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2.

5 CARUARU E A FEIRA

“Caruaru é uma cidade que nasceu da feira, se expandiu e se consolidou


junto com ela”. Assim inicia o incrível dossiê da Feira de Caruaru produzido
pelo IPHAN em 2006. O texto prossegue dizendo que “não há como separar
uma da outra, tão dependentes entre si, que compõem um todo orgânico, numa
verdadeira simbiose” (IPHAN, 2006). O município situado na região agreste é o
4ª mais populoso do estado de Pernambuco, com 350 mil habitantes (IBGE,
2017), e teve sua história iniciada oficialmente em 1776 quando José
Rodrigues de Jesus, que ao herdar suas terras, ergueu uma capela dedicada à
Nossa Senhora da Conceição, o que possibilitou o surgimento de uma pequena
feira semanal, e gradualmente aglutinou um pequeno povoado à sua volta. A
Feira se desenvolveu pouco a pouco em torno da capela, se beneficiando de
sua localização geográfica privilegiada – situada a partir do caminho das
boiadas, entre o sertão e a zona canavieira, por onde passavam vaqueiros,
tropeiros e mascates (IPHAN, 2006), e do fluxo de pessoas que iam até lá
assistir missas, batizados, casamentos, receber a bênção do padre ou
encontrar conhecidos. Os que se deslocavam levavam seus artigos para
vender, comprar ou trocar com os demais comerciantes. Com o passar das
décadas a Vila se expandiu, e no ano de 1857 foi elevada ao título de cidade, -
na época com uma população de quase 30 mil habitantes (IPHAN, 2006),
contabilizando ao final desse século 300 casas residenciais, entre estas
também alguns domicílios comerciais (RODRIGUES, 1995), e é atualmente
conhecida por diversas alcunhas, como “Capital do Agreste”, “Capital do Forró”,
“Princesa do Agreste”, “Terra dos Artesãos”, dentre outras denominações que
sempre fazem menção à sua importância econômica, social e cultural ao
Estado.

A pequena feira transformou a área central do povoado,


agregando valores econômicos, sociais e culturais, estreitando
cada vez mais a ligação da vida cotidiana do lugar com a Feira
de Caruaru. Com o passar dos anos, a Feira se firmou como
um lugar de socialização, de permanente construção de
identidades e de exposição da sabedoria e criatividade
populares. (IPHAN, 2006, p.15)
Figura 30: Igreja Nossa Senhora da Conceição no início do séc. XX

Fonte: Blog Conhecer Para Preservar Caruaru (2014)

A cidade de Caruaru é considerada um importante polo cultural nacional,


considerado pela Unesco o maior centro de arte figurativa das Américas.
Sendo internacionalmente conhecida pelos seus festivos juninos, apontado
como o maior do mundo, segundo o Guinness World. A cidade também abriga
o Alto do Moura, um centro de artes figurativas, que ficou muito conhecido a
partir da década de 40, após a visita do fotógrafo Pierre Verger ao ceramista
Vitalino Pereira dos Santos, mais conhecido como Mestre Vitalino. Em 2009 -
ano do centenário do ceramista, foi lançado um fotolivro “Arte do Barro e o
Olhar a Arte – Vitalino e Verger” com a coleção fotográfica produzida pelo
fotógrafo durante sua vinda à Caruaru. Já a popular Feira de Caruaru é
considerada uma das maiores feiras ao ar livre do mundo, além de ser
patrimônio imaterial do país, título dado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), e desde 1992 é realizada no Parque 18 de Maio.

A Feira de Caruaru, na verdade, são muitas feiras que


compõem um Lugar de referência viva da história do agreste
pernambucano. Sintetizando a riqueza cultural do Nordeste, o
maior centro de comércio popular do interior da região conta
com 30 mil feirantes. A Feira de Caruaru é também lugar de
cultura, de memória e de continuidade de saberes, fazeres,
produtos e expressões artísticas tradicionais [...]. (IPHAN,
2006, p.15)
Inicialmente, quando localizada nas imediações da Igreja da Conceição –
ocupava uma área de apenas 22 hectares -, nela eram comercializadas frutas,
cereais, gado bovino, artesanato e utensílios produzidos manualmente,
condição que atraía cada vez mais vendedores e compradores (IPHAN, 2006).
Em seu livro “Terra de Caruaru” (1960), o escritor caruaruense José Condé
lembra o que vivenciou durante a primeira metade do século XX:

Vai de um extremo a outro da Rua do Comércio – mais de um


quilômetro ocupado pelos toldos coloridos, montes de frutas e
legumes, barracas que servem de restaurantes populares
(onde se come sarapatel, carne de sol, buxada, miúdos, fritas),
barracas que vendem celas, alforjes, redes, ervas medicinais e
afrodisíacas, chapéus de couro, cestos, passarinhos, cavalos,
peles de sucuri. [...]. Na calçada da Igreja da Conceição, o
trovador popular recita para os matutos, histórias sertanejas
que vêm narradas nos folhetos de capas berrantes e versos
primitivos. (Condé, 1960, p. 51 apud IPHAN, 2006, p.32)

Atualmente, ocupando a quase 20 anos o Parque 18 de Maio – numa área de


150 hectares -, foi de 5 mil feirantes em 1970 para 28 mil em 2004 (IPHAN,
2006) procurar dado mais atual. A transferência da Feira em 1992 foi
determinante para o crescimento e o surgimento ou incorporação de outras
feiras, além da melhoria da qualidade do trânsito de pedestres e de veículos na
cidade, tornando possível o atendimento de mais de 1 milhão de pessoas por
ano ou 40 mil em média em um só dia na Feira da Sulanca – feira essa que
chega a somar 10.000 feirantes na alta estação de vendas, e que iniciou em
1984 (IPHAN, 2006).

As feiras situadas no Parque 18 de Maio atendem mais de 1


milhão de pessoas por ano, atraídas pela diversidade de
produtos vendidos, desde roupa até frutas, passando por
importados e miudezas, além do popular “troca-troca”. A Feira
da Sulanca, que comercializa roupas fabricadas por região,
arrecada, segundo a Associação de Feirante de Artesanato,
mais de R$ 22 milhões por semana. (IPHAN, 2006, p.21)

A Feira de Caruaru “nasceu e se criou” em conjunto com a cidade, que


expandiu sua demografia significativamente com o desenvolvimento da
economia (IPHAN, 2006). De acordo com os historiadores, esse crescimento
significativo se deu a partir de 1895 com a implementação da Estrada de Ferro
de Pernambuco, antiga Great Western, que permitiu Caruaru se conectar com
outras localidades do agreste pernambucano, a exemplo de Gravatá e
Bezerros.

Em dezembro de 1895, o ‘trem de ferro’ subiu a Serra das


Ruças (sic) vencendo túneis e viadutos, passou por Gravatá e
Bezerros, apitou orgulhoso no km 139 e resfolegou na estação
de Caruaru. A multidão de agresteiros que foram recebê-lo
confiava no progresso que o trem haveria de levar à sua
cidade, com o crescimento do comércio, o aparecimento das
indústrias, o aumento da população e a intensificação da vida
social, cultural e religiosa. Eram os começos do novo posto que
a cidade iria logo ocupar, no interior do Estado: o de metrópole
regional da parte central-sul da Borborema. (Barbalho, 1980a
apud IPHAN, 2006, p.37)

Ao longo dos séculos 19 e 20, com a acessibilidade reforçada


pela estrada de ferro da Rede Ferroviária do Norte e, mais
tarde, pelas rodovias estaduais e federais – que a conectaram
com outras localidades do Nordeste – Caruaru se transformou
no polo comercial mais importante da região; posição mantida
até os dias de hoje, atraindo produtos de outros estados e do
exterior. (IPHAN, 2006, p.15)

Outro fator de grande importância foi a maneira como ela se estabeleceu


estruturalmente, sendo composta por famílias tradicionais de comerciantes
proprietários, mas também por vendedores, artesãos livres e escravos,
evidenciando a situação de decadência do latifúndio e da aristocracia
coronelista, e o desenvolvimento microeconômico dos artigos que compõem a
Feira (IPHAN, 2006). Contexto que permitiu que a feira caruaruense tivesse
como diferenciais a diversificação, criatividade e efervescência cultural,
desempenhando papel fundamental e preponderante de manter as tradições e
a continuação da produção artesanal (RODRIGUES, 1995).

A Feira de Caruaru é uma das representações do passado e do


presente desta comunidade; é história viva desta região, é o
referencial da continuidade da história deste povo do Agreste
pernambucano e nordestino. (RODRIGUES, 1995, p.15)
Assim como as grandes feiras e mercados ao redor do mundo que também se
destacaram por suas potencialidades econômicas ao possibilitarem a
construção de conexões comerciais, a Feira de Caruaru em especial se
destacou por ter se tornado um lugar de conexões humanas, encontros
culturais significativos, e de forte expressão da vida da cidade, do município e
de toda a região circunvizinha (IPHAN, 2006).

[...] foi se tornando um centro de irradiação e de convergência


da cultura local: cordelistas, músicos tocadores de pífano,
artesãos do barro, da madeira, das ferragens e de outros
materiais para ali acorreram, a descobriram e, em seguida, a
marcaram como o espaço ideal para venderem seus produtos e
mostrarem sua arte. (IPHAN, 2006, p.86)

A Feira de Caruaru tornou-se ao longo dos anos uma grande vitrine


aonde os criadores populares mostram a criatividade artística de seus
produtos, divulgam, vendem e os irradiam para o Brasil e exterior. De polo
comercial importante, se transformou num polo de preservação da identidade e
de resistência culturais (IPHAN, 2006). Como disse Onildo Almeida em
entrevista dada em 2017, em homenagem ao aniversário de 60 anos da sua
música “A Feira de Caruaru”, “feira tem em todo canto, mas a de Caruaru é
diferente” (FILLIPE, 2017).

2.5.1 A Feira de Caruaru do Onildo Almeida

“De tudo que há no mundo, nela tem pra vendê, na feira de Caruaru”.
São esses os versos da canção eternizada pela voz do inesquecível Luiz
Gonzaga, lançada em 1957 no LP “O Reino do Baião. Trazia de um lado “A
Feira de Caruaru” e do outro a “Capital do Agreste”, esta última encomendada
por Luiz e que homenageava o centenário da cidade caruaruense, ambas
compostas pelo compositor caruaruense Onildo Almeida. O disco vendeu 100
mil cópias, entre março e maio daquele ano, configurando o primeiro grande
recorde musical do Nordeste, como informa o importante Dicionário Cravo Albin
da MPB, um dicionário online de iniciativa do Instituto Cravo Albin em parceria
com o Ministério da Cultura e a Academia Brasileira de Letras (DICIONÁRIO
MPB, 2002 – 2021), a música também concedeu ao cantor seu primeiro Disco
de Ouro da carreira.

Para Caruaru a interpretação de Gonzaga fortaleceu a Feira, tornando-


se um hino do lugar e da própria cidade, que passara a ser frequentada por
muitas pessoas que iam conferir na feira os itens ditos na música, e até
reclamavam a falta de outros itens na letra, situação essa que “forçou” Onildo a
compor “A Feira de Caruaru 2”, conforme conta o Dossiê feito pelo Iphan em
2006. Mais que isso, a música foi de importância crucial na sedimentação e
difusão do estilo musical em território nacional, e até internacional. No livro “O
Fole Roncou – Uma História do Forró” (2012), os autores Carlos Marcelo e
Rosualdo Rodrigues, que dedicam um capítulo inteiro à música “A Feira de
Caruaru”, mostram como a realidade econômica caruaruense ia em contramão
ao que se passava no Nordeste. Os autores iniciam o capítulo lembrando de
um Nordeste que na década de 40 pouco contribuía no PIB brasileiro, somente
com 11%, e da preocupação do economista paraibano Celso Furtado diante
dessa disparidade regional, que tinha como uma das justificativas a estiagem
periódica (MARCELO e RODRIGUES, 2012). O economista detalhava também
como um dos grandes empecilhos a desarmonia que existia entre o homem
sertanejo e o meio em que ele vivia, como explicou em texto do livro de 1959
“A Operação Nordeste”, condição essa que era agravada quando aliada ao
desinteresse dos políticos locais. De acordo com o economista, era necessário
que fosse abandonada a estratégia de despejar dinheiro público em obras
inócuas e que a estiagem fosse considerada como parte do sistema ecológico
nordestino (MARCELO e RODRIGUES, 2012).

O sistema econômico que existe na região semiárida do


Nordeste constitui um dos casos mais flagrantes de divórcio
entre o homem e o meio, entre o sistema de vida da população
e as características mesológicas e ecológicas da região.
(Furtado, 1959 apud MARCELO e RODRIGUES, 2012, p.81).

Ao longo do capítulo os autores lembram como os dramas nordestinos da


época, a seca prolongada e a migração forçada, se tornaram motes
corriqueiros na criação musical de muitos poetas, como o incrível João do Vale,
que buscava na vivência a matéria-prima para suas músicas (MARCELO e
RODRIGUES, 2012). Em contrapartida a esse cenário havia Caruaru que
desde o início do século XX se mostrara um importante centro comercial por
abrigar algumas indústrias, a exemplo da Fábrica Caroá, que transformava o
caroá, - vegetação típica do sertão, em produtos como sacos, estopas e
cordões, e que também abrigava a Feira de Caruaru, que além de polo
comercial, era também um importante espaço de difusão e resistência cultural
(MARCELO e RODRIGUES, 2012).

A vocação comercial que se manifestara desde os primórdios


da cidade tinha transformado Caruaru em importante centro de
negócios da região e acabou dando origem à sua principal
atração turística, a feira da cidade. Mais que um ponto de
comercialização de variada gama de produtos regionais, a feira
se transformou em centro de difusão cultural do agreste
pernambucano. (MARCELO e RODRIGUES, 2012, p.90)

Onildo Almeida que era filho de um bem-sucedido comerciante e


fazendeiro, crescera em família de tradição musical e compunha desde os seus
treze anos (MARCELO e RODRIGUES, 2012). Na Rádio Difusora de Caruaru,
fundada no ano de 1951, foi operador de áudio, locutor, cronista, cantor, dentre
outras funções, trabalhos estes que o permitiram conhecer pessoas do meio
musical. Compôs “A Feira de Caruaru” em 1956, e conta que para isso utilizou-
se de suas lembranças de infância, quando ia quase toda semana comprar
cavalinhos de barro esculpidos por Mestre Vitalino e observava a oferta imensa
de mercadorias na feira livre (MARCELO e RODRIGUES, 2012, p.92). Em
matéria de 2002 do Jornal Vanguarda, diz-se que o compositor fez uma
pesquisa sobre artigos vendidos na Feira que terminavam com a letra ‘u’, pois
pretendia que cada verso rimasse com a palavra Caruaru (JORNAL
VANGUARDA, 18/05/2002). Conta em entrevistas disponíveis no Youtube
sobre o quanto isso o limitou na construção da composição, encontrando
somente 7 palavras que finalizavam com ‘u’, e que por isso foi necessário
reconsiderar o que havia imaginado e limitar a finalização em ‘u’ somente no
último verso de cada estrofe, e que demorou cerca de 15 dias para compor
quatro estrofes (FILLIPE, 2017 e TV ASSEMBLÉIA AL, 2018).

Em uma entrevista dada em 2018, ao programa Café com Poesia,


Onildo Almeida, na época com 89 anos, lembra com riqueza de detalhes desse
processo de criação e conta como a canção chegou até o cantor Luiz Gonzaga.
Lembra perfeitamente de quando foi estimulado pelo amigo locutor Ruy Cabral
a cantar a música no programa “Expresso da Alegria”, operado pelo próprio
compositor na Rádio Difusora, e da reação positiva da plateia que o fez cantar
três vezes naquele mesmo dia “A Feira de Caruaru”. Diz que depois da
acalorada recepção não restaram dúvidas de que a música seria um grande
sucesso, mas que precisava de um intérprete para ela e para isso seguiu até a
capital Recife. Explica que sempre imaginou a música sendo cantada como um
baião, e que por isso o próprio não se encaixava, pois era um cantor romântico,
achava que era música para Luiz Gonzaga, chegando a considerar também o
cantor Jackson do Pandeiro (TV ASSEMBLÉIA AL, 2018). Não obteve sucesso
na busca, segundo ele ninguém queria cantar baião na época porque Luiz
Gonzaga era quem fazia isso, acabou sendo estimulado pelo diretor da
gravadora a ele mesmo gravar (G1, 2017). O LP foi lançado em fevereiro de
1956, gravado nos estúdios da Rádio Jornal do Commercio, e vendeu naquele
ano 11 mil cópias, considerado um grande sucesso. Mas em novembro
daquele mesmo ano, nos corredores da extinta Rádio Difusora, Gonzaga
questionou Onildo Almeida: “Como é que você tem um negócio desse e não
me mostra?” foi essa a reação do Rei do Baião ao saber que “A Feira de
Caruaru” tinha sido escrita pelo radialista pernambucano. Onildo respondera ao
artista: “Tá nas suas mãos!” (MARCELO e RODRIGUES, 2012). A parceria foi
feita, e o sucesso absoluto.

Figura 31: Luiz Gonzaga e Onildo Almeida


Fonte: Blog O Fole Roncou O Livro (2012);

O compositor e o cantor ainda trabalharam juntos em outras vinte e três (23)


composições, como “Sanfoneiro Zé Tatu”, “Lá Vai Pitomba” e “Hora do Adeus”,
que apesar de terem obtido relativo sucesso, em nada se comparava ao
estouro que havia sido a “A Feira de Caruaru” (MARCELO e RODRIGUES,
2012). Onildo Almeida possui ainda 543 composições gravadas, tendo elas
sido interpretadas por artistas como Marinês, Dominguinhos, Gilberto Gil, Gal
Costa, Jorge de Altinho, Jackson do Pandeiro, Maysa, etc (DICIONÁRIO MPB,
2002 – 2021). Em homenagem a imensidão que sua música trouxe a Feira, na
entrada do Parque 18 de Maio foi feita uma estátua do artista que ganhou o
mundo através de seus versos.

A Feira de Caruaru
Onildo Almeida
A Feira de Caruaru,
Faz gosto a gente vê.
De tudo que há no mundo,
Nela tem pra ‘vendê’,
Na feira de Caruaru.

Tem massa de mandioca,


Batata assada, tem ovo cru,
Banana, laranja, manga,
Batata, doce, queijo e caju,
Cenoura, jabuticaba,
Guiné, galinha, pato e peru,
Tem bode, carneiro, porco,
Se ‘duvidá’... ‘inté’ cururu.

Tem cesto, balaio, corda,


Tamanco, ‘gréia’, tem ‘cuêi-tatu’,
Tem fumo, tem tabaqueiro,
Feito de chifre de boi zebu,
Caneco ‘acuvitêro’,
‘Penêra’ boa e ‘mé’ de uruçú,
Tem ‘carça’ de arvorada,
Que é pra matuto não ‘andá’ nú.

Tem rêde, tem balieira,


‘Mode minino caçá’ nambu,
Maxixe, cebola verde,
Tomate, ‘cuento’, couve e chuchu,
‘Armoço’ feito nas ‘torda’,
Pirão ‘mixido’ que nem angu,
‘Mubia’ de tamburête,
Feita do tronco do mulungú.

Tem loiça, tem ferro ‘véio’,


Sorvete de raspa que faz jaú,
Gelada, cardo de cana,
Fruta de ‘paima’ e mandacaru.
Bunecos de Vitalino,
Que são ‘cunhecidos inté’ no Sul,
De tudo que há no mundo,
Tem na Feira de Caruaru.

PÁG 41 - E sobre a ‘carça de arvorada’”... Onildo: “Nessa Feira, as coisas importantes e curiosas
e que hoje, hoje nós podemos derivar a origem, por exemplo, a maior Feira da Sulanca da
região: Caruaru. Nasceu aonde? Na Feira de Caruaru. Por que nasceu na Feira de Caruaru?
Porque, naquela época, já se vendia roupa feita na feira. Sempre vendeu. ‘Carça de arvorada...
nylon ou cortiça pra matuto num andar nu’. Quer dizer, o que é ‘carça de arvorada’? É o jeans
de hoje. Como é o jeans, se o jeans foi o americano que inventou, foi...mas é... é um pano
característico similar, só que o... o... a... o brim, a alvorada, que era a calça de alvorada.
Alvorada é um brim, um brim feito uma lona, resistente a sol e chuva. O matuto comprava
uma capa, uma calça daquela, ia pra roça com ela, lavava e vinha pra feira, quer dizer, era a
roupa eterna dele, ele passava o ano todinho com aquela roupa, e a roupa forte, não rasgava
facilmente, que era uma lona, então dali a semelhança do jeans, porque a cor do jeans é
exatamente a cor da calça de alvorada, entendeu? É a mesma cor, essa calça que você tá
vestindo, é o mesmo que você tá vendo um brim de alvorada. A juventude hoje, as novas
gerações pra cá desconhecem porque desapareceu a alvorada, parece que ficou o jeans. E ali
na feira de roupa vendia lençol, vendia toalha, vendia blusa, vendia vestido de chita, redes,
então, é a feira de confecções, aquilo que tinha nas lojas tinha na Feira.”

ONILDO ALMEIDA https://dicionariompb.com.br/onildo-almeida/dados-artisticos 06/04/2021

FILLIPE, Pedro. ENTREVISTA COM ONILDO ALMEIDA. Youtube, 22 jun. 2017. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=shvvLs5wdjU. Acesso em: 06 abr. 21.

ASSEMBLÉIA, Tv. TV ASSEMBLÉIA AL – CAFÉ COM POESIA ENTREVISTA COM ONILDO ALMEIDA
EM 15/02/18. Youtube, 16 fev. 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?
v=Ahh0grN4-7Y. Acesso em: 07 abr. 21.

https://ofoleroncouolivro.wordpress.com/tag/luiz-gonzaga/ . 24 out. 2012. Acesso em: 07 abr.


21

G1. ‘A Feira de Caruaru’ completa 60 anos e Onildo afirma: ‘minha maior obra’, 21 mar. 17.
Disponível em: http://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2017/03/feira-de-caruaru-
completa-60-anos-e-onildo-afirma-minha-maior-obra.html. Acesso em 07 abr. 21.

Territórios formatados pelos setores hegemônicos para a realização da mercadoria,


mas que por aglomerar multidões resultaram em expressivos espaços de sociabilidade. Uma
sociabilidade alternativa ao projeto dominante, que se desenvolve marginalmente, nos
interstícios destes territórios “econômicos”, como uma luta criativa contra a norma.

que continuam vivos no comércio de gado e dos produtos de couro, nos brinquedos
reciclados, nas figuras de barro do Mestre Vitalino, nas redes de tear, nos utensílios de
flandres, no cordel, nos poetas e repentistas, nas bandas de pífanos, nas gomas e farinhas de
mandioca, nas flores, ervas e raízes medicinais. Sem a dinâmica social e o mercado que a Feira
proporciona, esses saberes e fazeres já poderiam ter desaparecido. Portanto, nada mais justo
que a inscrição da Feira de Caruaru no Livro de Registro de Lugares, destinado a englobar
locais que, independentemente de valores arquitetônicos, urbanísticos, estéticos ou
paisagísticos, constituem suportes fundamentais para a continuidade das práticas e atividades
que abrigam.

Livro de Registro dos Lugares - Nele são inscritos os mercados, feiras, santuários
e praças onde se concentram e/ou se reproduzem práticas culturais coletivas. Os
Lugares são aqueles que possuem sentido cultural diferenciado para a população local,
onde são realizadas práticas e atividades de naturezas variadas, tanto cotidianas quanto
excepcionais, tanto vernáculas quanto oficiais. Podem ser conceituados como lugares
focais da vida social de uma localidade, cujos atributos são reconhecidos e tematizados
em representações simbólicas e narrativas, participando da construção dos sentidos de
pertencimento, memória e identidade dos grupos sociais.
MIRANDA, 2009, P. 21

“Feira tem em todo canto, mas a de Caruaru é diferente.” (Onildo Almeida, em


entrevista dada em 2017)

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