecnologias da
E. L. James (1) Porto Editora
frustrados; a paixão e o arrebatamen- Informação concluída no ISCTE, o
(3) Lua de Papel
to amorosos; o conflito entre o huma- texto aqui apresentado põe em desta-
no individual profundo e o humano
social; o mistério do feminino; a obses-
que a necessidade de uma reflexão
aprofundada sobre a qualificação e a 3 A Mão do Diabo
José Rodrigues
3 Alta Definição
— A Verdade do Olhar
Daniel Oliveira
siva busca da ‘pureza’ e da ‘inocência’; qualidade dos atores do jornalismo que dos Santos (2) Guerra & Paz
(2) Gradiva
o pudor e o distanciamento eróticos e, nos últimos anos se dedicaram a alar-
ao mesmo tempo, a sublimação do
amor (…).” Esta monografia, até agora
gar os terrenos em que se movem.
Mais concretamente, Fátima Lopes 4 As Cinquenta
Sombras Mais Negras
4 Boas Festas
com a Bimby
V.A.
inédita, nasceu de uma encomenda do Cardoso procura através desta investi- E. L. James (3) Bertrand
British Film Institute, a que Manuel gação “descobrir o que leva um jorna- (4) Lua de Papel

António Pina respondeu com um perspi-


caz estudo em close reading. “Aniki-Bó-
lista a tornar-se escritor ou a coabitar
com a narrativa jornalística e literária”.
5 O Amor É Outra Coisa
Margarida
5 A Infância de Jesus
Bento XVI
(-) Principia
bó” marca o regresso de Manoel de Nada mais em voga nos tempos que Rebelo Pinto
Oliveira à zona ribeirinha do Porto, dez correm! Distinguir os dois géneros da
anos depois do autodidacta e futurista escrita em que estes jornalistas-escri-
(9) Clube do Autor
6 10 Minutos ao Dia
para Viver Melhor
“Douro, Faina Fluvial” (1931). E a crueza
poética deu lugar à “inocente perversi-
tores se envolvem, definir as suas
familiaridades e aquilo em que contras-
6 Sonhos Proibidos
Lesley Pearse
(5) ASA
Fernando Póvoas
(4) Esfera dos Livros

dade” de uns amores castos e de tam é a fundamentação que dá corpo


umas pequenas patifarias entre crian-
ças. A dimensão infantil é genuína mas
à tese. Uma análise que toma como
ponto de partida entrevistas feitas 7 Uma Morte Súbita
J. K. Rowling
7 O Céu Existe Mesmo
Todd Burpo
e Lynn Vincent
também alegórica, os miúdos fogem pela autora a 12 jornalistas-escritores, (-) Editorial Presença (7) Lua de Papel

de espaços fechados, divertem-se na agrupados em quatro faixas etárias. E


rua, sofrem “tentações”, roubam bone-
cas que são obscuros objectos de
é de facto essa matéria, marcadamen-
te jornalística, a mais interessante do
8 Mixórdia de Temáticas
Ricardo Araújo Pereira
(6) Tinta da China
8 Labirinto de Mágoas
Daniel Sampaio
(6) Caminho
desejo, andam pelos telhados, fogem livro. Os eleitos são Agustina Bessa-
de polícias em vaudeville chaplinesco,
têm pesadelos expressionistas, sedu-
-Luís, António Alçada Baptista, Urbano
Tavares Rodrigues e Baptista Bastos, 9 Diário de Um
Banana 6
Jeff Kinney
9 Robert Enke
Ronald Reng
(5) Lua de Papel
zem-se, enfrentam-se, reconciliam-se. Mário Zambujal, Fernando Dacosta, (7) Booksmile
Apesar de algumas afinidades com o Francisco José Viegas e Miguel Sousa
neo-realismo italiano coevo (crianças Tavares, Pedro Rosa Mendes, Inês
10 Um Dia
Naquele Inverno
10 A Reconexão
Eric Pearl
(8) Albatroz
pobres, cenários reais, som directo), Pedrosa, Catarina Fonseca e Cláudia
Oliveira não quis acentuar a componen- Galhós. Os seus pontos de vista, aquilo Sveva Casati
Modignani
te social; ainda assim, “Aniki-Bóbó” que os leva a escrever e o que espe-
(8) Porto Editora
não esconde uma “tentação de docu- ram que a escrita literária lhes dê é o
mentário”, tal como “Douro” não escon- que de mais atrativo se apresenta ao
dia uma “vontade de ficção”. E essa leitor. Mas não descuremos os capítu-
“poética do mudo”, apostada na auto- los onde a autora expõe como é que
nomia da imagem, causou controvér- nas narrativas destes atores o jornalis- Estes tops foram elaborados
pela GfK Marketing Services,
sia, tal como acontecerá, mais tarde, mo surge como fonte de inspiração, através do estudo de um
grupo estável de pontos
com a poética da “dilatação do tempo” como a profissão se mantém como de venda e de dois canais
de distribuição: livrarias/
e da “palavra teatral”. Mas até chegar garantia financeira, ou mesmo como a outros (hipermercados
e supermercados). Esta
à segunda longa-metragem, Oliveira saturação do real os leva a sentir a monitorização é feita
semanalmente, após
teve de esperar trinta anos. Depois, necessidade da escrita. a recolha da informação As categorias consideradas para
eletrónica (EPOS) do sell-out As categorias consideradas para a elaboração deste top foram:
compensou o tempo perdido. Alexandra Carita dos pontos de venda. a elaboração deste top foram: Ciências; História e Política; Arte;
A cobertura estimada do Literatura; Infantil e Juvenil; Direito, Economia e Informática;
Pedro Mexia total do mercado é de 75% BD e Literatura Importada Turismo, Lazer e Autoajuda

Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 43

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IDEIAS & DEBATES

Texto António Guerreiro

A
ssistimos hoje a um
curiosa querela quan-
to à classificação des-
te Governo: ele é neo-
liberal, como preten-
de a esquerda, que
lhe atribui a tarefa de
desmantelar o “Esta-
do social” com perse-
verança fundamenta-
lista? Ou ele não é neoliberal e até é falsamente libe-
ral (mesmo “socialista”), como dizem os que se rei-
vindicam de verdadeiros liberais, apresentando co-
mo matéria de prova a constante subida dos impos-
tos a que a máquina governamental tem recorrido?
De um lado e de outro, em simétrica consonân-
cia, constrói-se uma caricatura e procede-se à classi-
ficação dos traços caricaturais. Como é óbvio, ne-
nhuma discussão séria pode nascer destas represen-
tações de comédia. Aquilo que podemos perceber é
que o neoliberalismo não é uma ideologia reclama-
da por muitos, nem no campo da vida política nem
no campo teórico. Na semana passada decorreu um
interessante colóquio na Biblioteca Nacional, cujo
tema era ‘Que Ciência para a Crise?’, em torno de
quatro clássicos do pensamento económico e políti-
co do século XX (o ponto de partida foi o livro de
Karl Polanyi, “A Grande Transformação”, recente-
mente traduzido, Edições 70), e apesar de o debate
ter sido muito concorrido e fecundo não se ouviu
uma única voz, nem da parte do público, abertamen-
te neoliberal. A teoria neoliberal não tem muito boa
fama, e até um economista como Joseph Stiglitz, em
2008, em plena eclosão da crise financeira, escre-
veu um artigo no “New Yok Times” a denunciar o
seu potencial destrutivo. Destruir, desmantelar, des-
fazer: eis as ações frequentemente associadas ao
neoliberalismo. Submetido às críticas que repetem
esta linguagem que o identifica com uma negativida-
de, fica por saber o que é que ele faz e o que cons-
trói. A esquerda arranjou assim maneira de diaboli-
zá-lo, através de um discurso em que tudo se confun-
de: o neoliberalismo e o liberalismo clássico, o libera-
lismo clássico e o capitalismo, o capitalismo e a do-
minação da burguesia, etc. E assim se construiu um
grande discurso unificador, que pratica a homogeni-
zação e que impede a crítica verdadeiramente séria
e rigorosa. Ou seja, o discurso da esquerda foi apa-
A utopia neoliberal consiste numa sociedade
nhado nas malhas do seu ‘negativo’ e não parece ser
TIAGO MIRANDA

em que governa a lógica da concorrência


e em que a única forma de organização capaz de se desembaraçar dele.
válida é o mercado
Alguns aspetos bem visíveis dessa armadilha es-
tão bem patentes: a esquerda passou a preservar a

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O NEOLIBERALISMO
E OS SEUS CRÍTICOS
luta desesperadamente pela conservação do que exis-
A doutrina neoliberal, no discurso corrente da esquerda, te. Devemos recordar, a este propósito, um célebre
é uma mera máquina de desmantelamento do Estado. artigo de Friedrich Hayek (ilustre figura do neolibe-
ralismo) que se intitulava: ‘Porque é que eu não sou
Ora, o neoliberalismo é algo mais complexo conservador’. Aí, Hayek procede a uma operação
e, sobretudo, constitui um desafio à esquerda, que vai ser longamente reiterada pelos pensadores
neoliberais: dizer que não há uma grande clivagem
para esta se pensar a si própria entre o liberalismo conservador, por um lado, e o
socialismo renovador, por outro. Assim, ao contrário
dos liberais clássicos, os neoliberais retiram ao socia-
lismo o seu monopólio da produção de utopias políti-
ordem, o statu quo, tornou-se incapaz de fazer a críti- teóricos, promover o êxodo irrevogável do Estado cas e filosóficas. Eles pretendem fazer da sua doutri-
ca do trabalho e do crescimento, fazendo com que a das categorias políticas, tem sido um dos aspetos em na uma doutrina radical, revolucionária. Não é, pois,
direita neoliberal se dê ao luxo de denunciar o conser- que ela mais se enredou nas armadilhas que lhe fo- por acaso, que um dos livros mais importantes da
vadorismo da esquerda e a sua obsessão em defender ram lançadas pelo neoliberalismo. Em suma, a situa- tradição neoliberal na sua versão mais extrema é “A-
o Estado (em tempos, tarefa reservada aos reacioná- ção paradoxal é esta: os neoliberais apropriaram-se narquia, Estado e Utopia”, de Robert Nozick. Do mes-
rios). Esta impossibilidade da esquerda de pensar do elemento utópico (e não podem ser confundidos mo modo Hayek evocou em 1949 a necessidade de
uma política não estatal e de, pelo menos em termos com a direita conservadora), enquanto a esquerda construir uma “utopia liberal”, isto é, “um programa

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IDEIAS & DEBATES

que não seja nem uma simples defesa da ordem esta- lógica da concorrência e em que, portanto, a única
belecida nem uma espécie de socialismo diluído, mas forma de organização válida é o mercado. Esta am-

AOPÉDALETRA
um verdadeiro radicalismo liberal que não poupe as bição de difundir o mercado por todo o lado consti-
suscetibilidades dos poderosos (incluindo os sindica- tui uma das razões pelas quais se institui uma rutu-
tos), que não seja demasiado prática e não se confine ra entre o liberalismo clássico (Smith, Ricardo) e o
ao que parece politicamente possível hoje”. neoliberalismo. O liberalismo clássico do século
No seu curso no Collège de France, já publicado, XVIII, do qual Adam Smith é um dos principais
sobre “O Nascimento da Biopolítica” (tradução por- representantes, tinha como princípio fundamen-
tuguesa, Edições 70), Michel Foucault consagrou ao tal o “laissez faire, laissez passer”. Tratava-se, en-
neoliberalismo um espaço importante e, por vezes, tão, de restringir a intervenção do Estado para
até parece muito pouco crítico (ao contrário do que criar um espaço “livre” onde se poderiam desen- POR
ANTÓNIO GUERREIRO
seria de esperar) em relação a ele. Mas Foucault volver sem constrangimentos externos os mecanis-
colocava-se aí numa posição de escuta dessa tradi- mos mercantis. Na governamentalidade liberal,
ção para, a partir dela, tentar construir uma filoso- para falarmos à maneira de Foucault, de um lado Uma frase de Passos Coelho, aparente-
fia crítica que repensasse os conceitos de Estado, de está o mercado e a racionalidade económica e, do mente anódina, numa recente entrevis-
democracia, de mercado, de liberdade, de sobera- outro, o Estado e a racionalidade política, e tudo ta, abre um mundo vasto de significa-
nia, etc. Foucault, que por causa desse curso foi vis- consiste em traçar fronteiras para a intervenção ção: foi quando o primeiro-ministro
to como alguém que tinha feito uma viragem suspei- do Estado. O neoliberalismo é diferente: não se disse que “o Governo está a cumprir
ta, ao fazer uma arqueologia do liberalismo e do neo- trata, como mostra Foucault, de reservar para o uma missão histórica”. O imperativo
liberalismo, ao analisar a “governamentalidade” mercado um espaço específico, que coexiste com a das missões históricas marcou a política
neoliberal, estava a fornecer à esquerda instrumen- razão do Estado, mas de difundir o mercado por ocidental na época moderna, e quando
tos críticos capazes de a retirar das posições cristali- todo o lado. A utopia neoliberal é a de fazer entrar essa missão histórica foi assumida em
zadas (que a leva a reconduzir tudo às mesmas ma- no quadro da mercantilização todas as dimensões nome de um povo ou de uma nação
trizes analíticas) e de se pensar a si própria. A crítica da sociedade. É a economia que funda a política e correspondeu muitas vezes a uma mis-
da esquerda ao neoliberalismo é, por exemplo, inca- determina as formas e a natureza da intervenção são metafísica (como é o caso do nazis-
paz de mostrar aquilo que Foucault descreve desta pública. Para os neoliberais, o triunfo do mercado mo). A “missão histórica” é a política
maneira: o Estado que “quer governar apenas o bas- dispensa uma justificação ideológica (temos aqui dos que se imaginaram grandes heróis e
tante para poder governar o menos possível” preci- a ideologia da aparente ausência de ideologia) por- deixaram o caminho juncado de cadáve-
sa de saber tudo e, para isso, desenvolve um conjun- que tem uma justificação “científica”. E a sua fo- res. Mais perto de nós, tornou-se eviden-
to de práticas, de tecnologias que tornarão transpa- bia é o Estado, como podemos perceber nestas pa- te que já não existem missões históricas
rente a opacidade fundamental da população. E é lavras de Bernard Berenson, um historiador de ar- a cumprir. Corolário desta ausência de
neste sentido que para Foucault o liberalismo está te americano, citado por Foucault. “Deus sabe uma vocação histórica (missão tem o
ligado ao nascimento da biopolítica. Ele irá assim quanto eu receio a destruição do mundo pela bom- sentido de vocação, de chamamento) foi
formular esta regra do Estado liberal: “Para que o ba atómica, mas há pelo menos uma coisa que eu a tese de que tínhamos chegado ao fim
Estado não esteja por todo o lado, é preciso que o receio em igual medida, que é a invasão da huma- da história. Não se trata de ver nas
controlo e a disciplina estejam”. E daí esta conclu- nidade pelo Estado”. “A sociedade não existe”: es- palavras de Passos Coelho o sentido
são: “O panóptico é a própria fórmula do governo ta fórmula que Margaret Thatcher tornou célebre sinistro que elas tiveram noutro contex-
liberal” (o panóptico é uma arquitetura carceral in- e à qual deu uma dimensão de slogan é típica da to histórico; devemos no entanto obser-
ventada por Jeremy Bentham, no século XVIII, que doutrina neoliberal, tal como ela é pensada por var que elas trazem um progressismo
permitia a um só indivíduo ter uma panorâmica to- Hayek, que suspeita radicalmente da existência de escondido que supõe a marcha em
tal da prisão). Ou seja, Foucault mostra, com os seus objetivos coletivos e coletivamente reconhecidos: direção a uma nova época e a uma nova
instrumentos de análise que estão completamente representar e pensar um todo que se chama socie- felicidade. O nosso primeiro-ministro
ausentes do discurso da esquerda, que o Estado libe- dade enquanto corpo político é imediatamente faz-nos uma promessa progressista que
ral, reivindicando-se como um “Estado frugal” cair no desejo profundamente autoritário, diz Ha- nós, no sítio desolado em que nos encon-
(quando hoje se fala nas “gorduras do Estado”, qua- yek, de orientar a ação para fins e atividades subor- tramos, desencantados, temos dificulda-
se toda a gente desconhece que estas metáforas não dinadas aos interesses da “comunidade”. E a co- de em reconhecer como mobilizadora.
nasceram hoje e têm uma história), apenas zela pela munidade é o contrário da pluralidade, que é, Pelo contrário, a noção de “missão
livre irradiação das liberdades individuais e pelo mais do que a liberdade (ao contrário do que se histórica” tem hoje para nós o aspeto
bom funcionamento da “sociedade civil”. costuma pensar), o conceito central da doutrina dos objetos farfalhudos e inúteis, com
Mas em que consiste, afinal, a utopia neolibe- neoliberal. A alguma aura de antiguidade, exibidos
ral? Consiste numa sociedade em que governa a aguerreiro@expresso.impresa.pt nas lojas de velharias. Servem como
peças decorativas, mas se tentarmos
utilizá-los eles revelam-se não funcionais
e nós mostramo-nos inábeis. Só por
determinação de uma máquina linguísti-
ca que funciona estendendo uma trama
de lugares-comuns e frases feitas é que
nos dispomos a trair a época com mis-
Ao contrário dos liberais clássicos, sões históricas, porque o que queremos
os neoliberais retiram ao socialismo o seu mesmo, com urgência, é que o nosso
monopólio da produção de utopias políticas próprio tempo, de que fomos expropria-
dos, nos seja devolvido. Esta, é uma
e filosóficas. Eles pretendem fazer da sua tarefa política; aquela é a tarefa de uma
doutrina uma doutrina radical, revolucionária máquina mitológica.

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TELEVISÃO

Bastidores
do escândalo
Assessoria política é sinónimo de corrupção.
Olivia Pope, a protagonista de “Scandal”,
mostra como se esconde a verdade
em prol da imagem pública

Texto Alexandra Carita

B
aseada na história verídi- mundos e fundos para “guardar” os se- Apesar de o seu percurso ser opinião pública. Em pano de fundo,
sobretudo marcado por trabalhos
ca de Judy Smith, assesso- gredos das elites. Trabalho complexo cinematográficos, Kerry Washing-
não deixa de estar o passado da prota-
ra de imprensa de Geor- e muitas vezes pouco ético, transfor- ton agarra a personagem principal gonista enquanto assessora de peso
ge Bush enquanto este ma-a simultaneamente numa figura de “Scandal”, Olivia Pope, como na Casa Branca, obrigando-a a usar
uma verdadeira profissional de TV
foi Presidente dos EUA e venerada e temida pela classe política. métodos ainda menos ortodoxos.
mais tarde “gestora de crise” — deno- Determinada, segura, arrogante tam- Com Olivia Pope, o cérebro de to-
minação eufemística para mediadora bém, vende estratégias, mentiras e áli- das as operações, trabalha, no entan-
de conflitos — em casos tão polémi- bis, compra testemunhas e forja fac- to, uma vasta equipa. Um staff especia-
cos como o escândalo Monica Lewins- tos em nome da imagem pública dos lizado em pôr em prática as medidas
ki, que abalou o mandato de Bill Clin- governantes da nação da liberdade e necessárias para que a reputação de
ton, “Scandal” é a mais recente série em troca do seu dinheiro. cada cliente seja intocável. Destaque
dramática norte-americana a abor- A viagem a este submundo de se- para as interpretações de Henry Ian
dar os controversos caminhos do po- gredos e mentiras, corrupto e vazio de Cusick, no papel de Stephen Finch, de
der político. princípios, é aqui renovada por uma Columbus Short, na pele de Harrison
Olivia Pope, protagonizada por trama que prima pela capacidade de, Wright, de Darby Stanchfield, no pa-
Kerry Washington (que já vimos em sem subterfúgios, desvendar no peque- pel de Abby Whelan, ou de Katie Lo-
filmes como “Mother & Child”, “O Úl- no ecrã todas as táticas de manipula- wes, a estagiária Quinn Perkins.
timo Rei da Escócia”, “Mr. and Mrs. ção constante da informação, jogos de “Scandal” tem ainda por trás o ta-
Smith” ou “Ray”), veste a pele de Judy montagem e desmontagem de ima- SCANDAL lento de Shonda Rhimes, criadora de
Smith, por sinal produtora da série, e gens, quais teorias de marketing, por Fox séries como “Anatomia de Grey” e
à frente da sua própria agência move forma a influenciar e/ou formatar a Estreia quarta-feira, 22h20 “Clínica Privada”. A

Investigação criminal no feminino Os ciganos de Nova Iorque Jornalismo televisivo dos anos 50
THE CLOSER || Fox Crime AMERICAN GYPSIES || National Geographic || Quartas, 22h10 THE HOUR || Fox Life ||
|| Quartas-feiras, 22h15 Segundas-feiras, 21h15
Estreia de uma série documental cujo enfoque é o dia
Última temporada da a dia da família John, uma família de ciganos a viver Série da BBC que
série protagonizada em Nova Iorque com rotinas muito próprias. Proprietá- recorda os anos doura-
por Kyra Sedgwick, no rio de várias lojas de “curas espirituais”, o clã vive dos do jornalismo
papel de uma investiga- uma fase difícil. Em confronto estão as suas tradições televisivo, um mundo
dora indomável. culturais e a adaptação à sociedade americana. competitivo e tenso.

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ESCOLHAS DE

FORADACAIXA

POR
INÊS LOPES GONÇALVES

ARMANDO CASOS ARQUIVADOS


TEIXEIRA Não sei porque é que as televisões se
Músico e fundador dos Balla põem às vezes a inventar formatos do
arco da velha sem interesse nenhum
TELEVISÃO quando todas elas têm na sua proprie-
CÂMARA CLARA dade um diamante em bruto chamado
RTP2, domingos arquivo. E o que é que há dentro de
um arquivo? Gafes e bloopers às paza-
LIVRO das. E há alguma coisa melhor do que
LOBO DA ESTEPE aquele prazer diabólico que se sente
Herman Hesse com a desgraça alheia? Claro que não.
Deem-me bloopers para ver e eu sou
FILME como uma criança a quem se deu
BREAKING BAD lápis de cor e uma folha: sou capaz de
Vince Gilligan ficar entretida durante horas a fio
sem chatear ninguém. É por isso que
DISCOS bato palminhas de contentamento
OSHIN com o novo “Anticrise”, na RTP, que
DIIV nos brinda com alguns desses bonitos
INTERPLAY momentos da nossa televisão. E só
John Foxx and the Maths não bato mais por dois motivos: o
primeiro, e o menos importante, é
porque já não se aguenta a palavra
‘crise’ em tudo quanto é sítio; o segun-
do — e que me desculpem o António
Machado, o Manuel Marques e o
Eduardo Madeira — é por o programa
não ser todo ele à base desses tesouri-
nhos incríveis. É que é tudo o que
uma pessoa podia querer, uma hora
inteirinha daqueles momentos de
reportagem inacreditáveis, de jornalis-
tas em apuros e pivôs a qualificarem-
-se em grande forma ao primeiro
lugar da generosa partilha ‘faceboo-
kiana’. Além de já estarmos fartos da
senhora que tem muita humidade, da
outra que sabe muito bem que foi o
rapaz ‘tóxico-independente’ que anda-
va a roubar e da que não sabe assim
tão bem se foram os chineses ou
outra coisa qualquer, seria uma espé-
cie de compensação por anos e anos
de pérolas sem YouTube e a recom-
pensa (ou a desgraça) que só a virali-
dade pode trazer aos Artures Albar-
rans desta vida.

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Alta Definição 14.45 E-Especial 15.30
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12.00 BBC Terra 13.00 Jornal da Tarde 20.00 Family Guy 21.00 Jacques Leonard, 21.45 Nas Ruas 22.15 Gosto Disto 23.30 Jornal das 8 21.45 Casa dos Segredos 3
14.15 Top + 15.30 Portugal no Coração El Payo Chad (doc.) 22.00 Hoje 22.30 O Os Segredos da Magia 00.15 Dr. White – Diário de Sábado 23.00 Doce Tentação
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Certo 20.00 Telejornal 21.15 Decisão Final Semana

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Sociedade das Nações 20.00 09.30 Sobrenatural 14.00
Compacto II/TNBI 20.30 Volan- Caçadores de Vampiras Lésbi-
te 21.30 Europa XXI 23.00 Bola cas 15.26 Sherlock Esp. 18.43
Centro 00.00 Eixo do Mal 03.00 Havana Blues 22.29 União de
Toda a Verdade Sangue
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Crimes Imperfeitos 15.00 O que Aconteceu 22.32 The
Programa do Aleixo 17.45 Dayly Walking Dead 01.07 Lei &
Show 20.00 As Aventuras de Comédia de Barry Levinson bem ao jeito de Hollywood, leve e despreocupa- Ordem: Unidade Especial 02.46
Merlin 21.30 The Celebrety da, o filme desta noite junta Ben Stiller e Jack Black numa trama alegórica à The Killing
Aprentice 23.00 Contos do sociedade de trabalho. Tim e Nick são grandes amigos, vizinhos e funcioná- FOX CRIME
Vigário 09.23 A Balada de Nova Iorque
rios da mesma fábrica. Os seus dias são passados a tentar descobrir o negó-
SIC MULHER 13.23 C.S.I. 16.35 Crime, Disse
10.00 Encantador de Cães 11.00
cio das suas vidas, algo que lhes traga muito dinheiro de maneira fácil e rápi- Ela 18.11 C.S.I. — NY 21.30
Ellen 12.30 Em Forma na Cozinha da e acabe com todos os seus problemas. Esse dia chega quando Nick põe Midsomer Murders 23.07 Cops
13.15 A definir 14.15 America’s em prática uma invenção radical — um vaporizador ultrassónico —, na qual FOX LIFE
Next Top Model 15.45 Ace of Tim se recusou a investir por não acreditar que pudesse ter qualquer suces- 15.15 Nurse Jackie 16.12 Leis de
Cakes 16.45 Reconstrução Total Kate 19.11 Medium 20.38 Rizzoli
so. E aí, começam os problemas. Ao ver o amigo tornar-se milionário, a inveja
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Retratos de Saúde 20.15 Queri-
toma conta de Tim. Uma noite, num bar, conhece um vagabundo que lhe faz FOX MOVIES
do, Mudei a Casa 21.30 Top Chef, uma proposta para se vingar de Nick e ele aceita... 13.50 Armadilha em Bangkok
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lis 14.20 Fotografia 16.40 Futebol, Liga Espanhola: Málaga- Mundo: Altenberg, Alemanha 00.15 Jovens Suicidas 10.30 Gaspar e Lisa 12.00

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Patinagem Artística: Programa
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Caçadores de Estrelas Taça do Mundo 09.45; 13.00 Suécia nhos Mal Traçados Idade do Gelo 2 18.45 Jessie

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MI
Tarde 14.15 Cinco Sentidos 15.15 Materni- 13.00 Desporto 2 19.00 Quem fala Assim 20.00 Jornal da Noite 21.40 Toca a Mexer Somos Portugal 20.00 Jornal das 8 21.45
dade 16.00 Festa de Natal 20.00 Telejor- 19.30 Ingrediente Secreto 20.00 Voz do 01.00 Filme Casa dos Segredos 3 01.00 Tudo Sobre
nal 21.00 Termómetro Político 21.30 Cidadão 20.15 Os Simpsons 21.00 Estéti- Poker 01.45 Filme
Estado de Graça 22.15 Hora da Sorte: ca: Propaganda e Utopia no Portugal de
Sorteio do Joker 22.30 Amor por Acaso António Ferro (doc.) 22.00 Hoje 22.30

NG
00.30 Passageiro 57 02.15 Magazine FIFA Câmara Clara 23.30 Britcom 00.30
— Campeonato do Mundo de Futebol Onda-Curta

O RTP MEMÓRIA
14.00 A Família Bellamy 15.00
Filme: Dr. Jivago 16.15 Inesquecí-
vel: Herman José e Rosita 19.45
Eu Sou da Noite 20.15 Estação
A Cultura de António Ferro TVC4
14.25 Na Sombra da Dúvida
17.50 O Guerreiro e o Lobo
21.05 300 23.00 Real Desatino
00.45 Black Dynamite
da Minha Vida 21.00 Voz do HOLLYWOOD
Cidadão 21.15 Filme: O Cerco 15.05 Do Cabaré para o Conven-
23.15 A Família Bellamy 00.15 to 18.45 Marcado para Matar
Grandes Memórias 22.00 Supremacia 23.55
SIC NOTÍCIAS O Exterminador Implacável
11.30 Sociedade das Nações AXN
13.00 Toda a Verdade 14.30 09.44 Castle 14.44 Jogo de
Sociedade das Nações 15.00 Audazes 16.24 Chamada de Um
Eixo do Mal 16.30 Imagem de Estranho 20.10 O Mentalista
Marca 17.30 Europa XXI 18.30 21.00 Castle 22.00 Primeiro
Volante 20.00 Especial Música Golpe 23.32 Dívida de Sangue
20.30 Falar Global 21.30 Ponto- AXN BLACK
-Contraponto 22.30 Tempo 15.17 A Rainha das Sombras
Extra 00.30 60 Minutos 16.05 Roma Criminal 19.11 El
SIC RADICAL Mariachi 22.22 Living & Dying
09.15 Till Death 11.15 Wolverine 00.33 Inadaptados
12.30 WWE Experience 13.15 As FOX
Aventuras de Merlim 14.00 13.40 Family Guy 14.51 Os
ESTÉTICA, PROPAGANDA E UTOPIA NO PORTUGAL DE ANTÓNIO FERRO ||
Crimes Imperfeitos 15.00 O Simpson 15.38 Lei & Ordem:
Programa do Aleixo 15.30 RTP2 || 21h Unidade Especial 21.38 Foi
Breaking Bad 18.30 Crimes Assim Que Aconteceu 22.30
Imperfeitos 20.45 Farta Brutos Uma produção da ZDB dirigida por Paulo Seabra faz o retrato daquele que foi o Walking Dead
21.30 Colbert 22.45 O Décimo responsável pela política cultural do Estado Novo, António Ferro. Editor da FOX CRIME
Círculo 10.10 A Balada de Nova Iorque
revista “Orpheu”, António Ferro dirigiu o Secretariado da Propaganda Nacional,
SIC MULHER 15.30 Crime, Disse Ela 18.42
10.00 Encantador de Cães 11.00
assumindo simultaneamente as funções de chefe da propaganda e de orienta- Midsomer Murders 21.30 Jail
Ellen 12.30 Em Forma na dor da política cultural vigente em Portugal. O documentário evolui entre episó- FOX LIFE
Cozinha 13.15 De Corpo e Alma dios de época e uma série alargada de entrevistas e depoimentos de muitos 15.25 As Leis de Kate 17.39
14.15 America’s Next Top Model daqueles que ao longo dos tempos foram refletindo sobre o seu papel na Tudo Acaba Bem 18.23 Medium
15.45 Ace of Cakes 18.15 Dr. 20.38 Anatomia de Grey 21.25
sociedade portuguesa. Destaque para as intervenções de Eduardo Lourenço,
White 19.00 Querido, Mudei Glee Project 22.13 The Voice
a Casa 20.00 Em Forma na
José Barreto, Adriano Moreira e Fernando Rosas. Em dois episódios de uma FOX MOVIES
Cozinha 21.00 A Definir 21.30 hora cada um, o documentário será exibido ainda dia 16, no mesmo horário. 16.08 Hulk 20.11 Grandes
Top Chef 23.45 Reconstrução Esperanças 00.05 Milk
Total 00.30 100 Tabus HISTÓRIA
TVI 24 Todos pela Arte! 16.45 Ninguém Futebol – UEFA Champions TVC1 HD 15.20 Machu Picchu Descodifica-
10.30 Marca Pessoal 11.30 se Mexe! 18.00 Rolando Villazón League Magazine 13.30 Futebol, 13.50 Os Pinguins do Sr. Popper do 19.50 Maravilhasdo Progres-
Reportagem TVI 13.00 Cinebox 19.40 Silex and the City 21.25 Premier League: Manchester 15.25 Soul Surfer – Coragem de so 22.45 Segredos Desclassifica-
15.00 Portugal Português 16.00 Doador Anónimo 00.15 Antich- City-Manchester United Viver 17.10 Hemingway e dos
Observatório do Mundo 17.30 rist 02.00 Europa: A Fábrica de EUROSPORT 1 Gellhorn 21.30 O Grande Milagre ODISSEIA
Champions League Magazine Pobres 08.15;09.30 Esqui Alpino, Taça 23.20 127 Horas 16.00 França Selvagem 17.00
18.00 Governo Sombra 21.30 SPORT TV 1 do Mundo 10.15; 13.45 Biatlo, TVC2 HD Sheldon Adelson, o Imperador
SOS Serviço Alerta 11.15 Futebol, Segunda Liga: Taça do Mundo 15.00 Snooker: 13.05 O Síndrome do Titanic dos Casinos 21.00 Ligação
ARTE Atlético-Belenenses 18.00 Finais do Campeonato do Reino 18.50 A Estrada 20.40 Águas Selvagem
08.40; 08.50 Desenha-me uma Futebol, Liga Espanhola: Atlético Unido 17.15 Curling, Campeonato Mil 22.00 Uivo 23.25 Apollonide PANDA
História! 09.00 América em de Madrid-Deportivo Corunha Europeu 18.00 Saltos de Esqui, – Memórias de Um Bordel 10.30 Gaspar e Lisa 12.00

09
dezembro
Prime Time: Fora das Normas
09.50 América em Prime Time:
Ao Serviço do Bem 11.30
Histórias do Islão 12.00 Filosofia:
20.15 Futebol, Liga Zon Sagres:
V. Guimarães-Olhanense
SPORT TV 2
09.30 Vela – Spirit of Yachting
Taça do Mundo, Sochi, Rússia
EUROSPORT 2
10.00; 10.30 Luge, Taça do
Mundo 17.00 Boxe, Título
TVC3
15.35 Os Marretas no Espaço
17.00 The Lady – Um Coração
Dividido 19.15 Na Tempestade
Martim Manhã 16.00 Doreamon
17.30 Os Octonautas
DISNEY
09.30 A Nova Escola do Impera-
Sexo 13.20 Mistérios de Arqui- (magazine) 10.00 Desportos Mundial WBA: Povetkin (Rússia)- 20.55 Um Sedutor em Apuros dor 15.05 Jessie 15.30 Phineas e
vos: 1910 — Buffalo Bill 14.35 Radicais (magazine) 12.30 -Rahman (EUA) 00.15 Relatório Kinsey Ferb 19.35 Shake It Up

Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 51

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1706391 - Jacintog@hotmail.com - 85.247.163.237 (09-12-12 08:59)
CARTAZAGENDA

CI
LISBOA CASTELLO LOPES - LONDRES 19h35, 22h; sex – sáb 23h55 O 00h25 A Origem dos Guardiões de Turno (M/16) 00h30 Força
ALVALÁXIA Tel. 760 789 789 Anna Karenina Substituto (M/12) 13h45; 20h; (M/6) 13h20, 15h40, 18h10; sáb Ralph (M/6) sáb – dom 11h30,
Tel. 707 246 362 007 Skyfall (M/12) 14H, 16H30, 19H, 21H30 sex – sáb 00h05 Para Roma – dom 11h A Saga Twilight – 14h20, 16h45 Mais Um Dia Feliz
(M/12) 16h50, 20h45; sex – sáb Cloud Atlas 14H30, 18H, 21H45 com Amor (M/12) 13h10 Amanhecer Parte 2 (M/12) (M/12) 14h05, 16h35, 21h55,
23h50; sáb – dom 13h35 A CINEMA CITY CAMPO PEQUENO LUSOMUNDO AMOREIRAS 12h50, 15h30, 18h20, 21h20, 00h25; dom 11h30 Mata-os

NE
Minha Canção de Amor (M/12) Tel. 217 981 420 007 Skyfall Tel. 16996 007 Skyfall (M/12) 23h50 Amanhecer Violento Suavemente (M/16) 14h15,
19h05 A Origem dos Guardiões (M/12) 15h55; 21h45 A Advoga- 20h40, 23h50 A Origem dos (M/16) 13h10, 16h, 18h30, 21h40, 16h40, 19h, 21h30, 23h55; dom
(M/6) 16h20, 18h40; sáb – dom da (M/12) qui – sex, seg – qua Guardiões (M/6) 13h30, 15h50, 00h10 Anna Karenina (M/12) 11h30 O Substituto (M/12) 19h,
13h45; 15h30, 18h, 21h; sex – 16h20 A Advogada (M/12) 18h20; dom 11h15 Amor (M/16) 13h, 15h50, 18h40, 21h30, 00h30 21h35, 23h55; qui – sex, seg –
sáb 23h20; sáb – dom 10h45, 00h35 A Oeste de Memphis 13h10, 16h10, 18h50, 21h30, Cloud Atlas (M/12) 13h30, 17h, qua 14h15, 16h35 Operação

M
13h10 A Saga Twilight – Ama- 18h50 A Origem dos Guardiões 00h05 Anna Karenina (M/12) 21h, 00h20 Mata-os Suavemen- Outono (M/12) 19h15, 21h35,
nhecer Parte 2 (M/12) 16h10, (M/6) 21h35; 15h50; sáb – dom 12h50, 15h40, 18h30, 21h20, te (M/16) 12h40, 15h20, 18h, 23h50 Para Roma com Amor
18h50, 21h40; sex – sáb 00h20; 11h40; 13h20, 15h25, 17h30, 00h10 Argo (M/12) 19h15 As 21h50, 24h (M/12) 19h Sininho o Segredo
sáb – dom 13h30 Amanhecer 19h35; sáb – dom 11h15 A Saga Voltas da Vida (M/12) 13h40, MEDEIA FONTE NOVA das Fadas (M/6) 14h, 16h, 18h,
Violento (M/16) 16h10, 18h45, Twilight – Amanhecer Parte 2 16h30, 21h50 (exceto qua), Tel. 217 145 088 Amor (M/16) 19h50; dom 11h30

A
21h20; sex – sáb 23h55; sáb – (M/12) 13h40, 18h45, 21h35, 00h15 Cloud Atlas (M/12) 13h20, 14h10, 16h45, 19h15, 21h45 Anna
dom 13h35 Anna Karenina 23h55 Anna Karenina (M/12) 17h10, 20h50, 00h20 Mata-os Karenina (M/12) 14h30, 17h, GRANDE LISBOA
(M/12) 15h50, 18h30, 21h30; sex 13h30, 16h, 18h30, 21h30, 24h Suavemente (M/16) 13h50, 19h30, 22h Cloud Atlas (M/12) ALMADA
– sáb 00h10; sáb – dom 13h15 Argo (M/12) 21h40, 00h05 O 16h20, 21h40, 00h30 O Chef 14h20, 18h, 21h30 LUSOMUNDO ALMADA FORUM
Argo 16h, 21h35; sex – sáb Cônsul de Bordéus (M/16) (M/12) 13h, 15h, 17h, 19h, 21h10, MEDEIA KING 007 Skyfall (M/12) 13h25, 17h,
00h15; sáb – dom 13h O Cônsul 13h35, 17h40 As Voltas da Vida 23h30 O Substituto 19h10 Tel. 218 480 808 Amor (M/16) 21h, 00h05 A Origem dos
de Bordéus (M/16) 21h40; sex – (M/12) 15h35, 19h40; 22h Brave LUSOMUNDO COLOMBO 14h15, 16h45, 19h15, 21h45; sex Guardiões (M/6) 13h30, 16h,
sáb 00h20 As Vantagens de Ser - Indomável (M/6) sáb – dom 007 Skyfall (M/12) 13h25, 21h10, – sáb, seg 00h15 Anna Karenina 18h30, 21h10, 23h35; dom 11h A
Invisível (M/12) 19h As Voltas da 11h30 Cloud Atlas (M/12) 13h10, 00h15 A Origem dos Guardiões 14h30, 17h, 19h30, 22h; sex – Saga Twilight – Amanhecer
Vida (M/12) 15h50, 18h20, 21h; 18h40, 00h10; 15h30, 21h50 (M/6) 13h15, 15h40, 18h05; qui – sáb, seg 00h30 Operação Parte 2 (M/12) 12h40, 15h20,
sex – sáb 23h30; sáb – dom Força Ralph (M/6) sáb – dom ter 21h25, 23h45; dom 11h, 11h10 Outono 13h30, 15h30, 17h30, 18h10, 21h10, 23h50 Amanhecer
13h Cloud Atlas 16h40, 20h30; 16h20; sáb – dom 11h25 Mata- A Saga Twilight – Amanhecer 19h20, 21h30; sex-sáb, seg 24h Violento (M/16) 13h10, 15h50,
sex – sáb 24h; sáb – dom 13h10 -os Suavemente (M/16) 13h45, Parte 2 (M/12) 12h55, 15h35, MEDEIA MONUMENTAL 18h40, 21h30, 00h20 Amor
Fim de Turno (M/16) 16h30, 17h55, 19h50, 21h55, 23h50 18h20, 21h, 23h40 Amanhecer Tel. 213 142 223 Amor (M/16) (M/16) 12h35, 15h25, 18h15,
21h45; sex – sáb 00h15; sáb – Sininho o Segredo das Fadas Violento (M/16) 13h20, 15h55, 14h20, 17h, 19h30, 22h, 00h30 21h15, 00h05 Anna Karenina
dom 13h40 Mata-os Suavemen- (M/6) 13h35, 15h30, 17h15, 19h; 18h35, 21h20, 24h Anna Kareni- Anna Karenina (M/12) 14h10, (M/12) 12h50, 15h30, 18h20,
te (M/16) 15h40, 18h10, 21h50; sáb – dom 11h35 Um Ritmo na (M/12) 13h, 15h45, 18h40, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15 21h20, 24h Argo (M/12) 12h30,
sex – sáb 00h25; sáb – dom Perfeito (M/12) 23h40 21h30, 00h25 Argo (M/12) qui – Astérix & Obélix ao Serviço de 15h15, 21h25, 00h20 O Cônsul
13h20 Sininho o Segredo das CINEMA CITY CLASSIC ter 21h25, 00h10 O Cônsul de Sua Majestade (M/6) dom 11h30 de Bordéus (M/16) 21h55,
Fadas (M/6) 15h15, 17h10, 19h10; ALVALADE Bordéus (M/16) 18h30 (exceto Cloud Atlas (M/12) 14h30, 00h30 As Voltas da Vida (M/12)
sáb – dom 11h, 13h Tel. 218 413 040/43 007 Skyfall qua); qua 18h10 As Voltas da 17h45, 21h15 Mata-os Suave- 12h45, 15h35, 18h20, 21h20,
(M/12) 17h25; sex – sáb 23h45 Vida (M/12) 18h Cloud Atlas mente (M/16) 13h30, 15h30, 00h15 Cloud Atlas (M/12) 13h,
A Advogada (M/12) 17h35; (M/12) 13h35, 17h10, 20h50, 17h30, 19h20, 21h30, 24h 16h50, 20h35, 00h10 Fim de
21h55 A Origem dos Guardiões 00h30 Fim de Turno (M/16) MEDEIA NIMAS Turno (M/16) 21h05, 23h40
(M/6) 13h25, 15h30, 17h35, 18h25; qui – ter 21h35, 00h05 Tel. 213 574 362 A Pianista Força Ralph (M/6) 13h45, 16h30,
19h40; sáb – dom 11h20; 21h45 Força Ralph (M/6) 13h05, 15h50 (M/18) sáb 21h30 Brincadeiras 19h10; dom 11h Mais Um Dia Feliz
Anna Karenina (M/12) 13h20, Mata-os Suavemente (M/16) Perigosas (M/18) qui 21h30 (M/12) 18h Mata-os Suavemen-
16h20, 19h, 21h30; sex – sáb 13h30, 16h05 (exceto qua), Código Desconhecido (M/12) te (M/16) 13h20, 15h45, 18h15,
00h10 Argo (M/12) 15h10 21h05, 23h35; qua 15h50 O Chef sex 21h30 Linhas de Wellington 21h, 23h25 O Chef (M/12)
Astérix & Obélix ao Serviço de (M/12) 13h10, 15h30, 18h10, (M/12) dom 15h Nada a Escon- 13h40, 16h15, 18h55, 22h, 00h25
Sua Majestade (M/6) sáb – 21h15, 23h50 Sininho o Segredo der (M/16) dom 21h30 Neds - Sininho o Segredo das Fadas
dom 11h25 Ensaio 15h50; 21h30 das Fadas (M/6) 12h45, 15h25, Jovens Delinquentes sáb – dom (M/6) 13h, 15h, 17h, 19h; dom 11h
Impy na Terra da Magia (M/4) 17h25, 19h25; dom 10h50 18h30 O Laço Branco (M/16) ter Um Ritmo Perfeito (M/12) 13h15,
sáb – dom 11h25 Mata-os LUSOMUNDO VASCO DA GAMA – qua 21h30 O Tempo do Lobo 16h05, 18h45, 21h25, 00h25
Suavemente (M/16) 15h40, 007 Skyfall qui – ter 21h10, (M/16) seg 21h30 AMADORA
UCI CINEMAS – EL CORTE UCI DOLCE VITA TEJO
INGLÉS Tel. 707 232 221 007 Skyfall
Tel. 707 232 221 007 Skyfall (M/12) 15h, 18h15, 21h20; sex –
(M/12) 15h, 18h15, 21h25, 00h20; sáb 00h10 A Origem dos
dom 11h30 A Origem dos Guardiões (M/6) dom 11h30;
Guardiões (M/6) 21h30; 14h10, 13h45, 16h20, 18h45, 21h20;
16h25, 18h40; dom 11h30 A Saga dom 11h30 A Saga Twilight –
Twilight – Amanhecer Parte 2 Amanhecer Parte 2 (M/12) 14h,
(M/12) 14h, 16h25, 21h40, 00h15; 16h35, 19h10, 21h50; sex – sáb
dom 11h30 Amanhecer Violento 00h25; dom 11h30 Amanhecer
(M/16) 14h, 16h45, 19h10, 22h, Violento (M/16) 14h20, 16h45,
00h30; dom 11h30 Amor (M/16) 19h10, 21h35; sex – sáb 00h10
14h, 16h35, 19h15, 21h50, 00h30 Anna Karenina (M/12) 13h45,
Anna Karenina (M/12) 14h, 16h25, 19h05, 21h45; sex – sáb
16h35, 19h15, 21h50, 00h30 00h25 Argo (M/12) 21h55; sex
Argo (M/12) 14h05, 16h40, – sáb 00h20 As Aventuras de
19h15, 21h45, 00h20; dom 11h30 Tintin – O Segredo do Licorne
O Cônsul de Bordéus (M/16) (M/6) dom 11h30 As Voltas da
14h15, 16h55; dom 11h30 As Vida (M/12) 21h55; sex – sáb
Vantagens de Ser Invisível 00h15 Cloud Atlas (M/12) sex –
(M/12) 21h40, 00h10 As Voltas sáb 23h45; 14h30, 18h, 21h15
da Vida (M/12) 14h15, 16h45, Fim de Turno (M/16) 14h, 16h25,
19h15, 21h45, 00h10; dom 11h30 19h10, 21h45; sex – sáb 00h15
Cloud Atlas (M/12) 14h15, 17h40, Força Ralph (M/6) 14h05, 16h30,
21h10; 23h45 Deste Lado da 19h; dom 11h30; dom 11h30
Ressurreição (M/12) 19h05 Fim Mata-os Suavemente (M/16)

© Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 1706391 - Jacintog@hotmail.com - 85.247.163.237 (09-12-12 08:59)
13h20, 15h55 A Origem dos 13h45 Anna Karenina (M/12)
Guardiões (M/6) 13h05, 15h20, 16h30, 19h15, 22h, 00h45; qui –

ESTRELAS DA SEMANA 17h45, 19h55; 22h15, 00h40; sáb


– dom 10h45; sáb – dom 10h55
A Saga Twilight – Amanhecer
seg 13h45 Argo (M/12) 16h30,
19h10, 21h50, 00h35; qui – seg
13h55 O Cônsul de Bordéus
Francisco Jorge Leitão Vasco Baptista
Ferreira Ramos Marques Parte 2 (M/12) 13h, 125h40, (M/16) 16h35, 19h, 21h25; qui –
Amanhecer Violento l 18h25, 21h20, 00h15 Amanhecer seg 14h05 As Vantagens de Ser
HHHH HHHHH HHHH Violento (M/16) 13h10, 15h15, Invisível (M/12) 16h45, 19h920,
Amor
17h30, 19h50, 22h05, 00h30 O 21h45; qui – seg 14h10 As
Anna Karenina HH
Cônsul de Bordéus (M/16) 22h, Voltas da Vida (M/12) 16h35,
O Chef HH
00h20 Balas e Bolinhos - O 18h55, 21h25, 00h10; qui – seg
Cloud Atlas HH H H
Último Capítulo (M/16) 12h55, 14h15 Balas e Bolinhos - O
Deste Lado da Ressurreição HHH HHHH HH
15h50, 18h50, 21h40, 00h35 Último Capítulo (M/16) 00h10
Mais Um Dia Feliz H
Cloud Atlas (M/12) 13h30, 17h10, Cloud Atlas (M/12) 00h15;
Mata-os Suavemente HHH HHH
20h45, 00h10 Fim de Turno 17h50, 21h25; qui – seg 14h20
Neds – Jovens Delinquentes H
(M/16) 18h20, 20h55, 23h40 Fim de Turno (M/16) 16h30,
Operação Outono HH HHH H
Força Ralph (M/6) 13h15, 15h45, 19h05, 21h35, 00h25; qui – seg
Sininho e o Segredo das Fadas HH 18h35; sáb – dom 10h50 Silent 14h Força Ralph (M/6) 16h40,
As Voltas da Vida HHH HHHH Hill: Revelation (M/16) 21h05, 19h10; qui – seg 14h Mais Um
DE l MÍNIMO A HHHHH MÁXIMO EXPRESSO
23h50 Sininho o Segredo das Dia Feliz 16h20, 19h, 21h35,
Fadas (M/6) 10h40, 12h50, 00h15; qui – seg 13h45 Mata-os
14h10, 16h30, 19h15, 21h30; sex Guardiões (M/6) 13h, 15h20, 18h; PORTO Cloud Atlas (M/12) 12h45, 15h10, 17h35, 19h45 Suavemente (M/16) 16h50,
– sáb 00h15 Sininho o Segredo dom 10h45 A Saga Twilight (...) LUSOMUNDO DOLCE VITA 16h50, 20h30, 24h Mata-os UCI ARRÁBIDA 20 19h10, 21h45, 00h20; qui – seg
das Fadas (M/6) 14h20, 16h15, Parte 2 12h55, 15h30, 18h15, Tel. 16996 007 Skyfall (M/12) Suavemente (M/16) 13h40, Tel. 707 232 221 007 Skyfall 14h20 O Chef 16h50, 19h15,
18h10, 20h05; dom 11h30 Um 21h15, 24h Anna Karenina 12h45, 20h50 (exceto qua), 00h10 A 16h10, 18h50, 21j20, 23h50 (M/12) 21h15, 00h25; 15h10, 21h20, 24h; qui – seg 14h30 O
Ritmo Perfeito 14h05, 16h40, 15h40, 18h30, 21h30, 00h25 Origem dos Guardiões (M/6) MEDEIA CAMPO ALEGRE 18h15 A Advogada (M/12) Substituto 16h35, 18h55, 21h30,
19h05, 21h35; sex – sáb 00h05 Argo (M/12) 21h20, 00h10 O 13h30, 15h50, 18h20; sáb – dom Tel. 226 063 000 Bellamy 21h35, 00h05 A Origem dos 00h25; qui – seg 14h15 Opera-
CARCAVELOS Cônsul de Bordéus (M/16) 10h40 A Saga Twilight – (M/12) 18h30, 22h (exceto qui e Guardiões (M/6) 16h20, 18h50, ção Outono 16h10, 19h35, 21h20,
ATLÂNTIDA CINE 18h25 As Voltas da Vida (M/12) Amanhecer Parte 2 (M/12) 13h, ter) Lola ter 22h 21h40; qui – seg 14h; 00h40 A 00h05; qui – seg 14h05 Silent
Tel. 214 565 653 Anna Karenina 13h10, 15h50, 21h10, 23h50 15h40, 18h30, 21h30, 00h30 Saga Twilight – Amanhecer Hill: Revelation (M/16) 21h40,
(M/12) 15h30, 21h30; sáb – dom Cloud Atlas (M/12) 13h30, 17h10, Amor (M/16) 14h, 17h, 21h, GRANDE PORTO Parte 2 (M/12) 16h25, 19h, 00h05 Sininho o Segredo das
18h15 Cloud Atlas 15h30, 21h30 20h50, 00h20 Mata-os Suave- 23h40 Anna Karenina (M/12) VILA NOVA DE GAIA 21h45, 00h20; qui – seg 13h55 Fadas (M/6) 16h40, 19h05; qui –
OEIRAS mente (M/16) 13h20, 16h, 18h40, 12h40, 15h35, 18h40, 21h40, LUSOMUNDO GAIASHOPPING Amanhecer Violento (M/16) seg 14h30 Taken - A Vingança
LUSOMUNDO OEIRAS PARQUE 21h40, 00h05 Sininho o Segredo 00h40 O Cônsul de Bordéus 007 Skyfall (M/12) 12h30, 16h20, 19h, 21h40, 00h15; qui – (M/12) 00h20 Um Ritmo
Tel. 16996 007 Skyfall (M/12) das Fadas (M/6) 13h05, 15h10, (M/16) 12h50, 15h25, 18h10 As 15h25, 18h30, 21h30, 00h25 A seg 13h50 Amor (M/16) 16h25, Perfeito (M/12) 16h25, 19h05,
21h, 00h15 A Origem dos 17h20, 19h25; dom 10h25 Voltas da Vida (M/12) 22h20 Minha Canção de Amor (M/12) 19h10, 21h55, 00h40; qui – seg 21h45, 00h25; qui – seg 13h55

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CARTAZAGENDA

M
SUL MUSEU DO ORIENTE CASCAIS amanhã e nos dias 15 e 16 de dos e Brincadeiras”, numa
LISBOA Avenida de Brasília, s/n ESPAÇO TEATRO dezembro, aos sábados às 16h e viagem pelo mundo encantado
JARDIM ZOOLÓGICO DE LISBOA Tel. 213 585 299 e 213 585 200 CONFLUÊNCIA 21h30 e aos domingos às 16h. dos brinquedos, jogos, brincadei-
Estrada de Benfica, 160 Atividades O museu propõe Rua Freitas Reis, 25 TEATRO DA VILARINHA ras e traquinices de outros
Tel. 217 232 900 e 217 232 960 duas atividades. A primeira, nas Tel. 913 439 938 e 913 439 592 Rua da Vilarinha, 1386 tempos. A mostra exibe brinque-

AI
Natal Hoje é o início da época “Oficinas de Longa Duração — Natureza A Confluência Associa- Tel. 226 108 924 dos de várias tipologias (meios
natalícia no Zoo com a chegada Férias de Natal”, é “A Viagem de ção Cultural propõe o espetácu- Nariz A companhia de teatro Pé de transporte, brinquedos
do Pai Natal ao parque, depois Chihiro”, para crianças dos 7 aos lo “Mãe Natureza”. A peça fala de Vento apresenta “O Senhor tradicionais, brincadeiras de rua,
da apresentação dos golfinhos 12 anos. De 17 a 21 de dezem- da natureza, dos quatro elemen- do Seu Nariz”, um espetáculo brincar às casinhas e bonecas) e
às 11h. Os jovens terão pinturas bro, das 10h às 13h e das 14h30 tos (terra, fogo, ar, água), dos para crianças a partir dos 4 de diferentes épocas, com

S
faciais e muitas atividades nos às 18h. A segunda é o workshop animais e da forma como o anos e as suas famílias. A peça prevalência para os anos 40 e
ateliês infantis, um local ideal “Caligrafia Chinesa”, dirigido a planeta tem sido maltratado. A relata a história de um rapaz 70 do século XX. Até ao dia 6 de
para aprender a construir peças crianças dos 7 aos 12 anos. O peça é extremamente visual e que carrega desde a nascença janeiro, de terça a sexta das
de natal e levar uma recordação curso divide-se em duas colorida, existindo momentos um nariz do tamanho de um 9h30 às 17h e ao fim de semana
para casa. Poderão também sessões e a primeira decorre de musicais. No final, as crianças chouriço. Até 13 de janeiro, aos das 14h30 às 17h30 (encerra às

NO
passear pelo parque e conhecer 17 a 19 de dezembro, das 10h às vão brincar e interagir com os sábados e domingos às 16h. segundas e feriados).
as mais de 360 espécies e 2000 12h30. Atenção: as duas ativida- atores. Hoje às 18h30 . FUNDAÇÃO DE SERRALVES COIMBRA
animais existentes no Zoo. Hoje, des exigem que seja feita Rua Dom João de Castro, 210 MUSEU DA CIÊNCIA —
das 10h às 18h. marcação até 10 de dezembro. NORTE Tel. 226 156 500 LABORATÓRIO CHIMICO
TEATROCINEARTE CASTELO DE SÃO JORGE PORTO Oficinas Serralves propõe as Largo Marquês de Pombal, s/n

VO
Largo de Santos, 2 Rua de Santa Cruz, s/n ACE TEATRO DO BOLHÃO “Oficinas de Natal para Famílias”, Tel. 239 854 350
Tel. 213 965 360 e 213 965 275 Tel. 218 800 620 Praça Coronel Pacheco, 1 totalmente gratuitas. O progra- Ateliê O museu propõe o ateliê
Aventuras A companhia A Catapultas O grupo Ofício Bélico, Tel. 222 089 007 e 917 472 842 ma inclui muitas atividades e “Diz-me o Que Comes… Dir-te-
Barraca encena no TeatroCinear- no programa “Artes Bélicas no Histórias A ACE Teatro do não é preciso fazer marcação, -ei Quem És”, para crianças dos
te o espetáculo “As Aventuras Castelo”, apresenta o espetácu- Bolhão apresenta o espetáculo uma vez que as oficinas decor- 3 aos 5 anos. Será que os mais

S
Maravilhosas de Saltapocinhas”, lo “Catapultas e Balistas”, para “O Fraseador”, para crianças a rem em contínuo. Hoje, amanhã pequenos já repararam como os
para crianças a partir dos 6 crianças a partir dos 5 anos. partir dos 6 anos. Um menino e nos dias 15 e 16 de dezembro, bicos das aves são tão engraça-
anos. A peça conta a história de Antes da pólvora, a artilharia era com o sonho de contar histó- das 10h às 17h. Ver o programa dos? Neste ateliê, vão descobrir
Saltapocinhas, uma raposeta constituída por estas máquinas. rias, ler poemas e fazer disso o completo em www.serralves.pt. para que servem e porque são
que sai contrafeita do conforto Os visitantes vão observar os seu ofício, cresceu com a SANTA MARIA DA FEIRA tão diferentes. Hoje, das 15h às
da toca de seus pais e faz-se à artilheiros a disparar as armas vontade de não ser exatamente MUSEU CONVENTO DOS LÓIOS 16h, mediante marcação prévia.
vida. Pelo caminho encontra de cerco. Caso as condições como as pessoas grandes. Ele é Praça Dr. Guilherme Alves
vários animais e o temível bicho permitam, os visitantes poderão Fraseador. Esta peça é uma Moreira, s/n
homem. De hoje até ao dia 30 também disparar estas armas. É viagem pela palavra e deseja Tel. 256 331 070 VER MAIS
de dezembro, aos sábados às aconselhável fazer inscrição estimular nos jovens o interesse Brinquedos O museu apresenta INFORMAÇÕES EM
16h e aos domingos às 11h30. prévia. Amanhã às 11h. e o amor pela leitura. Hoje, a exposição “Recordar Brinque- www.expresso.pt/crianças

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CARTAZPASSATEMPOS Marcos Cruz II passatempos@expresso.impresa.pt

JO PALAVRASCRUZADAS

GO PROBLEMA Nº 1939
HORIZONTAIS
1. Foi D. João IV 2. Imagem
VERTICAIS
1. Dürer celebrizou-o na sua
época 2. Não é caro 3. É 1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

S
ortodoxa. Como varas melhor do que mal acompa-
verdes, mas de trás para a nhado. Indivisível. Prima má 2
frente 3. A gravata leva-o. da foca 4. Sigla explosiva.
Fura ossos do crânio 4. Os Só houve um rei português 3
seus soldados usam capace- com esse nome 5. Os meios
tes azuis. Quase litro 5. Um de transporte mais rápidos. 4
mesmo bem usado por A menor distância entre
várias pessoas (pl.) 6. Onde dois pontos 6. Essa água é
5
Jesus apareceu aos seus alcoólica. O quente sobe 7.
discípulos. Bruto 7. A hiena Reproduzir. As iniciais de um
6
fá-lo. A sua quantidade é grande futebolista 8. Acal-
inversamente proporcional à mar. Três vogais 9. Deixam
7
da uva 8. Acontecer. Meia os dentes limpos 10. Discur-
Itália 9. Indicado pela agulha so. Maluco 11. Partir ao
magnética. Ergas 10. A meio. ... mas não abuse. 8
baleia, por exemplo 11. Nojo.
Pedaço de História. Essa 9
pesca é feita com rede.
10

11

Segundo o Novo Acordo Ortográfico

SOLUÇÕES DO Nº 1938 VERTICAIS PREMIADOS DO Nº 1936 nheiro”, de Martin Amis,


HORIZONTAIS 1. cartografia 2. Oviedo; “O Problema de Espinosa”, para Mário Passarinho, de
1. coligação 2. avião; arcas seda 3. limpeza; sir 4. ia; de Irvin D. Yalom, para Abrantes.
3. rim; ruir; bi 4. tépido; óbito 5. gordo; elite 6. uo; Hermínio Rosário Nogueira,
EPAL 5. ode; ébano 6. gozo; elevar 7. cai; ex; si 8. arrebi- de Lisboa; “Elogio da Ma-
êxito 7. Abel; Tó 8. ás; ilesa; tado 9. Oc; pato; ara 10. drasta”, de Mario Vargas
IP 9. festividade 10. Idiota; abano; idas 11. asilo; ópera. Llosa, para Rita Baptista
orar 11. Aar; era; asa. Camarada, de Sintra; “Di-

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DIFÍCIL
7 4 9 5 3
Expresso | 08 de dezembro de 2012 | ATUAL | 55

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