Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
,
REGIA
, O
AUTONOMA
DAMADEIRA ··
A AUTONOMIA
,
XX ANIVERSARIO
Breves No tas Históricas
Alberto Vieira
A AUTONOMIA
,
XX ANIVERSARIO
Breves No tas Históricas
Albe rto Vieira
Exemplat·es: 1.000
1 de Julho de 1996
Autonomia é para nós uma palavra mágica. Diz tudo o que sentimos
1
20 de Outubro de 1922 lia-se no Diário de Notícias que "no dia em
A
r_ que for decretada a completa autonomia, ter-se-á descoberto a
Madeira pela segunda vez". O momento era oportuno para esta asso-
ciação. Comemorava-se, então, o V Centenário do descobrimento da Madeira.
A isto juntava-se o fervor dos intelectuais e políticos madeirenses na defesa da
autonomia. Os jornais abriram-se ao debate, marcado pela defesa de uma
ampla autonomia, condição necessária para a evocação do sucesso destes cinco
.séculos de História. Daqui surgiu a ideia dos partidos regionalista que, depois,
se desfizeram com o fascínio do Estado Novo.
Num folheto evocativo do quinto centenário do descobrimento da ilha, coorde-
nado pelo Padre Fernando Augusto de Silva, foi feito o panegírico à autonomia,
pela pena de Manuel Pestana Reis. Aliás, o autor começa o seu texto com a evo-
cação da descoberta henriquina:" Ha quinhentos anos as caravelas do infante
entregaram às penedias da ilha, os primeiros povoadores.( ... )Em quinhentos
anos a arvore genealógica dos primeiros povoadores desenvolveu-se em linha
recta. Os madeirenses não podem renegar a Patria pela razão natural de não
poderem negar a Raça" . Daqui resulta que a História estabelece esta relação
umbilical mas também projecta a autonomia, a nossa carta de alforria.
Nada disto era estranho à sociedade madeirense da década de vinte, um dos
mais promissores momentos de debate e reivindicação da autonomia. A crise
económica foi a origem de tudo isto, porque era nestes momentos que mais se
fazia sentir o opressivo abandono a que a ilha fora votada pela metrópole. E a
situação era mais grave quando as receitas do estado arrecadadas na ilha eram
conduzidas para Lisboa e usadas em empreendimentos, como o do porto de
Leixões. A história da autonomia tem neste primeiro quartel do século uma
página dourada.
Lamentavelmente, este debate foi sol de pouca dura pois que se afogou na
esperança adiada, que foi o Estado Novo. Este apagou a autonomia o político e
procurou trazer para o seu seio alguns dos principais arautos, como foi o caso
de Manuel Pestana Reis. A autonomia ficou adormecida até que nova mudança
política veio trazer ao de cima esta ancestral reivindicação que nos possibilitou
as armas para vencer os desafios do presente e projectar os rumos do futuro .
Não sabemos se aqueles que estabeleceram o dia 1 de Julho, como o da Região
Autónoma e, acima de tudo, da autonomia tiveram por inspiração o texto de
Manuel Pestana Reis e todo o debate da década de vinte. Copiada ou original,
esta decisão merece o nosso aplauso. A 1 de Julho evoca-se (ainda que para
muitos esta data da descoberta oficial ofereça dúvidas) o descobrimento por-
tuguês da Madeira. É o momento de encontro dos navegadores quatrocentistas
com o espesso negrume. Este singelo gesto permitiu que a Ilha se projectasse no
mundo luso como a primeira jóia atlântica.
A autonomia, finalmente conseguida com a constituição de 1976, é a segunda
descoberta da Madeira. Isto é, a Europa descobriu este estatuto de diferença e o
madeirense revelou-se a si próprio nas suas capacidades de autogoverno. Deste
modo autonomia combina com descobrimento e a esta coincidência num só dia
de comemoração não deve ser entendida como ocasional. Abril de 1976 trouxe-
nos a segunda descoberta. Agora, resta saber se o futuro nos reserva novas
descobertas para que a autonomia continue a sua marcha.
3
A autonomia pode ser enquadrada na tradição localista, materializada no
municipalismo. A criação desta estrutura descentralizada de poder obedece
precisamente a essa necessidade de aproximação dos governados aos gover-
nantes. Note-se que antes das transformações ocorridas no século dezanove
reconhecia-se ao município o carácter autónomo da administração, sendo o seu
poder assente na jurisdição local (foral e posturas) e no exercício dos magistra-
dos eleitos. Por isso, recordar a autonomia será também o recordar desta multi-
ssecular instituição.
A autonomia é hoje a mais perfeita materialização da dimensão regional e a
melhor via para a solução dos seus problemas. Ela fundamenta-se na História,
afirma-se pela consciencialização política e cultural dos seus intervenientes e
projecta-se no pleno exercício dos orgãos de governo próprio.
Hoje podemos dizer que a autonomia política não é uma palavra vã e que nos
foi dada a possibilidade de afirmação da nossa vontade e especificidades
próprias. E, tal como referiu M. Pestana Reis em 1922, podemos repetir hoje
com segurança que " a autonomia não é um grito de revolta, mas simples
petição de justiça. Adquirimos direitos, exigimos que os reconheçam e nos
garantam o seu livre gozo e exercício".
4
A CRIAÇÃO DO CONCEITO
E A REALIDADE ENVOLVENTE
5
A actual autonomia das regiões insulares portuguesas ficou consagrada na con-
stituiçao de 1976. Os argumentos justificativos deste processo não são novos,
nem tão pouco se esgotam com o texto da nossa constituição. À partida esta
argumentação leva-nos a colocar algumas questões para reflexão. Serão as
"históricas aspiraçoes autonomistas das populaçoes insulares" mera criação e
mistificação abrilista, como o afirma Fernando Jasmins Pereira, ou então uma
realidade palpável do nosso devir histórico ? Só quem desconhece o debate
resultante da Revolução liberal e da Republica poderá ficcionar esta realidade.
Todavia, o parágrafo da constituição nao restringe o fundamento da autonomia
apenas a isso, pois fala também em especificidades de ordem económica, social
e cultural(este último acrescentado com a revisão). Sao estas também invençao
do legislador?
No te-se que a região não se define apenas por uma homogeneidade de
condiçoes eco-sistémicas. Ela é mais do que isso, sendo uma realidade sentida e
vivida pelos seus habitantes. É, no entender de André Frémont, o "espaço vivi-
do". A isto acrescenta Juan Beneyto a dimensão histórico e cultural. A história é
mesmo o cimento desta solidaridade. Por isso, nao sao apenas as condiçoes de
uniformidade do espaço que a definem, mas, acima de tudo, a consciência
colectiva daí resultante. A regiao é uma totalidade espácio-humana.
A ilha assume-se como uma região particular, tendo uma identidade própria. É,
no entender de Lucien Febvre, um "pequeno quadro natural". É por si só uma
unidade social, económica e política, constituindo uma forma singular de ser
mundo. O mar, factor de aproximaçao e isolamento, é o principal gerador dessa
individualização. Por tudo isto é possível falar do mundo insular, assente
numa singular personalidade, numa particular cosmovisao, ou melhor ainda,
numa forma de ser e estar no mundo.
Folheando os múltiplos textos que definem o processo autonómico na bacia
mediterrânica é evidente a valorização das dominantes geográficas e históricas.
Para a constituição italiana(1948) existem dois tipos de regiões, às quais é
atribuída uma autonomia diversa. A espanhola de 1982 diferencia três formas
de expressão: 1. regiões definidas por "características históricas, culturais e
económicas comuns"; 2.os territórios insulares; 3.as "províncias com identidade
regional histórica". A constituição apresenta-a, ainda, comO resultado de uma
"entidade regional histórica". depois os estatutos de cada região dão a justifi-
cação: em 1982 nas Canárias a autonomia é apresentada como a "expressão da
sua identidade", enquanto nas Baleares em 1983 fala-se em "identidade históri-
ca". Entretanto em França os estatutos da Córsega de 1982 definem uma organi-
zação político-institucional específica, fundamentada na geografia e História.
A distância geográfica e a diferença territorial inviabilizam uma eficaz acçao
governativa desde o centro (o Terreiro do Paço). Est~s condiçoes radicam o
direito à diferença na orgânica governativa e são factor de promoçao do desen-
volvimertto. A ideia está expressa na lei fundamental, mas também foi percebi-
da pelos defensores da autonomia em épocas anteriores: Aristides da Mota para
os Açores(1892) e Manuel Pestana Reis na Madeira(1922).
6
A HISTÓRIA DA AUTONOMIA
S~ .
. políticos periféricos" é antiga e está enraizada na História Portuguesa.
Mas, nãosucede apenas entre nós, também em Espanha e Itália. Aliás o
nascimento de Portugal radica-se nessa opção autonomista do antigo regime.
Em Itália, tenha-se em consideração o peso das cidades-estado e o reverso da
medalha com o movimento de reunificação do século XIX. Na vizinha Espanha
as Cortes de Tortosa em 1400 são os marcos emblemáticos da autonomia da
Catalunha, Aragão e Valença, sendo 1492 o princípio do uniformismo peninsu-
lar, que tem em 1580 o seu ponto máximo. E o processo regressivo da autono-
mia continuou até ao século XX. Ela é cerceada com o avanço do processo
histórico, demarcado, primeiro pelo despotismo iluminado e, finalmente, com o
liberalismo, o momento máximo dessa tendência do processo de centralizaçao
do poder. A república mais não fez que dar-lhe continuidade.
A tradiçao localista, materializada no municipalismo, não chega, por razães
várias, a adquirir uma dimensão regional. Tudo isto foi resultado do processo
7
de transformação do edifício institucional do Antigo Regime. Neste contexto a
conjuntura política que serve de base aos descobrimentos, momento de apareci-
mento das ilhas, é o início do esmorecimento desta virtual autonomia, o princí-
pio para a afirmaçao da centralizaçao expressa nos séculos XVII e XVIII. O regi-
mento das eleições de 1670 materializa essa opção ao definir uma maior inter-
venção da coroa na estrutura institucional. Esta situação é secundada pela lei de
16 de Maio de 1832, que retira todos os poderes executivos aos municípios. O
município subordina-se ao provedor, funcionário de nomeação régia. Depois, é
o aparecimento dos distritos pela lei de 25 de Abril de 1835, fundamentado pelo
código administrativo de Passos Manuel(1836) que define uma hierarquia insti-
tucional: 1. distritos, 2. municípios, 3. freguesia.A perda de autonomia do
município acentua-se na República e prolonga-se com o Estado Novo(1936) .
Mesmo assim as ilhas usufruíram, no século XV, de condiçoes especiais que as
diferenciam das demais partes do reino. Surge, assim, o senhorio e a capitania
(1433). As cartas de doaçao definem a precaridade desse processo e a capaci-
dade de mandar e julgar e nunca de legislar. Neste último aspecto deveriam os
capitães sujeitar-se aos forais ou regimentos gerais do reino. Esta capacidade de
legislar surgiu apenas com a afirmaçao do rnpnicípio. As posturas sao a materi-
alizaçao desse anseio, sendo os seus capítulos uma tentativa de dar voz às legí-
timas aspiraçoes de uma regiao, no caso a área do município. A criaçao desta
estrutura descentralizada de poder obedece precisamente a isso. A ela se recon-
hece o carácter autónomo da administraçao, sendo o seu poder assente na juris-
diçao local (foral e posturas) e no exercício dos magistrados eleitos. Destes últi-
mos, os juizes estavam acometidos de alguma capacidade jurisdicional.
A afirmação desta capacidade autonómica avança de acordo com o progresso
sócio-económico da ilha e das dificuldades de alcançar os centros de decisao.
Mais uma vez a geografia é condicionante. Sucede assim na Ponta do Sol
(1501), Calheta (1502), S. Vicente (1743). No caso de Santa Cruz (1515) sao mais
razoes sócio-económicas. Em todas as cartas de criaçao dos três primeiros
municípios é expressamente referida a dificuldade de comunicaçao com a sede
do município, no Funchal ou em Machico.
Os alvores do século XVI marcaram um passo atrás neste movimento. Há uma
nítida afirmaçao do poder régio: acabou o senhorio (1498), surgem nova figuras
institucionais subordinadas à coroa (corregedor, Provedoria ... ). Tudo isto abriu
caminho para o palco da centralizaçao régia. A situaçao piora com o domínio
filipino, ao surgir uma figura- o geral- que centraliza todos os poderes na ilha,
tendo continuidade até ao século XVIII. O sistema definido pelo Marquês de
Pombal em 1766 é a materializaçao disso. O primeiro golpe contra o centralis-
mo político absolutista teve lugar em 1822, mas depois desfez-se no calor da
luta partidária. Depois, foi o desabrochar da consciênc~a dos interesses locais e
a luta por uma alteraçao da orgânica de poder, apagados com a República e
Estado Nóvo
A crise económica da segunda metade do século XIX foi a ambiência geradora
deste movimento. Ora, sendo a autonomia indissociável do problema de como
governar o arquipélago, é natural que ela surja, com maior evidência, em
momentos de crise. É precisamente que se sente a distância entre os centros de
decisao e o lugar. Todavia, a autonomia nao é resultado disso, mas é a partir daí
8
que ela emana e toma-se inteligível, por consequência, nao é uma necessidade de
momento, mas uma aspiraçao e um direito histórico. É, aliás, nestas conjunturas
difíceis que o discurso autonomista se enraiza na classe política e na população,
expressando-se em revoltas(do leite, da farinha ... ) contra a intervenção central-
izadora do governo, ou nos discursos e manifestos inflamados dos políticos.
O discurso autonomista, difundido na imprensa ou nas tribunas parlamentares,
é quase sempre o mesmo. A crise é resultado da situaçao institucional, que nao
permite respostas rápidas, por isso era necessário encontrar uma alternativa,
através de um governo próximo, capaz e eficiente. Depois, este ideal reforça-se
com o sentimento base de desprezo, manifesto na ingratidao da pátria, na
imagem de um povo sofredor e orfao, sendo a autonomia o caminho para a
metrópole assumir da adequada paternidade.
A análise da maioria das intervençoes evidencia a falta de originalidade na pro-
duçao ideológica. Acresce também que este movimento nao adquiriu a adequa-
da consciência política capaz de fazer singrar essa opção política em pleno. O
grande momento de debate entre nós foi o primeiro quartel do nosso século.
A principal diferença entre o processo autonómico nos Açores e Madeira radi-
ca-se na fraca dimensao do movimento político-cultural que lhe serviu de base.
Nos Açores a sua expressao, sobre a forma de bairrismo das ilhas ou distritos
do arquipélago, favoreceu a discussao e a anterior elaboraçao de uma autono-
mia administrativa em 1895. O debate sobre a divisão administrativa do
arquipélago, desde a revolução liberal, favoreceu essa discussão. Mas, também
foi o bairrismo o principal obstáculo à sua afirmação.
9
Tardavam as soluções mas também os gritos lancinantes do ilhéu não chegam ao
Terreiro do Paço. Esta conjuntura de crise foi o alento gerador dos ideais
autonómicos, o cadinho onde germinou a consciência política da autonomia,
brevemente abafada pelo Estado Novo. As opções estavam perfeitamente delin-
eadas. A concentração e distancia do poder não favoreciam a pronta resposta aos
problemas e geravam nos madeirenses a desconfiança aos políticos centralistas.
O centralismo, que ficou conhecido pela designação de Terreiro do Paço, é o
estigma que cavou o fosso multissecular entre nós, insulares, e a terramãe. Esta
condição foi considerada pelos liberais madeirenses como uma forma de
escravidão. Em 1822, dizia o articulista do Patriota Funchalense, "A escravidão
consiste em viver algum sujeito absolutamente à vontade de outrem; uma
província, que deve sujeitar seus interesses aos da metrópole, que a seu turno a
não interessa, deixa de ser província, he de facto colónia e vive escrava". E para
soltar os grilhões que mantinham esta histórica servidão, o madeirense bateu-se
em diversos momentos sem o alcançar. Na Madeira a autonomia ganhou letra
de forma no plano constitucional em 8 de Agosto de 1901, quando Hintze
Ribeiro assinou o primeiro decreto concedendo à Madeira o estatuto atribuído
em 1895 aos distritos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo.
A crise agravou-se e as soluções ficaram a vegetar nos gabinetes. Com isto adveio
a desconfiança popular: a revolta da farinha (Ffvereiro de 1931) e do leite ( 1936).
E, neste intervalo de tempo, tivemos de suportar a culpa de uma revolução falha-
da dos deportados do regime (a 4 de Abril de 1931), onde os ideais autonomistas
se misturaram com a militancia republicana dos deportados. O governo da
ditadura procurou desvalorizar a reivindicação autonómica expressa por muitos
dos madeirenses aderentes ao movimento, acusando-os de independentistas.
Estes são alguns dos espinhos que atingiram o Estado Novo e testemunham a
nossa luta pela liberdade e democracia. Nada disto foi esquecido pelo Dr.
Oliveira Salazar que como ministro das Finanças e, depois, presidente do con-
selho, resolveu vingar-se da rebeldia insular com o ataque à autonomia e no
abandono a que fomos votados, não obstante algumas medidas de cosmética
que não conseguiram solucionar os problemas mas apenas adiar. Mais, tentou-
se apagar a forte consciência autonómica que animou a politica madeirense nos
anos vinte.
A Junta Geral é a expressão desta nova realidade, adquirindo nas ilhas uma
estrutura distinta na sua organização e funcionamento. Todavia esta autonomia
administrativa não convenceu os madeirenses. À crise política junta-se a
económica, esta última agravada com a primeira grande guerra. O isolamento a
que ficou votada a ilha testemunha mais uma vez a orfandade da mãe-pátria.
Deste modo em 1917 a autonomia surge como uma emanação prática. A
solução da crise passa por uma autonomia, aqui considerada como a via para a
solução desses problemas. No post-guerra mantiveram-se os problemas a aca-
lentar a opção autonómica. As comemorações do descobrimento da ilha em
1922 serviram de pano de fundo para nova reivindicação da autonomia. No fol-
heto evocativo da efeméride Manuel Pestana Reis lançou o mote. O debate pas-
sou às paginas dos jornais. Foi o resonsável da comissão executiva da Junta
Geral, Dr. Fernando Tolentino da Costa, quem reclamou perante o presidente
da RepúbÚca de passagem na ilha, a revisão do estatuto de autonomia das
ilhas.
A intenção era criar um grande movimento em prol da autonomia, trazendo
também os açoreanos para esta causa. Em 16 de Dezembro os madeirenses, con-
vocados pela Junta Geral, reunem-se em assembleia para discutir a questão da
autonomia. Das opções postas na mesa sobressaem as de Manuel Pestana Reis
10
que remetem para uma autonomia administrativa muito mais ampla. Uma das
apostas era a capacidade de legislar, só conseguida em 1976. Este entusiasmo
levou mesmo à ideia de criação de partidos regionais. Todavia, a conturbada
vida política nacional fez acicatar as rivalidades e intriga política, esmorecendo
a autonomia. Deste modo as intenções de revisão do estatuto das ilhas ficou
adiado até ao Governo saído do golpe de estado de 1926. Foi em 1928 que as
ilhas tiveram novo estatuto. Os poderes das juntas são ampliados mas estão
longe das propostas avançadas em 1922. Isto marca o início da solução política
que tomará corpo com o Estado Novo. O fervor autonomista foi abafado pela
retórica do principal apaziguado do Governo da Ditadura, o Dr. Oliveria
Salazar. Os autonomistas de 1922, como Manuel Pestana Reis, acomodaram-se
a um estatuto de fiéis seguidores do novo regime.
A constituição de 1933 dava mostra de deliberado empenho de Estado Novo
em conter o movimento autonómico ao declarar a intenção de estabelecer um
estatuto especial para as ilhas, o que veio a acontecer em 1939 com o estatuto
dos distritos autonómicos das ilhas adjacentes, da responsabilidade do Prof.
Marcelo Caetano. A isto sucederam-se revisões em 1940 e 1947.
Neste lapso de tempo esmoreceu a reclamação autonomista e só em 1969 surge
com novo vulgar através de uma exposição de um grupo de cidadãos apresen-
tada ao governador a 22 de Abril. A questão do Planeamento Regional, estab-
elecido por decreto de 11 de Março é o mote para este debate que tem reflexo
nas páginas do jornal "O Comércio do Funchal", e, depois, estende-se ao "Eco
do Funchal" e "Voz da Madeira". Entretanto, nos Açores sucederam-se as sem-
anas de estudo que aglutinam as forças perdidas do movimento autonómico. A
comunhão de interesses deu origem à cimeira insular no Funchal, convocada
pelo nosso governador para 29 a 31 de Maio de 1970. A "primavera marcelista"
foi apenas uma fugaz esperança e a consagração da figura da região autónoma,
da revisão constitucional de 1971 só abrange o Ultramar. As ilhas tiveram que
esperar mais cinco anos.
Em todos os momentos da nossa História recente havia consciência plena da
importancia que assumia para o arquipélago a tão almejada autonomia, mas só
com o processo democrático decorrente de vinte e cinco de Abril de 1974 foi
possivel a sua concretização. Para trás ficaram as camufladas opções do Estado
Novo e a humilhante designação de ilhas adjacentes. A constituição de 1933
previa um estatuto especial, estabelecido em 1940. Aqui ficou expressa a visão
corporativista do estado que fez passar à História algumas conquistas anteri-
ores. Foi na chamada Primavera marcelista que se deu um passo em frente com
as chamadas estruturas de Planeamento Regional, que pretendia fazer o levan-
tamento dos problemas e o equacionar das soluções ao nivellocal.
A luta contra o regime político caido em 1974 esteve muitas vezes ligada à
batalha pela autonomia. Desde a década de vinte que se haviam bloqueado
todas as saidas. Por isso a queda do regime abriu a porta para a afirmação dos
impulsos autonomistas, refreados por mais de cinquenta anos. O vinte e cinco
de Abril é o principio do processo de mudança, legitimado em pleno com a
Constituição da República de 1976. Pela primeira vez na História de Portugal a
autonomia política não é uma palavra vã e às ilhas foi dada a possibilidade de
afirmação da sua vontade e especificidades próprias. Deste modo, para nós,
madeirenses, o vinte e cinco de Abril de 1974 é também sinónimo de autono-
mia. Ele pode ser definido pela seguinte trilogia: liberdade, democracia e
autonomia. Foi, na verdade, um virar de página e, por isso, assume particular
significado. Para trás ficou um passado de sofrimento e de angústia, mas tam-
bém de luta permanente pelos nossos interesses e direitos políticos.
11
Foi o começo de uma nova era na História do nosso arquipélago. Em 1922
autonomia confundia-se com descoberta, ansiando-se por uma segunda
descoberta da ilha. Hoje, passados setenta e quatro anos, podemos testemunhar
esse momento histórico, consequência do vinte e cinco de Abril. Estamos per-
ante a segunda descoberta da Madeira. Nos princípios do século XV os por-
tugueses revelaram ao mundo este rincão e colocaram-no na periferia dos
grandes centros económicos e políticos. Com isto agravou-se a situação de
dependência e abandono. Com a autonomia, consagrada na Constituição de
1976, fomos confrontados com uma nova descoberta. Isto é a Europa descobriu
o estatuto de diferença e o madeirense revelou-se a si próprio nas suas capaci-
dades de autogoverno.
O império desfez-se. A metrópole deixou de deter o total controlo político sobre
a periferia. O nosso sonho tornou-se realidade. As nossas frustrações passaram
a desafios. A autonomia, uma aspiração incessantemente adiada ou camuflada
de acordo com a conjuntura e interesses políticos, foi assumida e concretizada,
possibilitando-nos as armas para vencer os desafios do presente e projectarmos
os rumos do futuro.
Não mais a solução dos nossos reais problemas terá de passar pelo crivo de
alguém distante. Todos eles têm ou podem ter resposta no momento certo em
instituições próprias. É esta capacidade de opção, de definir o rumo e de encon-
trar soluções para o dia a dia. que nos permite aquilatar quão importante é para
nós esta data. Ela não deve ser entendida como um corte com o passado, mas
sim a passagem daquilo que nos impuseram para o que queremos ser e estamos
a construir.
Hoje somos uma região autónoma, com governo e assembleia legislativa
própria, e os resultados desta nova realidade política são evidentes ao nível da
economia. As grandes vias de caminho para o futuro estão lançadas. Os proble-
mas que no passado deram força ao movimernto autonómico, de um modo
geral, estão sanados e a sua solução é a prova mais evidente do reforço e defesa
da autonomia.
12
CRONOLOGIA
13
1969/Março/11 Decreto -lei n°.48905 criando a Comissão de Planeamento
Regional
14
1976/Setembro/16 Anúncio do 1 o Governo Regional, chefiado pelo Eng.
Ornelas Camacho
15
BIBLIOGRAFIA
JARDIM, Alberto João Jardim, Tribuna Livre. 1974-78, 3 vols., Ponta Delgada,
1995.
17
JORDÃO, Carlos A. R. Carvalho, Tutela administrativa dos Governos
Regionais sobre as Regiões Autónomas, Braga, 1980
- Administração regional autónoma- um percurso ao redor da
própria dinâmica evolutiva da autonomia, Funchal, 1983
LEITE, José Guilherme Reis, "A Autonomia das Ilhas Atlânticas, os Açores e a
Madeira. A experiência açoreana no século XIX" in Actas do I Colóquio
Internacional de História da Madeira, Vol. I, 1989.
-Sobre a autonomia dos Açores, Ponta Delgada, 1990
-"0 segundo movimento autonomista açoreano e a importância da
Madeira no seu desenvolvimento" in Actas do II Colóquio Internacional de
História da Madeira, Funchal, 1990.
-A Autonomia dos Açores na legislação portuguesa 1892-1947, Horta,
1987.
-Política e administração nos Açores de 1890 a 1910. O 1 o movimento
autonomista, Ponta Delgada, 1995.
18
ANEXO: TEXTOS E DOCUMENTOS
19
REGIONALISMO
AUTONOMIA DA MADEIRA
21
As camaras municipaes gosam hoje duma tenue autonomia que se traduz na
consignação dum mínimo e dum maximo de faculdades que se exercem no
todo ou em parte conforme as necessidades locaes, criterio e vontade dos
vereadores. Mas o seu estatuto é o mesmo para todas. O mesmo acontece com
as Juntas Geraes, á excécão das Ilhas a que foram dadas atribuições especiaes.
Em tudo isto não se verifica a livre iniciativa ou a auto-determinação politica-
administrativa, condicionadas, que, a meu ver, deve ser a essencial carateristica
definidora da autonomia.
O hibridismo do regímen reside na incompleta equação entre os princípios e a
pratica. A uma republica individualista e egualitaria deveria repugnar a
exceção e a diferenciação. Todavia, inumeros exemplos podem apontar-se do
contrario, a começar no sufragio que é restrito, o mais restrito possível, apenas
extensivo aos dez ou quinze por cento da população masculina tida por saber
lêr e escrever, e a acabar nos novos cavaleiros da Ordem de Cristo.
Nem é preciso recordar a situação criada á Egreja Catolica, e, muito menos, a,
fenix dos tribunaes especiaes. Sob o ponto de vista administrativo, olhe-se para
as Colonias. Quão longe estamos d' aquela voz de puritano que num dos ulti-
mos parlamentos da monarquia bradava: - percam-se as colonias, mas
salvem-se os princípios!. ..
Não vem a preposito discutir se a republica neste andar de mala-posta aos sola-
vancos para a esquerda e para a direita, corre bom caminho. O que importa, e
constatar que este regímen politico em que se vive, deante do facto consumado
ou inevitavel, põe de parte os princípios para atender á realidade. Esta nossa
democracia, mau grado as aparencias, é um regime de bem facil acomodação as
necessidades e idêas novas dos novos tempos. O regímen, á medida que se
afasta do 5 d'outubro, reprodução serodia de 89, mais se aproxima do século
XX. E ainda bem. Posto isto, podemos esperar que sejam satisfeitas as nossas
reivindicações sem duras resistencias por parte do Governo e do Congresso da
Republica. Basta que todos os madeirenses queiram!
E todos os madeirenses hão-de querer quando tivérem uma consciencia esclare-
cida e forte dos seus direitos.
Mas não se pode querer, sem crêr. A fé transporta montanhas! É preciso, pois,
que este sentimento tenha a violencia da vára de Moysés batendo na rocha. O
milagre virá depois. Quaes são, porem, os nossos direitos?
Tem-se dito: são os da maioridade. São, portanto, aqueles direitos definidos e
compreendidos na capacidade de regermos a nossa pessoa e bens, ou seja a
auto-administração da nossa pessoa e bens. Mas porque se trata duma pessoa
colétiva, duma pessoa moral chamada de direito publico, esses direitos são
determinados e limitados pela sua natureza e fins.
Dar autonomia á Madeira, é constitui-la em unidade poli.tica e administrativa. E
outorgar-lhe a carta constituicional dos seus direitos políticos e publicos, com-
patíveis cdm os direitos de soberania nacional e em bases conformes com as
condições d' existencia do agregado regional. É reconhecer que a Madeira pela
sua situação geográfica, pela qualidade e numero das suas relações com o
mundo, pelos usos e costumes do seu povo, pelo grau do seu desenvolvimento
moral, intelectual, agrícola, industrial e comercial, adquiriu uma fisionomia
propria e especiaes interesses colectivos proprios, que a individualizam como
22
Região e como agregado social. Daqui surge a necessidade duma diferenciação
nos processos políticos e administrativos a aplicar-lhe.
Para que a autonomia que se pretende dar a Madeira corresponda a uma ver-
dadeira carta d'alforria, tem de assentar nestas ou semelhantes bases:
1. Função representativa: desempenhada por um governador civil que nno seja
exclusivamente um alter-ego do Ministro do Interior, mas apenas um repre-
sentante do Estado.
2. Função governativa: compreendendo um Conselho Legislativo e um
Conselho Executivo. As atribuições do Conselho Legislativo são especiaes,
restritas aos interesses puramente' regionaes, quer publicas, quer privados.
São-lhe interditas as questões de Soberania (formas de governo, exercito e
relações exteriores, a função judicial, a instrução secundaria e superior.
Eleição indiréta. O Conselho recutivo, saído do Conselho Legislativo por
eleição, recolhe e administra as receitas, orçamenta e fiscalisa as despezas.
Sob a sua direção, estão todas as obras de fomento e instituições de assisten-
cia distritaes (Junta Geral, Obras Publicas, Juntas autonomas, Região
Agrícola, serviços de saude e azilos)
3. Função administrativa: Camaras Municipaes.
4. Função educativa: Liberdade d'ensino. Instrução primaria a cargo dos
municípios. Proteção ás escolas livres sob forma de prémios ás que melhores
provas dérem no seu ensino. Escolas industriaes e profissionaes. Museus
regionaes d' arte e historia natural.
5. Função judicial: alteração no numero de comarcas e da sua jurisdição territo-
rial de modo a evitar-se a ausencia de magistrados de carreira e a facilitar-
lhes o accesso dos povos das varias freguesias da ilha. Uma possível criação
dum tribunal de 20 instancia no Funchal. Um juiz de paz em cada concelho
que desempenhe a mais as funções dos atuaes administradores.
6. Função d'Ordem Publica: Guarda Fiscal e Guarda Civil, compreendendo
esta uma Policia d'investigação Criminal, uma Policia de Segurança Publica.
Uma Policia rural e uma Policia Florestal.
7. Sobre o produto bruto das receitas criadas e arrecadadas no arquipelago,
será deduzida uma percentagem fixa para o Estado.
8. A organisação administrativa e social fundar-se-ha na familia (restrição do
divorcio e creação do homestead), parochia e município associações de
classe.
9. Religião: a catolica reconhecida e protegida como sendo a tradicional e a
unica capaz de produzir a unidade moral do agregado regional. Liberdade
de culto, d'ensino religioso e assistencia religiosa.
Estas bases são lançadas sem preocupações scientificas, apenas na intenção de
focar pontos de vista que me parecem fundamentaes quando se trata de elaborar
o estatuto autonómico da Madeira Outros aspectos ha a atender e os que ahi
ficam demandam um estudo mais detido e uma explanação mais detalhada. Isso,
porem, não cabe nos limites deste artigo destinado a suscitar ideas e a interpretar
sentimentos que andam na consciencia publica ainda em estado incoerente.
Na base 20 falo num corpo legislativo, Esta função é importante e essencial.
Basta atender-se ao que se está passando com as questões que mais interessam
a nossa vida economica. É já vasta a legislação especial aplicada unicamente á
23
Madeira. O regime sacarino, o regime dos trigos e farinhas, o regime vinícola,
etc. Mas ha ainda o regime dos bordados, das manteigas, do turismo, das obras
e exploração do porto, afora as questões d'aguas, de colonia, de baldios, de flo-
restas e outras sobre que nos temos de pronunciar criando formulas jurídicas
que satisfaçam as suas especiaes condições e os seus fins. E não nos digam que
tudo isso nos póde vir por meio dum parlamento nacional! A mecanica e com-
posição do Congresso da Republica obstam a que taes assuntos sejam resolvi-
dos a nosso contento. O sistema parlamentar, entregue a partilhas partidarias,
pouco mais produz do que intriga politica. Os nossos interesses, as nossas
necessidades não são atendidas, porque se não cura do seu estudo e porque os
senhores deputados nos ignoram completamente, quando nos não desprezam.
Ora nós, se queremos viver e progredir, temos de fugir á intriga politica e aco-
modar-nos dentro de formulas politicas e administrativas que nos permitam
regular as questões regionaes por nós mesmos, livres da acção imoral de agen-
ciadores de votos.
A base 70 consigna uma percentagem fixa das nossas receitas para o Estado. É a
inversa do que se dá presentemente. Mas assim é que deve ser. O produto do
nosso trabalho, das nossas riquezas, deve ser aplicado em nosso proveito. O
que não faz sentido é que se esteja a con ribuir para as obras do Porto de
Leixões, para o sorvedoiro dos bairros sociaes e de todas as Revoluções que a
irrequieta gente da Capital queira fazer e alimentar.
24
Hei por bem decretar, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 13. o As juntas gerais dos distritos autónomos serão constituídas por
quinze membros, dos quais nove electivos, sendo seis eleitos pela
maioria e três pela minoria, e os restantes seis vogais natos, que
serão os seguintes: o secretário geral do govêrno civil ou o fun-
cionário que o substituir, quando aquele exerça funções de gover-
nador civil; o reitor do liceu, o inspector de sanidade marítima, o
inspector de sanidade terrestre, o engenheiro director dos serviços
de obars públicas e o engenheiro agrónomo chefe dos servicos
respectivos ou o intendente de pecuária do distrito, pertencendo a
efectividade ao mais velho dos dois.
25
INDEPENDÊNCIA?
26
«Desde a extrema-direita à esquerda, se ainda há disso na política daí, desde os
bons conservadores aos revolucionários ou conspiradores de profissão, desde
os católicos aos indiferentes e aos ateus- todos em comevodora unanimidade
assentaram ou estão assentando em que a Madeira é uma "filha enjeitada". E
não tenho visto que ninguém com os factos, só com os factos, tenha contrariado
a campanha[ ... ]
Perdoe-me V. Ex.a a extensão desta carta. Ela lhe provará [ ... ] o cuidado que me
merece essa Madeira encantada e infinitamente ingrata. Em toda a parte há
gente que não sabe agradecer, mas uma terra inteira, cheia de benefícios e
desconhecedora deles, só a Madeira. E porquê? Porque no fundo deseja o que
não pode ter, quer o que não é capaz de realizar e faz ideia que é ao Governo
que cabe a responsabilidade dos erros e dos crimes praticados pelos seus natu-
rais.
27
2. Parece desnecessário insistir na conveniência de um regime administrativo
insular diverso do adoptado para o continente: estão os dois arquipélagos
dos Açôres e da Madeira separados de Portugal continental pelo Oceano,
longe portanto das vistas directas dos governantes e ligados a Lisboa por
comunicações marítimas muito espaçadas (sobretudo com os Açôres); con-
stituem-nos um grande número de pequenas ilhas que não mantêm entre si
laços de tam estreita cooperação como por vezes se pensa, mas que são
solidárias pela posição geográfica, pelo estado social e pelas necessidades
dos seus habitantes, cuja índole e modo de viver diferem bastante dos do
maior número das populações continentais; por isso, a descentralização se
impõe e a desconcentração também-uma e outra em benefício dos povos e
com vantagem para a boa administração.( ... )
28
A Madeira e os Açôres, situados em pleno Atlantico, a alguns dias de viagem
de Lisboa, estão fora do contacto, da influência directa do Govêrno; as suas
economias têm caracteres próprios, que as diferenciam das províncias do conti-
nente: o espírito das suas populações, pela natureza insular do território, pelo
clima, pelo intercambio com o estrangeiro, pela sua vida económica e social,
oferece, em certos aspectos, uma feição típica.
29
A autonomia administrativa vem de mais longe. Nasce com o próprio povoa-
mento das ilhas adjacentes e processa-se desde então. O Infante D. Henrique,
sempre com larga visão de homem genial, depressa se convenceu de que não
poderia de tão longe governar as ilhas descobertas ou «encontradas». Razões
imperativas da geografia assim o recomendavam.( ... )
30
TITULO I Da divisão do território
Art. 3. o Cada distrito das ilhas adjacentes constitui uma pessoa moral de
direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
Art. 7. o As juntas gerais poderão sempre solicitar o parecer dos órgãos con-
sultivos da administração central do Estado acerca de negócios dos
serviços públicos que lhes estejam confiados e sobre que tenham de
deliberar.
Art. 8. 0 A junta geral do distrito é composta por sete procuradores, dos quais
três natos e quatro eleitos quadrienalmente.
31
§ l.o A junta geral tem presidente, nomeado por quatro anos, pele gover-
nador do distrito, de entre os procuradores eleitos, podendo exce-
pcionalmente recair a nomeação em pessoa estranha ao corpo
administrativo desde que tenha revelado méritos extraordinários em
serviços prestados ao Estado
32
gerais, serão substituídos por procuradores de nomeação do mesmo
Ministério, escolhidos de preferência de entre individuas diploma-
dos com curso superior de engenharia.
33
TEXTOS DO DR. A. J. JARDIM
ALUSIVOS À AUTONOMIA
30-10-1974
3.!
Num correcto esquema de autonomia o Arquipélago terá necessariamente que
dispôr de um poder executivo e de um poder fiscalizador que controle e
obrigue os órgãos executivos a uma acção no ambito demarcado pelos reais
interesses da população. Serão imprescindíveis dois órgãos: o Governador,
poder executivo. e uma Assembleia Regional, poder fiscalizador. Quaisquer
deles com representatividade de base.
O Governador numa região autónoma, deve ser eleito por sufrágio directo e
universal, e por maioria absoluta. Um período de quatro anos pode considerar-
-se razoável. mas o princípio da não.reeleição é útil porque não faz a gover-
nação cair numa rotina perniciosa, nem faz cultivar o gosto ou o vício pelo
poder. Na Madeira, poist uma vez vigente uma lei organica a subordinar este
território a uma estrutura efectivamente autónoma, seria num Governador
assim eleito que se centralizariam os Serviços Distritais. Ele responderia politi-
camente perante o eleitorado, e legalmente perante os Tribunais.( ... )
Por outro lado, o Governador, como efectivo detentor do poder executivo
regional. tem que ser o principal mandatário do Governo Central na execução
das deliberações cuja competência esteja centralizada em Lisboa. O que obriga
por outro lado a aceitar um eficaz sistema de controlo pelo Governo Central.
normal dado o direito de soberania. visto que a Madeira como região autónoma
elegeria o Governador, dentro do esquema proposto. O que leva o Governo
Central a ter como mandatário uma personagem não designada por Ele, mas da
base, pela população.
29-12-74
31.12.74
36
A especificidade da autonomia que o caso concreto da Madeira exige, não se
reduz a um mero esquema de descentralização igual ao de Vila Real ou de
Silves. Efectivamente não estão em causa os laços com a Pátria comum. Mas
corno Já foi afirmado: "A Madeira é com efeito, em certos aspectos, um
pequeno pai-s sob o ponto de vista económico, cercado pelo mar, exportando e
importando em parte directamente do estrangeiro, com urna fronteira alfan-
degária estanque. Condicionam sobretudo a sua economia e interdependência
dos sectores económicos locais, a mútua repercussão de suas actividades a va-
riável extensão do terreno por onde se expande cada produto agrícola segundo
a sua fortuita valorização os volumes de produção, consumo, rarefacção ou
pletora do seu bem delimitado mercado interno e a possibilidade de absorção
por parte dos mercados externos seus clientes
11.02.75
37
Estamos, portanto, perante três sistemas diferentes, dos quais a autonomia, em
função do interesse nacional e da · realidade local, é indubitavelmente o que
deve ser prosseguido no Arquipélago da Madeira.
Autonomia que não é o mesmo do que descentralização. Esta é uma praxis que
é possível até desenvolver em sistemas de integração. bastando para tal uma
especial distribuição de tarefas ao nível dos vários postos da hierarquia admi-
nistrativa. Autonomia não significa uma mera execução mais responsabilizada.
Vai mais longe. Robustece os laços entre as parcelas do todo nacional, através
de um funcional Esquema de articulação em que os problemas específicos de
cada território são legislados localmente com realismo, permitindo aos órgãos
da cúpula nacional uma actuação mais preocupada com os problemas da comu-
nidade no seu global, na potencial certeza que, por sua vez, constitui até um
importante factor para uma actuação mais eficiente, mais à vontade, do poder
central.
Esta autonomia para as ilhas Adjacentes deve estar subordinada ao princípio
da solidariedade, ao principio da especialidade de legislação, ao princípio da
descentralização administrativa, ao principio da autonomia financeira, ao prin-
cipio da especialidade da organização politico-administrativa e ao princípio da
unidade política.
O principio da solidariedade, entendido como subjacente à autonomia para as
ilhas Adjacentes, resulta da participação destas na República Portuguesa e si-
gnifica contribuição destas no assegurar da integridade e defesa da República e
na realização dos fins comuns ao Povo português, da forma que for democrati-
camente definida.
O princípio da especialidade de legislação, para justamente permitir a existên-
cia de normas adequadas à específica conjuntura do território descontinuo.
O princípio da descentralização administrativa, através de uma repartição de
poderes às várias escalas hierárquicas da administração, consoante o esquema
mais adequado à situação da região em causa.
O princípio da autonomia financeira traduzido na existência de um orçamento
regional, privativo para o território descontinuo, diferente do Orçamento Geral
do Estado, onde no entanto se compreende também a participação desse ter-
ritório no encarar-se as despesas e receitas que estejam adstritas aos fins essen-
cialmente nacionais.
O princípio da especialidade da organização politico-administrativa, no fundo
quererá dizer que não será exactamente o mesmo o estatuto a aplicar em cada
Distrito das Ilhas Adjacentes, mas estabelecido consoante as características
próprias de cada um.
18.12.75
38
É indubitável que um sentimento de sã autonomia é perfilhado pelos Povos dos
dois Arquipélagos atlanticos. A liberdade representa isto mesmo- os grupos
humanos resolverem os problemas que Thes são intrínsecos e administrarem os
bens que lhes pertencem. A não ser assim, a democracia considera-se viciada à
nascença.
E a política no seu sentido verdadeiro, naquela única concepção que suscita a
adesão das populações e a confiança indispensável à construção estável de um
futuro justo e próspero, exige que os problemas não sejam iludidos. Exige que
eles sejam encarados corajosamente nas suas reais dimensões e consequências,
tendo em vista as necessidades de quem depende das respectivas soluções. A
problemática das Ilhas só pode ser devidamente solucionada, se forem adop-
tadas as novas estruturas que são indispensáveis para que haja nestas regiões
um desenvolvimento integral-desenvolvimento simultaneamente económico,
social, cultural e moral que a todos e cada um beneficie, mas que essencial-
mente seja alavanca da promoção, no progresso, da igualdade de classes.
A História mais que comprovou que enquanto a Madeira não for governada do
Funchal e definirem os Madeirenses as estruturas tidas por mais convenientes,
as coisas correrão sempre mal no nosso Arquipélago, as necessidades populares
não estão célere e correctamente atendidas. Mais. O descontentamento assim
permanentemente gerado será sempre factor desagregador da sociedade por-
tuguesa, em vez de obter-se a meta almejada do robustecimento da República,
da Democracia e da Justiça Social.
Também a História tem provado que nós, Madeirenses, capazes de fazer tanta
coisa gigante em todo o canto do mundo como temos sabido executar, cá, den-
tro de casa, somos ilhas na Ilha. Ora, ou acabamos com o individualismo egoís-
ta, com os interesses de clãs, com os espíritos de classe, ou então nunca seremos
capazes de realizar cá dentro, a epopeia que diariamente erguemos em cada
esquina do mundo. E a hora em que presentemente vivemos é de desafio. Ou
arrancamos agora, mesmo no meio de uma crise ameaçadora, ou teremos de
esperar muito tempo. Muito tempo mesmo. Que os egoístas, os clãs, as falsas
elites ao menos deixem os outros trabalhar...
Há um grande problema que para já se põe. O Governo surge a tratar a
Madeira e os Açores como apenas duas províncias, entre as sete que cria na
regionalização administrativa do País. E está errado. A Madeira e os Açores
não são apenas mais duas províncias. São regiões distintas integradas na
República Portuguesa. As províncias do Continente, por serem contíguas, pelas
actividades que entre si e permanentemente integram, formam um todo har-
mónico e com tão íntimas interdependências que só para efeitos de gestão
administrativa se compreende a partilha de um todo que é um só.
Mas essa íntima interdependência, a ponto de formar um todo só, não pode ser
concebida em relação a áreas descontíguas, que forrnam uma individualidade
geográfica, um espaço próprio distinto do continental. As fronteiras do nosso
Arquipélago são tão radicalmente definidas, que o isolam como zona indivi-
dualizadíssima. insusceptível do mero tratamento de província em paridade
por exemplo com o Algarve em relação ao Continente, por exemplo.
Nós somos um inconfundível e diferente espaço atlântico que incontestáveis
laços colocam no mesmo projecto nacional-a República Portuguesa.
39
O Povo deste espaço ambiciona pela autonomia verdadeira, integrado no
espaço português, e acabará por tê-la. A não ser que Lisboa tenha mesmo
endoidecido e seja incapaz de alcançar as repercussões terríveis que terá na
vida nacional um conflito aberto entre o Povo das Ilhas e o Governo Central.
15.01.76
(Alberto João Jardim, Tribuna Livre, Ponta Delgada, 1995, vol. II, p.29-30)
Vamos pensar a sério em nós, Povo Madeirense. Mas com o espírito aberto à
autenticidade e não ao sectarismo nem ao pacto com a mediocridade. A
Madeira será aquilo que os Madeirenses quiserem e fizerem. Por muito que
custe ou por muito que demore. Mas é preciso acima de tudo saber querer e,
principalmente saber fazer.
29-01-76
(Alberto João Jardim, Tribuna Livre, Ponta Delgada, voZ. II, 1995, p.53)
40
As Finanças são decisivas para a vitória da batalha da autonomia. Não posso
admitir que diante das camaras de televisão o Governador diga que não sabe o
que estava por detrás do interesse pelo pelouro das Finanças. Até pode ser acin-
toso. Para além da contradição, outra em que caiu, dizendo primeiro que não
havia números definidos quanto ao movimento de dinheiros do Funchal para
Lisboa e vice-versa, e daí a bocado apresentar um quadro onde financeiramente
a Madeira estaria esmoler do Continente. Então, há ou não há i números?
30.02.76
(Alberto João Jardim, Tribuna Livre, Ponta Delgada, 1995, vol.II, p.87-89)
16-05-7
(Alberto João Jardim, Tribuna Livre, Ponta Delgada, 1995, vol.II, p.230-231)
Sou dos que venho criticando aqueles que tomam posições radicais nas
relações Continente-Ilhas.
Não embarco na história da "independência" porque nunca ninguém me
demonstrou ser esse o destino que tornaria mais felizes as classes mais desfa-
vorecidas do Povo Madeirense.
Creio mesmo que não existe o que se poderá chamar uma "consciência
nacional" com a generalização que ela por definição impõe. O que noto é que
há um sentimento fortemente regionalista a correr sérios riscos de se transfor~
mar em "separatismo" na grande maioria da população, se o Governo Central
continuar a fazer as asneiras que faz, continuar a praticar interpretações legais
prepotentes - como a dos casos em que os Governos Regionais têm que ser
ouvidos-se os problemas da Madeira andarem por mãos de políticos ou
autoridades que não sabem distinguir "regionalismo" de "separatismo"; que
não compreendem, por dentro, a consciência regionalista e autonómica do Povo
local.( ... )
41
O "separatismo" não se combate com represálias, nem com perseguições . Isso
é criar "mártires", criar "heróis", engrandecer uma ideia, alimentando-a. O
"separatismo" não se combate com a política do governo socialista em relação
às ilhas, esta a meu ver, hoje, o principal agente do separatismo. Não se com-
bate com as vergonhosas e escandalosas deturpações que a imprensa estatizada
e outra, tecem à volta da realidade Insular.( ... )
Se na verdade as Ilhas beneficiam da existência da ameaça 'separatista", se os
Governos Regionais podem na verdade beneficiar dessa força de pressão, lá
isso estou convencido que até se traduz num politicamente inteligente proveito
de circuntancias.
1.02.77
(Alberto João Jardim, Tribuna Livre, Ponta Delgada, 1995, vol. III p.S5-57)
42
TÍTULO VII
Regiões autónomas
43
c) Desenvolver, em função do interesse específico das regiões, as leis de
bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da
República, bem como as previstas nas alíneas ns n), v) ex) do n. 0 I do arti-
go 168. 0 ;
d) Regulamentar a legislação regional e as leis gerais emanadas dos
órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regu-
lamentar;
e) Exercer a iniciativa estatutária, nos termos do artigo 228. 0 ;
f) Exercer a iniciativa legislativa, nos termos do n. 0 I do artigo 170.0 , medi-
ante a apresentação à Assembleia da República de propostas de lei e
respectivas propostas de alteração;
g) Exercer poder executivo próprio;
h) Administrar e dispor do seu património e celebrar os actos e contratos
em que tenham interesse;
i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, e dispor de receitas
fiscais nelas cobradas e de outras que lhe sejam atribuídas e afectá-las às
suas despesas, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especifici-
dades regionais, nos termos de lei-quadr® da Assembleia da República;
J) Criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respectiva
área, nos termos da lei;
1) Exercer poder de tutela sobre as autarquias locais;
m) Elevar povoações à categoria de vilas ou cidades;
n) Superintender nos serviços, institutos públicos e empresas públicas e
nacionalizadas que exerçam a sua actividade exclusiva ou predominante-
mente na região, e noutros casos em que o interesse regional o justifique;
o) Aprovar o plano económico regional, o orSamento regional e as contas
da região e participar na elaboração dos planos nacionais;
p) Definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções,
sem prejuízo do disposto na alínea d) do artigo 1 68 .o;
q) Participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, finan-
ceira e cambial, de modo a assegurar o controlo regional dos meios de
pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários
ao seu desenvolvimento económico-social;
r) Participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à
zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos;
s) Participar nas negociações de tratados e acordos internacionais que
directamente lhes digam respeito, bem como os benefícios deles deco-
rrentes;
t) Estabelecer cooperação com outras entidades regionais estrangeiras e
participar em organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e a
cooperação inter-regional, de acordo com as orientações definidas pelos
órgão5 de soberania com competência em matéria de política externa;
u) Pronunciar-se por sua iniciativa, ou sob consulta dos órgãos de sobera-
nia, sobre as questões da competência destes que lhes digam respeito.
2. As propostas de lei de autorização devem ser acompanhadas do antepro-
jecto do decreto legislativo regional a autorizar, aplicando-se às correspon-
dentes leis de autorização o disposto nos n. 0 S 2 e 3 do artigo 168. 0 •
44
3. As autorizações referidas no número anterior caducam com o termo da
legislatura ou a dissolução, quer da Assembleia da República, quer da
assembleia legislativa regional a que tiverem sido concedidas.
45
3. O Ministro da República superintende nas funções administrativas exerci-
das pelo Estado na região e coordena-as com as exercidas pela própria
região.
46
ARTIGO 235. o (Assinatura e veto do Mínistro da República)
47
b) Competência para regulamentar a legislação regional e as leis gerais
emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o
respectivo poder regulamentar:
Perdoe-me V. Ex.a a extensão desta carta. Ela lhe provará [...] o cuidado que me
merece essa Madeira encantada e infinitamente ingrata. Em toda a parte há
gente que não sabe agradecer, mas uma terra inteira, cheia de benefícios e
48
desconhecedora deles, só a Madeira. E porquê? Porque no fundo deseja o que
não pode ter, quer o que não é capaz de realizar e faz ideia que é ao Governo
que cabe a responsabilidade dos erros e dos crimes praticados pelos seus natu-
rais.
TITULO I
49
Art. 4- I Representação da Região cabe aos respectivos orgãos de governo
proprio.
Art. 8. o - I A Região exerce poder tributário próprio nos termos da lei e dis-
põe das receitas fiscais nela cobradas, bem como de outras que lhe
sejam, atribuídas, nomeadamente as geradas no seu espaço terri-
torial.
50