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HISTÓRIA DA MODA NO BRASIL

ANOS 1940
O Brasil na Segunda Guerra

• Para acelerar a industrialização, Vargas não hesitou em jogar com as


profundas divisões que dilaceraram a cena internacional. Fez acenos
tanto para alemães como para os americanos, a fim de obter vantagens
comerciais e investimentos em troca do apoio brasileiro no confronto que
se armava. Quando, em 1939, este se transformou em guerra mundial,
Vargas aliou-se aos Estados Unidos, dos quais recebeu uma grande
siderúrgica. Em 1942, soldados brasileiros foram iniciados para combater
na Europa, ao mesmo tempo que se iniciavam as obras da siderúrgica de
volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro. (CALDEIRA, 1997, p. 285)
Menino 23
• O Partido Nazista chegou a ter
seções em 83 países fora da
Alemanha, a maior delas no Brasil.
Ao narrar a trágica história de
escravidão de negros em uma
fazenda nazista de São Paulo, o
documentário “Menino 23” mostra
como o partido se estabeleceu no
país em diversas cidades e difundiu
suas ideias graças, entre outros, à
boa relação entre o governo de
Getúlio Vargas e o Reich.
Disponível no YouTube.
A moda
• Os anos 1940 seguiram um percurso peculiar, como era de se supor diante
dos fatos. Mas não se imaginava que a tragédia causada pela guerra iria se
tornar referência estética para a moda que aliás, foi adotada pelos países
aliados. (CHATAIGNIER, 2010, p.120)

Desfile de moda com modelos britânicas no Hotel Copacabana Palace em 19 de


maio de 1941.
• Se a Primeira Guerra Mundial já havia provocado
uma redução das formas, durante a Segunda
Guerra houve uma simplificação do desenho das
roupas que as beiraram o utilitário. As restrições
econômicas nos países da Europa impuseram
novos desafios aos processos de fabricação: ao
mesmo tempo em que racionalizaram a produção,
necessitavam vestir grandes grupos de pessoas.
As fábricas se voltaram para a produção de
uniformes militares e algumas empresas
investiram nas formas rígidas e cores sóbrias dos
uniformes, numa referência clara ao estilo
mulheres-soldados.
Fonte: Revista “A Cigarra Magazine”,
nº108, março de 1943.
• Revista A Cigarra, fundada em 1914, foi comprada pelos Diários Associados de Assis
Chateaubriand, em 1933, e passou a ser distribuída dentro da célebre revista
semanal O Cruzeiro. Seu Suplemento feminino era voltado para uma mulher mais
madura. Em dezembro de 1944, a revista afirma que “a palavra de ordem, no
momento, é: poupança de tecidos. Embora parcimoniosos, quanto ao material, os
atuais vestidinhos rejuvenescem e adornam”.
• A escassez de tecidos durante a Segunda Guerra
Mundial reduziu a quantidade de tecido das
roupas.
• Com a economia de tecido, os paletós e os casacos
ficaram ajustados, e as saias igualmente justas, a
saia lápis.
• A silhueta feminina era sóbria com inspiração em
uniformes, valorização das linhas retas, com a
cintura suavemente marcada e os ombros
estruturados.
• Usava-se o tailleur em tons escuros, algumas vezes
diferenciavam a cor do paletó com a saia.
• Durante a guerra, havia escassez de seda para as
meias, após o conflito, o náilon começou a
substituir as sedas para meias.
Revista Fon-Fon, junho 1940.
• Calçados saltos plataforma maciços
(Anabela).
• Penteados montados com chumaços
altos feitos com enchimento de
cabelos naturais.

Revista Fon-Fon, junho 1940.


Av. Atlântica (Hotel Copacabana Palace), 1941.
• Cores: preto, marinho, marrom, verde oliva, cinza, branco e gamas de
pastel. A combinação de vermelho, azul e branco tornou-se moda global.
• Estampas: flores pequenas sobre fundo branco, listrados, escoceses e
póas.
• Joia Rara foi uma novela exibida pela Rede Globo no horário das 18
horas, entre 2013 e 2014. Com Bruno Gagliasso, Bianca Bin, Carmo
Dalla Vecchia, Carolina Dieckmann, Domingos Montagner, Nathalia
Dill, Mel Maia e Nelson Xavier. Figurinista Marie Salles.
O maiô de duas peças
O Biquíni
• O lançamento do biquíni na Europa foi em julho de 1946 por Louis Régard, um
engenheiro mecânico suíço, que se lançou como designer de roupas de banho.
• Mas, a moral dos anos 1940 impôs muitos limites ao uso do biquíni. No Brasil
apenas as vedetes e as mais ousadas, como as irmãs Etz, alemãs que viviam no
Rio, exibiram a novidade em 1948 na paia do Arpoador.

Micheline, uma dançarina nua


no Casino de Paris, apresenta
pela primeira vez a criação de
Louis Régard: o biquíni.
Malandro Carioca
• A figura do Malandro Carioca repercutiu
na formação da identidade nacional e
constitui um elemento fundamental na
definição do estilo boêmio entre os anos
1920 e 1940. Com o crescimento da
indústria fonográfica, da radiofonia e do
teatro de revista, o samba torna-se um
símbolo da cultura nacional e a figura do
Malandro desloca-se da marginalidade
para a identidade social.

Desenho de Cecília Meireles, 1933.


• Os malandros transitavam além da Lapa, na Cidade Nova, antigo Rocio
Pequeno, onde existiam zonas de prostituição, e no bairro do Estácio,
tradicional reduto de samba.

Praça Onze, em 1939, a princípio denominada de "Largo do Rocio Pequeno“, reunia negros e judeus, foi demolida a partir de
1941 para dar passagem à Avenida Presidente Vargas.
Madame Satã,
João Francisco dos Santos
(1900-1976).
Lázaro Ramos no filme
Madame Satã, de 2002,
dirigido por Karim Aïnouz.

• Sobre o traje tradicional do Malandro Carioca, de terno e sapato brancos e


camisa listrada, a vestimenta ia além do estereótipo. Como relata o
malandro Madame Satã “E daquela vez vestia uma camisa de seda
estrangeira de 3.000 réis e calças almofadinhas de 3.500 e chinelo cara de
gato 2.000. O fino da moda” (PAEZZO, 1972, p.03).
• Franceschi (2010, p.58) descreve o sambista Brancura, figura lendária das
rodas de malandragem, como muito vaidoso em seu terno de linho
irlandês SS -120, sapato, meias, camisa e gravata, todos brancos. Mais
adiante o autor comenta sobre o narcisismo do compositor Ismael Silva
em seus ternos de linho irlandês SS -120 impecavelmente engomados,
imagem autenticada em entrevistas dadas pelo próprio Ismael Silva.

Ismael Silva
• Constata-se que com o Estado Novo, a figura do malandro desloca-se da
marginalidade para a formalidade:
“Malandro de antigamente, malandro autêntico, era homem até certo
ponto honesto, cheio de dignidade, consciente de sua profissão. Vivia
sempre limpo, usava camisa de seda-palha com botões brilhantes,
gravata de tussot branco e sapato tipo carapeta (salto mexicano). Na
cabeça chapéu de panamá de muitos contos de réis. Os dedos cheios
de anéis (DURST, 1985, p.10 -11)”.
Ópera do Malandro é um filme
brasileiro de 1986, do gênero musical,
dirigido por Ruy Guerra.
Nos anos 40, malandro elegante (Edson
Celulari) e popular figura do boêmio
bairro carioca da Lapa, explora cantora
de cabaré (Elba Ramalho) e vive de
pequenos truques enganadores. Até
que surge Ludmila Struedel (Claudia
Ohana), a filha do dono do cabaré, que
pretende tirar proveito da guerra
fazendo contrabando.
Música Desafio do Malandro, de Chico Buarque, no filme Ópera do Malandro,
de 1986, dirigido por Ruy Guerra.
• Com Paris ocupada pelos alemães, as referências dos figurinos das atrizes
cresce mais ainda. Influência reforçada através do marketing promovido
pelas distribuidoras americanas instaladas no Brasil.

A cantora e atriz Laura Suarez na capa da revista Carmen Miranda na capa da Revista O
Carioca , 27 de setembro de 1941. Cruzeiro, 20 de junho de 1940.
Páginas da Revista O Cruzeiro, no. 29, 17/05/1941.
• Nos anos 1940 as cópias da última moda provinham de duas fontes
distintas: a do cinema, jornais e revistas mais acessíveis a todos e a da
peça autêntica comprada na Europa por mulheres endinheiradas e com
gosto refinado. Os modelos dessas consumidoras serviam de inspiração
para amigas e costureiras que, sem culpa, copiavam os volteios da moda.
Dentro dessa segunda opção de cópia, havia a mais radical, perfeita e sem
possibilidades de erros: o comerciante experiente comprava em Paris o
que achava que teria bons resultados comerciais (peças de atacadistas e
mais populares) e fazia as cópias no Rio de Janeiro. (CHATAIGNIER, 2010,
p. 123)
A Casa Canadá
• Porém o grande e charmosos negócio que extrapolou as
opções tímidas dos comerciantes nasceu justamente no
período da guerra, em 1944, a Casa Canadá. A fina
modista Mena Fiala, que já possuía experiência nas
artes da moda, nascida e criada em Petrópolis – onde
vestia as socialites da época que iam a cidade imperial
passar verões -, recebeu o convite do proprietário da
empresa Jacob Peliks, para trabalhar com ele. O
estabelecimento ficava numa sobreloja e era uma
peleteria de luxo, a qual vendia, consertava, reformava
e guardava as peles mais chiques do país, e sacos de
mink, marta, hermínia e outros animais em geladeiras
apropriadas para a conservação dos ainda não proibidos
animais selvagens. (CHATAIGNIER, 2010, p.123)
• A loja situava-se na Avenida Rio Branco, esquina com a Rua da Assembleia,
segundo piso. D. Mena iniciou-se lá pela venda no atacado, ou seja,
quantidade significativa de peças dos mesmos modelos revendidos para o
comércio de varejo chique. Todos os modelos eram importados da Suíça,
país com o qual eram mais fácil negociar, uma vez que tinha posição
neutra na guerra. As roupas destinavam-se às lojas mais finas do Brasil,
em diversos estados. Os negócios prosperaram, e o Sr. Peliks criou uma
loja de estilo no mesmo local, na verdade uma maison. (CHATAIGNIER,
2010, p.123)
• D. Mena formou um grande ateliê com 70 costureiras, modelistas,
bordadeiras e acabadeiras. Ali se construía um prêt-à-porter de luxo,
tendo como base roupas legítimas (...) copiados literalmente ou então
através de interpretações fiéis às peças criadas pelos papas da alta-costura
francesa. (CHATAIGNIER, 2010, p.123)
Jacob (Jack) Peliks admira as peças da Casa Canadá.
Comunicado do Sr. Jacob (Jack) Peliks, fundador da Casa Canadá,
publicada num jornal carioca nos anos 1940.
• Não demorou para que D. Mena
Fiala criasse desfiles na Canadá.
Aconteciam em duas temporadas,
ou seja, outono-inverno e
primavera-verão (...) As modelos,
eram elegantes e todas com cintura
60 cm: Ilka Soares, Adalgisa
Colombo, Myrthes Varanda, Maria
Gracinda, Norah, Helga e outras
belas. (...)
• A Casa Canadá fechou em 1966 com
a morte do proprietário. D. Mena
morreu em 2001. (CHATAIGNIER,
2010, p. 123-24)
Carmen Miranda
• O que é que a baiana tem? O refrão da música que se eternizou pelo
talento e glamour de Carmen Miranda esconde muita coisa (...) além de
um figurino que enlouqueceu os americanos através de shows e filmes
realizados em Hollywood a partir do final dos anos 1930, com o apoio dos
governos dos dois países que praticavam na época a chamada “política da
boa vizinhança”. Mas o que ela exibia e cantava era uma espécie de ode
brasilianista, um estilo que escondia as agruras da guerra, ainda que fosse
encomendado pelos big shots da indústria fonográfica e cinematográfica.
(CHATAIGNIER, 2010, p.125)
Música "Chica Chica Boom Chic“, interpretada por Carmen Miranda e Don Ameche no
filme Uma Noite no Rio, de 1941, dirigido por Irving Cummings. O ator americano faz a
seguinte saudação: "Meus amigos, dirijo felicitações as nossas relações sul-americanas.
Não podemos esquecer os laços que nos unem. Cento e trinta milhões de pessoas
enviam os cumprimentos a vocês”.
• Considerada no exterior como embaixadora do Brasil, a portuguesa
Carmen, brasileira de corpo e alma, foi a criadora de suas roupas
profissionais (...) e que teve como parceiro o dedo iluminado de Alceu
Penna, o desenhista de As Garotas, página de moda e comportamento
publicada semanalmente na revista O Cruzeiro. (CHATAIGNIER, 2010,
p.125)

A máquina de costura era como uma grande


amiga. Bordava até de madrugada. "É uma
verdadeira terapia. Acalma meus nervos. Se
me sentar à máquina, já com um vestido bem
bolado, sou a criatura mais feliz do mundo",
garantia.
Fonte: http://www.carmenmiranda.com.br/
• O traje de baiana foi seu grande trunfo e, a
partir desse momento, a baiana tornou-se a
fantasia de carnaval mais usada no país.
Carmen reeditou, estilizou e glamourizou a
fantasia: inventando saias justas com
babados de tule embaixo, colocou a barriga
de fora, criou imensas mangas
embabadadas, turbantes drapeados,
enfeitando-os com abacaxis, bananas e
cajus, confeccionados em feltro por Alceu,
para não pesar na sua cabeça.
(CHATAIGNIER, 2010, p. 125)
• Capítulo à parte foram as bijuterias, nas
quais predominavam os balangandãs,
além de colares, pulseiras em aljôfar
(aljofre) dourado. Argolas imensas como
brincos, inspiradas nas antigas baianas e
rezadeiras de candomblé, davam o tom
afro-brasileiro às peças.
• Carmem complementava seus trajes com tecidos que tinham o seu brilho,
como lamê, renda e cetim.
Carmen, em 1944, com sua coleção de plataformas de 20cm, somados aos
turbantes tropicais davam-lhe um pouco mais de altura, ela tinha 1,52cm.
• Em sua vida pessoal, Carmen usava roupas elegantes e francesas
assinadas pelos grandes costureiros, privilegiava vestidos de noite
drapeados em jérsei e tailleurs bem cortados com cintura marcada e saia
justa.
• Certos detalhes do seu figurino inspiraram o prêt-à-porter americano e
mesmo nacional, como shorts brancos com barriguinha de fora vistos em
Copacabana e seus chapéus de grife copiados pelas chapeleiras da Rua do
Ouvidor. Já as bijuterias agradaram às americanas e às francesas.
(CHATAIGNIER, 2010,p.125)

Fonte: http://www.carmenmiranda.com.br/
Aquarela do Brasil é um dos quatro segmentos do longa de animação Alô Amigos,
produzido pela Disney, 1942.
Referências Bibliográficas
BRAGA, João, e PRADO, Luís André do. História da Moda no Brasil: das influências às
autorreferências. São Paulo: Pyxis Editorial, 2011.
CALDEIRA, Jorge, e outros. Viagem pela História do Brasil. São Paulo: Editora Schwarcz,
1997.
CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. São Paulo: Estação das Letras e Cores,
2010.
DURST, Rogério. Madame Satã: com o diabo no corpo. São Paulo: Brasiliense, 1985.
FRANCESCHI, Humberto M. Samba de sambar do Estácio: 1928 a 1931. São Paulo: Instituto
Moreira Salles, 2010.
MEURER, Monike. Modas e modos: a feminilidade na revista A Cigarra nos anos de 1940. In:
Colóquio de Moda, 8º. 2012. Anais. Disponível em
<http://www.coloquiomoda.com.br/anais/anais/8-Coloquio-de-
Moda_2012/GT06/COMUNICACAO-ORAL/102543_MODAS_E_MODOS.pdf> Acesso em 14
set. 2016.
PAEZZO, Sylvan. Memórias de Madame Satã. Rio de Janeiro, Lidador, 1972.

Prof. Flávio Bragança

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