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FURTADO, Ferreira Junia.

Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas


abordagens para uma história do império ultramarino português. A Dimensão
Atlântica das Quitandeiras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

“Do século WII à primeira metade do XIX, as regiões de Angola e Brasil


estiveram inseridas no que se chama História Atlântica. Apesar de hoje se
afirmar que o Oceano Atlântico formava um todo, não se pode perder de vista
as segmentações e regionalizações que faziam parte desse universo peculiar
Atlântico. Essas muitas regionalizações estavam nas origens dos diferentes
povos que cruzaram o Oceano, vindos de partes muito distintas dos
continentes africano e europeu. Portanto, o mundo Atlântico da chamada época
pré-industrial define-se como um universo sobretudo heterogêneo, nas suas
faces econômica, cultural, étnica, social e religiosa” (p.45)

“O pequeno comércio de gêneros alimentícios nas cidades das regiões do


Atlântico, do século XVII ao XIX, foi uma atividade à sombra do grande tráfico
de escravos que mobilizava os interesses dos mercadores, administradores e
soberanos. Esse comércio de caráter secundário era essencial na distribuição
dos alimentos para as cidades e portos. A venda de gêneros básicos foi uma
das tarefas das mulheres que garantiam o feijão, a farinha, a carne e o peixe
seco para a própria continuidade do tráfico de escravos. Os navios negreiros
precisavam da farinha e do peixe seco para a alimentação dos escravos. As
rotas que ligavam o interior ao litoral dependiam desses dois produtos para
abastecer as longas jornadas até as feiras, ou de lá até o litoral. Para a região
da África Central Ocidental, as quitandeiras são o exemplo de como atuava
essa rede comercial de gêneros de primeira necessidade, registrando-se,
também, como as migrações transatlânticas trouxeram para as cidades
coloniais brasileiras essas comerciantes” (p.46)

“Os mercados, tão comuns por todo o continente africano, na região da África
Central Ocidental, mais especificamente entre os umbundu, são designados de
kitanda, termo que deu origem, no Português, a quitanda. Um cronista que
viveu no século XVII em Luanda diz que chamam de quitanda "as feiras onde
se vende de tudo". No século XVIII, Silva Correa define quitanda como
"mercado e azendas, quinquilharias, fubás, fruta, verdura, peixe, óleo de
dendê, ginguba (pimenta), fritadas e guizados ao uso do país". Ao descrever as
atividades das negras quitandeiras de Luanda como um comércio pobre e de
mau odor que contaminava o ar da cidade, Correa manifestava já a
possibilidade de "transferir para um só lugar distante e ventilado" essa quitanda
que ficava no centro urbano” (p.46-47)

“A figura das quitandeiras povoou, durante esses séculos, as ruas de Luanda.


Os seus cestos (quinda) e mantos, o colorido das roupas e os estilos
diversificados ornavam a quitanda. Dependendo da sua origem, as quitandeiras
— se axiluanda, asonlongo, ovimbundu ou luandenses — usavam trajes
vistosos e bem diferenciados. A manhã das quitandeiras começava depois de
retirarem seus produtos da quinda e arrumá-los sobre a sua banca de forma
harmoniosa. Elas estavam divididas em certas categorias conforme o ramo de
seu negócio. Além disso, estavam unidas por etnia e pelas relações de
parentesco” (p.47)

“Dentro de suas categorias, algumas são chamadas mubadi (vendedora) e


outras mukwa (dona, possuidora). Assim, as quitandeiras recebiam o nome
segundo sua especialidade, embora existissem aquelas que ofereciam
produtos bem diversificados em suas bancas. Segundo suas especialidades,
sãos elas: mubadi wa fadinya, vendedora de farinha; mubadi wafuba ya
kindele, vendedora de farinha de milho; mubadi wa indingu, vendedora de
mandioca; mubadi wa jifuluta, vendedora de fruta; mubadi wajundende,
vendedora de dendê; mukwa makezu nijinjibidi, vendedoras de gengibre e cola;
mubadi wa masa majimbundu, vendedora de milho descaroçado; mubadi wa
kisangwa, vendedora de quisangua, mubadi wa mixi ya kukungila mukanu,
vendedora de paus de esfregar os dentes. Alguns autores, como Oscar Ribas,
descrevem as categorias em que estão divididas as quitandeiras como uma
espécie de confraria de firmes laços de solidariedade; são descrições das
quitandeiras em Luanda no século XX” (p.47)

“Nas quitandas, além de frutas, verduras, farinha, feijão, peixe e carne,


encontravam-se os produtos chamados "da terra”. Dentre eles, os mais
procurados eram aqueles de poderes curativos e sobrenaturais: Kabomba yala,
apazigua marido; ngongo, amuleto de madeira com figura humana (usado para
tratamento); pemba, argila branca usada em rituais religiosos etc. Além desses
produtos, era possível encontrar nas bancas das quitandeiras produtos para
adornos, como colares, brincos, anéis, pulseiras, missangas dos mais variados
tipos e cores. Havia, além das peixeiras, aquelas mais especializadas, uma
espécie de charcutaria, que vendiam produtos para os paladares mais
apurados. Eram as vendedoras de Dangu ya dixi, o bagre de água doce
defumado; kabwenya yasalakalu, peixe seco; Kikusu yasalakalu, cacusu seco;
ngwingiya dixi, bagre preto defumado. Por fim, as vendedoras de comidas
prontas como o feja ni maji ma ndende, feijão com óleo de palma (dendê);
jindosejá makoko, doce de coco; jindoseja jinguba, doce de amendoim e o
consagrado funji, massa de fubá. Claro que é impossível listar todas as
especialidades aqui, mas tem-se uma idéia do tabuleiro das quitandeiras. Por
esta rápida olhadela nas bancas das quitandeiras, sabemos o quanto tudo era
diversificado, saboroso, perfumado, curioso e misterioso. Desde o século XVII
as referências às quitandeiras foram frequentes por parte da documentação da
Câmara Municipal. Nesse sentido pode ser visto o bando que proibia as
quitandeiras de assar ou secar peixes na Quitanda Grande. Ainda no século
XVII, o Senado da Câmara determinou que todos os vendedores de produtos a
varejo deveriam tirar suas licenças, incluindo os que vendiam gêneros
alimentícios, sob pena de pagarem seis mil reis de multa. Com o mesmo teor,
eram os bandos publicados a fim de regulamentar as padeiras, os alfaiates e
os sapateiros. Assim, a Câmara estabelecia normas para os taberneiros e as
padeiras. "Os taberneiros que vêm do Brasil não podem vender na taberna
mais bebida do que trouxe em sua companhia. As padeiras devem fazer um
pão com 14 onças de peso e a 5 réis cada." Além disso, os registros da
Câmara determinavam que se fizessem o Regimento dos taberneiros,
quitandeiras, padeiras. Mantiveram-se para o século XVIII as restrições às
quitandeiras quanto aos produtos de seus tabuleiros. Elas precisavam de
licenças especiais da Câmara do Senado de Luanda para venderem
missangas na quitanda” (p.48)

“No contexto urbanístico da Luanda setecentista, a cidade alimentava o grande


tráfico, mas o abastecimento de gênero de primeira necessidade se fazia pelo
pequeno comércio. Um alimento básico era o peixe. Além do peixe fresco
trazido pela pesca dos e demais escravos dos comerciantes da cidade, era de
consumo geral o peixe seco. Nessa forma, o peixe se direcionava para o
interior. Outros produtos importantes, como a carne de vaca fresca e seca, a
carne suína e a de galinha eram fornecidas pelos arimos e revendidos na
cidade pelos taberneiros e quitandeiras. Junto com a carne e o peixe, a farinha
de mandioca era um gênero básico na alimentação da população urbana.
Segundo os testemunhos de época ou de período anterior, a farinha era o pão
dos luandenses. O feijão e os legumes seriam os produtos secundários da
dieta local. O peixe seco, a carne e a farinha eram itens de peso, tanto no
abastecimento da cidade como no abastecimento dos navios negreiros que
deixavam o porto. Nesse setor da alimentação, a quitandeira é a figura chave,
nas palavras de Correa, "responsável por infestar o ar da cidade com a venda
do peixe seco na quitanda". No século XVIII a cidade de Luanda era, portanto,
o maior porto de exportação de escravo do litoral ocidental da África. Essa
qualificação significava um fluxo de mercadores internacionais com constantes
chegadas de navios, fazendo do século o ápice da demanda por mão-de-obra
escrava, no entrecruzamento dos interesses de comerciantes africanos, luso-
africanos, "brasileiros" e metropolitanos, o abastecimento dos gêneros
alimentícios ficava por conta de grandes especuladores” (p.49)

“A relação assimétrica, Quitanda e Terreiro Público, permitiu a constituição de


uma hierarquia entre os produtores de gêneros alimentícios33 e as vendedoras
a varejo, as quitandeiras de Luanda. O Senado da Câmara de Luanda expedia
licenças com a intenção de disciplinar as quitandeiras na venda do milho, da
farinha e do feijão. Além delas, as padeiras passaram, também, por rigorosa
legislação da qualidade dos pães. As quitandeiras detinham, na verdade, todo
o pequeno comércio dentro da cidade, o comércio a retalho. Algumas
quitandeiras em situação de razoável prosperidade, na virada do século XVIII
para o XIX, tinham poder de compra até certo ponto elevado e alugavam vagas
na grande quitanda da Caponta. As mulheres chegavam a alugar mais de um
quarto (vaga) no mercado. Em uma lista de dezoito mulheres que arrematavam
as vagas da quitanda, algumas delas aparecem até cinco vezes” (p.50)

“Os registros Câmara Municipal de Luanda as quitandeiras são ocasionais, e


sua presença na documentação é quase sempre indireta. Um único
documento, do fim do século XIX, nos informa, diretamente, sobre a situação
dessas mulheres. São eles os dois códices de registro dos filhos ilegítimos,
cujas mães, no item profissão, são classificadas como quitandeiras. Outras
profissões de mães, constantes nessa lista, são lavadeiras, costureiras e
agricultoras. Os códices apresentam listagem com itens como origem,
profissão, morada e naturalidade. Aparentemente, esses códices resultaram da
obrigatoriedade de se fazer o registro de todas as crianças da cidade. Como
pode ser visto na listagem, uma mesma mãe, em um dia, registra de três a
cinco filhos de uma só vez. Há um único caso de uma mãe incógnita; o comum
na listagem é o pai ser desconhecido. Em termos de profissão paterna, as mais
frequentes são marinheiro, carregador, pescador e peixeiros. Numa dessas
listagens de 106 registros, conseguimos informações sobre 53 quitandeiras de
Luanda, na década de 1880. Essas quitandeiras são, em sua maioria, nascidas
em Luanda e moradoras nas ruas principais da cidade. Esse é um dado
importante na medida em que sabemos que, na virada do século, elas serão
expulsas da cidade para a periferia” (p.50-51)

“[...] No século XIX as quitandeiras eram registradas pela Câmara e obrigadas


a pagar pelo aluguel de uma vaga no mercado. Já no final do século XIX
surgem as empresas, arrematando as vagas nos mercados, disputando com as
quitandeiras os lugares e o abastecimento da cidade no comércio a retalho”
(p.51)

“Por volta de 1850, Luanda era uma cidade cheia de tabernas e de vários
pontos de venda de água; um grande número de quitandeiras se espalhava
pelas ruas. A esta paisagem se acrescentava um contingente de mestiços
presentes em todos os setores da vida da cidade. Havia uma década se
assistira à luta entre os que queriam o fim do tráfico de escravos e a resistência
por parte de uma secular estrutura montada em torno desse negócio. Perdida a
condição de maior entreposto do tráfico negreiro, Luanda levou algum tempo
para encontrar um novo rumo” (p.51-52)

“A população da cidade, na virada do século XIX, assistiu à construção de um


variado número de largos e praças, remodelando todo o seu aspecto físico e
construindo uma outra memória social de espaço, No entanto, os cuidados com
o espaço já vinham desde os séculos anteriores por parte da Câmara do
Senado, como já foi visto, com medidas de caráter normativo, na que concerne
aos cuidados com a higiene e a aparência. A persistência nas melhorias das
condições sanitárias preparou a atmosfera de reformas coloniais que
tencionavam criar "um Brasil em África". Uma sociedade que visava sua
entrada em um projeto civilizador e que tinha um perfil, por excelência, mestiço.
A elite luandense intervinha em favor dos cuidados com a cidade. Posicionava-
se pela continuidade de obras públicas que beneficiasse o espaço urbano e
reforçasse seus contornos Concentrados na zona baixa estavam os
proprietários de residências nas principais ruas da cidade e onde possuíam
seus negócios. Nesse sentido, pode-se entender a regulamentação da
Câmara, que vinha desde o século anterior proibindo a "construção de casas
de palha no corpo da cidade e ajuntamento de escravos dos moradores, em
dias Santos, para bailes e alaridos". Porém, na segunda metade do século XIX,
percebe-se o quanto essas tentativas disciplinares não lograram êxito tendo em
vista a grande quantidade de cubatas existentes no coração da cidade” (p.52)

“[...] Na virada do século XIX para o XX, em um contexto de remodelação dos


espaços urbanos, com nova lógica de ocupação dos espaços, as quitandeiras
serão expulsas da cidade e passarão a viver e atuar com seus tabuleiros em
regiões mais periféricas. Através das Ocorrências Policiais, no século XIX,
ficamos sabendo das prisões das quitandeiras que, em desobediência às
posturas municipais, eram classificadas de arruaceiras e turbulentas. No dia 31
de dezembro de 1881, a Ocorrência Policial registrou a prisão as quitandeiras
Inez Francisco, Maria Francisco (Imana-fam) e Domingas Fernandes
(Ngalema) "por fazerem desordem no mercado público". Em 14 de janeiro do
mesmo ano, as quitandeiras Catarina, Carolina Francisca, Ana Matias e Maria
Antônia foram presas "por contravenção às posturas municipais". No mês de
maio de 1881, mais de cinco quitandeiras foram presas para averiguações.
Assim, pode-se fazer uma listagem em sequência, pelas quatro últimas
décadas do século, com prisões de quitandeiras por contravenção às posturas
municipais. Isto significava, em geral, o ato de vender produtos pelas ruas sem
a respectiva licença. O mesmo aconteceu com a quitandeira Tereza João, que
foi presa por vender peixe sem licença da Câmara, no dia 7 de abril de 1882.
As quitandeiras Carolina Francisca e Josepha, em julho do mesmo ano,
tiveram a mesma sorte por "andarem vendendo azeite sem licença". Esse tipo
de prisão era feita em flagrante pelo zelador, uma espécie de fiscal responsável
por cuidar dos códigos de posturas municipais. Algumas quitandeiras estão
presentes com mais frequência nas ocorrências policiais, engrossando a lista
das desobedientes, podendo-se destacar os nomes de Luíza, Esperança,
Emília e Delfina Antônia. Mas outras causas, além da desobediência às
posturas, levavam as quitandeiras à prisão, como, por exemplo, desordem,
embriaguez e pequenos furtos, motivos mais comuns” (p.53-54)

“A Câmara continuava tentando disciplinar o pequeno comércio na cidade.


Através dos bandos evocava os taberneiros'— ourives, alfaiates, sapateiros, as
padeiras e os oficiais, ferreiros, carpinteiros —, assim como as vendedeiras,
para que tirassem as suas licenças. A multa era de seis mil réis, revertida para
obras do orfanato." No entanto, as quitandeiras mereceriam especial portaria
do Senado da Câmara. Ainda por essa época, a questão das licenças para
vender produtos pelas ruas da cidade gerou uma série de códigos de posturas
da Câmara com punições previstas. Além das licenças, era necessário
disciplinar os tabuleiros das quitandeiras, o que vendiam, a qualidade e o
tamanho. Para os taberneiros, a Câmara já havia se pronunciado
anteriormente, no Livro 2 de Registro, 'determinando que os taberneiros
vendam os gêneros molhados por medidas aferidas, com pena de pagar 4,000
réis, quem o contrário fizer". E, quanto ao horário de funcionamento das
tabernas, em 1874 a Câmara Municipal estabelecia a taxa de 5 réis para
obtenção das licenças para que as tabernas ficassem abertas até às 11 horas
no inverno e meia noite no verão. A transgressão a essa regra parece ter sido a
norma, como pode ser visto pela grande quantidade de registros de prisão de
taberneiros, pela Ocorrência Policial, por manterem abertas as portas de seus
estabelecimentos fora do horário estabelecido. Quanto à fachada das casas e à
aparência das ruas, a Câmara também criou regulamentos para que "os
moradores mandem limpar suas fachadas, (...) ou terram que pagar 4000 mil
réis". Para o caso daquelas que mantinham seus tabuleiros nas ruas ou
oferecessem produtos de porta em porta, as normas, que vinham desde o
tempo do governador Luiz Menezes de Souza, século XVIII, estabeleciam que
"as padeiras, regateiras e vendedeiras mandassem reformar as portas do seu
[negócio] donde vendem debaixo das [janelas ou calçadas] das pessoas".
Outras portarias continuavam com esse tom disciplinador, proibindo a venda de
fazendas e jóias de ouro ou prata pelas ruas, sem as devidas licenças” (p.56-
57)

“[...] Por esse período, os mercados coma a Quitanda da Fazenda, Quitanda do


Largo da Alfândega, Quitanda Grande foram regulamentadas e mais tarde
destruídas para dar lugar à nova lógica urbana, que na ordem do dia significava
a ocupação do espaço. Por volta de 1875, em nome da desenvolvimento social
intenso da cidade, foi construído um novo mercado” (p.58)

“[...] Tanto o Governador como a Câmara Municipal vinham regulamentando o


espaço urbano no sentido de restringir as atividades das quitandeiras e todo
tipo de pequeno comércio em geral. Mas, apesar dos cuidados paisagísticos,
com maior arborização dos largos e praças, o ordenamento espacial ainda era
formado por um ambíguo meio termo entre cidade de aparência européia com
habitações rurais africanas. O musseque surgiu como um novo lugar que
passou receber os africanos expulsos de suas terras no campo e da "cidade
branca" (p.59)

“[...] A cidade tomou nova configuração e as quitandeiras tendiam a


desaparecer do cenário luandense. Sem condições de habitação na cidade, as
casas africanas foram se concentrando nos musseques. O mercado ficou
destinado aos poucos que podiam pagar o aluguel do espaço e competir com
empresas que passaram a participar do abastecimento da cidade. Foi criado
um outro mercado, mas em tão precárias condições que teve vida curta” (p.61)

QUITANDAS E QUITANDEIRAS NA OUTRA MARGEM DO ATLÂNTICO

“O pequeno comércio, principalmente dos gêneros alimentícios, era comum em


todas as cidades coloniais com a figura das vendedeiras, 52 prática comum na
cidade de Lisboa, Nas regiões do Brasil, de grande migração de populações
umbundu, originárias da África Central Ocidental, as mulheres que viviam de
seu pequeno negócio eram as quitandeiras, e seus locais de trabalho, a
quitanda, Embora com suas tarefas de vender produtos básicos da alimentação
como feijão, farinha e peixe, as quitandeiras vendiam uma série de
quinquilharias para o dia-a-dia da população. Os locais onde se situavam as
quitandas eram zonas consideradas de perturbações para o funcionamento do
espaço urbano. Os poderes locais desejavam o deslocamento das quitandas
do centro da cidade. Portanto, como em Luanda, suscitava-se a discussão
sobre onde a quitanda poderia se fixar. Desde o século XVII as fontes fazem
referências às quitandeiras como parte do cenário das ruas de centros urbanos
do outro lado do Atlântico, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e as
cidades de Minas Gerais, no Brasil” (p.61)

“No século XIX, as chamadas quitandeiras eram algumas mulheres negras


livres que se dedicavam ao comércio de legumes e frutas e que, para isso, se
instalavam nas praças. Dentre elas havia as quitandeiras mais ricas, que
contavam com auxiliares mulatos livres ou seus escravos. Os mercados das
cidades eram os seus locais de vendas. No Mercado de Peixe, no Rio de
Janeiro, elas vendiam angu nas suas quitandas. No século XIX, a cidade
recebeu as "baianas" que povoaram as ruas do Rio de Janeiro com seus belos
turbantes e faziam concorrência às quitandeiras com suas bancas de quitutes.
Porém, no transporte para a outra margem do Atlântico ocorreu uma mudança
de gênero no ofício. Enquanto na terra dos umbundu foi sempre um ofício de
mulheres, na travessia atlântica surgiu, do lado americano, também a figura do
quitandeiro. Neste caso, não só o tabuleiro, mas o comerciante de uma
pequena loja que vende verduras, legumes e frutas. Em algumas regiões do
Brasil, como no Centro-Oeste, quitanda é um local que vende doces. Em
Luanda, quitandeira continua sendo, até hoje, uma profissão exercida por
mulheres. No período do carnaval luandense, momento de brinca: de inversão
dos papéis sociais, uma das fantasias comuns dos homens é o de se vestir de
quitandeira. As quitandeiras luandenses tinham, às vezes, como sócios os seus
maridos, mas a banca era sempre delas. No Rio de Janeiro, o pequeno
negócio que recebe o nome de quitanda (com seu proprietário quitandeiro/a) é,
muitas vezes, de propriedade de um português, embora não exista quitanda
nem quitandeiro em Portugal” (p.62)

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