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Classe operária e literatura: Ensaios sobre as Representações e os fenômenos de

Aculturação (França, Séculos XIX e XX)


Diana Cooper-Richet

A autora: Historiadora, pesquisadora do Centro de História Cultural das Sociedades


Contemporâneas da Universidade de Versalhes Saint-Quentin-en-Yvelines. Líder da rede de
pesquisa TRANSFOPRESS (http://transfopresschcsc.wix.com/transfopress) para o estudo
da imprensa estrangeira.

Seu trabalho atual concentra-se na circulação de pessoas e idéias na Europa e nas


Américas no século XIX. É titular da cadeira de história na Universidade Estadual Paulista
(UNESP) em São Paulo.

Primeira Parte: Os operários na Literatura Francesa antes e depois de Germinal, de Émile


Zola: Presença e representações.

1 - Presença do Povo e dos Operários na Literatura Antes da Revolução Provocada


pela Publicação de Germinal em 1885.

-Até o século XVIII, as classes populares não apareciam na literatura.


Contexto da industrialização, provocam mudanças importantes nos temas abordados pela
literatura.

Novos leitores proveniente das classes populares e engajados na vida política.

literatura acessível = Jornais/ Almanaques.. já não eram mais direcionados apenas às


elites.

Publicação de Folhetins: Cada capítulo do folhetim termina de forma a prender o leitor para
que continue comprando os volumes seguintes do Jornal, forma diferente do romance até
então. Muitos romances eram publicados primeiramente na forma de folhetim.

Fim do Século xix - 95% dos romances eram publicados primeiramente na Imprensa

Vantagens do folhetim - Publicação de baixo preço/ aumento do público leitor alcançado/

O romance que circula nos folhetins é o Romance Realista, sentimentais e muitas vezes de
tendência dramática, (p33) desde a segunda metade do século XVII na França.
Preocupa-se com o realismo na descrição da sociedade.
- Balzac
- Alain René Lesage
- Gustave Baba
- Frédéric Soulié
- Émile Souvestre
- Aurore Dupin (George Sand) - Autora dos dois primeiros livros que ambientam sua
trama no mundo do trabalho, são eles: O moleiro de Angibaut (1845) e A cidade
Negra (1861), assim como Zola a autora visitou os locais sobre os quais escreve e
descreve traz para o romance as tensões entre os patrões e trabalhadores.
-
“ A veia social já está presente na literatura desde a primeira metade do século XIX, quando
o povo passa a ter uma existência romanesca” p.35

Antes de Zola o tema das minas e dos mineiros já era popular na literatura Francesa
no entanto Germinal provoca uma verdadeira revolução no tema ao colocar em cena a luta
de classes, entre o capital e o trabalho de forma muito mais ousada e evidente que seus
predecessores.

Obras Anteriores sobre o trabalho em minas:

- Os Mineiros de Polignies, Elie Berthet,1866


- Les drames de L’Internacionale, Pierre Zaccone, 1872
- As Índias Negras, Jules Verne, 1977
- Grisu, Maurice Talmeyr, 1880
- Cenas do Inferno Social. A família Pichot, Yves Guyot, 1882
- Plebeia, Georges Maisonneuve, 1884

Como e porque a mina e os mineiros se tornaram temas literários?

Segunda metade do século XIX a indústria de extração de hulha, carvão, é uma indústria de
base que fornece energia e matéria prima para o funcionamento de várias outras que
satisfazem as necessidades da sociedade de consumo. Indústria carvoeira necessita
sempre de grandes instalações para o funcionamento, ferrovias e grande quantidade de
mão de obra, “em 1850, 33 mil mineiros lá trabalharam; eles serão 110 mil em 1857 e 150
mil em 1913”. p.35

Os cafés e botequins eram o ponto de reunião dos mineiros, onde estes bebiam e discutiam
política, lugar de ponto de encontro dos sindicatos que surgem por volta de 1880

Sentimento de pertença forte entre os mineiros, que se torna mais forte ainda perante as
catástrofes que abatem com enorme regularidade esses trabalhadores.
Quatro perigos constantes: Os Incêndios, os desmoronamentos, as inundações e o gás
grisu.

Ameaças e salários modestos levam os mineiros franceses a se revoltarem diversas vezes


ao longo do século XIX.

Essa realidade do trabalho nas minas e as revoltas de seus trabalhadores serve de


inspiração renovadora para a literatura popular na época.

Estereótipos da “Literatura Mineira” antes de Germinal:


- Os acidentes e catástrofes com efeitos dramáticos.
- O acidente criminoso
- A Cor negra predominando do cenário em geral, tanto nas minas quanto fora delas
- Os amontoados conjuntos habitacionais, cuja modéstia das casas contrasta com as
mansões dos engenheiros e diretores.
- O barulho típico desse tipo de lugar, um barulho ensurdecedor, vindo das máquinas
a vapor que arejam as galerias.
- A greve, que silencia todo esse ruidoso ambiente, lutas travadas contra os dirigentes
- O trabalho das mulheres no interior das minas
*** Uma originalidade no romance de Zola são os burgueses se aventurando no interior da
mina e o contraste entre a vida destes e dos trabalhadores que são retratados muitas vezes
em paralelo pelo romance.
2 - A revolução Germinal, A legitimação do Operário pela Literatura.

Na Alemanha Inglaterra e bélgica já existia uma literatura considerável sobre o tema da


mina, mas essa literatura tinha diferentes finalidades. Alguns traziam um cenário no qual
reinava a paz social, perturbado apenas por elementos exteriores, e outros, faziam uma
denúncia das condições de trabalho e passavam uma mensagem de engajamento.

Inspirações em Germinal tiradas de romances predecessores:

De Elie Berthet - A Idéia de catástrofe premeditada e criminosa e alguns personagens


como o patrão da mina e sua filha.

De Maurice Talmeyr - A localização da Mina perto da vila de Marchiennes e os casos de


amor no maina, que tornam se até um ponto de divergência entre os dois autores.

Paul Heusy e Yves Guyot - Inspiração para alguns personagens e a oposição entre o capital
e o trabalho.

Trabalhos de divulgação científica, como o livro técnico sobre o trabalho nas minas “A vida
subterrânea. A mina e os Mineiros” do Engenheiros Louis-Laurent, que descreve vários
aspectos do trabalho na mina.

Tratado de Topografia Subterrânea do engenheiro Dormoy que lhe fornece detalhes sobre a
geologia da jazida mineradora.

Tratado Prático de Doenças e Deformidades dos Mineiros do médico Belga Boens-


Boisseau.

Após a pesquisa bibliográfica Émile Zola resolve partir para a realidade Visitando a mina de
Anzin por ocasião da greve dos mineiros em 1884 - onde visita os conjuntos habitacionais e
participa de algumas reuniões sindicais.
Realizando uma descida ao interior da mina na Fossa Renard a mais de 675 metros,
acompanhado dos engenheiros.

Registros no caderno de Anotações, nos quais as notas sobre a mina ocupam mais de 40
páginas.

Conversas com Laurent, um dos operários da mina visitada por Zola. Laurent fornece a
ele detalhes preciosos sobre a vida dos mineiros, como as diversões, os jogos de Críquete
(Jeu de la Crosse), as brigas de galo, as competições de tentilhões.

Laurent descreve também a jornada diária do carvoeiro

A questão do alcoolismo

A vida das mulheres - manter a casa limpa,conversas com as vizinhas, etc


A questão de algumas vezes a família ter um pensionista na casa como forma de aumentar
a renda.

Os rituais, a religião - Comunhão, casamento, as festividades religiosas eram desprovidas


de fervor.

O vestuário, alimentação e economia na casa do mineiro que estava sempre endividado e


não gasta nada com as crianças. De modo que Zola pouco inventa de fato no romance
sobre os aspectos cotidianos da vida dos mineiros.

Conversas com O Engenheiro Lévy, sobre aspectos técnico, topográficos e relativos a


administração hierárquica da mina,

Como é feita a preparação das galerias para exploração

O cálculo dos pagamentos

A organização das Empreitadas, equipes de exploração

O Título do romance vem sobre uma menção no Grand Dictionnaire Universel du XIX
Siècle, sobre o dia de 12 de Germinal do calendário revolucionário, um motim que terminou
em tragédia no qual o povo gritava por “pão e constituição”.

O romance começa a ser escrito em 2 de abril de 1884


Publicação é anunciada em 18 de Setembro de 1884, no Le Figaro
O primeiro capítulo aparece em folhetim em 26 de Novembro
Publicado em 25 de Fevereiro de 1885

Romance é um marco na literatura sobre as minas, Zola queria denunciar uma verdadeira
tragédia social
Apropriação do texto pelo público: Primeiramente sem muito sucesso devido a censura, na
forma de apresentação teatral. em 1888.

Os carvoeiros se apropriam do romance, uma das mais marcantes demonstrações dessa


apropriação acontece em 5 de Outubro de 1902 no funeral de Émile Zola, uma delegação
de trabalhadores da minas de Denain e Hénin-Liétard seguirán o cortejo Fúnebre do
romancista tocando e aos gritos de “Germinal”

“Graças a Zola, os trabalhadores subterrâneos se tornam um tema literário legitimado e


legitimador” p.69

O livro inspira algumas obras cinematográficas no início do século XX e ganha algumas


adaptações diretas para o cinema:
- 1913 = de Albert Capellani, longa metragem de 140 minutos
- 1963 = de Yves Allégret, cineasta engajado com a esquerda
“Germinal ainda hoje representa, para os leitores de todos os níveis, e para os próprios
mineiros,o espelho de suas lutas e suas glórias completas. Ele carrega em si o testemunho
da existência a de força dessa entidade quase desaparecida na Europa. [...] Ele é a causa
de uma verdadeira revolução cujos efeitos não foram mensurados, nem pelos melhores
especialistas, sobretudo no que se refere aos mineiros. Estes mais do que todos os outros
operários de qualquer profissão, tiveram, depois de Germinal, o desejo de pegar na caneta
e falar das dificuldades da própria vida.” p.72

3 - A Mise- em- Scène Literária do Mundo Operário de Germinal

A autora faz nesse último capítulo uma apanhado sobre as representações da classe
operária francesa no final do século XIX e início do XX, onde podemos destacar alguns
pontos:

Na literatura do fim do século XIX, os pobres são aqueles que não se integram na
sociedade, os mendigos, vagabundos, desocupados, andarilhos,etc, descritos como
revoltados contra a sociedade onde reina o dinheiro e a desigualdade.

São representados na literatura como pessoas fatigadas, que comem uma refeição por dia,
casas que deixam a desejar, consciência de pertencimento a uma classe

Necessidade de lutar contra todas as opressões de que são vítimas p.78

Primeiros Romances se desenvolvem em torno da empresa têxtil

A publicação de Germinal inspira diversos autores a escrever usando essa mesma linha de
pensamento de detalhe descritivo do ambiente que há no romance de Zola

Literatura engajada sobre os temas da mina traz ao conhecimento dos leitores a realidade
de vida e os males dos que sofrem essas populações.
O personagem do operário toma a literatura e mais tarde vai inspirar o cinema.

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