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O impacto da indústria sacarina na população

madeirense e suas dinâmicas

Reflexão sobre aspetos do quotidiano na Ilha da Madeira dos


séculos XV a XVII

Licenciatura: História

Unidade Curricular: História Portugal Moderno (Séculos XV-XVII)

Docente: Professor Doutor João Paulo Azevedo de Oliveira e Costa

Discente: Bernardo José Machado Teodoro

Número de Aluno: 2021133478

Data: dezembro de 2022

Ano Letivo: 2022/2023

Índice:
1. Introdução………………...………….………………………………………………..2

2. A Cana Sacarina e a Madeira………...………….……………………………………2

3. O
Quotidiano………………………………………………………………………….3

3.1. A População, a agricultura e sua dispersão no território…….…….


……………….4

3.2. A Escravatura………………………………………………………………………
4

3.3. A Tradição
Cultural………………………………………………………………...5

4. Conclusão…………...............…………………………………………….
…………...6

5. Bibliografia………….……………………………………...…………………………7
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar o impacto da indústria sacarina
no quotidiano da população da ilha da Madeira, durante os séculos XV a XVII. Desta
forma, para uma melhor compreensão do tema, é fundamental contextualizar esta
atividade económica e identificar quais foram as transformações que esta desencadeou e
para as quais contribuiu, de modo a determinar a sua repercussão no dia-a-dia dos
residentes deste território. Para tal, incidirei primariamente na informação recolhida e
compilada pelo Doutor Alberto Vieira em Canaviais, Açúcar e Aguardente na Madeira.
Séculos XV a XX., e apoiando-me também na obra Saudades da Terra de Doutor Gaspar
Frutuoso, e nas Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, reunidas pelo
Doutor José Pereira da Costa.

2. A Cana Sacarina e a Madeira


Já no início do segundo milénio, o açúcar apresentava um peso de destaque, no
contexto da atividade comercial, dentro Mediterrâneo, produzido na Sicília, Chipre,
Egito, Marrocos e Valência. Introduzido pelos Árabes, era comumente comercializado
nos principais portos comerciais europeus, desde a Flandres, às principais cidades
italianas do período, como Génova e Veneza. Acontece que, durante o século XV, esta
dinâmica sofreu profundas alterações com a introdução desta cultura no Atlântico,
começando na Madeira, por iniciativa do Infante D. Henrique, e expandindo-se para os
Açores, Canárias, São Tomé e Cabo Verde1.

Na ilha da Madeira, logo após a sua descoberta, em 1419, por intermédio de


Bartolomeu Perestrelo, e os primeiros povoamentos, em 1425, começamos a verificar a
afirmação de três culturas que irão caracterizar a atividade agrícola desta região, durante
todo este período, o trigo, o vinho e, mais tarde, o açúcar. Como Alberto Vieira
esclarece, “os primeiros materializaram a necessária garantia das condições de

1
VIEIRA, Alberto. (2004). Açúcar e Aguardente na Madeira. Séculos XV a XX (pág. 33 e 34). Funchal:
Centro de Estudos de História do Atlântico.
subsistência e do ritual cristão, enquanto o último encerrou a ambição e voracidade
mercantil da nova burguesia europeia que fez da Madeira o principal pilar para
afirmação na economia atlântica e mundial” 2. Esta divisão de culturas traduzia as
tensões sociais existentes entre diferentes classes, se de um lado tínhamos os “produtos
básicos” para o dia-a-dia, direcionada à população mais pobre, do outro tínhamos a
mercadoria de exportação dos grandes proprietários, tal resultou num clima longe de
pacífico, com tensões constantes.

3. O Quotidiano
3.1. A População, a agricultura e sua dispersão no território

Gaspar Frutuoso, contemporâneo do século XVI, afirma que a cana sacarina “tem
enriquecido muitos mercadores, forasteiros e boa parte dos moradores da terra” 3.
Compreendemos então que, para além da melhoria geral da qualidade de vida, a
população da ilha era constituída por uma variedade de origens, sendo a maioria
descendente de colonos portugueses, mas que também era comum a presença de
comerciantes, portugueses continentais e outras regiões da Europa, que procuravam
lucros no negócio do açúcar. A presença de escravos também era uma realidade,
principalmente nas regiões mais urbanizadas e em propriedades de senhores, algo que
será discutido mais à frente.

Fora dos centros urbanos de Funchal e Machico, compreendemos que a maioria da


população se estabeleceu conforme os cursos de água dispostos na paisagem, os quais
bastante comuns, dando origem a muitos dos povoados. De realçar que para estas
populações, os cursos de água eram fundamentais por uma razão extra, o sistema de
produção de açúcar4.

A utilização e desenvolvimento de engenhos para a produção de açúcar foi


notória, e uma parte fundamental deles eram os engenhos de água, como moinhos. Os
mesmo eram comumente utilizados, sendo mais eficazes que os de besta, e como tal, a

2
Ibidem (pág. 77).
3
FRUTUOSO, Gaspar. (1998). Saudades da Terra (pág. 35). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta
Delgada.
4
VIEIRA, Alberto. (2004). Açúcar e Aguardente na Madeira. Séculos XV a XX (pág. 109). Funchal:
Centro de Estudos de História do Atlântico.
proximidade destes cursos era crucial. Isto também nos remete para outra realidade da
população, que era a sua proximidade e convívio com estes engenhos, um aspeto da
vida quotidiana dos trabalhadores livres e escravos que trabalhavam nas fazendas. Tal é
percetível em Saudades da Terra, nos capítulos XIV a XIX5, principalmente pela
recorrência com que Frutuoso os refere quando descreve as vilas e propriedades da ilha,
e que Alberto Vieira também analisa e discute6.

Deste modo, e somado à análise de fontes administrativas da época como as


vereações da Câmara do Funchal7, compreende-se o peso que o açúcar tinha na vida da
população, direta ou indiretamente. Porém, tal não se revelou eterno, pois com o
desenvolvimento desta cultura noutros territórios costeiros do Oceano Atlântico, a
Madeira perdeu o seu protagonismo para opções que vendiam um açúcar mais barato,
ainda que de menor qualidade, como o Brasil e as Canárias, na primeira metade do
século XVI. Alguns lavradores persistiram por um período considerável, mas o açúcar
acabou por perder o seu protagonismo no contexto madeirense, sendo por fim
substituído pela vinha8.

3.2. A Escravatura

Outro aspeto que é importante esclarecer sobre a atividade de produção e


comercialização do açúcar neste contexto, é a escravatura. A vinculação da escravatura
em larga escala à produção de açúcar na Madeira é tida por certos autores, como W. D.
Philips Jr.9, como algo certo. Estes atribuem-lhe um caráter de precursora daquilo que
viria a acontecer nos restantes casos semelhantes do Atlântico, como o Brasil e as
Canárias, mas tal é contrariado pelas fontes disponíveis. “A presença do escravo na
safra açucareira não é tão dominante como à primeira vista parece. (…) Ao lado estava
um grupo numeroso de livres como assalariados ou arrendatários, melhor posicionados
e imprescindíveis para isso. As condições definidas pela orografia da ilha e o sistema de

5
FRUTUOSO, Gaspar. (1998). Ibidem (pág. 49 a 58). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta
Delgada.
6
VIEIRA, Alberto. (2004). Ibidem (pág. 199 a 201). Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico.
7
COSTA. José Pereira. (1994). Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV (pág.724 a 803).
Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico.
8
VIEIRA, Alberto. (2004). Ibidem (pág. 80 e 81). Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico.
9
W. D. Philips Jr. (2013). Slavery in Medieval and Early Modern Iberia (pág. 225 e 226) Pennsylvania:
University of Pennsylvania Press.
propriedade conduziram a esta peculiar realidade”10. Deste modo entendemos que os
canaviais madeirenses eram caracterizados por uma dinâmica própria e particular, que
também contava com a presença significativa de trabalhadores livres, que trabalhavam e
conviviam lado a lado com os escravos, e se revelavam essenciais pela ausência de uma
estrutura industrial, ou seja, o contrário daquilo que será verificado no Brasil11.

Na realidade, a presença de escravos aparente ter sido algo significativamente


mais comum em regiões mais urbanizadas, pelo que se tratavam provavelmente, em sua
maioria, de escravos domésticos12. Frutuoso dá mais uma vez indícios que suportam
parcialmente esta realidade quando descreve Santa Cruz, localizada dentro da capitania
de Machico, ao escrever, “Há também nesta vila muitas mulatas, e muito bem tratadas e
de ricas vozes, que é sinal da antiga nobreza de seus moradores, porque em todas as
casas grandes e ricas há esta multiplicação dos que as servem”13.

3.3. A tradição cultural

As tradições madeirenses são ricas e em alguns casos diversas, provavelmente


devido ao contacto entre diferentes culturas que o comércio de açúcar gerou. A sua
posição, tanto geográfica como no cenário económico mundial, terá contribuído para as
matrizes europeias e africana se encontrarem e relacionarem, o que resultou em novos
costumes e tradições, como é visível no caso das danças, com destaque para a dança
mourisca, e o traje tradicional da Madeira e as suas variações regionais14.

Outro aspeto dentro deste tópico, mas mais relacionado ao urbanismo, é a cidade
do Funchal como uma “cidade do açúcar”. Apesar de parecer apenas um detalhe
historiográfico sem qualquer problema, revela uma perceção reducionista em relação à
cidade e, por sua vez, à ilha. Outro problema seria a ideia de que a cidade é como é,
devido ao açúcar, como uma espécie de fator primário, interveniente ou inspiração, algo
que não se revela inteiramente verdadeiro pois não temos base para isto, sendo mais
correto ver o açúcar como um catalisador da atividade socioeconómica, o que permitiu o
investimento no desenvolvimento arquitetónico e cultural da cidade15.

10
VIEIRA, Alberto. (2004). Ibidem (pág. 294 e 295). Funchal: Centro de Estudos de História do
Atlântico.
11
Ibidem (pág. 285).
12
Ibidem (pág. 296).
13
FRUTUOSO, Gaspar. (1998). Ibidem (pág. 41). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada.
14
VIEIRA, Alberto. (2004). Ibidem (pág. 71). Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico
15
VIEIRA, Alberto. (2004). Ibidem (pág. 72 e 73). Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico
4. Conclusão

Em suma, analisando fontes da época e estudos atuais do caso, podemos concluir


que o açúcar, como principal exportação da Madeira durante os séculos XV e XVI, e
ainda importante e influente no século XVII, foi fundamental, ainda que a par de alguns
exageros, para o decorrer dos acontecimentos e delinear do quotidiano dos madeirenses,
seja a nível económico, geográfico, demográfico ou cultural.
5. Bibliografia

- VIEIRA, Alberto. (2004). Açúcar e Aguardente na Madeira. Séculos XV a XX.


Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico. Disponível em:
file:///C:/Users/bt02b/Downloads/Historia_do_Acucar_na_Madeira_Seculos_XV.pdf

Consultado em 17 de dezembro de 2022.

D- FRUTUOSO, Gaspar. (1998). Saudades da Terra. Ponta Delgada: Instituto Cultural


de Ponta Delgada. Disponível em: file:///C:/Users/bt02b/Downloads/livro2%20(3).pdf

Consultado em 17 de dezembro de 2022.

- COSTA, José Pereira. (1994). Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século


XV. Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico. Disponível em:
file:///C:/Users/bt02b/Downloads/Funchal_ver1481-1497%20(1)%20(1).pdf

Consultado em 17 de dezembro de 2022.

- W. D. Philips Jr. (2013). Slavery in Medieval and Early Modern Iberia. Pennsylvania:
University of Pennsylvania Press.

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