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“Aquele alemão que escreve pra teatro.

Como é que é mesmo o


nome dele?” (Teresinha)
A frase dita por Teresinha, já nos primeiros minutos da peça, indica a intenção
de Chico Buarque em revelar suas fontes. O alemão em questão é Bertolt
Brecht, parceiro de Kurt Weill em a Ópera de Três Vinténs (1928). Segundo a
filha do magnata da baixa prostituição carioca, ele “faz coisas maravilhosas
copiando os outros”. É de Brecht que Chico extrai sua Ópera do Malandro.

Com isso, além de abordar relações de opressão, exploração e corrupção,


discute os aspectos envolvidos em questões como influência artística,
propriedade autoral, legado para futuras gerações e apropriação devida ou
indevida do bem imaterial. Isso, a ponto da canção O Malandro, que abre a
peça, ser uma versão livre da obra de Brecht-Weill que, por sua vez, em sua
“cópia” se apropriam da Ópera do Mendigo, espécie de antiópera criada 200
anos antes por John Gay (1728).

A estreia da Ópera do Malandro aconteceu em 1978, portanto 250 anos depois


da obra de Gay, com a histórica montagem dirigida por Luiz Antônio Martinez
Corrêa. À época Chico declarou seu objetivo em estabelecer um paralelo entre
a crise política-social-econômica que o País vivia naqueles anos com o Estado
Novo de Getúlio Vargas.

Aproveita também para discutir a promiscuidade existente entre a ditadura de


Vargas e o fascismo daquela época. Além disso, comenta a relação existente
entre era da Política de Boa Vizinhança e a década de 1970, quando se via a
retomada de uma certa fascinação americanófila, em geral insuflada pelos
grandes veículos de comunicação da ditadura militar.

Entre Gay, Brecht, Weill e o Chico que se vê hoje, quase trezentos anos se
passaram. Permanecem atuais as questões originais das obras, recolocadas
num mundo globalizado. Segundo Brecht: “O palco deve refletir a vida real. O
público deve ser confrontado com o que se passa lá fora para refletir como
administrar melhor sua vida.”

E como afirma Teresinha ‘e vai demorar meio século pra essa gente se juntar
de novo e levantar a voz... porque a multidão vai estar é seduzida!’

“Eu só sei ler em letra de fôrma...” (Shirley Paquete)


Pequeno glossário da Ópera.
Anjo Azul – filme alemão de 1930, estrelado por Marlene Dietrich, sobre um
professor que se apaixona por uma cantora de cabaret.
Bater as botas – morrer.

Benê Mesbla – o personagem conhecido por Big Ben (porque vende relógios)
é depois chamado de Benê Mesbla, devido a um dos marcos visuais do RJ – o
famoso relógio da Mesbla, instalado em 1955.

Bertolt Brecht – dramaturgo alemão, autor de A Ópera de Três Vinténs que


inspirou Chico Buarque a escrever a Ópera do Malandro.

Bola preta – celebrizada pelo colunista social Ibrahim Sued, a expressão “levar
bola preta” refere-se à prática de clubes aspirantes à maçonaria, em que um
grupo seleto tem a prerrogativa de depositar, em urnas, bolas brancas, em
sinal de aprovação, e bolas pretas, de reprovação. Um mínimo de bolas pretas
garante a negativa ao ingresso; quanto mais exclusivo o clube, mais
implacável. Vitória diz que vai ‘levar bola preta até no Bangu’.

Brotinho – jovem bonita.

Butique dos Arcos – termo utilizado por Duran e Vitória para designar seus
bordéis, neste caso, o bordel no Bairro da Lapa, onde se encontram os
famosos Arcos do aqueduto.

Carne embaixo do angu – a expressão pode ser também “caroço nesse angu”
e significa algo escondido, algo surpreendente.

Cassino da Urca – a peça se peça se passa ainda sob o Estado Novo, período
do governo de Getúlio Vargas em que os Cassinos eram referência dos shows
da cidade. O Cassino da Urca era o mais luxuoso da época.

Chateaubriand – Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, ou


Assis Chateaubriand, ou Chatô. O paraibano, foi um dos homens públicos e de
comunicações mais influentes no Brasil entre as décadas de 1930-60.
Fundador dos Diários Associados.

Confeitaria Colombo – elegante e centenária confeitaria carioca, símbolo da


elegância e sofisticação das primeiras décadas do século XX, reunia senhoras
para chás.

Conto de Réis – o ano de 1942 foi o último em que o mil-réis foi moeda oficial
do Brasil, sendo substituída pelo Cruzeiro. Um conto de réis era a expressão
adotada no Brasil e em Portugal para designar um milhão de réis.

Coty – famosa marca de perfumes.

Cruzeiro – famosa revista semanal, totalmente ilustrada, voltada


essencialmente para o colunismo e futilidades.
Curuminha – curumim, em tupi, quer dizer menino pequeno, garoto. Portanto,
por decorrência, curuminha viria significar menina, garotinha.

Da pontinha – a expressão completa é “da pontinha da orelha”, vem


normalmente acompanhada com um gesto do polegar e o indicador prendendo
o lóbulo, para indicar que algo é bonito, é um brinco!

DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público.

Degas – sujeito importante, que domina um assunto.

Diamante negro – apelido do jogador carioca Leônidas da Silva, também


conhecido como Homem Borracha; entre outros times, o jogador teve
passagem pelo Vasco da Gama nos anos 1930.

DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão da Ditadura Vargas


responsável por tudo que saía na imprensa em nos veículos de comunicação –
exercia uma espécie de censura.

Doris Palmer – nome de uma atriz estadunidense nascida em 1922 e que teve
certa popularidade nos anos 1940. É curioso notar como Chico Buarque explica
a decadência da prostituta a partir do nome Palmer, que passa a Dóris Palmito
e, finalmente, a Dóris Pelanca.

Estádio de São Januário – estádio de futebol pertencente ao Clube de


Regatas Vasco da Gama, inaugurado em 1927.

Filipinho Mata-rato – a brincadeira do autor com a empresa fabricante de


cigarros Phillip Morris é associada ao termo mata-rato, normalmente usado
para cigarros que fediam.

Falsa magra – era a gostosa, a boazuda; magra, mas curvilínea e recheada.

Filipetas – na década de 1950 um certo Felipe, estelionatário, comprava carros


a prazo e imediatamente os revendia à vista. Por menos. Na contabilidade de
cada transação tinha prejuízo. Mas saía dela com dinheiro no bolso, enquanto
deixava para o otário, um maço de promissórias, as felipetas. O trocadilho
combina "Felipe" com "petas", que, na gíria da época, significava "mentira".

Fita da Paramount – termo utilizado para designar os filmes produzidos por


esse grande estúdio de cinema.

Gaiola – termo utilizado para as embarcações que levavam os migrantes


nordestinos para a Amazônia ou para Sudeste brasileiro, via Rio São
Francisco.

Gangsters – nome dado àquele que faz parte de uma gang ou um bando. O
termo se popularizou no cinema, graças aos filmes ligados ao período referente
à Lei Seca nos Estados Unidos.
Geraldino Elétrico – é o nome real do personagem tratado por General
Electric.

Gripe espanhola – pandemia que atingiu todo o planeta no ano de 1918-19 e


dizimou perto de 30 milhões de pessoas em todo o mundo.

Guinle – tradicional família carioca proprietária do Copacabana Palace, mais


luxuoso hotel carioca no período.

Homem-rã – termo usado para designar mergulhadores ou escafandristas.

IAP – Instituto de Aposentadorias e Pensões, criado nos anos 1930.

IAPTEC – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e


Transportes de Cargas. O IAPTEC foi criado durante o Estado Novo de Getúlio
Vargas e expandiu suas áreas de atuação.

Jacinto de Thormes – pseudônimo adotado pelo jornalista Maneco Müller,


pioneiro do colunismo social brasileiro.

Joan Crawford – grande atriz e femme fatale do cinema hollywoodiano; Max


sugere que se fosse para ser acusado de casamento, que fosse com Joan
Crawford.

Joãozinho Pedestre – brincadeira que o autor faz com o nome do whisky


Johnnie Walker.

Juju e Balangandãs – a marchinha de carnaval Joujoux e Balangandãs é uma


composição de Lamartine Babo para o carnaval de 1939. Na peça, Vitória faz
alusão ao espetáculo beneficente promovido pela Primeira Dama do País,
Dona Darcy Vargas.

L Corbusier – Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido pelo


pseudônimo de Le Corbusier, foi um arquiteto, urbanista e pintor. Nascido em
1887, de origem suíça, mudou-se para a França aos 29 anos. É responsável
pelo conceito urbanístico da Unidade de Habitação, proposta para a
reconstrução da França após a II Guerra. Influenciou muito o trabalho de
Niemeyer.

Le tout Rio – todo o Rio (de janeiro); equivale dizer: todo mundo que interessa.

Mangue – com o desembarque de mulheres do leste europeu em fuga


da Primeira Guerra Mundial, pobres e sem os maridos, nasce a Zona do
Mangue, próxima à atual Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio.

Minete – as prostitutas se referem a outras ‘colegas’, entre elas está Bete


Minete. O termo vem do francês minet e significa a prática do sexo oral no
órgão genital feminino com a língua ou lábios; o mesmo que cunnilingus.
Mula – doença infecto-contagiosa causada pela bactéria chlamydia
trachomatis.

Nylon – fibra sintética inventada em 1935, patenteada pela Dupont e que que
se tornou febre mundial.

Paquete – assim como os malandros de Max, as ‘funcionárias’ de Duran têm


nomes curiosos e Shirley Paquete é mais um deles. O termo ‘estar de paqute’
surgiu ainda no século XIX, quando os navios (paquetes) chegavam
mensalmente, no mesmo dia, e passou a ser associado à menstruação
feminina.

Pegar jacaré – é quando se entra de peito em uma onda abandonando o corpo


para que seja levado até a praia. Praticamente um surfe de peito.

Pelego – expressão usada para designar sindicatos de trabalhador ‘vendidos’


ou mancomunados com sindicatos patronais.

Polacas – o tráfico de mulheres brancas na Segunda Guerra trouxe muitas


mulheres judias pobres e sem dotes (algumas prostitutas) que ficaram
conhecidas como polacas.

Rádio Nacional – a famosa emissora era veículo para os cantores e cantoras


do rádio e, claro, para as radionovelas.

Rapé – fumo ou tabaco em pó para se inalar, muito comum no Brasil até


meados do séc. XX.

Rio da Guarda – no governo de Carlos Lacerda no Estado da Guanabara


(1960-65) foi divulgado que policiais assassinavam os mendigos que
perambulavam pela cidade e jogavam seus corpos ao rio da Guarda, afluente
do rio Guandu. Vitória diz que quer ver o corpo de Max boiando no Rio da
Guarda.

Roy Rogers – Max usa o nome do famoso cantor e ator estadunidense –


popular por se vestir sempre de cowboy – para zombar com Chaves.

SAPS – o Serviço de Alimentação da Previdência Social foi criado em 1940


como órgão mantido pelos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões
(IAP) nas estruturas do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC).
Pioneiro na história de refeições popularesno Brasil, o SAPS compunha a
política de assistência social do governo Getúlio Vargas (1930-1945) e
configurou-se como um benefício previdenciário voltado exclusivamente para
trabalhadores urbanos organizados e sindicalizados.
Shalimar – criado em 1925 pelo perfumista Jacques Guerlain, é,
historicamente, um dos perfumes mais importantes já desenvolvidos com notas
de baunilha e labdanum. 

Suadouro – tipo de golpe usado por prostitutas, acompanhadas ou não, que


consiste em embebedar o cliente e leva-lo para um lugar afastado para que
possa lhe roubar.

Troca-troca – prática de iniciação sexual entre garotos em que as liberdades


são tomadas um com o outro, passo a passo, igualitariamente.

Tubão – outro termo associado a um nome das prostitutas de Duran, Dorinha


Tubão; o significado reporta a uma bebida alcoólica à base de cachaça e
groselha (ou qualquer outro xarope ou refrigerante).

Uva – aquilo que é bonito, uma graça, enxuto.

Voz do dono – em 1929, nasce a RCA Victor, o mais antigo selo fonográfico
da América. O personagem General Electric oferece um gramofone ao Inspetor
Chaves e o chama de ‘a voz do dono’. Isso por que a RCA Victor era
identificada pelo famoso cachorro que olha para um fonógrafo e escuta a
chamada Voz do Dono – His Master's Voice.

Viúva Alegre, A – opereta de 1905, composta pelo austríaco Franz Lehár.

Xavier Cugat – maestro catalão-cubano, um dos pioneiros na popularização da


música latina nos Estados Unidos; com Carmem Miranda e outros artistas
hispânicos, fez parte da política de boa vizinhança que vigorava na época
envolvendo os Estados Unidos e os países das Américas Central e do Sul.

Zepelin – tipo de aeronave – dirigível – em formato fálico.

Zona – palavra que designa área de prostituição; zona de meretrício.

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