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A CIVILIZAÇÃO DO
AÇÚCAR NO ATLÂNTICO
ALBERTO VIEIRA
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Recuperar os momentos de fulgor da cultura dos canaviais e das industrias subsequentes do açúcar,
destilação, ou fabrico de conservas e casquinha, eis o objectivo que presidiu a esta breve incursão na
História do Açúcar no mundo atlântico, que tem na Madeira a primeira expressão. Para tornar mais
acessível a compilação reunimos um conjunto de gravuras e fotografias que permitem uma
adequada ilustração da realidade.
A Europa sempre se prontificou a apelidar as ilhas de acordo com a oferta de produtos ao seu
mercado. Deste modo, sucedem-se as designações de ilhas do pastel, do açúcar e do vinho. O açúcar
ficou como epíteto da Madeira e de algumas das Canárias, onde a cultura foi a varinha de condão
que transformou a economia e vivência das populações. Também do outro lado do oceano elas se
identificam com o açúcar, uma vez que serviram de ponte à passagem do Mediterrâneo para o
Atlântico. Daqui resulta a relevância que assume o estudo do caso particular, quando se pretende
fazer a reconstituição da rota do açúcar. A Madeira é o ponto de partida, por dois tipos de razões.
Primeiro, porque foi pioneira na exploração da cultura e, depois, na expansão ao espaço exterior
próximo ou longínquo, incluído as Canárias.
O açúcar é de todos os produtos que acompanharam a diáspora europeia aquele que moldou, com
maior relevo, a mundividência quotidiana das novas sociedades e economias que, em muitos casos,
se afirmaram como resultado dele. A cana sacarina, pelas especificidades do seu cultivo,
especialização e morosidade do processo de transformação em açúcar, implicou uma vivência
particular, assente num específico complexo sócio-cultural da vida e convivência humana. Gilberto
Freyre foi o primeiro em 1971 a chamar a atenção dos estudiosos para esta realidade, quando
definiu as bases daquilo que a que designou de Sociologia do Açúcar: A publicação em 1933 de
"Casa-Grande & Senzala" foi o prelúdio de nova preocupação e domínio temático para a Sociologia
e a História.
A cana sacarina, ao contrário do que sucedeu com os demais produtos e culturas (vinha, cereais),
não se resumiu apenas à intervenção no processo económico. Ela foi marcada por evidentes
especificidades capazes de moldarem a sociedade, que dela se serviu para firmar a sua dimensão
económica. A importância a que o sector comercial lhe atribuía conduziu a que fosse uma cultura
dominadora de todo (ou quase todo) o espaço agrícola disponível, capaz também de estabelecer os
contornos de uma nova realidade social.
Foi precisamente esta tendência envolvente que levou a Historiografia a definir o período da
afirmação como o Ciclo do Açúcar. Aqui não estávamos perante uma aplicação da teoria dos ciclos
económicos, mas pretendia-se subordinar esta tendência para a afirmação da cultura na vida
económica e social com este conceito. A omnipresença da cultura, as múltiplas implicações que
gerou nos espaços em que foi cultivada levou alguns investigadores a estabelecer um novo modelo
de análise: os ciclos de produção assentes na monocultura
O grande erro da Historiografia europeia foi ter encarado a economia açucareira da Madeira ou das
Canárias como um retrato em miniatura. O confronto das duas realidades, coisa que ainda ninguém
se atreveu a fazer, comprova que a situação não existe, não passando de mera ficção as análises que
são colocadas ao nosso dispor. O facto de ambos os arquipélagos terem sido meios de ligação da
nova cultura económica do atlântico ocidental, não quer dizer que houve uma transplantação total e
igual para os novos espaços. As condições ambientais, os obreiros da transformação eram outros
como diversa foi a realidade que o produto gerou. Tudo isto deverá resultar das ciladas do método
de análise do processo histórico de forma retrospectiva, onde, por vezes, o facto surge-nos como a
imagem e consequência. Tal como o provaram os estudos recentes sobre a situação da economia
açucareira do Mediterrâneo Atlântico, a conjuntura deste espaço é diversa da americana, seja ela
insular ou continental. Também não se poderá colocar ao mesmo nível o caso de São Tomé que,
embora situado no sector ocidental do oceano, aproxima-se mais da realidade antilhana do que dos
arquipélagos da Madeira e das Canárias.
De acordo com esta ideia, de que a civilização do açúcar teve apenas uma única forma de expressão
no Atlântico Ocidental e Oriental, partiu-se para a afirmações precipitadas na análise da economia e
sociedade que lhe serviu de base. Ao açúcar associou a Historiografia, desde muito cedo, a
escravatura, fazendo jus à afirmação de Antonil em 1711, de que "os escravos são as mãos e os pés
do senhor de engenho". Aqui também a relação não nos surge tão transparente como à primeira vista
pode parecer.
Sucede que a escravatura da Madeira, tal como teremos oportunidade de o afirmar, não assumiu
uma posição similar à de Cabo Verde, São Tomé, Brasil ou Antilhas, não obstante o surto evidente
de produção açucareira. Aqui, ao invés daquilo que tem lugar, o escravo não dominou as relações
sociais de produção: ele existiu, sob a condição de operário especializado ou não, mas a posição não
era dominante, tal como sucedia nas áreas supracitadas. Por fim acresce que esta hipervalorização
do
açúcar na História da Madeira levou alguns aventureiros e progenitores de teorias de vanguarda a
estabelecer também uma forma peculiar de urbanização do Funchal, de acordo com a presença do
açúcar. Deste modo ao Funchal do século XVI chamam-lhe, sem saberem e explicarem porquê,
"cidade do açúcar", quando na realidade, a expressão urbanística da cana-de-açúcar é manifestada
pela ruralidade. A esta e às demais questões atrás enunciadas propomo-nos ver qual o fundamento e
a possibilidade de vinculação às manifestações conhecidas da civilização do açúcar na Madeira.
O açúcar, acima de tudo, era um complemento fundamental na vida económica da ilha. Sucedeu
assim até meados do século XVI e, depois, a partir de finais do século XIX, tudo mudou. A riqueza
cumulou os proprietários mas também a arraia-miúda, sendo um factor de progresso social. Com ele
ergueram-se igrejas - a Sé do Funchal é um exemplo disso -, amplos palácios que se rechearam de
obras de arte de importação, testemunhos evidentes estão no actual Museu de Arte Sacra. A arte
flamenga na ilha é um dom do açúcar. O Progresso sócio-económico da ilha, o seu protagonismo na
expansão atlântica -- nos descobrimentos e defesa das praças africanas -- só foi conseguida à custa
da elevada riqueza acumulada pelos madeirenses. Todos, sem diferença de condição social, fruíram
desta riqueza. Até a opulência e luxúria da própria coroa, lá longe no reino, foi conseguida, por
algum tempo, com o açúcar que a coroa arrecadava na ilha.
Mas a implantaçäo dos canaviais näo deriva apenas da disponibilidade de uma reserva florestal e de
água para a laboraçäo dos engenhos. A isso deverá juntar-se, necessariamente, as condiçöes
oferecidas pelo clima e orografia. Neste contexto as ilhas da América Central e do Golfo da Guiné
estaräo em melhores condiçöes que a Madeira ou as Canárias. Deste modo em ambos os
arquipélagos a orografia estabeleceu um traväo à afirmaçäo da cultura extensiva dos canaviais. De
acordo com estas condiçöes a produçäo madeirense dos séculos XV e XVI nunca ultrapassou as
1584,7 toneladas, atingidas em 1510. apenas no presente século, com a expansão dos canaviais, de
novo a toda a ilha, se conseguiu suplantar este valor, tendo-se atingido em 1916 as 4943,6
toneladas. Este incremento da produçäo açucareira foi travado nos anos imediatos por meio dos
decretos de 1934-1935 e 1937 regulamentadores da área de produçäo. Em S. Tomé os canaviais
tiveram melhores condiçöes para se afirmarem e suplantarem a produçäo madeirense: na primeira
metade do século dezasseis a ilha, com uma extensäo de 857 m2, ( mais que a Madeira - 728)
produzia o dobro, cifrando-se este valor, na primeira metade do século XVI, em 4950 toneladas o
clima, o solo fazem com que a produçäo de açúcar em S. Tomé cedo suplantasse a madeirense: aí as
canas cresciam três vezes mais que na Madeira e colhem-se duas culturas.
O conjunto das 21 ilhas produtoras de açúcar no espaço atlântico oferece um total de 271.993 m2,
dos quais oferece apenas uma ínfima parcela foi dedicada à agricultura. Note-se que, para além da
disponibilidade do espaço agrícola adequado a esta cultura, tornava-se necessário a disponibilidade
de uma reserva silvícola, sem a qual os engenhos não podiam laborar. O caso da Madeira é
paradigmático: aqui a superfície cultivada pouco ultrapassa um terço da área da ilha, sendo o
restante espaço constituído pela reserva silvícola.
A situaçäo das ilhas do outro lado do oceano é também diferente da madeirense, condiçöes
semelhantes às encontradas e, S. Tomé fizeram com que os canaviais se afirmassem aí, a partir do
século dezassete. Deste conjunto de ilhas apenas um reduzido número (S. Cristóväo, Nevis,
Antigua, Montserrat) se assemelha à Madeira, em termos orográficos. Aí deparámo-nos com ilhas
de superfície menor que a Madeira (Antigua, Barbados, Nevis, St. Vicent, Trinidad) mas com uma
produçäo açucareira superior. Facto evidente sucede com as ilhas de Trinidad, Antigua e Barbados,
que dispondo de uma reduzida superfície conseguem produzir mais açúcar que a Madeira: a ilha de
Trinidad com apenas 301 m2 produziu entre 1850 e 1940 uma média anual de 57862 toneladas de
açúcar, enquanto a Madeira se ficou pelas 1659 toneladas. Note-se ainda que as ilhas de Montserrat
e Nevis, com uma superfície total quase igual à da área ocupada pelos canaviais na madeira,
conseguem atingir valores de produçäo semelhantes.
Diversa é também a estrutura fundiária que serviu de base a esta cultura. enquanto na Madeira a o-
rografia e o sistema de posse da terra definiram a plena afirmação da pequena e média propriedade,
em S. Tomé ou nas Antilhas estávamos perante a grande propriedade, activada pela grande força de
trabalho escrava: em Barbados, entre 1650 e 1834, 84% dos proprietários de canaviais era detentor
de mais de cinquenta escravos, enquanto na Madeira apenas 2% era possuidor de mais de 10
escravos.
Por outro lado a área dos canaviais assumida por cada proprietário era também elevada, pois 64%
destes possuíam cana viais cuja extensäo ia de 40 a 121 hectares, situaçäo que estava muito aquém
da assumida pelos produtores madeirenses. Na Madeira apenas um produtor se aproxima desse
valor (Pedro Gonçalves com uma área de 36,9 hectares)), sendo os demais com valores infe-riores:
os lavradores com mais de 22 toneladas de produçäo e com mais de 14 hectares de terreno
representam em 1494 apenas 1,3% e 5% para o período de 1509 a 1537.
À função de porta-estandarte do Atlântico, a Madeira associou outras, como "farol" Atlântico, o guia
orientador e apoio para as delongas incursões oceânicas. Por isso nos séculos que nos antecederam,
ela foi um espaço privilegiado de comunicações, tendo a seu favor as vias traçadas no oceano que a
circunda e as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e vinha.
Uma e outra contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano fosse quebrado e se
mantivesse um permanente contacto com o velho continente europeu e o Novo Mundo.
Como corolário desta ambiência a Madeira firmou uma posição de relevo nas navegações e
descobrimentos no Atlântico. O rápido desenvolvimento da economia de mercado, em uníssono
com o empenhamento dos principais povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento do
Atlântico, reforçaram a posição da Ilha e fizeram avolumar os serviços prestados pelos madeirenses.
Aqui, surgiu uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada de títulos e benesses pelos
serviços prestados no reconhecimento da costa africana, defesa das praças marroquinas, ou nas
campanhas brasileiras e índicas. A par disso a ilha surge, nos alvores do século XV, como a primeira
experiência de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo
isto foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O
arquipélago foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos da nova sociedade e economia do
mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os
portugueses aportaram.
O sistema institucional madeirense apresentava uma estrutura peculiar, definida pelas capitanias.
Foi a 8 de Maio de 1440 que o Infante D. Henrique lançou a base da nova estrutura ao conceder a
Tristão Vaz a carta de capitão de Machico. A partir daqui ficou estabelecido o sistema institucional
que deu corpo ao governo português no Atlântico insular e brasileiro. Sem dúvida que o facto mais
significativo desta estrutura institucional deriva de a Madeira ter servido de modelo referencial para
o seu delineamento no espaço atlântico. O monarca insiste, nas cartas de doação de capitanias
posteriores, na fidelidade ao sistema traçado para a Madeira. Assim o comprovam idênticas cartas
concedidas aos novos capitães das ilhas dos Açores e Cabo Verde. O mesmo sucede com a demais
estrutura institucional que chegou também a S.Tomé e Brasil.
João de Melo da Camara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia em 1532 de uma forma
perspicaz o protagonismo madeirense no espaço atlântico. Segundo ele a sua família era portadora
de uma longa e vasta experiência "porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de
São Miguel, e meu tio a de São Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...". Isso dava-
lhe o alento necessário e abri-lhe perspectivas para uma sua iniciativa no Brasil. Ele reclamava o
protagonismo do seu ancestral Rui Gonçalves da Câmara que em 1474 comprara a ilha de S.
Miguel, dando início ao seu verdadeiro povoamento. A mesma percepção surge em Gilberto Freire
que em 1952 não hesita em afirmar: A irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a
Madeira. E irmã que se estremou em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus
homens,... concorreram para transformar rápida e solidamente em nova lusitania".
Outra componente importante da afirmação da ilha como modelo de referência tem a ver com a
organização da sociedade no espaço atlântico e da importância aí assumida pelo escravo. Mais uma
vez a Madeira é o ponto de partida para esta transformação social. De acordo com S. Greenfield ela
serviu de trampolim entre o "Mediterranean Sugar Production" e a "Plantation Slavery" americana.
O autor não faz mais do que retomar os argumentos aduzidos por Charles Verlinden desde a década
de sessenta. Note-se que esta argumentação mereceu alguns reparos na sua formulação, mercê de
novos estudos.
Na verdade, tudo o que foi concretizado em termos do mundo atlântico português teve por matriz o
sucedido na Madeira. A Madeira foi ao nível social, politico e económico, o ponto de partida para o
"mundo que o português criou..." nos trópicos. Neste contexto é sumamente importante o
conhecimento do sucedido na Madeira quando pretendemos estudar e compreender as outras situa-
ções. Colombo abriu as portas ao Novo Mundo e traçou o rumo da expansão da cana de açúcar.
Note-se que esta cultura não lhe era alheia, pois o navegador tem no seu curriculum algumas
actividades ligadas ao comércio do açúcar na Madeira. Note-se que o navegador, antes da sua
relação afectiva ao arquipélago, foi, a exemplo de muitos genoveses mercador do açúcar
madeirense. Em 1478 ele encontrava-se no Funchal ao serviço de Paolo di Negro para conduzir a
Génova 2400 arrobas a Ludovico Centurione. Com esta viagem e, depois da larga estância do
navegador na ilha, Colombo ficou conhecedor da dinâmica e importância do açúcar da Madeira. Em
Janeiro de 1494, aquando da preparação da Segunda Viagem, o navegador sugere aos reis católicos
o embarque de 50 pipas de mel e 10 caixas de açúcar da Madeira para uso das tripulações,
apontando o período que decorre até a Abril como o melhor momento para o adquirir. A isto
podemos somar a passagem do navegador pelo Funchal no decurso da terceira viagem em Junho de
1498 podemos apontar como muito provável a presença de socas de canas da Madeira na bagagem
dos agricultores que o acompanhavam. Note-se que neste momento a cultura dos canaviais havia
adquirido o apogeu na ilha, mantendo-se uma importante franja de canaviais ao longo da vertente
sul.
A tradição anota que as primeiras socas de cana saíram de La Gomera. Todavia a cultura
encontrava-se aí nesse momento em expansão, enquanto na Madeira estava já consolidada. Note-se
que ainda estão por descobrir as razões que conduziram Colombo, no decurso da Terceira viagem, a
fazer um desvio na sua rota para escalar o Funchal. Na verdade, a Madeira foi a primeira área do
Atlântico onde se cultivou a cana-de-açúcar que, depois, partiu à conquista das ilhas (Açores,
Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Antilhas) e continente americano. Por isso mesmo o conhecimento
do caso madeirense assume primordial importância no contexto da História e geografia açucareira
dos séculos XV a XVII.
O açúcar da Madeira ganhou fama ao nível do mercado europeu. A sua qualidade diferenciava-o dos
demais e fê-lo manter-se como o preferido de muitos consumidores europeus. Deste modo o
aparecimento de açúcar de outras ilhas ou do Novo Mundo veio a gerar uma concorrência
desenfreada ganha por aquele que estivesse em condições de ser oferecido ao melhor preço. Um
testemunho disso surge-nos com Francisco Pyrard de Laval: "Não se fale em França senão no açúcar
da Madeira e da ilha de S. Tomé, mas este é uma bagatela em comparação do Brasil, porque na ilha
da Madeira não há mais de sete ou oito engenhos a fazer açúcar e quatro ou cinco na de S. Tomé". E
refere que no Brasil laboravam 400 engenhos que rendiam mais de cem mil arrobas que, segundo o
mesmo, são vendidas como da Madeira.
O mais significativo desta situação do novo mercado produtor de açúcar é que o madeirense
encontra-se indissociavelmente ligado. Na verdade, a Madeira foi o ponto de partida do açúcar para
o Novo Mundo. O solo madeirense confirmou as possibilidades de rentabilização e de abertura de
novo mercado para o açúcar. Também o íncola foi capaz de agarrar esta opção, tornando-se no
obreiro da sua difusão no mundo Atlântico. A tradição anota que foi a partir da Madeira que o
açúcar chegou aos mais diversos recantos do espaço atlântico e que os técnicos madeirenses foram
responsáveis pela sua implantação. O primeiro exemplo encontramos em Rui Gonçalves da Câmara,
quando em 1472 comprou a capitania da ilha de S. Miguel. Na sua expedição de posse da sua
capitania fez-sem acompanhar de canas da sua Lombada, que entretanto vendera a João Esmeraldo,
e dos operários para a tornar produtiva. A estes seguiram-se outros que corporizaram diversas
tentativas frustradas para fazer vingar a cana de açúcar nas ilhas de S. Miguel, Santa Maria e
Terceira.
Em sentido contrário avançou o açúcar em 1483, quando o governador D. Pedro de Vera quis tornar
produtiva a terra conquistada nas Canárias. De novo a Madeira surge disponibilizar as socas de cana
para que aí surgissem os canaviais. Todavia, o mais significativo é a forte presença portuguesa no
processo de conquista e adequação do novo espaço a economia de mercado. Os portugueses em
especial o Madeirense surge com frequência nestas ilhas ligando-se ao processo de arroteamento das
terras, como colonos que recebem datas de terras na condição de trabalhadores especializados a
soldada, ou de operários especializados que construíram os engenhos e os colocam em movimento.
O avanço do açúcar para sul ao encontro do habitat que veio gerar o boom da sua produção, deu-se
nos anos imediatos ao descobrimento das ilhas de Cabo Verde e S. Tomé. Todavia, só nesta última,
pela disponibilidade de água e madeiras, os canaviais encontraram condições para a sua expansão.
Deste modo em 1485 a coroa recomendava a João de Paiva que procedesse à plantação de cana do
açúcar. Para o fabrico do açúcar refere-se a presença de "muitos mestres da ilha da Madeira".
A partir do século XVI a concorrência do açúcar das Canárias e S. Tomé aperta o cerco do açúcar
madeirense o que provocou a natural reacção dos agricultores madeirenses. Deste modo sucedem-se
as queixas junto da coroa, que ficou testemunho em 1527. Em vereação reuniram-se os lavradores
de cana para reclamar junto da coroa contra o prejuízo que lhes causava o progressivo
desenvolvimento desta cultura em S. Tomé. A resposta do rei, no ano imediato, remete para uma
análise dos interesses em jogo e só depois, no prazo de um ano, seria tomada uma decisão, que
parece nunca ter vindo. Note-se que a exploração fazia-se directamente pela coroa e só a partir de
1529 surgem os particulares interessados nisso.
Enquanto isto se passava, do outro lado do Atlântico davam-se os primeiros passos no arroteamento
das terras brasileiras. E, mais uma vez, é notada a presença dos canaviais e dos madeirenses como
os seus obreiros. A coroa insistiu junto dos madeirenses no sentido de criarem as infra estruturas
necessárias ao incremento da cultura. Aliás, o primeiro engenho aí erguido por iniciativa da coroa,
contou com a participação dos madeirenses. Em 1515 a coroa solicitava os bons ofícios de alguém
que pudesse erguer no Brasil o primeiro engenho, enquanto em 1555 foi construído pelo madeirense
João Velosa um engenho a expensas da fazenda real. Esta aposta da coroa na rentabilização do solo
brasileiro através dos canaviais levou-a condicionar a forja de mão-de-obra especializada, que então
se fazia na Madeira. Assim, em 1537 os carpinteiros de engenho da ilha estavam o proibidos de ir à
terra dos mouros.
Com tais condicionantes e colocados perante o paulatino decréscimo da produção açucareira na ilha,
muitos madeirenses são forçados a seguir ao encontro dos canaviais brasileiros. Deste modo em
Pernambuco e na Baia, entre os oficiais e proprietários de engenho, pressente-se a presença
madeirense. É de salientar que alguns destes madeirenses se tornaram em importantes proprietários
de engenho como foi o caso de Mem de Sá, João Fernandes Vieira, o libertador de Pernambuco. É a
partir daqui que se estabelece um vínculo com a Madeira, continuado através do trafico ilegal de
açúcar para o Funchal ou então ao mercado europeu com a designação da Madeira. Este movimento
seguia as ancestrais ligações entre os que do outro lado do Atlântico via florescer a cultura e aqueles
que na ilha ficavam sem os seus benefícios. Contra isso intervêm os madeirenses e a coroa
proibindo a importação deste açúcar para revenda na ilha. Depois sucederam-se outras medidas do
município, proibindo a qualquer dos seus membros a compra de açúcar do Brasil. Todavia, o
aparecimento do bicho da cana em 1610 os madeirenses tiveram de se conformar com a entrada do
açúcar brasileiro, por isso a edilidade estabeleceu em 1611 um contrato com os mercadores em que
estes se comprometem expedir do Funchal uma caixa de açúcar de ilha com outro do Brasil.
Situação que nunca foi cumprida, uma vez que em 1620 nas 1178 caixas saídas da alfândega do
Funchal temos 23560 arrobas de açúcar do Brasil e 1992 da Madeira.
A par disso no Brasil algumas das folias que animavam os terreiros do engenho são um misto de
tradições europeias e africanas. Destas destaca-se o Bumba-meu-boi e o fadango; a primeira
aproxima-se da tradicional tourada, surgindo como forma de exaltação do negro e do boi, elementos
fundamentais da safra açucareira; o segundo é um auto popular do ciclo natalício que descreve a
luta entre o cristão e o mouro, numa clara alusão ao processo de conquista peninsular. Do lado
oposto a estas duas tradições está a Congada, uma dança de senzala, definida pela coroação do rei
do Congo. Ela tinha lugar em Maio (dia de São Benedicto) e Outubro (dia de Nossa Senhora do
Rosário). Ainda no Brasil a economia açucareira gerou uma dinâmica sócio-cultural diversa, que
deixou rastros evidentes na literatura: o caso mais evidente é o de José Lins do Rego(1901-1957),
que escreveu um conjunto de romances a retratar o ciclo da cana de açúcar: Menino de
Engenho(1932), Doidinho(1933), Banguê(1934), o Moleque Ricardo(1935), Usina(1936), Fogo
Morto(1943) e Meus Verdes anos 1956). Na Madeira esta vivência não entusiasmou a veia
literário dos seus protagonistas e apenas na actualidade o tema despertou o interesse de Horácio
Bento de Gouveia, em Águas Mansas(1963), e João França em A ilha e o Tempo(1972).
Por outro lado, é de salientar que A safra açucareira teve também implicações na política de
urbanização do espaço rural, condicionando uma forma peculiar de ligação do espaço agrícola -
industrial com as estruturas de mando e controle social. A célebre trilogia rural, tão bem definida
por Gilberto Freire, teve o seu primeiro aparecimento aqui na Madeira, sendo testemunho actual
disso a célebre lombada de João Esmeraldo (Ponta do Sol). Mas outros mais exemplos poderíamos
referenciar na ilha que, lamentavelmente, se estão perdendo. Talvez por estas implicações do açúcar
se define ao espaço rural, ou por outras razões que desconhecemos, se definiu para o Funchal
epitetos pouco expressivos da realidade. Assim a partir da publicação do livro de António
Aragão(1988) sobre a cidade do Funchal ficou estabelecido que ela era a "primeira cidade
construída por Europeus fora a Europa" e dentro da sua malha urbana de uma "cidade do açúcar" e
outra do "vinho". Esta aventureira definição não colhe argumentos a seu favor.
O pioneirismo aventureiro desta ideia com a segurança e afirmações resultantes das pesquisas
promovidas nos Açores, Canárias, Brasil e Antilhas, onde ninguém, até hoje, teve a ousadia de
avançar com semelhante perspectiva reducionista da realidade arquitectónica e urbana. Todos são
unânimes em afirmar a adaptação do modelo europeu às condições geo-humanas dos novos espaços
e a forte vinculação às directivas régias e à mão-de-obra especializada da península. O
desenvolvimento económico, assente na produção ou comércio de certos produtos surge em todas as
áreas, não como factor definidor da traça urbana e arquitectónica, mas sim como meio.
Se tivermos em conta que a economia açucareira madeirense não assumiu a mesma proporção da
brasileira ou mexicana e que nestas últimas áreas não se fala de uma urbanização do açúcar mas sim
das implicações sociológicas e arquitectónicas deste produto teremos por anacrónica a definição no
Funchal de uma cidade do açúcar. Confrontados os estudos sobre a história das cidades das demais
ilhas atlânticas e do Novo Mundo, onde a cana-de-açúcar foi dominante, não encontrámos qualquer
definição deste tipo para a malha arquitectónica urbana. Tenha-se como exemplo o caso de Canárias
onde é evidente também um extremo seguidismo aos cânones peninsulares. Por isso não
entendemos a forma despropositada com que se tem defendido a existência no Funchal de uma
cidade do açúcar. Mas do açúcar é a única coisa que se poderá dizer é que a imagem do açúcar
ficou apenas o registo nas armas da cidade a partir do século XVI, a que se juntou a videira no
século dezanove. Não obstante o facto de aquele espaço, que é hoje o centro da cidade, ter sido no
século XV uma área de canaviais (o Campo do Duque), as alterações que se produziram a partir da
década de oitenta do século XV conduziram à sua adequação aos modelos arquitectónicos pe-
ninsulares. É a imposição lançada em 1485 sobre o vinho, surgiu única e exclusivamente com o
intuito de criar um fundo municipal para o "nobrecimento" da vila. Com isto não queremos excluir a
função relevante dos proventos arrecadados pela economia açucareira na valorização do património
urbano, mas apenas referenciar que não houve uma ligação directa entre as duas situações.
Em boa verdade se diga, que o recinto urbano, que emerge a partir da década de sessenta entre as
ribeiras de João Gomes e Santa Luzia e, depois, para além desta última, foi o princípio da futura
cidade, dominada pelos mercadores do açúcar. As residências de João Esmeraldo, de D. Mécia, do
capitão do donatário, bem como os conventos (Encarnação, S. Francisco e Santa Clara) e igrejas
(Sé, Capela dos Reis Magos, Madre de Deus e matrizes de Machico, Ponta do Sol, Calheta e Ribeira
Brava) foram erguidas e embelezadas artisticamente a partir dos proventos acumulados com a safra
do açúcar. Mas uma coisa é o açúcar ser fonte de receita, participadora deste processo e outra é o
resultar daí implicações urbanísticas e plásticas. Na verdade a vila que é elevada em 1508 à
categoria de cidade deve apenas ser considerada como a cidade dos mercadores de açúcar e nunca a
cidade do açúcar.
A cultura da cana coloca inúmeras questões em termos da propriedade da terra e da água. Dois
dados indissociáveis da sua afirmação. O conhecimento do regime de propriedade requer um estudo
aturado, assente nas fontes documentais que atestem o sistema de relações estabelecido na posse e
produção da parca superfície arável.
O processo das Canárias não é idêntico ao da Madeira. Enquanto o arquipélago madeirense, que se
resume a duas ilhas, foi entre 1439 e 1497 senhorio da ordem de Cristo, que estabeleceu como seus
representantes três capitães: João Gonçalves Zarco no Funchal (1450), Tristão Vaz em Machico
(1440) e Bartolomeu Perestrelo no Porto Santo (1446). Nas Canárias encontramo-nos perante ilhas
realengas (Gran Canaria, La Palma e Tenerife) e de senhorio (Fuerteventura, Lanzarote, La Gomera
e El Hierro). Acresce, ainda, neste arquipélago a presença de uma população autóctone que fez
atrasar o processo de ocupação e colocou os povoadores perante um novo pretendente à distribuição
de terras, isto é os indígenas que aceitaram a soberania castelhana.
Nas ilhas portuguesas a distribuição de terras foi regulamentada, desde o início, pela coroa e, mais
tarde, pelo senhorio da ilha, o infante D. Henrique. No primeiro o monarca D. João I ordenara aos
capitães que as terras seriam “dadas forras e sem penção alguma aquelles de maior qualidade e a
outros que posanças tiverem para as aproveitar. E aos de menor que vivão de seu trabalho de cortar
e pilhar madeiras e das criações de gado...”. Depois, João Gonçalves Zarco, fazendo uso das
prerrogativas atribuídas reservou para si e descendentes um importante pecúlio de terras no Funchal
e Ribeira Brava. Outras foram concedidas, de acordo com o regimento afonsino, aos que estavam
em condições de as aproveitar pois caso contrário perdiam o seu direito de posse. Isto foi o princípio
de diferenciação social dos primeiros colonos e a abertura à afirmação da grande propriedade.
Também, nas Canárias é patente esta diferenciação social dos agraciados com dadas de terras que,
de acordo com cédula real de 1480,Pedro de Vera deveria concede-las aos conquistadores “segun
sus merecimientos”.
A concessão de terras de sesmaria e a legitimação da posse geraram alguns conflitos que implicaram
a intervenção do senhorio ou o arbítrio do seu ouvidor. Em 1461 os madeirenses reclamaram contra
a redução do prazo para aproveitamento das terras de sesmaria, dizendo que eram “bravas e fragosas
e de muytos arvoredos”. Contudo, o infante D. Fernando não abdicou do foral henriquino e apenas
concedeu a possibilidade de alargamento do prazo mediante análise circunstanciada de cada caso
pelo almoxarife. Passados cinco anos os mesmos contestaram de novo o regime de concessão de
terras de arvoredos e o modo de as esmontar, pelos efeitos nefastos que causava à safra açucareira.
Perante isto o senhorio ordenou aos capitães e almoxarifes que cumprissem os prazos estabelecidos
e que fosse interdito o uso do fogo. No entanto, em 1483, o capitão de Machico continuava a
distribuir de sesmarias os montes próximos do Funchal, com excessivo prejuízo para os lavradores
do açúcar e, por isso mesmo, D. Manuel repreende-o, solicitando que tais concessões deveriam ser
feitas na presença do provedor. Finalmente, em 1485, o mesmo proibiu a distribuição de terras de
sesmaria nos montes e arvoredos do norte da Ilha, para em princípios do século XVI (1501 e 1508)
acabar definitivamente com a concessão de terras em regime de sesmaria. A única ressalva estava
nas terras que pudessem ser aproveitadas em canaviais e vinhedos.
O PODER DA ÁGUA. A tudo isto há que referir, ainda, que as ilhas Canárias onde se implantou a
cultura dos canaviais apresentavam um ecossistema distinto do madeirense. Assim na Madeira os
cronistas, excepção feita ao Porto Santo, não se cansam de enunciar duas riquezas fundamentais
para fazer medrar os canaviais e a industria subsequente. A ilha é abundante em água e lenhas pelo
que a cana de açúcar tem condições para ser promissora. Em face disto as doações de terra não
fazem expressa referencia à repartição da água. Esta, no primeiro momento dá e sobra os problemas
com a sua falta, e a necessidade de regulamentar o seu uso e posse, surgem num segundo momento.
Tendo em conta a importância que a água assume para a cultura a safra do açúcar é necessário não
esquecer a forma da sua distribuição e posse.
Ao homem estava atribuída a dura tarefa de desviar o curso das ribeiras fazendo com que as suas
movessem engenhos, moinhos e irrigar os canaviais e demais culturas. Para isso, traçaram
kilómetros de canais para a sua condução, que ficaram conhecidos, na ilha, como levadas. O sistema
permitiu um maior aproveitamento dos socalcos e o alívio do homem em algumas tarefas, como
sejam, o moer do grão e da cana e o serrar das madeiras. Moinhos, engenhos e serras convivem
pacificamente usufruindo da água que corre na mesma levada. A orografia da ilha ao mesmo tempo
que dificultava a condução da água favorecia este aproveitamento, pela força motriz atribuída pelos
declives acentuados.
Águas e nascentes foram consideradas, nos primeiros documentos emanados para a ilha, como
domínio público. Assim, o entendia D. João I no capítulo de um regimento dado a João Gonçalves
Zarco onde considerava nesta situação as "fontes, tornos e olhos daugua... prayas e costas do mar,
rios e ribeyras". Todavia, a água foi um problema ao longo da História da ilha, pois desde o começo
surgiram açambarcadores a reivindicar para si a posse exclusiva deste bem comum. Em 1461
coloca-se a primeira dificuldade nesta repartição das águas, no que o Duque responde que, o
almoxarife mais dois homens ajuramentados, repartam "as auguas a cada hum pera seus açuquares e
logares segumdo cada hum mereçeer". Mesmo assim, continuaram as demandas sobre as águas pelo
que em 1466 o duque decidiu mandar à ilha, Dinis Anes de Sá, seu ouvidor, com intuito de resolver
esta e outras questões.
Com D. João II que ficaram definidos os direitos sobre a água que perduraram até ao século XIX.
Por cartas de 7 e 8 de Maio ficou estabelecido, de uma vez por todas que as águas eram património
comum, sendo distribuídas pelo capitão e oficiais da câmara, entre todos os proprietários, pois que
"sem as agoas as terras se não podiam aproveitar". A partir daqui ficou estabelecido a água como
propriedade pública, sendo o seu usufruto para aqueles que possuíssem terras e delas necessitassem.
Todavia, desde finais do século quinze, a água passou a ser negociada, a exemplo do que sucedia
com a terra. É com o regimento de D. Sebastião, em 1562, que se procede a uma alteração no
sistema primitivo. As águas podem ser vendidas ou arrendadas, o que permitiu que aumentasse o
fosso entre a propriedade da terra e da água.
Nos diversos contratos de meias, arrendamento e de colonia, em que os canaviais jogam um papel
fundamental, a água esta sempre presente. Naquelas referentes ao Convento de Santa Clara esta
instituição assume o compromisso de atribuir água necessária.
A tradição de traçar levadas fez com que os madeirenses se tivessem transformado nos seus exímios
construtores, levando a tecnologia para todo o lado onde se fixaram. Primeiro, foi as Canárias e,
depois, na América. Esta perícia e engenho dos madeirenses está evidenciada na reclamação de
Afonso de Albuquerque para que o rei lhe mandasse madeirenses "que cortavam as serras pera
fazerem levadas, com que se regam as cannas de açúcar", para desviar o curso do rio Nilo.
O plano de levadas da ilha não ficou concluído no século XVII foi apenas adiado pela afirmação da
vinha, uma cultura de sequeiro, e, por isso mesmo, quando a cana retornou à ilha, no século XIX, de
novo se pôs a questão das levadas para irrigar os canaviais e mover os engenhos. A água adquire de
novo uma dimensão económica importante, levando as autoridades a nova intervenção no sentido da
sua regulamentação e do traçar de novas levadas para alargar a área de regadio e, por consequência,
dos canaviais. É de salientar que o regime jurídico das águas, estabelecido em 1493 por D. João II,
perdurou até 1867, altura em que foi aprovado um novo Código Civil. A partir de então água e terra
são duas realidades distintas, vindo a agravar a situação, por ser favorável à especulação, situação
que foi atacada por leis de 1914 e 1931. Seis anos após o governo avançou com uma política
específica da água que chegou à Madeira em 1939. A criação da Comissão Administrativa dos
Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira(1943)foi o ponto de partida para esta mudança na política
da água e das áreas de regadio na ilha.
DOS CANAVIAIS AO ENGENHO. A cana-de-açúcar na sua primeira experiência além Europa
demonstrou as possibilidades de rápido desenvolvimento fora do habitat mediterrânico. Gaspar
Frutuoso testemunha isso mesmo ao referir que “esta planta multiplicou de maneira na terra, que he
o assucar della o melhor que agora se sabe no mundo, o qual com o beneficio que se lhe faz tem
enriquecido muitos mercadores forasteiros e boa parte dos moradores da terra”. Tal evidência
catalisou as atenções do capital estrangeiro e nacional que apostou no seu crescimento e promoção,
pois só assim se poderá compreender o rápido arranque da mesma. Esta que, nos primórdios da
ocupação do solo insular, se apresentava como uma cultura subsidiária, passou de imediato a cultura
e produto dominante, situação que manteve por pouco tempo.
Na Madeira a cana sacarina, usufruindo do apoio e protecção do senhorio e coroa, conquista o
espaço ocupado pelas searas, atingindo todo o solo arável da ilha em duas áreas: a vertente
meridional (de Machico à Calheta), com um clima quente e abrigada dos alísios, onde os canaviais
atingem 400 m de altitude, dominado pelas plantações da capitania de Machico (Porto da Cruz e
Faial até Santana), solo em que as condições mesológicas não permitem a sua cultura além dos 200
metros numa produção idêntica à primeira área. Deste modo a capitania do Funchal agregava no seu
perímetro as melhores terras para a cultura da cana-de-açúcar, ocupando a quase totalidade do
espaço da vertente meridional. À de Machico restava apenas uma ínfima parcela área e todo um
vasto espaço acidentado impróprio para a cultura.
Esta diferenciação das duas capitanias torna-se mais visível quando analisamos os dados da
produção. Assim, em 1494, do açúcar produzido na ilha apenas 20% é proveniente da capitania de
Machico e o sobrante da capitania do Funchal. Em 1520 a primeira atinge 25% e a segunda os 75%.
Fernando Jasmins Pereira, numa análise comparada da produção das duas capitanias entre 1498 e
1537, discorda da relação até então estabelecida (3:1) pois, de acordo com a sua análise, a razão
situa-se em 4:1 para os primeiros decénios do século XVI, descendo entre 1521-1524 para 3:1 e
recuperando na segunda metade do decénio para 4:1.
Na capitania do Funchal os canaviais distribuíam-se de modo irregular, de acordo com as condições
mesológicas da área. Assim, em 1494 a maior safra situava-se nas partes de fundo, englobando as
comarcas da Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta com 64%, enquanto o Funchal e Câmara de
Lobos tinham apenas 16%. Em 1520, não obstante uma ligeira alteração, a diferença mantém-se,
pois a primeira surge com 50%, e a segunda apresenta 25%, valor idêntico ao total da capitania de
Machico, com 25%. Uma análise em separado das diversas comarcas da capitania do Funchal, na
mesma data, evidencia a importância do Funchal em 33%, seguindo-se a Calheta com 27%. As da
Ribeira Brava e Ponta de Sol surgem numa posição secundária com 20% cada.
Criadas as condições a nível interno por meio do incentivo ao investimento de capitais na cultura da
cana-de-açúcar e comércio de seus derivados, do apoio do senhorio, da coroa e da administração
local e central, a cana estava em condições de prosperar e de se tornar, por algum tempo, no produto
dominante da economia madeirense. O incentivo externo do mercado mediterrânico e nórdico
aceleraram este processo expansionista. Assim em meados do século XV os canaviais são motivo de
deslumbramento para Cadamosto e Zurara. O primeiro refere que os açúcares “deram muita prova”,
enquanto o segundo dá conta dos “vales todos cheios de açúcar de que aspergiam muito pelo
mundo”.
A fase ascendente, que poderá situar-se entre 1450 e 1506, não obstante a situação deprecionária de
1497-1499, é marcada por um crescimento acelerado que, entre 1454-1472, se situava na ordem dos
240% e no período subsequente até 1493 em 1430%, isto é uma média anual de 13% no primeiro
caso e de 68% no segundo. No período seguinte após o colapso de 1497-1499 a recuperação é
rápida de tal modo que em 1500-1501 o aumento é de 110% e entre 1502-1503 de 205%. Esta forte
aceleração do ritmo de crescimento nos primeiros anos do século XVI irá marcar o máximo,
atingindo em 1506, bem como o rápido declínio nos anos imediatos. Note-se que apenas em quatro
anos atinge-se valor inferior ao do início do século. A situação agrava-se nas duas centúrias
seguintes, baixando a produção na capitania de Funchal, entre 1516-1537, em 60%. Na capitania de
Machico a quebra é lenta, sendo sinónimo do depauperamento do solo e da crescente desafeição do
mesmo à cultura. Mas, a partir de 1521 a tendência descendente é global e marcante, de modo que a
produção do fim do primeiro quartel do século situava-se a um nível pouco superior ao registado em
1470. Na década de trinta consumava-se em pleno a crise da economia açucareira e o ilhéu viu-se
aos poucos na necessidade de abandonar os canaviais e de os substituir pelos vinhedos. Mesmo
assim Giulio Landi, que na década de trinta visitou a ilha, refere que os madeirenses, levados pela
ambição da riqueza dedicam-se “apenas ao fabrico do açúcar, pois deste tiram maiores proventos”.
A historiografia tem apresentado múltiplas explicações para esta crise assentes fundamentalmente
na actuação de factores externos. No entanto, Fernando Jasmins Pereira com o seu estudo sobre
Açúcar Madeirense contraria esta opinião definindo a crise açucareira madeirense como resultado
das condições ecológicas e sócio-económicas da ilha:”...a decadência da produção madeirense é,
primordialmente, motivada por um empobrecimento dos solos que, dada a limitação da superfície
aproveitável na cultura, vai reduzindo inexoravelmente a capacidade produtiva”. Deste modo a crise
da economia açucareira madeirense não é apenas resultado da concorrência do açúcar das Canárias,
Brasil, Antilhas e S. Tomé mas deriva, acima de tudo, da conjugação de vários factores de ordem
interna: a carência de adubagem, a desafeição do solo à cultura e as alterações climáticas. A
concorrência do açúcar das restantes áreas produtoras do Atlântico, bem como a peste (em 1526) e a
falta de mão-de-obra apenas vieram agravar a situação de queda. A tudo isto acresce em finais do
século os efeitos do bicho sobre os canaviais, como é testemunhado para os anos de 1593 e 1602.
Deste modo o último quartel do século foi o momento de viragem para culturas de maior
rendibilidade, como a vinha. A documentação testemunha esta mudança. Assim, em 1571 Jorge Vaz,
de Câmara de Lobos, declara em testamento um chão que “sempre andou de canas e agora mando
que se ponha de mallvazia para dar mais proveito...”. Depois, em 1583 Álvaro Vieira vende a Diogo
Pires no Caniço um serrado que fora de canas “e agora anda de pão”.
As Canárias são apontadas como uma das áreas concorrentes da Madeira, mas aqui o mais
significativo é o facto de terem sido os próprios madeirenses a promovê-la, estando a sua afirmação
inegavelmente ligada à sua presença. Acresce, ainda, que foi no momento de crise do açúcar
madeirense que mais se notou aí a sua presença, o que prova a emigração orientada dos técnicos
ligados à cultura. As socas de cana chegaram às ilhas de Gran Canaria, Tenerife, La Palma e La
Gomera, não chegando às ilhas de Lanzarote, Fuerteventura e Hierro, devido à sua esterilidade,
como nos conta Gaspar Frutuoso. A documentação pouco nos diz sobre a sua evolução. Para os
séculos XV e XVI as informações são escassas e não permitem equacionar o seu volume. Todavia, é
ainda possível avaliar a importância da cultura na economia destas ilhas.De acordo com os dados de
1507 podemos concluir que a produção de açúcar foi de 34 545 arrobas em Tenerife e 2727 em La
Palma. Para La Gomera temos referência que rendia ao senhorio 1100 arrobas no ano de 1506. Em
Gran Canaria refere-se para o ano de 1534 as 80 000 arrobas. Depois só no último quartel do século
XVI temos o valor do diezmo para os anos de 1575 e 1584, que representa, respectivamente, 8 e
10% do total das ilhas, tendo no entanto grande importância nos totais das ilhas de Gran
Canaria(48%) e La Palma(34%).
A Historiografia nota que, a partir de meados do século XVI, a concorrência de outros mercados e o
avanço descontrolado dos vinhedos levaram à crise da cultura dos canaviais. Nisto não está de
acordo Manuel Lobo Cabrera que dá conta de um certo fulgor do seu comércio durante o reinado de
Filipe II. Tal como refere a crise surge como resultado da concorrência do antilhano e acima de tudo
do encerramento do mercado nórdico, nomeadamente Amberes ao açúcar canario, provocado pela
política belicista do monarca.
No decurso do século XVII os canaviais das ilhas perderam paulatinamente importância. Apenas na
Madeira é notada uma curta época de reafirmação quando se apaga a concorrência do brasileiro. A
conjuntura do século foi favorável ao retorno da cultura. Mas esta pouco ultrapassou, num primeiro
momento, a área agrícola circunvizinha do Funchal. Assim o comprova o livro do quinto do ano de
1600, que nos 108 proprietários de canaviais apresenta um grupo maioritariamente desta área. Este é
quase o único elemento comprovativo da produção de açúcar na ilha no século dezassete, pois só
voltamos a ter novas informações a partir de 1689, com a arrecadação do oitavo.
No ano de 1600 é bastante evidente a retracção da área ocupada pelos canaviais. A média
propriedade cede lugar à pequena e, mesmo, de muito pequenas dimensões. A maioria (isto é 89%)
produz entre 5 e 50 arrobas, o que demonstra estarmos perante uma cultura vocacionada para suprir
as carências caseiras, no fabrico de conservas, doçaria e compotas. Até 1640 o movimento
descendente agravou-se com a presença, cada vez mais assídua de açúcar brasileiro no porto do
Funchal. Em 1616 para garantir o escoamento da produção local e que à saída se fizesse uma
distribuição equitativa de ambos os açúcares. A ocupação holandesa das terras a cultura fez renascer
na ilha os canaviais para responder à solicitação na Europa e necessidade das indústrias de conserva
e casquinha. Em 1643 o número de engenhos existentes era insuficiente para dar vazão à produção
dos canaviais.
A coroa, de acordo com a provisão régia de 1 de Julho de 1642, pretendia promover de novo o
cultivo da cana-de-açúcar por meio de incentivos à reparação dos engenhos, com a isenção do
quinto por cinco anos ou a metade por dez anos. Usufruíram deste apoio o capitão Diogo Guerreiro,
Inácio de Vasconcelos, António Correa Betencourt e Pedro Betancor Henriques. A situação
favoreceu a cultura, afirmando Diogo Fernandes Branco em 10 de Fevereiro de 1649 que as canas
estavam “fermozas”, prevendo-se uma grande colheita. Em Outubro goraram-se as expectativas,
pois o açúcar lavrado era de má qualidade.
O progresso continuou no ano imediato, sendo testemunhado ela construção de dois novos
engenhos. Esta foi no entanto uma recuperação passageira uma vez que na década seguinte o
reaparecimento do açúcar brasileiro no porto do Funchal trouxe de volta a anterior situação. O
açúcar madeirense estava, mais uma vez, irremediavelmente perdido, mercê da concorrência. Ainda,
em 1658 procurou-se apoiar os canaviais ao reduzir-se os direitos sobre a produção para um oitavo,
mas a crise era inevitável. A estes incentivos acresce-se o facto de os direitos do quinto do açúcar
entre 1643 e 1675 não serem devidamente cobrados, pelo que neste último ano se recomendou
maior atenção nisso. Depois, por alvará de 15 de Outubro de 1688, a coroa determinou que os
direitos que oneravam a produção passassem para um oitavo da colheita sendo a medida mais uma
vez definida como uma forma de promover a cultura.
A produção de açúcar torna-se conhecida através dos tributos que recaem directamente sobre o
produto. No caso da Madeira tivemos o quarto e, depois, o quinto que oneravam todos os lavradores
de cana de acordo com os valores de produção estabelecidos à saída do estendal para os canaviais.
Nas Canárias o mais importante é o diezmo pago à Igreja. Todavia estes livros desapareceram na sua
totalidade, restando apenas a informação recolhida por A. Millares Torres, que contempla o período
de 1634 a 1813. Neste período são referenciados sete engenhos nas ilhas de Tenerife, Gran Canaria
e La Palma. Os de Gran Canaria - Arucas e Telde - deixaram de apresentar resultados a partir de
1642, sucedendo em Tenerife com o de Daute em 1658.
Por todo o século XVIII a aposta preferencial foi apenas na vinha, que retirou espaço aos canaviais.
Mesmo assim estes tiveram continuidade, uma vez que existem dados que documentam a existência
de canaviais e sabe-se que o engenho dos Socorridos manteve-se em funcionamento por todo o
século XVIII.
A conjuntura económica de finais do século dezanove trouxe a cultura de regresso à Madeira, como
solução para reabilitar a economia que se encontrava profundamente debilitada com a crise do
comércio e produção do vinho. Todavia a situação, que se manteve até à actualidade, não veio
atribuir ao produto a mesma pujança económica de outrora. Outro facto evidente da centúria
oitocentista foi a presença de inúmeros madeirenses em Demerara como mão-de-obra substitutiva
dos escravos, cuja situação, entretanto, havia mudado. A última década do século dezanove e as
duas primeiras da presente centúria podem ser consideradas de horas amargas para todos os madei-
renses. Parte disso é resultado do processo porque passou o açúcar. A generalização do seu consumo
provocou um redobrado empenho na sua reimplantação entre nós.
Esta conquista de inovação tecnológica era custosa e só foi conseguida à custa de medidas pro-
tecionistas. Sucedeu assim em todo o lado. Entre nós foi a questão Hinton. Este foi sem dúvida o
problema que mais apaixonou a opinião pública, nas vésperas e durante a República; publicaram-se
inúmeros folhetos, os jornais encheram-se de opiniões contra e a favor. Cesário Nunes(1940) do-
cumenta esta situação de forma lapidar: "Em Portugal nenhuma questão económica atingiu tão alta
preponderância e trouxe e tão grandes embaraços legislativos às entidades governativas como o
problema sacarino da Madeira. "Tudo começou em 23 de Março de 1879 com a inauguração da
Companhia Fabril do Açúcar Madeirense. Era uma fábrica de destilação de aguardente e de fabrico
de açúcar sita à Ribeira de S. João. Demarcou-se das demais com o recurso a tecnologia francesa,
usufruindo dos inventos patenteados em 1875 pelo Visconde de Canavial. O cónego Feliciano João
Teixeira(1873), sócio deste empreendimento no discurso de inauguração afirma ser este um
"grandioso monumento, que abre uma época verdadeiramente nova e grande na História da industria
fabril madeirense". Mas isto era apenas o princípio de um conflito industrial, onde emperou a lei do
mais forte. Tal como o afirmava em 1879, no momento encerramento, José Marciliano da Silveira "
a fábrica de São João foi cimentada com o veneno da maldade; era o seu fim dar cabo de todas as
que existiam..." acabou por cavar o fosso da sua ruína.
Tudo começou com o plágio por parte da família Hinton, da invenção do Visconde Canavial. Este
havia patenteado em 1875 um invento que consistia em lançar água sobre o bagaço, o que
propiciava um maior aproveitamento do suco da cana. Constava da patente o uso exclusivo pela
fábrica de S. João, mas o engenho do Hinton cedo se apressou a copiar o sistema. Com isso o lesado
moveu em 1884 uma acção civil contra o contrafactor. Mas a família Hinton estava fadada para sin-
grar na industria açucareira e conseguir uma posição de monopólio. Segurada na influência das
autoridades diplomáticas britânicas,da intervenção pessoal junto da coroa e, depois, das hostes re-
publicanas, conseguiu atingir os seus objectivos. A visita de El Rei D. Carlos à ilha em 1901, poderá
ser entendida como um momento crucial dessa actuação.
As medidas que favoreciam a entrada de melaço estabelecidas pela lei de 1895, associado ao
decreto de 1903, um regulamento anexo a este decreto determinava a forma de matricula das
fábricas. As condições eram de tal modo lesivas que só duas - Hinton e José Júlio Lemos - o
conseguiram fazer. As cerca de meia centena de fábricas que existiam na ilha ficaram numa situação
periclitante. Entretanto a lei de 24 de Novembro de 1904 dava a machadada final ao estabelecer a
referida matrícula por 15 anos. Entretanto, caía a monarquia e sucedeu a República, que parecia
querer fazer ouvidos moucos às regalias conquistadas no anterior regime. Mas de novo as
influências moveram-se a família Hinton conseguiu pelo decreto de 11 de Março de 1911 assegurar
o monopólio do fabrico do açúcar e regalias na importação de açúcar das colónias.
Os anos seguintes foram de plena afirmação deste monopólio e de luta sem tréguas às fábricas de a-
guardente. Note-se que o consumo excessivo da aguardente era o inimigo número um da saúde
pública, sendo a Madeira, por essa situação, definida como a ilha da aguardente. As leis de 1927,
1928, 1934, 1937 actuam no sentido do controlo da produção e comércio de aguardente, conduzindo
inexoravelmente a um paulativo abandono da cultura. Dos 1800 ha de 1915, que produziam 55.000
toneladas, passou-se aos 1420 do ano de 1952. Depois foi o que se viu até que em 1985 agonizou
em definitivo o império do açúcar do Hinton, construído com pés de barro, sustentado pelos favores
políticos, vegetando à custa da exploração dos lavradores de cana.
A área de cultura de cana sacarina foi-se reduzindo inexoravelmente a pequenos nichos de socalcos
na vertente sul. Todavia a partir de meados do século XIX a mesma foi paulatinamente
conquistando terreno a norte e a sul. Assim J. Mason(1850) refere que a mesma se fazia de modo
extensivo, ocupando metade da terra arável. Opinião distinta tem R. White(1851) que diz ser ainda
pouco cultivada e apenas usada para o fabrico de mel. Na verdade, a cultura era ainda uma
auspiciosa esperança para os madeirenses. Nicolau Ornelas e Vasconcellos(1855), que fora
trabalhador de cana em Demerara, diz-nos: "... olha-se para a cultura da cana de assucar como um
grande produto agrícola que offerece grandes vantagens, que podem em certo modo adoçar o mal
geral, o aspecto aterrador de nossas finanças..." Passados dez anos a cana continua a ser uma aposta
forte, mas tardava o momento da sua plena pujança de acordo com Eduardo Grande(1865) a cana
ocupava apenas 357 ha (2%), isto é uma magra fatia do solo arável. A aposta nas décadas de
cinquenta e sessenta estava a afirmação desta nova cultura, capaz de reabilitar a economia da ilha.
Neste segundo momento de afirmação dos canaviais podemos estabelecer dois momentos distintos:
O primeiro decorre de 1852 a 1884, culminando com o ataque do bicho da cana, em 1885 e 1890,
que levou à sua quase total destruição. Para atalhar esta dificuldade importaram-se novos tipos de
cana: a cana bourbon introduzida de Caiena(1847) e Cabo Verde, também atacada pelo bicho, foi
substituída por outras castas da Mauricia, yuba do Natal(1897) e POJ de Angola(1938). Para isso
foi criada uma estação experimental(em 1888) e estabeleceu-se um conjunto de medidas
proteccionistas em 1895. Esta aposta definiu o segundo momento. A alteração significativa deste
panorama só sucedeu na viragem do século, quando a cana atingiu cerca de 1000 ha, valor que
continua a subir para as 6500ha em 1939. A partir daqui foi a quebra resultante das medidas
restritivas ao fabrico e consumo de aguardente. Na década de quarenta do nosso século a cana
ocupava ainda 34% da área cultivada, mas este era já um momento de quebra acentuada da sua área
de cultivo, que na vertente sul foi paulatinamente substituída pela bananeira. Deste modo em 1952
fala-se apenas 1420ha, enquanto mais próximo de nós, em 1986, só existem 119,9ha.
Esta evolução dados canaviais, com maior incidência na vertente meridional, área tradicional do seu
cultivo, significa um maior volume de produção que empurra a evolução do número de engenhos.
Foi no período de 1910 a 1930 que se atingiu os valores mais elevados, que aproximaram a ilha dos
tempos aúreos do século XV, apenas em termos de produção e nunca de riqueza. Todavia, a partir
desta data sucedem-se medidas limitativas da expansão da área dos canaviais, que conduzem
inevitavelmente à sua desvalorização na economia rural e que em certa medida favorecem a
expansão da banana, cultura, predominantemente da vertente sul, deixando a agricultura do norte
num estado de total abandono, o que abriu as portas a uma desenfreada emigração. Tenha-se em
atenção que “a agricultura, toda a economia da Madeira, a própria administração publica, ficariam
mais do que nunca na dependência das fabricas de açúcar e álcool”.
Facto inédito foi a tentativa de implantação da cultura no Porto Santo. Primeiro foi a frustrada
introdução do sorgo, depois a cana, documentada a partir de 1883. A sua produção era diminuta,
sendo as canas exportadas para o Funchal ou espremidas num engenho movido por bois, ou moinho
de vento. Também na Madeira se cultivou o sorgo com a mesma finalidade desde 1856. Ainda,
deverá atender-se ao facto de se ter experimentado outras formas de produção de açúcar na Madeira,
nomeadamente a beterraba, que não teve êxito.
A par disso é de realçar também a insistência das gentes do norte, representadas através dos
municípios de S. Vicente e Santana, em pretenderem furar as limitações impostas pelas autoridades
para a área de produção de cana, que não acautelavam esta vertente devido o baixo teor de sacarose,
levando a Junta Geral em 1955 a contrariar as ordens do Ministério do Interior, ao implantar dois
campos experimentais em S. Vicente e Santana. Esta situação é resultado do facto de a cana ser um
complemento importante da pecuária e um dos poucos meios de assegurar a subsistência dos
lavradores, tendo em conta a total desvalorização da vinha.
Os estudos sobre o açúcar nas Canárias não dão grande atenção à tecnologia do engenho. Assim
Guillermo Camacho y Perez Galdós descreve este engenho como sendo de três cilindros. O autor
baseia-se no documento de 1511 que dá conta de um contrato entre Andrés Baéz e os portugueses
Fernando Alonso e Juan González para lhe cortarem 3 eixos sendo um grande e dois pequenos, para
uma roda com seus aparelhos. Vinte anos depois temos o inventário do engenho de Cristóbal de
Garcia em Telde, onde são referidos a roda e eixos. Todavia J. Perez Vidal é da opinião que o
primeiro sistema usado nas Canárias era semelhante ao de fabrico do azeite, pois o moinho de
“rodilos” é para ele uma invenção renascentista.
A palavra trapiche entrou depois no vocabulário do açúcar a designar todos os tipos de engenhos de
cilindros usados para moer cana. Nos arredores do Funchal, como em Arucas, existe uma localidade
com este nome, o que prova ter existido aí um engenho deste tipo. Nas Canárias as “datas de terras”
diferenciavam os engenhos de água dos de besta. Na Madeira as condições geo-hidrográficas foram
propícias à generalização dos engenhos de água, de que os madeirenses foram exímios criadores.
Aliás, aqui estavam criadas as condições para a afirmação da cultura. Enquanto a primeira
desfrutava de inúmeros cursos de água e de uma vasta área de floresta, disponibilizando lenha para
as fornalhas e madeira de pau branco para a construção dos eixos do engenho.
Toda a animação sócio-económica gerada pelo açúcar foi dominada pelo engenho, mas isto não
significou que a existência de canaviais fosse sempre sinónimo da presença próxima de um
engenho. Aqui, mais do que no Brasil, são inúmeros os proprietários incapazes de dispor de meios
financeiros para montar semelhante estrutura industrial e por isso socorriam-se dos serviços de
outrem. No estimo da produção da capitania do Funchal para o ano de 1494 são referenciados
apenas 14 engenhos para um total de 209 usufrutuários, dispondo de 431 canaviais.
Não é fácil estabelecer o número exacto de engenhos que laboraram nas ilhas. As informações
disponíveis são, em muitos dos casos, díspares. Assim, para a Madeira em 1494 são referenciados
apenas 14 engenhos, quando noutro documento de 1493 se dava conta da existência de 80 mestres
de açúcar. Note-se ainda que Edmund von Lippermann refere para o Funchal 150 engenhos no
início do século XVI, número que não se coaduna com os valores razoáveis para a extensão arável
da ilha e a produção dos canaviais. Depois, em finais do século XVI, Gaspar Frutuoso refere-nos 34
engenhos, sendo nove na capitania de Machico e os restantes na do Funchal. A sua localização
geográfica permite aferir das áreas de maior incidência da cultura no século XVI.
No século dezassete o número de engenhos era reduzido. Assim, em 1602, Pyrard de Laval refere a
existência de 7 a 8 engenhos em laboração. Esta aposta na cultura levou ao necessário o
estabelecimento de alguns incentivos à sua reparação, como sucedeu em 1649. Nesta década fala-se
apenas de quatro engenhos, destes dois foram construídos em 1650. Daí derivaram, enormes
dificuldades em conseguir moer a cana por falta de engenhos suficientes. No Funchal o de André de
Betancor há três anos que não funcionava e seria difícil que o fizesse pelo estado em que se
encontrava. Ademais, do abandono dos engenhos registava-se o das levadas como sucedia com a do
Pico do Cardo e Castelejo em S. Martinho que há trinta anos não era tirada. Para repor a cultura a
coroa preparou um plano de recuperação dos engenhos, com empréstimos e a isenção do pagamento
do quinto por cinco anos. Estes concentravam-se no Funchal e Câmara de Lobos, o que implicava
redobradas dificuldades para a maioria dos lavradores das partes da Calheta, Ponta de Sol e Ribeira
Brava.
A mesma dificuldade surge quando pretendemos reconstituir os engenhos das Canárias, pois não
existem dados precisos sobre o seu número exacto, sendo as informações avulsas. Talvez, a mais
precisa seja a de Thomas Nichols em 1526 e Gaspar Frutuoso na última década do século XVI.
Todavia, enquanto os dados fornecidos pelo primeiro podem ser considerados fiáveis, os de Gaspar
Frutuoso não parecem corresponder à verdade. Note-se que ele refere para Gran Canaria vinte e
quatro engenhos, enquanto Tenerife surge apenas com três.
É de salientar que em La Gomera e La Palma, ilhas de Senhorio, os engenhos são maioritariamente
propriedade do senhorio que os arrendava, nomeadamente aos mercadores genoveses e catalães. No
caso de La Gomera temos notícia de quatro destes engenhos, cujo rendimento atesta a dimensão dos
canaviais e da estrutura industrial:
O preço de montagem de semelhante estrutura industrial não estava ao nível da bolsa de todos os
proprietários. De acordo com a avaliação, para inventário, do engenho de António Teixeira no Porto
La Cruz em 1535 esta benfeitoria estava avaliada em duzentos mil reais. Noutro documento de 1547
refere-se que os canaviais, engenho e água de servidão dos mesmos orçavam os 461.000 reais. Mas
em 1600 João Berte de Almeida vendeu a Pedro Gonçalves da Câmara, no Funchal, um engenho
pelo valor de 700.000 reais. Em 1644 o engenho de Gaspar Betencourt na Ribeira dos Socorridos
foi avaliado em 500.000 rs e no ano imediato o engenho de Baltazar Varela de Lira foi vendido por
422.000 rs.
Para as Canárias temos também notícia de alguns valores referentes ao investimento necessário para
a construção de um engenho. Em 1519 o de Miguel Fonte em Daute foi avaliado em 4.641.320 mrs.
Nos anos imediatos o seu valor parece descer para depois tornar a subir. Assim em 1556 o engenho
de Valle de Gran Rey valia 1.237.417 mrs, enquanto em 1567 um de La Orotava foi vendido por
6.000.000 mrs. Para Gran Canaria temos os engenhos de Francisco Riberol, em Agaete y Galdar,
avaliados em 300.000 mrs, o de Francisco Palomar em Agaete, por 750.000 e o de Constantino
Carrasco em Las Palmas por 450.000. Ainda, em La Orotava temos dados precisos sobre os custos
da construção das diversas infra-estruturas do engenho, conforme o inventário do engenho de
Alonso Hernandez de Lugo feito em 1584.
Os valores de produção dos engenhos insulares são muito distintos dos americanos. Para a Madeira
em finais do século XV são referenciados apenas 12 engenhos para um total de 233 proprietários de
canaviais. Estes situam-se todos nas partes do fundo, não havendo qualquer referência para os que
funcionavam na área do Caniço a Câmara de Lobos.
Tomando em conta, apenas as Partes do Fundo, nota-se que a cada engenho estariam atribuídas mais
de cinco mil arrobas, valor elevado se tivermos em conta o estado da tecnologia usada. Também é
de referir que estes proprietários de engenho não se situam entre os mais importantes detentores de
canaviais. Apenas Fernão Lopes surge com 1600 arrobas, havendo caso de lavradores com valores
superiores que não são proprietários de engenho. Note-se, ainda, que Fernão Lopes apresentava
mais 2000 arrobas em conjunto com João Esmeraldo. Na primeira metade do século XVI estes
valores desceram a mais de um terço, pois a média é de 1478 arrobas.
Por outro lado é de salientar que os grandes proprietários de canaviais não são sinónimo de
engenho. No século dezasseis alguns situam-se entre os principais produtores, mas a maioria surge
com valores de produção muito inferiores, como é o caso de João de Ornelas que em 1530 declarou
apenas 70 arrobas de açúcar no Funchal. Deste modo podemos afirmar que estamos perante duas
realidades distintas que geram uma dinâmica particular na estrutura produtiva da cana de açúca: os
proprietários de canaviais e os de engenho.
Nas Canárias, nomeadamente nas Ilhas de Gran Canaria e Tenerife, parece-nos que a situação é
diferente. Aqui, a grande propriedade é sinónimo da presença de um engenho surgindo como
resultado da forma como se procedeu às dadas de terras, por outro lado os valores médios para a
produção por engenho parecem ser mais elevados. Gaspar Frutuoso refere que os dois engenhos da
família Ponte em Adeje (Tenerife) laboravam de 8 a 9 mil arrobas de açúcar enquanto o de João de
Ponteverde em La Palma ficava-se pelas 7 a 8 mil arrobas. Para Gran Canaria o mesmo indica que
os vinte e quatro engenhos cuja safra podia situar-se entre as seis e sete mil arrobas. A partir dos
contratos de arrendamento dos engenhos sabe-se que o de D. Pedro Lugo em El Realejo laborava
em 1537-38 uma média de 4500 arrobas e que com outro em La Orotava ficava-se por 1122 arrobas.
No século XVII temos os valores do diezmo pagos pelos sete engenhos em actividade nas ilhas de
Gran Canaria, Tenerife e La Palma, o que nos permite para este período desde 1634 estabelecer a
média de produção anual.
O uso de máquina a vapor teve lugar em Jamaica em 1768 mas foi só a partir de meados do século
XIX que a mesma se generalizou. Esta inovação técnica é favorecida pela concentração destas
estruturas industriais, resultado de uma política governamental que tem na década de vinte da
presente centúria a sua máxima expressão. No Brasil deu origem aos chamados engenhos centrais,
enquanto na Madeira foi o princípio da total afirmação do engenho Hinton.
Durante o século XVIII e até princípios da centúria seguinte existiu apenas um engenho em
funcionamento à Ribeira dos Socorridos. A partir da década de cinquenta o panorama é distinto e a
cana volta de novo a ocupar um lugar de destaque, ocupando 1/2 da superfície cultivada em 1850.
Deste modo aumenta o número de engenhos, sendo referenciado em 1851 quatro fábricas de
refinação de açúcar, quatro engenhos de moer cana e três fábricas de aguardente. Em Câmara de
Lobos a cultura teve grande incremento uma vez que são referenciados três novos engenhos em
1854. Esta situação alastrou a toda a ilha e levou a promoção de novos engenhos ou à reactivação de
antigos, uma vez que em 1856 temos já 80 e 10 fábricas de destilar aguardente. Aqui há que
distinguir as fábricas de moer cana e os engenhos para fabrico de açúcar e destilação de aguardente.
Os engenhos de moer apresentavam duas rodas na disposição horizontal, enquanto os movidos por
bois tinham estas na posição vertical.
De acordo com D. João da Câmara Leme o avanço da cultura na ilha só será possível com "a
fundação de fábricas com os apparelhos modernos e aperfeiçoados". Enquadrava-se neste espírito a
Companhia Fabril de Açúcar Madeirense criada em 1866 e inaugurada em 1873, que se saldou num
verdadeiro fracasso e motivo de acessa polémica. Por outro lado é de salientar as iniciativas
tecnológicas do próprio D. João da Câmara Leme que em 1875 apresentou o seu novo invento de
aproveitamento do açúcar que fica no bagaço nomeadamente usado por W. Hinton. As inovações
introduzidas por este último ocorreram após a licença de 1872 para a construção de uma fábrica de
extração e cristalização de açúcar.
Para os séculos XIX e XX a construção de um engenho para fabrico de açúcar, de acordo com as
inovações tecnológicas, era uma aposta impossível para qualquer industrial caso não fossem
garantidos os financiamentos e apoios governamentais. Esta neste caso o favorecimento dado ao
engenho do Torreão, que levou ao quase monopólio da sua laboração. Daqui resultou que a maioria
apostou em manter a tecnologia tradicional, servindo-se da tracção animal e da força motriz da
água.
A situação arcaica das fabricas de moer cana era intolerável perante o incessante aumento da
produção, por isso foi necessário a aposta num estabelecimento moderno, capaz de minorar os
custos de laboração e de corresponder à oferta de cana. Enquadra-se neste objectivo a novel
Companhia de Açúcar Madeirense, criada em 1868.
Por outro lado, tendo em conta a grande dificuldade do fabrico do açúcar e os elevados custos do
investimento, denota-se nesta época dois tipos de complexos: para produção de açúcar e destilação
de aguardente. Em meados do século a distinção entre a moenda da cana, o fabrico de açúcar e
aguardente é claro. A partir de então a tendencia foi para a aposta nas fábricas de destilação de
aguardente, tendo em conta o atràs referido e o facto da sua procura para o consumo corrente e no
processo de vinificação. Destas temos indicações dos custos da sua instalação. Em 1857 Diogo de
Ornelas Frazão gastou 14.3000.000 réis na construção de uma fábrica de aguardente no estreito da
Calheta e no ano imediato o Conde Carvalhal montou engenho semelhante no Paúl do Mar por
8.800.000 réis. De acordo com inventário industrial feito em 1863 é possível fazer uma ideia das
infraestruturas existentes e do seu valor.
Por outro lado é de salientar que, não obstante os engenhos estarem associados aos grandes
proprietários de canaviais não os poderemos considerar sinónimo de engenho. No caso do século
dezasseis alguns situam-se entre os principais produtores, mas a maioria surge com valores de
produção muito inferiores, como é o caso de João de Ornelas que em 1530 declara apenas 70
arrobas de açúcar no Funchal. Deste modo podemos afirmar que estamos perante duas realidades
distintas que geram uma dinâmica particular na estrutura produtiva em torno da cana de açúcar.
No decurso do século dezanove é cada vez mais evidente esta dissociação do engenho dos
canaviais. em 1863 temos indicação dos preços de pagamento da moenda da cana e destilação da
guarapa: por 30 Kg de cana pagava-se entre 70 a 90 réis e na destilação de 17 litros de guarapa de
100 a 110 réis. Aqui a média de laboração dos engenhos nos quatro meses da safra era em média de
7917241 Kg de cana, produzindo-se 117.600 Kg.
OS PREÇOS DO AÇÚCAR . Não é fácil estabelecer com clareza a evolução dos preços do
açúcar no mercado insular porque não existem núcleos documentais que permitam a reconstituição
de séries. Os dados disponíveis são avulsos e desconexos. Se no caso da Madeira foi possível reunir
o maior número de informações para a década de trinta do século XVI, nas Canárias a situação é
igual na Ilha de Tenerife. Além disso dever-se-ão juntar outras condicionantes que influem de forma
decisiva nos preços. Em primeiro lugar está a falta crónica de moeda nas ilhas e o recurso ao açúcar
como meio de troca, a que se associa nos séculos XV e XVI a sua insistente desvalorização. O
açúcar, como moeda de troca, é uma realidade quer na Madeira, quer nas Canárias, mas foi neste
último arquipélago que adquiriu melhor expressão.
É necessário ter ainda em conta que a lei da oferta e da procura condicionava de forma evidente a
evolução do preço do açúcar ao longo do ano. Deste modo, é de notar uma variação mensal de
acordo com o período da safra do açúcar e da presença de embarcações interessadas no seu trato.
Daqui resulta que os preços mais elevados surjam nos meses de Junho e Julho, precisamente no
momento em que se disponibilizava o primeiro açúcar do ano e, por isso, a afluência de mercadores
era maior. É de notar, ainda, outras variações sazonais no próprio mês de acordo, como é óbvio, com
a lei da oferta e da procura.
O açúcar branco apresentava dois preços, consoante fosse de uma ou duas cozeduras. Na Madeira o
último preço correspondia em 1496 a quase o dobro do primeiro. Se tivermos em conta, que em 15
000 arrobas da primeira cozedura ficava apenas 10 000 na segunda, nota-se uma forte valorização
do produto final. Esta insistência no açúcar de segunda cozedura é considerada condição necessária
para a valorização do produto, impedindo que chegasse ao mercado europeu em más condições, mas
acima de tudo era uma medida benéfica que reduzia para metade a oferta do açúcar, o que favorecia
a competitividade do produto numa altura que o mercado se pautava por excedentes.
A partir da década de setenta o preço do açúcar entrou em quebra acentuada. Esta ideia está
testemunhada nas intervenções do senhorio a partir de 1469 que insiste na solução do monopólio
para o comércio. A negação dos madeirenses a semelhante solução levou o Duque D. Manuel a
avançar com novas medidas. Assim em 1496 fixa os preços em 350 réis para o açúcar da primeira
cozedura e 600 ao da segunda, e passados dois anos opta por estabelecer uma cota máxima de
exportação que se cifrava em 120.000 arrobas. Os dados disponíveis revelam este movimento de
quebra do açúcar. O primeiro açúcar feito em Machico vendeu-se a 2000 réis arroba. Já em 1469 o
seu preço estava em 500 arrobas para o de uma cozedura e 750 para o de duas, Em 1472 temos a
notícia que subiu para 1000 réis a arroba, mas esta deverá ser uma situação particular resultante da
quebra acentuada da moeda, pois que em 1478 regressou à normalidade. O movimento de queda foi
uma constante até princípios do século XVI e só a revolução dos preços inverteu a situação,
evidente na década de vinte em ambos os arquipélagos. Esta última conjuntura é comum à Madeira
e Canárias. Em ambos os casos é evidente uma inversão de marcha a partir da década de trinta que
pode ser entendida com a presença concorrencial de açúcar de outras áreas, nomeadamente do
continente americano. Todavia a tendência nas Canárias inverte-se na década de quarenta,
certamente como resultado da galopante inflação.
A oferta não se resumia apenas ao açúcar branco, pois a ele devem juntar-se os subprodutos, como
as escumas, rescumas, mel, remel, mascavado e mel mascavado e depois alguns derivados, como as
conservas e casquinha, que em qualquer dos arquipélagos tiveram grande importância. Em Tenerife
as escumas e rescumas eram cotadas a metade do preço do branco, enquanto na Madeira e Gran
Canaria essa relação só é possível com as rescumas, uma vez que as escumas são muito mais
valorizadas. É, ainda, possível estabelecer uma relação entre estes subprodutos e o açúcar branco,
expressa nos níveis de produção e preço. Em Gran Canaria no século XVI essa relação fazia-se da
seguinte forma: em 2500 arrobas de açúcar correspondem 60% ao branco, 12% às escumas, 8% de
rescumas e 20% de açúcar refinado. O mesmo sucede na Madeira no período de 1520 a 1537.
O único senão que escondia esta medida era o facto de só se aplicarem às fábricas matriculadas, isto
é, a de W. Hinton & Sons e do seu comparsa José Júlio de Lemos, deixando de fora as restantes que
serão forçadas a encerrar portas, levando a industria do açúcar para um regime de monopólio do
engenho do Torreão, situação que se manteve até 1985, ano em que deixou de laborar e de fabricar-
se o produto.
Este açúcar arrecadado pela coroa, tal como nos elucida F. J. Pereira, era gasto em despesas
ordinárias, na carregação directa e nas vendas feitas aos mercadores e/ou sociedades comerciais. Na
primeira despesa estavam incluídos, a redízima dos capitães, os gastos pessoais do monarca, da
Casa Real, as esmolas, para além das despesas com os soldos dos funcionários, do transporte e
embalagem do açúcar. Esta despesa variou entre as 1.070 e 2.114 arrobas, sendo a média anual no
período de 1501 a 1537 de 1622 arrobas. No caso das esmolas é de realçar as que se faziam às
Misericórdias Funchal (1512), Ponta Delgada em S. Miguel (1515), Todos os Santos em Lisboa
(1506 -, Conventos - Santa Maria de Guadalupe (1485), Jesus de Aveiro (1502), Conceição de
Évora. A par disso também se regista a utilização temporária destes lucros arrecadados pela Coroa
no custeamento das despesas com os socorros às praças africanas ou no provimento das armadas. A
contrapartida estará na política de ofertas estabelecida por D. Manuel I, que em muito contribuiu
para o enriquecimento do património artístico da Madeira.
A fama da arte da confeitaria madeirense espalhou-se por toda a Europa e teve o seu expoente
máximo na embaixada enviada por Simão Gonçalves da Câmara ao Papa. Segundo Gaspar Frutuoso
compunha-se de "muitos mimos e brincos da ilha de conservas, e o sacro palácio todo feito de
assucar, e os cardiais todos feitos de alfenim, dornados a partes, o que lhes dava muita graça, e
feitos de estatura de hum homem". São vários os testemunhos denunciadores da mestria dos
madeirenses no fabrico destes produtos. Segundo Hans Sloane em 1687 o madeirense produzia
"açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil".
Dois anos depois John Ovington refere a indústria da conserva de citrinos ou cidra que se
exportavam para a França e Holanda. A cidra existia em abundância na Ponta de Sol, Ribeira Brava,
Machico e Câmara de Lobos (Ribeira dos Socorridos), quase desaparecendo em finais do século
XVIII e arrastando inevitavelmente esta industria para o seu fim.
Um dos factores de promoção desta indústria ao nível das conservas foi a importância assumida
pelo Funchal como porto de escala de abastecimento para a navegação atlântica. Muitas
embarcações aportavam aí com o intuito de se fornecerem de conservas de citrinos para a sua dieta
de bordo. Mas, sem dúvida, o consumidor preferencial das conservas e doçaria madeirense era a
Casa Real portuguesa. D. Manuel foi o seu consumidor preferencial e aquele que divulgou as suas
qualidades na Europa. Assim ficaram como o seu principal presente, dentro e fora do reino, sendo o
seu exemplo seguido por Vasco da Gama, que também ofertou o xeque de Moçambique com
conservas da ilha. No período de 1501 a 1561 a Casa Real consumiu 1129 arrobas e 58 barris de
açúcar em conservas e frutas secas. A par disso o rei havia estabelecido a partir de 1520 o envio
anual de 10 arrobas de conserva para o feitor de Flandres.
Esta indústria manteve-se por todo o século XVII, suportada com o pouco açúcar da produção local
ou com as importações dele do Brasil. Neste último caso sabe-se que em 1680 foram importadas
2.575 arrobas para o fabrico de casca. Aliás, de acordo com uma informação dada ao governador da
ilha, D. António Jorge de Melo referia-se que "é a casquinha negócio muito grande porque há anno
que se carregão com aquella terra mais de 20 embarcações de hum so doce para o qual he necesareo
comprar assucar da terra ou mandalo vir do Brasil". A correspondência de William Bolton refere-nos
que a conserva de citrinos estava em grande prosperidade na década de noventa do século XVII,
sendo usada para o abastecimento das embarcações que demandavam a ilha, ou exportadas para
Lisboa, Holanda e França.
Parte significativa desse movimento comercial pode ser reconstituída através da correspondência
comercial de dois mercadores: Diogo Fernandes Branco (1649-1652), William Bolton (1696-1715)
e Duarte Sodré Pereira (1710-1712).
Diogo Fernandes Branco parece ter sido o principal interveniente do comércio com os portos
nórdicos, quase só baseado na exportação de casca e conservas. Para o curto período que dura a
correspondência é evidente a importância assumida pelo dito comércio. Assim em 1649, não
obstante o açúcar da produção local ser de mau qualidade, a falta de cidra e tardar a vinda dos
navios do Brasil, a procura manteve-se activa, gerando dificuldades aos fornecedores, como Diogo
Fernandes Branco, que tiveram que socorrer-se de todos os meios para poder satisfazer a
encomenda. A conjuntura conduziu inevitavelmente ao aumento do preço do produto. Esta situação
continuou de modo que em Novembro de 1651 carregaram na ilha 9 navios franceses. No ano
imediato inverteu-se a situação: a casca abundou e em Outubro ainda tardavam em chegar os navios
para a levar ao seu destino, o que era motivo para preocupação.
Duarte Sodré Pereira surge, nos anos imediatos, como o continuador do comércio deste produto. A
sua actividade mercantil, neste lapso de tempo, esteve dedicada, também ao comércio do açúcar do
Brasil e à exportação de casca para o norte da Europa, nomeadamente, Amesterdão.
No fabrico das conservas e doces variados merecem a nossa atenção as freiras do Convento de
Santa Clara, da Encarnação e Mercês. Aliás, em 1687 Hans Sloane referia-se de forma elogiosa aos
doces e compotas que comeu no Convento de Santa Clara, e ao referir que "nunca vi coisas tão
boas". Num breve relance pelos livros de receita e despesa do Convento da Encarnação,
Misericórdia do Funchal, e Recolhimento do Bom Jesus, constata-se as assíduas despesas com a
compra de açúcar da ilha ou do Brasil para o consumo interno. A Misericórdia do Funchal para além
das esmolas que recebia em açúcar ou marmelada, consumia açúcar que comprava. Do primeiro
tanto se poderia dar aos doentes ou vender para fora. Em 1636 gastaram-se 6.180 réis na compra de
3 arrobas de açúcar para os doces da procissão das Endoenças. Ademais são conhecidas outras
despesas na compra de abóbora, ginjas, peras, marmelos para o fabrico de doce. Em 4 de Junho de
1700 a Misericórdia do Funchal gastou 101.500 réis na compra de 34 arrobas para o fabrico de
doces a serem consumidos ao longo do ano. Para o período de 1694 a 1700 a mesma instituição
gastou 634.400 réis na compra de 227 arrobas de açúcar e 14 canadas de mel.
Maior e mais assíduo foi o consumo de açúcar no Convento da Encarnação no período de 1671 a
1693. Aí, de acordo com o registo mensal dos gastos com as compras de produtos para a dispensa
do convento pode-se ficar com uma ideia da sazonalidade do consumo da doçaria, que consistia em
coscorões, batatada, talhadas, queijadas, arroz-doce e bolos. No caso deste convento destacam-se a
Quinta-Feira de Endoenças, Páscoa, Espírito Santo, Nossa Sra. Encarnação e do Carmo, Natal.
Nesta última festividade distribuía-se a cada freira, para a Consoada, 8 libras de açúcar. Além disso
parte significativa do açúcar de várias qualidades, era usado para o "tempero do comer" e fazer
conserva. No total dispenderam-se 190 arrobas de açúcar por estes vinte e dois anos para um total
aproximado de seis dezenas de recolhidas.
Extintos os conventos quase que também desapareceu a tradição da doçaria. Hoje, o único
testemunho que resta dessa importante industria do doce madeirense é o bolo de mel. O alfenim
manteve-o a tradição dos ex-votos das festas do espírito Santo na ilha Terceira, único local onde
ainda persiste esta tradição.
O açúcar é de todos os produtos resultantes da guarapa aquele que requer um mais demorado
período de laboração e uma requintada e custosa tecnologia. Mais fácil se torna a extracção do mel e
aguardente. Neste sentido, o regresso da cana no século XIX fez-se mais por esta aposta na
necessária produção de aguardente, tão necessária para a industria viti-vinicola, não obstante as
medidas impostas no sentido de uma produção equilibrada de aguardente, álcool e açúcar. O
tratamento do vinho para exportação fazia-se no início com aguardentes de fora, depois queimaram-
se os vinhos de inferior qualidade, a que se seguiu o recurso a aguardente de cana. Note-se que em
1865 os quatro engenhos em laboração são usados apenas para o fabrico de aguardente.
Após a Restauração da independência de Portugal o comércio com o Brasil foi alvo de múltiplas
regulamentações. Primeiro foi a criação do monopólio do comércio com o Brasil, através da
Companhia para o efeito criada, depois o estabelecimento do sistema de comboios para maior
segurança da navegação. A esta situação, estabelecida em 1649, ressalva-se o caso particular da
Madeira e Açores, que a partir de 1650 passaram a poder enviar, isoladamente dois navios com
capacidade para 300 pipas com os produtos da terra, que seriam depois trocados por tabaco, açúcar
e madeiras. Mais tarde, ficou estabelecido que os mesmos não podiam suplantar as 500 caixas de
açúcar.
Desde meados do século XIX que o açúcar voltou a entrar paulatinamente nas exportações
madeirenses. Assim, em 1854 temos referência à saída de 238 Kg que passam para 527.883 em
1871.Não existem dados concludentes sobre o comércio do açúcar da ilha neste período, mas pelas
medidas que favoreciam a sua saída (em 1870-1887) sabemos da necessidade de garantir uma quota
de mercado nos Açores e Continente. No primeiro quartel da presente centúria o açúcar de produção
local era excedentário, sendo exportado para Lisboa. Após a segunda guerra mundial a produção do
açúcar não foi suficiente para cobrir as carências da ilha, tornando-se necessária a sua importação.
INVESTIMENTO E OSTENTAÇÃO
O Funchal foi, no decurso dos séculos XV e XVI, o principal centro do arquipélago. Desde os
primórdios da ocupação da ilha que o lugar como vila e desde 1508 como cidade foi o centro de
divergência e convergência dos interesses dos madeirenses. À sua volta anichou-se um vasto
hinterland agrícola, ligado por terra e mar.
O povoado, traçado por João Gonçalves Zarco, começou por ser a sede da capitania do mesmo
nome mas, a riqueza do vasto hinterland projectou-o para ser a primeira e única cidade e porto de
ligação ao mundo. Machico perdeu a batalha, porque os seus capitães não foram capazes de
acompanhar o ritmo dos funchalenses.
O progresso e importância do Funchal foi rápido. De vila passou a cidade e sede do primeiro
bispado e, depois arcebispado, das terras atlânticas portuguesas.
Tudo isto levou a que no terreno evoluí-se o traçado urbanístico e a construção de imponentes
edifícios. As palhotas, dispostas de modo anárquico, vão dando lugar a casas assoalhadas, alinhadas
ao longo de arruamentos paralelos à costa e em torno da praça que domina o templo religioso. O
capitão, de Santa Catarina, avançou encosta acima até se fixar no alto das Cruzes, no espaço
dominado pelo actual Museu da Quinta das Cruzes. Do outro lado, no Cabo do Calhau, surgiu o
burgo popular, dominado pelo mar e pela rua que o ligava a ermida de Nossa Senhora da Conceição
de Baixo. Foi a partir daí que avançou aquilo a que mais tarde veio a ser a cidade. Do nicho do cabo
do Calhau, passou-se a Ribeira Santa Maria (hoje de João Gomes) e aos poucos conquistou-se
espaço aos canaviais para traçar ruas e erguer casas de sobrado. O próprio duque, D. Manuel, deu o
exemplo, doando em 1485 o seu chão de canaviais, conhecido como campo do Duque, para nele ser
traçada uma praça, construir-se a igreja, Paços do Concelho, de tabeliães e Alfândega. Ligando tudo
isto estava a Rua dos Mercadores, hoje da Alfândega, donde partiram novos arruamentos que deram
espaço e vida ao quotidiano dos mercadores. São exemplo disso a Rua do Sabão, João Esmeraldo.
Perante nós estão dois percursos convergentes. Dum lado o capitão que avança pelo extremo
ocidental do vale até ao alto das Cruzes e depois desce até à cidade manuelina. Do outro os
companheiros do navegador, a gente obreira, que mantêm o convívio com o mar, avançando ao
longo da linha da água ao encontro da cidade dos mercadores e artesãos.
A visita poderá iniciar-se no cabo do Calhau, hoje considerado a zona Velha da Cidade. Do largo,
que domina a Capela do Corpo Santo, uma construção do século XV, alvo de inúmeras alterações,
onde se assentou a confraria de S. Pedro Gonçalves Telmo - santo padroeiro dos homens do mar -, é
possível visualizar algumas habitações térreas, próximas daquelas palhaças do século XV. Ao fundo
a fortaleza de São Tiago, construída no período da dominação filipina para remate da cortina da
muralha que defendia a cidade. Hoje aberga um Museu de Arte Contemporânea.
A viagem avança ao longo da Rua de Santa Maria que desemboca no Largo da Feira. Aqui ficou, por
algum tempo, o centro de atenções do primitivo povoado: o poço de abastecimento de água, a
primeira igreja paroquial de Nossa Senhora do Calhau, destruída pela aluvião de 1803, e o hospital
da Misericórdia. Hoje, restam apenas vestígios do poço.
Ultrapassada a ribeira através da ponte, outrora de madeira mas agora de alvenaria, encontramo-nos
no Largo do Pelourinho. Aqui começou a cidade dos mercadores com a primeira alfândega,
mandada erguer em 1477 pela Infanta Dona Beatriz. Daqui partiu a Rua Direita(coincidindo com
actual traçado das ruas Direita e Ferreiros) e, depois, a dos mercadores que ligou o largo ao novo
centro da cidade: a Praça do Campo do Duque. A primitiva Alfândega desapareceu, o pelourinho foi
apeado em 1835 e o que lá existe agora é uma cópia recente de 1992.
Passada outra ponte e avançando pela Rua da Alfândega chega-se ao Largo dos varadouros,
fronteiro ao mar e à Praça Cristóvão Colombo. Esta praça foi construída em 1992 no espaço onde
outrora existiu a Casa de João Esmeraldo que, segundo a tradição, foi morada de Cristóvão
Colombo nos anos(1478-1481) que por cá passou. Hoje, todavia é sabido que a casa em 1495 ainda
estava em construção, sendo portanto posterior à primeira permanência do navegador na ilha.
Adiante, na mesma rua, está a Alfândega do Funchal, a nova construída a partir de 1508. O edifício
actual resulta do restauro feito para adaptação à Assembleia Legislativa Regional. Salvou-se o que
ainda restava da época manuelina: as Salas dos Contos e do Despacho com tecto hispano-árabe e
arcarias góticas. A capela anexa da invocação de Santo António é construção de 1714, feita por
ordem do Dr. João de Aguiar, Juiz desembargador.
Continuando o percurso chegamos ao final da Rua e depara-se perante nós o portão principal do
Palácio de S. Lourenço, actual residência do Ministro da República para a Madeira. É a expressão
do poder dos capitães e, depois, dos representantes do poder central. A construção do primitivo
baluarte é da primeira metade do século XVI, mas em 1566, em face do assalto dos corsários
huguenotes, reconheceu-se a inoperância do mesmo, tendo-se avançado com a sua total
transformação a cargo dos fortificadores Mateus Fernandes e Jerónimo Jorge, dando-lhe a forma do
desenho traçado em 1654 (?) por Bartolomeu João. No conjunto existente merece a nossa atenção,
no torreão leste, as armas manuelinas em cantaria da ilha e, no primeiro piso deste, a sala gótica
com abóbada de nervuras assentes, com cinco tramos e fechada por uma Cruz de Cristo. Ainda, à
entrada são de registar os retratos das autoridades da ilha: os capitães do Funchal, os capitães e
governadores gerais e os governadores civis.
Subindo a Avenida Zarco, deparamo-nos com a estátua de João Gonçalves Zarco da autoria do
escultor madeirense, Francisco Franco. O monumento foi pensado para a comemoração do quinto
centenário do descobrimento da ilha, que teve lugar em 1922, mas só foi inaugurado em 28 de Maio
de 1934.
Em frente no fim da Avenida Arriaga, ergue-se a Sé Catedral, mandada construir por D. Manuel para
servir de sede a paróquia e, depois, ao bispado do Funchal. O novo templo foi sagrado em 12 de
Junho de 1514, todavia, os trabalhos só ficaram concluídos em 1518. No interior merecem a nossa
atenção os retábulos do altar mor, o cadeirado, onde estão esculpidas cenas bíblicas e da vida
madeirense, e o tecto em cedro da terra.
Subindo a rua de João Tavira chega-se à do Bispo onde, no antigo Paço Episcopal, se encontra
instalado desde 1955 o Museu de Arte Sacra. O edifício primitivo é do século XVI e aí funcionou
até 1910 o Paço Episcopal, passando no período de 1913 a 1941 a liceu. Do recheio deste museu de
arte sacra, proveniente das igrejas de toda a ilha, chama a atenção do visitante a importante colecção
de pintura, escultura flamenga, ourivesaria oriunda das diversas igrejas da ilha.
Pintura: S. Tiago Menor, Descida da Cruz, S. Joaquim e Santa Ana, S. Nicolau, Adoração dos Reis
Magos, Anunciação.
Escultura: Deposição do Túmulo, A Virgem e o Menino, Sta Isabel, Nossa Senhora de Luz.
Ourivesaria: A Cruz processional do Funchal oferecida pelo rei D. Manuel a Sé.
Continuando a visita pela rua das Pretas chegámos ao princípio da Calçada de Santa Clara, onde se
situa um importante núcleo museológico da cidade. Primeiro o Museu Municipal, onde é possível
tomar contacto com o meio natural madeirense. No rés-do-chão deste antigo palácio da família
Ornelas, funciona o Arquivo Regional da Madeira, o principal repositório da documentação
histórica do arquipélago.
Próximo está a Casa Museu Frederico de Freitas, constituída á base do espólio legado á região por
este benemérito advogado. A Casa da Calçada, como é conhecida, apresenta ao público uma variada
colecção de mobiliário, artes decorativas, uma rara colecção de azulejos e gravuras madeirenses.
No cimo da calçada fica o Convento de Santa Clara(1495), no sítio onde Zarco havia construído a
capela de Nossa Senhora da Conceição de Cima. Na igreja, alvo de inúmeras transformações ao
longo dos séculos, são de realçar o túmulo de Martim Mendes de Vasconcelos com arcaria
gótica(impropriamente atribuído a João Gonçalves Zarco), os azulejos hispano-mouriscos do coro.
Sob o pavimento da capela mor estão as sepulturas de João Gonçalves Zarco e seus descendentes.
Próximo do Convento está o Museu da Quinta das Cruzes, instalado em 1953 na casa que terá sido
a residência dos capitães do Funchal. Do conjunto merecem a nossa atenção o museu, propriamente
dito e o parque arqueológico, constituído de pedras de armas, lápides comemorativas e elementos
arquitectónicos de edifícios que foram destruídos. Do seu recheio destacamos o mobiliário
(armários e arcas feitos na ilha com a madeira das caixas de açúcar do Brasil) e os presépios.
Seguindo pela Rua das Cruzes deparamo-nos no seu termino, na Rua da Carreira, com a Capela de
S. Paulo. Um singelo templo religioso construído por Gonçalves Zarco em 1425. Da primitiva
construção resta o tecto de alfarje da capela-mor, o arco gótico e a pia em mármore. Foi junto desta
capela que Zarco ergueu em 1469 o seu hospital.
Descendo a Ribeira de S. João eis-nos na Rotunda do Infante, dominada pela esfera armilar e o
monumento ao Infante D. Henrique. O conjunto evoca os descobrimentos portugueses. A estátua de
Leopoldo de Almeida foi inaugurada a 28 de Maio de 1947.
No morro sobranceiro, conhecido como o parque de Santa Catarina, é visível a capela que deu nome
ao parque, construída em 1425 por Constança Rodrigues, mulher de João Gonçalves Zarco.
Próximo, está a estátua de Cristóvão Colombo, inaugurada em 12 de Outubro de 1968.
Para muitos a Sé é o emblema da cidade do Funchal.O templo foi mandado construir por ordem de
D. Manuel, iniciando-se as obras em 1493. Construída para ser a principal paroquia da vila, acabou
por ser a sede do novo bispado, criado em 1514 por Leão X a pedido de D. Manuel. A sua sagração
ocorreu em 18 de Outubro de1517.
Note-se que este monarca demonstrou uma predilecção especial por este templo cumulando-o de
ofertas: a pia baptismal, o púlpito, a cruz processional.
Aqui misturam-se vários estilos. São evidentes os traços do manuelino, na fachada, abside, no
púlpito e pia baptismal. O barroco está patente nas capelas laterais, como sucede com a do
Santíssimo Sacramento.
A entrada abre-se por uma imponente fachada, onde o branco da cal contrasta com a cantaria
vermelha da ilha, dominada por um portal de ogiva , encimado por uma coroa real e rosácea
lavrada.
O interior distribui-se por três naves, sendo as laterais servidas de diversas capelas com rica
decoração barroca.
Majestoso é o altar-mor onde se destaca o políptico com 12 painéis flamengos e o cadeirado. Este
último é uma obra-prima da escultura quinhentista. O conjunto é coroado por uma abobada, tendo
ao centro as armas de D. Manuel, ladeadas de duas esferas armilares.
O cadeiral apresenta-se com duas ordens de cadeiras, ricamente trabalhadas. Em madeira dourada
sobressaem esculturas com cenas bíblicas e do quotidiano madeirense do século XVI. Borracheiros
e escravos convivem com santos e outros populares em poses consideradas pouco dignas para o
local onde se encontram.
Uma das maiores preciosidades do templo é o tecto que cobre todo o espaço. A madeira de cedro é
estilizada num precioso trabalho de alfarge hispano-árabe, único em Portugal e de bonito efeito
visual.
O actual relógio da torre sineira foi montado em 1989 em lugar de outro que em 1921 havia
substituído o primitívo que desde 1775 ritmava o quotidiano da cidade.
A primitiva Alfândega do Funchal foi criada em 1477 no Largo do Pelourinho por ordem da Infanta
D. Beatriz, como forma de controlar a arrecadação dos direitos que recaíam sobre a entrada e saída
de mercadorias.
Não sabemos onde esta funcionou no principio, pois só teve edifício próprio a partir do século XVI,
por plano de D. Manuel. Aí esteve a alfândega até 1962, altura em que mudou para modernas
instalações.
O edifício antigo ressuscitou das ruínas com o processo autonónico, ao ser adaptado para sede da
actual Assembleia legislativa Regional da Madeira, inaugurada em 4 de Dezembro de 1987. O
projecto de adaptação é da autoria do arquitecto Chorão Ramalho.
Nesta adaptação salvou-se o que ainda restava da época manuelina. As Salas dos Contos e do
Despacho são os melhores testemunhos da época. Aí são visíveis o tecto de alfarge, arcarias góticas
com capiteis das colunas e misulas com decoração de elementos vegetais e figuras humanas, o
portal armoriado da fachada norte e restos de arcarias góticas no interior.
No rés-do-chão, dando saída para a actual rua da alfândega, encontra-se um portal manuelino da
primitiva construção.
O imóvel ao longo dos séculos sofreu várias adaptações. Assim, em 1644 defendeu-se a frente mar
com um reduto, servido de portão. Com o decorrer do tempo foi manifesta a sua degradação,
atingindo o ponto crítico com o terramoto de 1748, que levou quase à construção de um novo
edifício, nos destroços do primitivo.
A capela anexa, da invocação de Santo António, é de 1714 e foi feita por ordem do Dr. João de
Aguiar, Juiz desembargador. Serviu muitos anos de arrecadação, mas actualmente, depois de
recuperada, voltou ao culto privado da Assembleia.
No Pátio da assembleia encontra-se uma peça de estatuária do esc. Amândio de Sousa, designada
como a "trilogia dos poderes". O Museu é, desde 1955, um verdadeiro tesouro da arte sacra
madeirense. Abriu as portas a 11 de Junho. Pode ser considerado a caixa-forte porque guarda
algumas das maiores preciosidades artísticas, recolhidas em todas as igrejas da ilha.
Parte substancial desta riqueza em pintura flamenga, maioritariamente do século XVI, pode ser
considerada uma dádiva do açúcar. Com este produto os madeirenses conseguiram elevada riqueza
que ostentaram nas suas capelas privadas, ou em ofertas aos oragos da sua devoção. Há a salientar
ainda algumas transacções directas de açúcar por estes imponentes quadros nos grandes centros
artísticos da Flandres.
Idêntico comportamento teve a coroa para com os madeirenses. D. Manuel foi um deles que
cumulou alguns templos da ilha de tesouros. Está nesse caso a famosa cruz processional, oferecida à
Sé do Funchal.
O Museu está instalado no edifício construído por ordem de D. Luís de Figueiredo de Lemos (1586-
1608).São coevos a arcaria que dá para a Praça do Município e a capela.
A Capela anexa é dedicada a S. Luís de Tolosa, onde ficou sepultado este bispo, depois trasladado
para a Sé. A Capela apresenta um belo pórtico da cantaria negra.
Com o terramoto de 1748 tornou-se necessária uma nova construção que chegou à actualidade. A
República em 1910 atribuiu-lhe novas funções, pois aí funcionou o liceu até 1942. A construção do
novo liceu em 1950 levou a sua recuperação pela diocese que aí fez instalar o Museu Diocesano de
Arte Sacra.
Do recheio do museu de arte sacra, proveniente das igrejas de toda a ilha, chama a atenção do
visitante as colecções de pintura, escultura flamenga , ourivesaria e paramentos
PINTURA
1.Pintura flamenga: S. Tiago Menor, Descida da Cruz(tríptico), Santa Maria Madalena S. Joaquim
e Santa Ana, S. Nicolau, Adoração dos Reis Magos,
Anunciação, S. Pedro S.Paulo e Santo André(tríptico), Nossa Senhora da Encarnação, Nossa
Senhora do Amparo.
2.Pintura Luso-flamenga: S. Tiago e S. Filipe(tríptico),
3.Portuguesa: Cabeça de Cristo, O nascimento de S. João Baptista, os dominicanos e a Ascensão
de Cristo
ESCULTURA:
1.Do século XVI: Deposição do Túmulo, Virgem da Piedade, Virgem da Conceição,
2.Do século XVII: Santa Isabel, Nossa Senhora da Luz, S. Francisco de Paula,
3.Do século XVIII: S. Rafael, S. Miguel Arcanjo, Anjos Candelabros
OURIVESARIA:
1.Do século XVI A Cruz processional do Funchal, atribuída a Gil Vicente, oferecida pelo rei D.
Manuel a Sé, uma bandeja de prata dourada com punção de
Antuérpia, o porta-paz de prata dourada com os Reis Magos em relevo da Sé do Funchal, naveta
em prata(1589), cálice de prata(1580), cálice de prata
dourada com ametistas, cristais e esmaltes.
2.Do século XVII: Salva com pé de prata, salva com braço de prata, turíbulo de prata, cruz
processional de prata, ânfora de prata
3.Do século XVIII: lanterna processionais, jarras, caldeirinha, maças , sacra e urna, todos de prata.
PARAMENTOS: dos séculos XVII e XVIII, maioritariamente da Sé do Funchal.
No alto das Cruzes, ao cimo da calçada, fica o Convento de Santa Clara. Aqui terá erguido Zargo a
sua morada e construído a capela de Nossa Senhora da Conceição de Cima.
No espaço da primitiva capela o seu filho, João Gonçalves da Câmara, levantou a igreja e convento
de Santa Clara. Em 1476, João Gonçalves da Câmara, segundo capitão do Funchal, recebeu do papa
Sixto IV o direito de padroado do novel convento, que só começou a ser construído em 1492. O
edifício só foi dado por terminando em 1497, altura em que entraram as primeiras noviças.
Os traços mais evidentes da arquitectura da época de construção são evidentes no portal gótico da
igreja, que dá acesso ao exterior e nas arcarias góticas do claustro.
Sob o pavimento da capela mor estão as sepulturas dos três primeiros capitães do Funchal e seus
descendentes.
Ainda, no coro de baixo podem ser presenciados um cadeirado e um órgão, que teria sido oferecido
pelo rei D. Manuel.
O altar-mor apresenta um sacrário em prata do séc. XVII, tendo como fundo um retábulo de Nossa
Senhora da Conceição, pintado neste século por Alfredo Miguéis.
Das capelas do convento merece a nossa atenção a de S. Domingos que ostenta um conjunto de
azulejos flamengos do séc. XVI, ao que consta únicos em todo o país.
O conjunto destaca-se na paisagem através da sua torre com cúpula oitavada recoberta de azulejos
dos séculos XVI e XVII.
O convento foi extinto em 1821, todavia em 1896 foi entregue à congregação das Franciscanas
Missionárias de Maria. Estas, expulsas em 1910 com a República retornam em 1927
Próximo do Convento de Santa Clara está o Museu da Quinta das Cruzes, aberto ao publico na
década de cinquenta com base nas Colecções de César Gomes, a que se juntou em 1964 a de João
Wetzler. O espaço engloba a casa de morada, a capela de Nossa Senhora da Piedade(1692) e um
amplo parque ajardinado.
O local tem grande significado na História da ilha, pois terá sido aqui que João Gonçalves Zarco fez
erguer a sua casa. A História do imóvel liga-se assim à família dos capitães do Funchal.
O edifício insere-se numa típica quinta madeirense servida de um majestoso jardim, onde a flora de
diversa origem convive com algumas pedras lavradas oriundas de igrejas e outros edifícios que
foram demolidos, constituído por pedras de armas, lápides comemorativas e outros elementos
arquitectónicos. Aqui estão reunidos vestígios do antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade de
Santa Cruz, uma janela manuelina em basalto do Hospital velho(1507).
Os armários e arcas feitos na ilha, conhecidos de "caixa de açúcar" são uma referência obrigatória.
Parte significativa provem do recheio dos conventos da cidade (Santa Clara e Mercês). A designação
resulta do aproveitamento das madeiras das caixas que transportavam o açúcar do Brasil até ao
Funchal. Depois generalizou-se a todo o mobiliário em madeira de vinhático e til.
Na colecção de escultura merecem referência: a Virgem com o menino, uma escultura flamenga do
século XVI e o retábulo da Natividade, também de origem flamenga, do século XV.
O mesmo poderá ser dito da colecção de porcelana, com especial relevo para a Chamada porcelana
da "companhia das Índias".
Hoje quem entra na cidade por mar ou por terra o espectáculo é distinto daquele que cativou os
navegadores quatrocentistas. O vale traçado pela ribeira, engalanou-se de garridas cores. A frondosa
floresta cedeu lugar às habitações, anarquicamente dispostas. Junto ao mar esta anarquia cede lugar
a uns riscos traçados no terreno para dar vez à freguesia e vila. Da primitiva estrutura urbana pouco
restará e das construções apenas aquelas que o uso e a tradição perpetuaram na memória e
quotidiano machiquense. Os elementos mais antigos resumem-se a alguns portais em ogiva e arcos
contra-curvados.
A visita pode partir do largo frontal aos Paços do Concelho, que domina o recinto da vila. Ao centro
a estátua de Tristão Vaz da autoria do escultor Anjos Teixeira, inaugurada a 8 de Dezembro de 1972.
Em frente os paços do Concelho onde na cumeeira são visíveis as armas do município, uma esfera
armilar em relevo.
Do outro lado da praça está a Igreja matriz, onde na porta lateral de dupla arcaria gótica, virada para
a praça, estão salientes duas colunas de mármore branco oferecidas por D. Manuel. A fachada
apresenta um portal em ogiva e uma rosácea manuelina. A primeira igreja data do século XV e foi
construída por iniciativa do capitão, Tristão Vaz. Da primitiva igreja pouco resta e o que se
apresenta hoje ao visitante é fruto de diversas transformações mantendo-se no entanto, o traçado
primitivo. O campanário desgastou-se com o tempo e em 1844 foi necessário demoli-lo para em seu
lugar se implantar um novo, só acabado em 1853.
Foi em Machico que se produziu o primeiro açúcar da ilha, mas hoje pouco resta na vila desses
momentos áureos, assim de vestígios de velhos engenhos, apenas um de 1858. Para isso há
necessidade de se deslocar ao Porto da Cruz ou ao Faial onde jazem alguns restos dos mais antigos
engenhos da ilha.
O lugar mereceu o nome de Santa Cruz porque João Gonçalves Zarco, aquando do reconhecimento
da ilha, mandou erguer uma cruz de cepos velhos. Foi o único lugar da capitania de Machico, além
da localidade que lhe deu nome, a assumir alguma importância, tendo sido elevado à categoria de
vila em 26 de Junho de 1515 é hoje cidade, e foi detentor por muito tempo de uma alfândega.
A primitiva igreja foi construída no local onde se ergueu a dita cruz. O templo que hoje se apresenta
ao visitante, sob a invocação de S. Salvador, é de princípios do século XVI, da responsabilidade de
João de Freitas, fidalgo da casa de D. Manuel. Ele obteve por provisão de 1502, a mercê da capela-
mor onde ainda se encontra a sua sepultura e de sua mulher, Guiomar de Lordelo. O templo abre-se
em 3 naves, sendo visível no tecto, nomeadamente na abóbada do altar-mor, ornamentos
manuelinos: a Cruz de Cristo, a esfera armilar e o escudo. Os mesmos elementos surgem nas
capelas laterais de São Tiago e Almas, fundadas respectivamente por João de Morais e Gaspar
Pereira de Vasconcelos do Porto Santo. Próximo da matriz está o edifício da Misericórdia, instituída
por testamento de Diogo Vaz em 1505, que a mandou construir em 1530. Ainda no Altar-mor o
portal geminado que dá acesso à sacristia e as paredes laterais ostentam seis pinturas: Anunciação,
Nascimento de Cristo, Adoração dos Reis Magos, A Crucificação, Descida da Cruz e Ressurreição.
Integrado nesta freguesia está a capela da Madre de Deus no Caniço. A capela foi fundada por Isabel
Álvares em 1536 mas as obras de construção do templo terão terminado dez anos depois. A fachada
é dominada por um portal em volta perfeita e uma rosácea simples. Um quadro retabular de tábuas
pintadas do século XVI domina o interior do templo. Encravada entre o vale traçado pela Ribeira,
encontra-se a localidade da Ribeira Brava. O nome do local foi conquistado à ribeira pela bravura na
época invernal. Ontem, como hoje, é um importante nó de comunicação entre a parte Norte e
Ocidental da ilha. Foi terra de gente ilustre, com participação activa na defesa do Norte de África,
donde se relevam Henrique Betencourt, sobrinho do senhorio de Lanzarote que se fixou na Banda
de Além, Diogo de Teive, fidalgo da casa real e descobridor das ilhas portuguesas e Pe. Manuel
Álvares, autor da mais importante e divulgada gramática latina.
A Igreja matriz, onde Manuel Álvares foi baptizado e deu os primeiros passos no estudo do latim, é
de três naves, embora bastante alterada com as remodelações do presente século, são ainda visíveis
alguns elementos quinhentistas: dois arcos góticos, o púlpito com um anjo na base e a pia baptismal.
Esta última foi ofertada pelo rei D. Manuel.
O lugar foi buscar o nome a um acaso do astro-rei. Foi seu fundador Rodrigo Anes, o coxo que, na
pequena enseada banhada pelo sol, fez construir a capela da Virgem Santa Maria da Luz. Em 1486
surgiu a novas igreja para sede da paróquia com a invocação de Nossa Senhora da Luz.
Da primitiva igreja temos apenas, devido às duas reconstruções, a capela do lado da epístola, onde
se pode ver a sepultura do seu fundador, falecido em 1486. Os elementos de maior destaque são: o
tecto de alfarge da capela mor, a pia baptismal. Esta última é peça única de cerâmica existente na
ilha, tendo sido ofertada por D. Manuel.
Subindo a encosta, no sentido do Funchal, depara-se diante de nós o sítio da Lombada, uma
extensão de terreno que João Gonçalves Zarco escolheu para o filho-segundo Rui Gonçalves da
Câmara e que aforou em 1493 ao flamengo João Esmeraldo. Aí levantou a sua casa solarenga, o
engenho para moer a cana e uma capela da invocação do Espírito Santo, sagrada em 1508. Deste
conjunto definido por Gilberto Freire como a trilogia rural, restam apenas a casa e a capela. A
primeira foi restaurada e serve de escola preparatória.
O lugar da Calheta dominou uma importante área de canaviais, afirmando-se desde o século XV
como o embarcadouro para o escoamento do açúcar. Daqui resultou a sua valorização em
detrimento do alto - a Estrela - onde João Gonçalves Zarco havia feito doações de terras importantes
aos filhos João Gonçalves da Câmara e D. Beatriz. Por isso, foi em 1502 elevado à categoria de
Vila, integrando no seu perímetro os mais importantes canaviais, detidos por ilustres calhetenses
que singraram na revelação do mar ocidental, como foi o caso de João Afonso do Estreito e Fernão
Domingues do Arco.
São de visita obrigatória a igreja matriz, construída no século XV. Entra-se por um portal em ogiva e
perante nós depara-se a única nave coberta de um tecto de alfarge, que atinge inegável beleza na
capela mor, que é dominada pelo sacrário em ébano com incrustações de prata. A cruz processional
do século XVI foi oferta do rei D. Manuel.
A pintura está representada através de dois painéis laterais de um tríptico, invocativos da Virgem da
Anunciação e do Anjo, hoje disponíveis no Museu de Arte Sacra.
Duas Capelas completam o roteiro. No Estreito da Calheta, na primitiva povoação surgiram algumas
capelas vinculadas, sendo de destacar a dos Reis Magos, construída cerca de 1529 por Francisco
Homem de Sousa. Aqui todo o deslumbramento está no retábulo da escola flamenga, em madeira de
carvalho policromada e dourada, representando a Adoração dos Reis Magos. No Loreto é a célebre
capela de Nossa Senhora do Loreto, local de romaria e grande devoção. A capela que esteve
integrada num solar apresenta um alpendre sustentado por colunas de mármore branco de origem
sevilhana. No interior o tecto é de alfarge.
O AÇÚCAR HOJE
INSTRUMENTOS DE TRABALHO
1. FONTES DOCUMENTAIS
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gobierno, Santa Cruz de Tenerife, 1953
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2.BIBLIOGRAFIA
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