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Perfil • Paula Maxa •

Théâtre du Grand
Guignol
POR MARIANA CARVALHO

O terror inscrito no corpo atuante


Marie-Thérèse Beau, conhecida como Paula Maxa foi uma atriz e vedete francesa, ficou
conhecida também como “A mulher mais assassinada do mundo”, “A Sarah Bernhardt da
impasse Chaptal”, “A Princesa de Sangue”, “Sacerdotisa do Pecado e do Horror” e ainda “A
Dama do Père-Lachaise”[1].

Maxa nasceu no bairro boêmio Montmartre, em Paris, região que também abrigava cabarés
como o Moulin Rouge, Cabaret du Néant, Cabaret de L’Enfer e o notório teatro de horror, o
Théâtre du Grand Guignol, onde atuou de 1917 a 1933.

Foi a primeira Rainha do Grito[2], as lendas do Grand Guignol contam que ela foi
assassinada no palco mais de 10.000 vezes, famosa por seus gritos agudos e de alto alcance,
foi parte essencial da consolidação do estilo Grand-guignolesco. Seus personagens
influenciam até hoje a construção de narrativas sobre o corpo feminino em histórias de terror
que envolvam suspense e melodrama.

O corpo em atuação de Maxa foi submetido a inúmeras torturas físicas, como ser estuprada
em cena mais de 3.000 vezes. A atuante até queimou na fogueira, em uma encenação
entitulada “A Bruxa”. Sua morte mais notória foi quando seu corpo se decompôs em cena,
algo nunca antes visto no teatro, um feito que foi repetido 200 vezes.

Sua presença no palco era tão emblemática que ela se tornou a maior estrela do Grand
Guignol, o público cativo do teatro gritava seu nome enquanto esperava para assistir mais um
horror ser infligido em seu corpo. Com as encenações de Camille Choisy consolidou sua
carreira e seus títulos na mídia, os rumores dizem que sua popularidade cresceu tanto que
esse teria sido o motivo da sua demissão pelo sucessor de Choisy, em 1933. Ela retornaria na
década de 1950, numa tentativa de retornar o teatro a sua grandeza inicial.

Paula Maxa e
Camille Choisy

Após sua saída, na década de 1930, abre o teatro “Le Thèâtre du Vice et de la Vertu”, mas
que tem vida curta.
Do realismo sádico ao terror
erótico
Muito do que foi realizado no Grand Guignol foi um desbravamento em águas recém
descobertas, o que começou como naturalismo com críticas à moral se fundiu com o
melodrama e a espetacularização dos medos e desejos que assombravam a humanidade.
Maxa precisava, além de trazer sua potência à cena, executar truques que envolviam olhos
arrancados, gargantas cortadas, cabeças guilhotinadas e tantas outras formas de tortura.

Segundo ela os atuantes andavam na corda bamba que separa a comédia do terror, resultado
da atmosfera tensa, erótica e espetacularizada construída para abordar temas tabus como a
insanidade, o adultério, a vingança ou os crimes violentos das manchetes de jornais.

“A peça tem de ser desempenhada lentamente, como alguém pondera certas


palavras. As pausas e limites são indispensáveis, porque durante essas pausas a
imaginação do espectador está avançando. Desde a minha primeira apresentação,
eu tive de aprender minha profissão asperamente. Geralmente, uma palavra, uma
frase dita um pouco mais rápido, um pouco mais abruptamente, causava uma
risada […] Eu era muito jovem quando fui iniciada pelos atores mais velhos, que
já tinham irrompido na profissão”

Paula Maxa

Quem foi a Princesa de Sangue?


Apesar de ser dotada de muitos epítetos a vida de Maxa é envolta em mistério. Chegou em
1917 ao Beco da Capela, nº20 bis, “Pig Alley”[3], no centro de prostituição do bairro boêmio
onde nasceu, uma garota perdida de apenas 19 anos e sua história se mistura com a reputação
do próprio Grand Guignol, baseada na erotização do terror e na subversão da moral
francesa da época. Antes disso, em 1915, havia atuado em um pequeno papel no filme
seriado Les Vampires, do diretor Louis Feuillade.

Em uma publicação da revista masculina True Confessions, num artigo intitulado “Eu sou a
mulher mais louca do mundo”, Maxa conta uma história de origem digna de um enredo do
André De Lorde[4]. Ela relata que seu namorado, quando ela tinha 15 anos, havia tentado
cortar sua garganta após estuprá-la. Segundo a atriz o acontecido a deixou obcecada por
sangue, uma sede que tentava saciar todas as noites no palco.
Histórias como essa conquistaram o fascínio e atenção de seu público, o que resultou em mais
bilheteria para as peças. Se tornaram lendas do Grand Guignol, assim como o médico de
plantão para dar assistência àqueles que passavam mal ou o cheiro de éter sentido pelo
público durante as cenas em hospitais.

Em seu memoir Maxa relata que, em algumas noites antes do espetáculo, recebia ligações
anônimas de homens que ameaçavam sua vida com os mesmo horrores que interpretava no
palco.

Artigo escrito por Maxa para a revista True Confessions edição n° 39


A verdade é que não se sabe muito sobre sua vida como Marie-Thérèsa Beau, segundo a
mesma ela teve uma infância normal, regrada pela moral cristã que tentava combater a
realidade daquele distrito de Paris. O que pode-se inferir sobre Paula Maxa é que sua
existência poética, o que se sabe sobre ela, é baseado nas suas vivências no Théâtre du Grand
Guignol, foram suas realizações artísticas naquele teatro popular e marginal que a marcou no
tempo como “A mulher mais assassinada do mundo”, aquela que morria todas as noites e era
apaixonada por isso, por fazer as pessoas sentirem choque, medo, tesão e repulsa, esperando
gerar uma reação naqueles corpos que a assistiam.

Paula Maxa faleceu em 23 de setembro de 1970, não se sabe a causa de sua morte.
Paula
Maxa, interpretada por Anna Mouglalis no filme "A mulher mais
assassinada do mundo" (2018)

Atualmente, a existência de Paula Maxa tem sido resgatada, apesar dos teóricos e
historiadores do teatro relegarem o Grand Guignol a um espaço de vergonha e esquecimento
por ter sido um teatro popular de horrores e entretenimento. No filme de Franck Ribière de
2018, “La Femme la plus assassinée du monde”, um thriller de ficção baseado em alguns
fatos reais que tenta dar ao Thèâtre du Grand Guignol seu espaço como nascedouro do terror
no século 20, focando na história de Paula Maxa.

O filme não se propõe a ser um documentário do real, mas navega nas noites guignolescas
dos anos da década de 1930, quando Maxa estava no seu auge e era ovacionada na rua do
Beco da Capela. Apesar de sua narrativa repetir alguns erros do Grand Guignol (como
alimentar o fetiche em assassinatos de mulheres), é uma fonte para o imaginário daqueles
marcados pela existência poética de Maxa e do Grand Guignol.

Muitos se perguntam o porquê da Maxa se permitir viver esses horrores, noite após noite,
para os tabloides sua “sede de sangue” funcionou muito bem. Mas na França da virada do
século, pré-guerra e envolta na crise de fé trazida pela ciência, talvez Maxa quisesse que nos
perguntássemos porquê, noite após noite, os 280 lugares daquele pequeno teatro sombrio se
enchiam para assisti-la morrer de tantas formas.

Muitos desses lugares eram ocupados pela mesma burguesia que condenava aquela região e
suas fontes de entretenimento. É necessário lembrar também que o Grand Guignol era uma
das poucas chances para uma garota nascida em um distrito de bordeis, prostituição e crime e
que desejava ser atuante. Os teatros que ficavam no centro da cidade e contavam histórias que
enquadravam os valores e a beleza burguesa da época pintavam uma imagem na qual o corpo
de Maxa não se encaixava.

Foi ali, contando histórias sobre prostitutas, insanos e pervertidos que Maxa encontrou seus
dons, construiu sua reputação e marcou, e ainda marca, o Tempo. A forma da personagem
feminina vítima criada por sua atuação é usada até hoje no cinema, em filmes de suspense,
como por exemplo os de Hitchcock na década de 1960 ou nos filmes de terror sanguinário da
atualidade. Seus gritos de horror foram a base e ainda alimentam desejos e imaginários.
Desde o primeiro dia em que eu pisei no palco do Grand Guignol eu morri
milhares de mortes violentas, de todas as formas imagináveis. Não há um lugar
no meu corpo que não tenha sido exposto a espasmos de tortura e tremido em
estranhos paroxismos”

Paula Maxa

Notas de rodapé:

● [1] O maior e mais famoso cemitério de Paris.


● [2] Titulo dado as atrizes e personagens icônicas de filmes de terror, geralmente do
subgênero slasher, que se destacam por sua beleza e sua interpretação de “donzela em
perigo” com gritos de pavor.
● [3] Apelido dado por soldados aliados, durante a I Guerra Mundial, ao distrito Pigalle
onde se encontrava o Théâtre du Grand Guignol.
● [4] Dramaturgo francês e principal autor das peças do Grang Guignol, conhecido
como “O Príncipe do Terror”

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