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A VIDA URBANA

NO BRASIL,
SEGUNDO DEBRET
Pensando a escravidão no Rio de Janeiro
Retirado do site da Professora Joelza
Domingues “Ensinar História”.
DEBRET: ARTISTA
O francês Jean-Baptiste Debret viveu no Brasil entre 1816 e 1831.
Registrou em dezenas de aquarelas e em notas pormenorizadas o que
conheceu no Brasil daqueles anos. Suas gravuras mostram cenas e
paisagens urbanas e rurais do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São
Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Segundo o historiador
Jaelson Bitran Trindade, é provável que Debret não tenha saído do
Rio do Janeiro e que suas imagens e notas referentes a outras
províncias, especialmente do Rio Grande do Sul, tenham sido feitas a
partir de desenhos de outro artista. Debret foi, também, o pintor
oficial da família real para quem executou retratos, telas históricas,
pinturas murais, quadros religiosos e alegorias. Ao regressar à
França, em 1831, deixou esse trabalho no Brasil. Seus desenhos,
aquarelas e textos, foram publicados na Europa, entre 1834 e 1839,
com o nome Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, 1816-1831, em
três volumes, 508 páginas de texto e 156 estampas.
A VIDA URBANA NA CORTE
Desde a abertura dos portos, em 1808, aumentaram os
estabelecimentos comerciais no Rio de Janeiro, especialmente os do
setor alimentar. Em 1808, havia na capital 126 casas de comércio;
em 1822, à época da gravura de Debret, já eram 1.619 sendo 1.032
tabernas, 39 botequins, 38 casas de pasto, 9 estalagens e 501
armazéns (BRAGA: 2008, p. 44). Havia também outros
estabelecimentos como tabacarias, onde se vendia tabaco e rapé,
boticas (como eram chamadas as farmácias), lojas de carne seca,
sapataria, açougue, padaria, loja de modistas etc.
Vendedores ambulantes, os chamados escravos e escravas de ganho,
ofereciam produtos diversos: frutas, linguiças, banha, carvão, folha
de bananeira (usada para embrulhar alimentos), doces, palmito,
cestos, balaios etc. Circulavam, também, escravos prestadores de
serviços: barbeiro, afiador de faca, carregador, entregador de recado
etc. Debret retratou muitos desses tipos sociais que ele viu nas ruas
das grandes cidades, especialmente no Rio de Janeiro.
“A fim de atender dignamente à
solenidade de coroação de D. João
VI, influíram na melhoria do
calçamento das ruas e praças da
cidade velha tanto quanto da cidade
nova do Rio de Janeiro (…).
Tratou-se de concluir todo o
caminho que cortejo real deveria
percorrer, desde São Cristóvão até
a Capela. (…). Emprega-se no
calçamento um granito cinzento,
bastante suave, única pedra de
rocha que se encontra no Rio. (…)
São os negros que se encarregam
desses trabalhos e eles os executam
sob a supervisão de brancos.”
(BANDEIRA & LAGO, 2008, p.
228.)
“No Brasil, como na Itália, há um grande
consumo de banha e carne de porco. De forma
que encontramos em vários bairros isolados da
cidade do Rio de Janeiro matadouros de porcos.
Uma medida sanitária exige que o abastecimento
dos açougues seja renovado duas vezes ao dia, o
que é feito às 8h da manhã e entre as 6h e 7h da
tarde. De todos as lojas da capital, a do
açougueiro de carne de porco é a mais repugnante
tanto pelo cheiro rançoso que dele se exala como
pela banha espalhada por todo lugar, até mesmo
nos batentes da porta. Nesses tipos de açougue, os
ratos comem no balcão durante a noite e passam o
dia de tocaia para pegar os pedacinhos de carne
que caem no chão. O açougueiro representado
aqui, veste-se com um roupão de chita, calçando
chinelos, corta um pedaço de toucinho (…) que
será a base da módica refeição de um cidadão de
poucos recursos. Um negrinho, moleque, foi com
certeza encarregado desse tipo de compra. Mas a
negra, com uma mão apoiada no balcão fará a
compra suntuosa de um pedaço de lombo de
porco, regalo do cidadão mais rico.”
(BANDEIRA & LAGO, 2008, p. 195.)
“[Os barbeiros] vagueiam desde manhã nos pontos de
desembarque, nos cais, ruas e praças públicas (…), certos
de encontrar clientes entre os negros de ganho,
carregadores, moços de recados, pedreiros, carpinteiros,
marinheiros e as quitanteiras. Um pedaço de sabão, uma
bacia de barbeiro de cobre, quebrada ou amassada, duas
navalhas e um par de tesouras (…) eis os instrumentos
com que lidam os jovens barbeiros, apenas cobertos de
trapos quando pertencem a um senhor pobre (…).
Vagabundos na aparência são, no entanto, obrigados a
comparecer, duas vezes ao dia, ao seu dono senhor para
fazer sua refeição e entregar o fruto de seu trabalho (…).
A cena desenhada aqui passa-se nas proximidades do
Largo do Palácio, perto do mercado de peixe. Dois negros
de elite estão sentados no chão; a medalha do que está
ensaboado indica seu emprego na alfândega. (…) Os
chapéus dos jovens barbeiros, datam da época da
fundação do Império Brasileiro [1822]. Naquele momento
de entusiasmo nacional, introduziu-se o gosto pelas coisas
militares em todas as classes da população e os negros
transformaram o chapéu de palha grotesco; uma pena de
pássaro substitui o penacho do uniforme. O outro chapéu
é também de palha, pintado a óleo com as cores imperiais,
verde e amarelo. (DEBRET: 1971, p. 30.)
“O colar de ferro é a punição infligida ao negro que
tem o vício de fugir (…). O colar de ferro é armado
de uma ou várias hastes não somente para torná-lo
ostensivo, mas para dar pegada, quando se agarra o
negro, principalmente em caso de resistência. (…) É
na rua da Prainha, conhecida por suas oficinas de
serralheria pesada para a Marinha, que se encontram
certas lojas onde se fabricam esses instrumentos de
punição, tais como correntes, colares de todos
tamanhos, cangas em compasso, botas de ferro,
dedeiras. Como todos os operários nessas lojas são
escravos, esses aparelhos de punição, no Rio de
Janeiro, são forjados e cravados por eles; muito
felizes, uma vez que o operário serralheiro não é
penalizado. E, nesse caso, o escravo torna-se o
carrasco.” (BANDEIRA & LAGO, 2008, p. 189.)
“O oficial de barbeiro, no Brasil, é quase sempre
negro, ou ao menos mulato. (…) Pode-se entrar
com confiança numa dessas lojas, certo de
encontrar, reunidos na mesma pessoa, uma
barbeiro, um cabelereiro, um cirurgião
familiarizado com o bisturi e um hábil aplicador de
sanguessugas. (…) Também é capaz de reparar uma
malha escapada de uma meia de seda, como de
executar, no violão ou na clarineta, valsas e
contradanças francesas (…). Reconstituo aqui o
momento de calma das 4h às 5h, precursor do
delicioso passeio da tarde. Um vizinho do barbeiro,
negligentemente largado à janela com seu leque
chinês numa das mãos (…) observa indiferente o
tabuleiro, cheio de doces, que lhe apresenta uma
jovem negra vendedora. (…) A loja do barbeiro está
ocupada por dois negros livres. Antigos escravos de
boa conduta e econômicos conseguiram reembolsar
ao seu senhor o preço de sua compra o que lhes
devolveu a liberdade e conferiu o nível de
cidadãos.” (BANDEIRA & LAGO, 2008, p. 198.)

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