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ESCRAVOCRATA E SIMULTANEAMENTE AO
SOCIEDADE.
PROJETO CULTURAL: QUATTRO PROJETOS
ISBN 978-85-64393-02-8
1. Economia - Brasil. 2. Ciclo do café. I. Título. II. Dos cafezais nasce um novo
Brasil. III. Seiva amazônica tipo exportação alimenta cultura regional.
uma história que ber e tentar compreender este fenômeno chamado café que editar
um livro sobre o assunto necessariamente significa encarar o comple-
xo desafio da síntese. No volume que agora chega às suas mãos, como
parte da série que pretende recontar a história da economia brasileira
ainda não terminou e sua influência na cultura e na sociedade, nossa pretensão foi a de
recontar os principais aspectos que dizem respeito à introdução do
VALENTINO RIZZIOLI
PRESIDENTE DA CASE NEW HOLLAND
E VICE-PRESIDENTE EXECUTIVO
DA FIAT PARA A AMÉRICA LATINA
sumário
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café: as origens
Em toda e qualquer publicação que se dedi- A mais famosa lenda, entretanto, teria sido divulgada por
que a contar a história do café, o capítulo inicial, Banésio, escritor do século XVII, segundo a qual um pastor árabe
ou etíope, possivelmente de nome Caldi, estranhou o comporta-
sobre as origens da bebida, é o que carrega mais mento de algumas cabras de seu rebanho. Em determinadas situa-
incertezas. A começar pelo fato de que mapear a ções, os animais pareciam estar agitados demais, inclusive no perío-
descoberta da planta é uma das tarefas, enquan- do da noite. Teria o pastor pedido ajuda a um amigo monge, de um
mosteiro próximo, no sentido de auxiliá-lo a diagnosticar o porquê
to tentar localizar no tempo o momento em que da agitação dos animais. Depois de um breve período de observa-
se descobriu a infusão, nos moldes como é co- ção, veio o surpreendente veredito: as cabras se agitavam após a
ingestão dos frutos ou das folhas de um arbusto, característico das
nhecida hoje, é bem outra. Em meio a documen- montanhas da Abissínia, ao norte da Etiópia, na África.
tos e depoimentos tecnicamente questionáveis, A propósito da Abissínia, há também outra pequena confusão.
do ponto de vista do registro histórico, ainda há Como havia por lá uma província chamada Kaffa, onde os cafeei-
ros eram encontrados em estado selvagem, muito se especulou que
as lendas em profusão que foram passadas de ge- a palavra café teria tido ali sua origem. Em verdade, café vem do
ração em geração, ao longo dos séculos. árabe qahwah, qahua, cahwe ou qahwa (mesma palavra para vi-
nho), todas originárias do turco kaveh, kahvet.
O italiano Pietro Della Valle, por exemplo, nascido em Roma O fato é que, de início, por volta do século XV, o café era
em 11 de abril de 1586, enviou uma carta ao amigo Mario Schipano, consumido apenas em cerimônias religiosas ou indicado por médi-
médico e humanista, na qual defendia a tese de que a poção mis- cos. Era usado para tratar uma grande variedade de problemas,
turada por Helena na bebida servida a Telêmaco, no palácio de como pedras nos rins, gota, varíola, sarampo e tosse. O botânico
Menelau, era café. De outra parte, nos idos de 1700, um certo Prosper Albinus, em um tratado de finais do século XVII, sobre
Paschius imprimiu em Leipzig um tratado em que supunha esta- remédios e plantas do Egito, afirma: “É um excelente remédio contra
A LENDA DAS CABRAS DE CALDI
rem, entre os presentes dados por Abigail a David, cinco medidas a cessação dos fluxos das mulheres, e elas fazem muitas vezes uso
(ABAIXO) E EMPREGADA TURCA
de café, mesmo presente que teria sido dado por Boaz a Ruth, em dele quando o seu fluxo não é tão rápido quanto desejariam”. É
SERVINDO CAFÉ (AO LADO) outra passagem bíblica. também de Alpinus a descrição de como se preparava o café, en-
UTILIZADO EM CERIMÔNIAS
RELIGIOSAS OU INDICADO
DE DIVERSAS DOENÇAS
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café: as origens
EM POUCO TEMPO, tão: “A decocção, fazem-na de duas maneiras: uma com a pele ou
o exterior do referido grão, e outra com a própria substância do
O ATO DE BEBER grão. A que é feita com a pele tem maior poder do que a outra.
(...) O grão é colocado em um instrumento de ferro, firmemente
fechado com a tampa; por este instrumento introduzem um espeto
CAFÉ FIXOU-SE por meio do qual o voltam no fogo, até que fique bem torrado;
depois do que, tendo-o amassado até ficar um pó muito fino, se
EM GRANDE PARTE pode fazer uso dele, proporcionalmente ao número de pessoas que
o vão beber: a terça parte de uma colher para cada pessoa, e deite-
DA ARÁBIA, a num copo de água a ferver, juntando também um pouco de açú-
car. E depois de ter fervido um pouco, deve deitá-lo em pires de
ESPALHANDO-SE porcelana ou de qualquer outro tipo e deixar bebê-lo aos poucos, o
mais quente que se possa suportar.”
PARA O OCIDENTE, Da Etiópia, via comerciantes ou mercadores de escravos, a plan-
ta teria chegado à Arábia, e, depois, à Europa. Não sem antes
EGITO E SÍRIA passar por Meca, na Arábia Saudita, a cidade de onde partem
todos os caminhos e que é considerada a mais sagrada do mundo
entre os muçulmanos.
Além de sua posição estratégica, pois ali chegavam inúmeras
caravanas, das mais diferentes regiões da civilização de então, Meca
proporcionava ao café um prestígio incomum, já que Maomé proi-
biu os islâmicos de ingerirem qualquer bebida de álcool. Como
aponta Jane Pettigrew, “à medida que o café tornou-se cada vez
mais popular, salas especiais nas casas dos mais abastados foram
reservadas para se tomar café, e casas de café começaram a apare-
cer nas cidades. A primeira teria sido aberta em Meca, e embora
originalmente fossem lugares de reuniões religiosas, esses amplos
saguões, onde os clientes se sentavam em esteiras de palha ou
colchões sobre o chão, rapidamente tornaram-se centros de músi-
ca, dança, jogos de xadrez, gamão, conversas em locais em que se
faziam negócios”.
Na condição de centro espiritual do mundo muçulmano, as
práticas sociais e culturais de Meca costumavam ser rapidamente
assimiladas em outras paragens. Foi assim que, em pouco tempo, o
ato de beber café fixou-se em grande parte da Arábia, espalhan-
do-se não apenas para o Ocidente, mas também para o Egito (a
cidade do Cairo teria posteriormente relevante papel no comércio
do grão) e Síria. E há ainda quem defenda que o hábito do café
enraizou-se na Pérsia ainda antes de chegar à Arábia. Dizia-se
que os guerreiros persas, quando expulsaram os etíopes, frustrando
AO LADO, BEDUÍNO
sua tentativa de se instalar no Iêmen, não deixaram de apreciar as
PREPARA O CAFÉ bagas de café que cresciam nas árvores plantadas pelos inimigos.
SEGUNDO Desde muito cedo, a maioria das cidades persas abrigava cafeterias
elegantes e espaçosas, situadas nas melhores zonas urbanas.
MÉTODOS
Já na Turquia, as primeiras duas cafeterias teriam surgido por
TRADICIONAIS
volta de 1554, quando um casal sírio montou estabelecimentos
DOS ÁRABES finamente decorados, antecipando-se em oferecer um produto que
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o café e o
iluminismo
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um local onde se poderia ficar por horas e horas sem ser perturbado DE ISTAMBUL
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o café e o Iluminismo
NO MEIO DA por ninguém, desde que se solicitasse, ao sentar, uma taça de café,
que era servida com um copo de água.
PARAFERNÁLIA DE
O CERCO DE VIENA
O café tornou-se moda na Europa entre 1670 e 1690, e curiosa-
TAPETES, PRATARIAS, mente foi uma invasão dos turco-otomanos que finalmente o consa-
grou. Viena, capital do Sacro Império Romano-Germano, encontra-
ROUPAS DE SEDA, va-se sitiada por um enorme exército comandado pelo grão-vizir Kara
Mustafá Pachá (supremo ministro e comandante militar do império
DIVÃS, ESPADAS otomano). A Hungria já havia capitulado em 1660-63, e agora era a
vez de a Áustria sentir o peso da potência do Sultão Mehmet VI e do
E MOSQUETES seu belicoso grão-vizir.
No alto verão de 1683, o imperador Leopoldo I, assustado, aban-
ABANDONADOS ÀS donou sua capital e refugiou-se em Passau, com medo dos 90 mil
soldados que os turcos mobilizaram contra ele, sendo que prima-
PRESSAS, UM TANTO damente 10 mil eram os temidos tártaros.
Por detrás das espessas muralhas da capital, quem ficou no coman-
ESQUECIDOS do da defesa foi o conde Ernst Rudiger Von Starhemberg, que tinha a
sua disposição apenas 16 mil homens, mais o apoio da milícia de cida-
dãos e de cerca de 700 estudantes. Bem pouca gente para enfrentar um
POR TODOS dos maiores poderios da Europa e da Ásia Menor daqueles tempos.
Naquelas circunstâncias dramáticas, com a possibilidade de uma
ENCONTRAVAM-SE cidadela cristã capitular frente ao inimigo muçulmano, o papa
Inocêncio IV lançou um apelo aos príncipes europeus, para que acor-
50 SACOS DE ressem a salvar Viena e a dinastia Habsburgo que a governava, visto
que se tratava de uma “Guerra Santa”.
GRÃOS DE CAFÉ Grande parte alegou que estava com problemas internos, ne-
gando qualquer apoio. Todavia, esta não foi a posição do rei da
Polônia, Jan III Sobievski, que passou a comandar uma força de
coalizão na qual contava com bávaros, francônios, suábios e saxões,
além, naturalmente, da sua poderosa cavalaria dos Hussardos.
O cerco que começara em 15 de julho de 1683 estava prestes a
alcançar a vitória no começo de setembro, quando o exército dos cris-
tãos, descendo dos altos de Kahlenberg, nas cercanias de Viena, na
madrugada do dia 12 de setembro de 1683, desbaratou completamente
o exército otomano, matando 10 mil deles e pondo Kara Mustafá em
fuga. Jan Sobievski, vitorioso, enviou então uma carta ao papa, anunci-
ando: “Cheguei, vi, e Deus venceu!!!”. A Europa suspirou aliviada.
O grande botim para os cristãos foi ter encontrado o acampa-
mento turco praticamente intacto. E no meio daquela parafernália
de tapetes, pratarias, roupas de seda, divãs, espadas e mosquetes
abandonados às pressas, um tanto esquecidos por todos encontra- CARICATURA DE CAFETERIA EM VIENA, DE ANDREAS GEIGER (1837)
vam-se 50 sacos de grãos de café.
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ria percebido o valor daqueles sacos encontrados, a respeito dos quais MUITOS CAFÉS
ninguém sabia o que fazer. Também são mencionados Isaak de Luca
e o grego Johannes Diodato. Consta que os otomanos, além do con- PASSARAM
sumo pessoal, davam os grãos de café aos seus camelos, para deixá-
los mais dispostos e ativos. Seja como for, ele tornou-se uma dádiva
da última cruzada do Ocidente contra o Islã.
A OFERECER ESPAÇO
Koltschitzky logo aprendeu como lidar com o produto e abriu
uma Kaffeehaus, naquele mesmo ano da fuga otomana – ela teria PARA SEÇÕES
sido inaugurada em 12 de setembro de 1683 –, e imediatamente
teve sucesso. Para atenuar a amargura da bebida, passou a servi-la LITERÁRIAS,
com generosas doses de creme chantilly (o costume de adoçá-lo
com açúcar somente surgiu mais tarde, na França). Mal sabia ele NAS QUAIS JOVENS
que seu estabelecimento estava dando início a uma verdadeira
revolução dos costumes. ESCRITORES E POETAS
Não demorou muito para que a capital dos austríacos ficasse
conhecida pela quantidade e qualidade dos seus cafés, que serviam APRESENTAVAM-SE
a bebida e ofertavam uma variada confeitaria (tortas, bolos e doces
das mais diversas procedências), atraindo uma clientela diversificada,
majoritariamente de pessoas envolvidas com a cultura e com as ar-
tes (escritores, artistas, cantores de ópera, maestros e compositores,
empresários das artes, celebridades da sociedade, sem esquecermos
os poetas e os jornalistas de todos os quadrantes). Durante muito
tempo, mulheres não foram admitidas.
CENTRO DE LEITURAS
Faz parte da lenda dos primeiros cafés vienenses a história de
que coube a um desconhecido fazer do café um ponto de leitura.
Tinha ele o hábito de levar um jornal e deixá-lo sobre a mesa, depois
de pagar a conta. Com o tempo, os demais fregueses, acreditando
ser uma cortesia da casa, passaram a exigir os diários para lê-los
antes de seguir para a vida. Outro efeito do gesto foi atrair gente
atrás de notícias do mundo político ou para ler de perto a crítica
teatral e musical, muito ativa a partir do século XVIII. Como era
inevitável, graças à busca por cultura dos frequentadores, muitos
cafés passaram a oferecer seu espaço para seções literárias, nas quais
jovens escritores e poetas podiam apresentar-se.
Os escritores Stefan Zweig, Theodor Herzl (fundador do sionis-
mo), o inventor Siegfried Marcus (precursor da fabricação do auto-
móvel, em 1883), os ficcionistas Franz Kafka, Herman Broch e Arthur
Schnitzer, este o favorito de Sigmund Freud, faziam e refaziam seus
textos nos cafés da cidade, onde também estavam presentes os pinto-
O CAFÉ SPERL, EM VIENA, EM FOTOGRAFIA DE 1910 res modernistas Egon Schiele e Gustav Klimt. Os arquitetos Adolf
Loos e Otto Wagner (urbanista que reformou Viena no século XIX)
eram assíduos daqueles pequenos mundos, onde quem valia a pena
conhecer quase sempre aparecia. Entre eles, o famoso dramaturgo e
CONSTA QUE OS OTOMANOS DAVAM GRÃOS DE CAFÉ AOS satírico Karl Krauss, que redigia grande parte dos artigos da sua revis-
ta Die Fackel (A Tocha) em uma das mesas do seu café favorito.
SEUS CAMELOS, PARA DEIXÁ-LOS MAIS DISPOSTOS E ATIVOS Se nos começos do século XIX a cidade dispunha de 150
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TAVERNAS E ESTALAGENS
As tavernas, ao tempo que foram entendidas como as
antepassadas dos atuais pubs ingleses, tinham grande afinidade
com as estalagens. Construídas nas principais vias das cidades gran-
des europeias, elas também proliferavam pelo interior do país. Ainda
que, em geral, fossem abrigo de comerciantes e mercadores via-
jantes, isto não evitava que a violência eclodisse a qualquer mo-
AO LADO,
mento.
Alexandre Dumas, bem no início da sua célebre novela Os três
ILUSTRAÇÃO DE
mosqueteiros (Les Trois Mousquetaires, 1844-46), fez uma perfeita
CAFETERIA ALEMÃ descrição do ambiente onde se dá o desentendimento do jovem
DE 1880 espadachim d’Artagnan com um dos mosqueteiros do cardeal
Richelieu, com quem mais tarde duelou. O clima da estalagem
RESERVADA
era praticamente o mesmo da taverna. Com a fartura de bebida e
APENAS A os ânimos exaltados, era inevitável que grossa pancadaria e o cho-
MULHERES car dos floretes contribuísse para o encerramento de uma noitada.
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O CAFÉ E A SABEDORIA
Não sem razão o primeiro café a ser fundado na Inglaterra, por
um tal de Jacob, em 1650 ou 1652, batizado como O Anjo, instalou-
se em Oxford, nas vizinhanças da célebre universidade. A data co-
incide com o governo dos puritanos de Oliver Cromwell (1648-1658),
que eram profundamente hostis à existência de tavernas – centros
de beberagens e de devassidão, para eles –, assim como de teatros e
outros locais de divertimentos tidos por licenciosos. Os devotos do
ditador não tinham nenhum senso de humor.
O café de Oxford logo tratou de atrair os acadêmicos e estudan-
tes em busca de um espaço livre para as discussões (as universidades
da época não deixavam muita margem para manifestações dos alu-
nos, nem para transgressões dos acadêmicos). Aproveitando-se da
situação favorável à difusão dos cafés, pois os puritanos considera-
vam-nas como espaço dos “virtuosos”, várias coffee-houses foram aber-
tas em Londres, acolhendo basicamente o mesmo tipo de público
BALZAC (ACIMA) DIZIA QUE
mais culto e informado, contando ainda com a presença de políticos
“O BALCÃO DO CAFÉ É O e negociantes da City.
PARLAMENTO DO POVO” Os partidos ingleses, Whigs e Tory, como ocorreu na França na
época da Revolução de 1789, elegeram cada um o seu café preferido
para seus acertos informais, o mesmo ocorrendo com os letrados,
poetas e artistas em geral. Esta função, de serem “centros de
politização”, é que levou Honoré de Balzac a dizer mais tarde que
“o balcão do café é o parlamento do povo”. Exatamente por servirem
como uma área de livre circulação das ideias e das ideologias, o
governo de Carlos II (reinou de 1660 a 1685) decidiu fechar algu-
mas das coffee-houses, em 1675, por entender que abrigavam “pen-
samentos subversivos”, senão que “seminários da sedição”. Houve
forte reação contra isto, obrigando a monarquia a recuar. Desde
então, seus frequentadores passaram a considerá-las como funda-
mentais na conquista das “liberdades inglesas”.
Mas a abertura das coffee-houses não significou que se limitas-
sem a ser um abrigo da inteligência. Modificou igualmente a es-
trutura dos centros urbanos, fazendo com que uma série de outras
edificações importantes surgissem próximas a elas. Sedes de parti-
dos e de clubes masculinos, a famosa Lloyd, a empresa de seguros
de projeção mundial, e até a bolsa de valores da City, de Londres,
assim como a de Nova York, estabeleceram-se nos arredores dos ACIMA, ILUSTRAÇÃO DE AUTOR DESCONHECIDO, DATADA DE 1668, RETRATANDO CAFETERIA INGLESA
cafés. Também serviram, segundo demonstrou Lawrence Klein,
como um dos primeiros núcleos de civilidade fora da vida na Cor-
te, ao tempo em que atraíram, com sua configuração interna (uma
sala para correspondência, outra para reuniões, um espaço para AS COFFEE-HOUSES FORAM UM DOS PRIMEIROS
escritório e a cafeteria propriamente dita), os pequenos comerci-
antes, que lá podiam tranquilamente dar encaminhamento aos NÚCLEOS DE CIVILIDADE FORA DA VIDA NA CORTE,
seus contratos e negócios sem ter que despender dinheiro em alu-
guéis ou compra de escritório. ATRAINDO OS PEQUENOS COMERCIANTES
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DE BACCO A APOLO
A taverna estava umbilicalmente ligada ao álcool e ao
empanturramento, era a morada de Bacco. Por conseguinte, não ser-
via para duelos de inteligência, bem ao contrário das coffee-houses,
refúgio do luminoso Apolo. E assim foi que a Razão finalmente trans-
formou-as em sua morada definitiva. Devido à sua sobriedade, elas
chegaram a ser apelidadas na Inglaterra de "universidades de um
centavo" (penny universities), porque, frequentando-as, era possível se
obter muito conhecimento ao conviver com a elite pensante, ler e
inteirar-se das novidades da época, e tudo pagando-se apenas o valor
de uma porção mínima de café. Esta função, de serem "centros de
politização", é que levou Jonathan Swift a se convencer de que "as
informações que os poderosos possuem não são mais verdadeiras ou
trazem mais luzes do que as discussões políticas de um café".
Deste modo, gradativamente as tavernas entraram em decadên-
cia, sendo superadas por um novo espaço de sociabilidade, muito
mais civilizado e refinado, aberto pelos cafés, tornando muitos deles
símbolos de uma sociedade requintada. As enormes mesas rústicas e
ACIMA, GRAVURA DE CAFETERIA TURCA DO INÍCIO DO SÉCULO XIX os bancos coletivos das tavernas, onde a bebida era servida em
canecos de latão ou estanho, deram lugar aos cafés decorados com
cuidadoso bom gosto. Móveis Thonart, especialmente em Viena,
ORIGEM TURCA DOS CAFÉS DE LONDRES LEVOU À ESCOLHA toalhas de mesa limpas, copos de cristal ou de vidro trabalhado,
taças de porcelana resistente, eram comuns de serem encontrados
DE NOMES QUE REMETIAM À REGIÃO DO LEVANTE nas Kaffeehaus de Munique, de Frankfurt ou de Nice.
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o café e o Iluminismo
Na Alemanha, país de compositores, coube ao romântico Robert suspeito, possível de engendrar um espírito crítico, senão que a pró-
O FATO DE QUE BEBER
Schumann, autor de incontáveis lieder (peças de piano e canção) tor- pria sedição. Hoje, a Alemanha é o terceiro maior mercado consumi-
nar célebre o Zum Arabischer coffe baum, ou simplesmente Coffe Baum dor de café, onde 150 litros de café são bebidos per capita e cerca de
(árvore do café), fundado em 1720, em Leipzig, capital da Saxônia. 500 mil toneladas de grãos de café verde são processadas.
CAFÉ FAZIA COM QUE
Que igualmente contou com a presença de outras celebridades, tais
como o rei Augusto, o Forte, Johann S. Bach, Gotthold E. Lessing, J.F. O COMBUSTÍVEL DO ILUMINISMO OS SÚDITOS FICASSEM
Goethe, E.T.A. Hoffmann, Franz Liszt e Richard Wagner. Em Berlim, “Sapere aude”, ouse saber, respondeu o filósofo alemão E. Kant, ele
a primeira Kaffeehaus teve suas portas abertas em 1721. Todavia, o rei também um admirador inveterado dos efeitos da cafeína, a um amigo que DESPERTOS E
da Prússia Frederico II, o Grande, ordenou, ainda que fosse um mo- lhe perguntara: o que, afinal, era o Iluminismo? Em um pequeno texto
narca esclarecido, que seus vassalos dela se afastassem. que rapidamente foi traduzido e logo circulou no meio culto ocidental, o ATENTOS, COM A
Ele não estava disposto a que os alemães trocassem a cerveja por pensador conclamou a todos que pensassem com sua própria cabeça. Que
um produto importado de tão longe. Mas com o tempo, e mais ain- deixassem de agir apenas cumprindo as ordens dos sacerdotes e dos mo- MENTE AFIADA,
ACIMA, À da com os bons proveitos tributários que advinham do monopólio do narcas e colocassem o cérebro a funcionar por si. O que importava era a
ESQUERDA, TÍPICO arábico, ele voltou atrás. Desde então, como em outras capitais liberdade de pensamento. Segundo suas próprias palavras: ASSUSTOU DIVERSOS
europeias, os cafés berlinenses se transformaram em “centros de co-
CAFÉ ALEMÃO
municação”, onde as pessoas de todas as camadas sociais e grupos “Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem de sua menoridade,
PRÍNCIPES ALEMÃES
EM CARICATURA ocupacionais discutiam ao redor de uma chávena de café quente as da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de
DO SÉCULO XIX. questões políticas, econômicas e culturais do momento. seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio
O fato de que beber café fazia com que os súditos deixassem de culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendi-
À DIREITA,
acordar envoltos em uma nuvem de torpor e inércia, e logo ficassem mento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a
KARLSPLATZ,
despertos e atentos, com a mente afiada, assustou diversos outros prín- direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio
EM VIENA cipes alemães, que o entenderam como um tipo de licor altamente entendimento, tal é o lema do esclarecimento”. (Was ist Aufklärung?, 1783).
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o café e o Iluminismo
Nenhuma outra fonte de estímulo superou o café naqueles anos NENHUMA OUTRA
em que a Razão passou a ser hegemônica, tornando-se, assim, o
mais recorrente instrumento da vitória da Ilustração contra o Des- FONTE DE ESTÍMULO
potismo e a Superstição. Em suas Confissões, Jean-Jacques Rousseau
comentou: "Voltaire tem a reputação de beber 40 taças de café por
SUPEROU O CAFÉ
dia para permanecer desperto, para pensar e pensar, pensar a manei-
ra de lutar contra os tiranos e os imbecis".
E, como não poderia deixar de ser, fez sucesso de imediato na
QUANDO A RAZÃO
capital da inteligência europeia: Paris. Lá, o precioso líquido chega-
ra vindo de Marselha, o grande porto francês no Mediterrâneo e, PASSOU A SER
desde 1661, o principal importador dos grãos vindos do Egito. A sua
sede principal tornou-se o Café Le Procope (nome derivado do seu HEGEMÔNICA.
proprietário, o siciliano Francisco Procópio, que o fundou em 1686),
até hoje estabelecido na Rue de l’Ancienne Comédie, 13, no bairro TORNOU-SE, ASSIM,
de Saint Germain-des-Prés.
Além dele, como sítio que abrigava a vanguarda intelectual, O MAIS RECORRENTE
existiam o Café de la Régence (no Palais Royal, aberto em 1718) e o
Café Gradot (hoje desaparecido). A história do Procope se identifi- INSTRUMENTO
ca por sua íntima associação com o Iluminismo, pois foi frequentado
por Voltaire, pelo naturalista Buffon, pelo escritor e filósofo Jean-
DA VITÓRIA DA
Jacques Rousseau, pelo matemático D´Alembert e por Dennis
Diderot, o pai da Enciclopédia (edição iniciada em 1750). Também
acolheu os líderes jacobinos George Danton e Paul Marat nos dra-
ILUSTRAÇÃO CONTRA
máticos acontecimentos que sacudiram a capital nos momentos tor-
mentosos da Revolução de 1789. O DESPOTISMO
Foi ainda no Procope que Benjamin Franklin, então embaixador
da jovem república americana, redigiu a minuta do pacto Franco- E A SUPERSTIÇÃO
Americano de apoio do governo de Luis XVI aos revolucionários de
1776. Consta que Thomas Jefferson, quando foi sua vez de ser repre-
sentante diplomático na França, por ocasião da Revolução, teria
feito o esboço das Dez Primeiras Emendas à constituição americana
numa das mesas do Procope, consagrando-o como um dos templos
informais da Razão.
O TESTEMUNHO DE DIDEROT
Além de Voltaire, Denis Diderot também era freguês assíduo
dos cafés da Cidade Luz. Eis aqui um testemunho dele sobre o seu
costume de aparecer no café, depois de flanar pelas ruas da capital:
“Fizesse bom ou mau tempo, era meu hábito sair às cinco da tarde para
AO LADO,
um passeio até o Palais-Royal. Eu ia sempre só (...) entretendo-me comigo
mesmo com a política, o amor, o gosto ou a filosofia. Abandonava meu VENDEDORA DE
espírito a toda libertinagem. Deixava-me levar pela primeira ideia sábia ou CAFÉ EM PARIS,
louca que se me apresentasse. (...) Meus pensamentos são minha distração.
GRAVURA DE M.
Se o tempo estava muito frio eu me refugiava no Café de La Régence. Lá eu
me entretinha a ver jogarem xadrez. Paris é o centro do mundo, e o Café de ENGELBRECHT, DE
la Régence é o sítio de Paris onde se joga o melhor deste jogo.” MEADOS DE 1735
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veis e que escapam a qualquer análise (...) podemos supor que um vem fenômeno das letras norte-americanas, morando na capital AINDA HOJE OS
fluido nervoso é o condutor da eletricidade que libera esta subs- francesa com poucos recursos, confessou, no seu delicioso depoi-
tância que ela encontra e põe em ação dentro de nós." (Traité, pág. mento intitulado Paris é uma festa (A moveable feast, publicado CAFÉS FRANCESES
11). O compositor Giacomo Rossini confessou-lhe que doses de postumamente, em 1964), que gastando apenas uns trocos era pos-
café tomadas com certa regularidade permitiam que ele compu- sível passar as tardes preenchendo a lápis seus inúmeros cadernos
DÃO MOSTRAS DE
sesse uma ópera em apenas 15 ou 20 dias. com anotações que viriam a se transformar nas novelas que, tem-
pos depois, circulariam com sucesso pelo mundo.
O CAFÉ PARISIENSE NO SÉCULO XX Era fácil, desde o século XIX, encontrar nos cafés celebridades
SUA LIGAÇÃO QUASE
Quem de modo mais radical assumiu a tradição dos iluministas do mundo das letras e das artes, tais como o pintor Ingres, o escri-
em sua fidelidade aos cafés foi a geração dos escritores existencialistas tor norte-americano Henry James, que optara por viver na Europa, QUE UNIVERSAL
de Paris do após-1945. Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir tor- o poeta e ensaísta Chateaubriand, o fabuloso Picasso, o poeta
ACIMA, À naram célebres os cafés de Flore, Le Deux Magots e Clos de Lilas. O Apollinaire e os revolucionários russos exilados Lenin e Trotsky, COM AS LETRAS E
ESQUERDA, O
famoso casal, invariavelmente, deixava as horas correrem escreven- sempre vistos disputando partidas de xadrez. Como também a pro-
do e trocando ideias naqueles estabelecimentos, onde ainda podi- tetora dos escritores americanos que viviam na capital francesa, a COM A INTELIGÊNCIA
LENDÁRIO LE
am se encontrar com o romancista Albert Camus, o jazzista Boris famosa Gertrude Stein.
PROCOPE. À Vian, a novelista Françoise Sagan e o poeta Paul Eluard. Ainda hoje, muitos deles procuram atrair a freguesia culta pro-
DIREITA, LE DEUX Simone, por sua vez, deixou uma notável descrição do que os porcionando encontros literários ou espaços para declamações de
cafés representavam na vida do seu grupo no seu volumoso Os poemas, sendo que o Café de Flore chegou a instituir, desde 1933,
MAGOTS, UM DOS
Mandarins (Les Mandarins, 1954), livro que lhe proporcionou o Prêmio um prêmio ao melhor romancista do ano. Não há melhor indicador
PREFERIDOS DE Goncourt. da estreita ligação quase que universal dos cafés com as letras e
SARTRE E SIMONE Ernest Hemingway, bem antes, na década de 1920, então jo- com a inteligência.
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deias vizinhas, de forma a que pudessem cuidar da lavoura de "mil e e muito maior porção de sementes do que as que a tradição attribue LISBOA REGISTRA
poucos pés de café e três mil de cacau". Teria dito ainda o sargento- á fidalga mão dadivosa de Mme. Claude D'Orvilliers. Como, po-
mor que haviam sido trazidas de Caiena rém, não se exalçaria a tradição, se a aformosentasse um gesto EM 1771 A CHEGADA
feminino! [...]
mil e tantas frutas que entregou aos oficiais do senado (verea-
dores da câmara municipal) para que o repartissem com os mora- A PRIMEIRA FASE
DE CAFÉ BRASILEIRO
dores, como também cinco plantas, de que já hoje há muito no Tendo ou não havido jogos de sedução, o ano de 1727 marca a
ACIMA, O ARTISTA Estado. (Francisco de Melo Palheta, 1727) entrada do café no país. Já em 1731 há registros da entrada na alfân- CULTIVADO
PLÁSTICO dega de Lisboa de café brasileiro cultivado no Maranhão. Somente
Como se deduz, algumas poucas sementes furtivamente coloca- por volta de 1760, em razão das enormes distâncias e precários meios NO MARANHÃO
H. CAVALLEIRO
das no bolso de Palheta não poderiam ter dado origem às primeiras de transporte de então, o café teria chegado ao Rio de Janeiro, e daí
IMAGINA O MOMENTO lavouras de café do Brasil. O mito, entretanto, perpetuou-se ao longo para sua entrada na história da economia e da cultura do país, foi um
EM QUE PALHETA TERIA do tempo. Mas em 1927, Basílio de Magalhães esclareceria: passo. Inicialmente também utilizado como planta de quintal pelos
RECEBIDO OS GRÃOS E,
frades barbadinhos, que tinham o costume de usá-lo como ornamen-
A intervenção, lendária ou real, dessa mulher, no caso da tação nas janelas, quem primeiramente produziu café em escala co-
DEPOIS, PLANTANDO A
introducção do café em nossas plagas, [...] seria tão somente um mercial teria sido o holandês João Hoppmann, em uma chácara do
PRIMEIRA MUDA motivo poético. Palheta adquiriu em Cayena cinco pés de cafeeiro arraial de Mata-Porcos (onde hoje fica o bairro do Estácio). Dali, o
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O ciclo do café no Brasil
café teria vivenciado sua expansão, inicialmente em pequenos sítios LAVOURA CAFEEIRA
em Botafogo, Urca, Tijuca, Andaraí e Jacarepaguá.
Por volta de 1790 há registros de que os cafeeiros teriam chegado
REPETE, DE INÍCIO,
um pouco mais longe, mais exatamente à localidade de Areias, distri-
to da Vila de Lorena, e em seguida a Resende, etapa que marcaria o
início de sua trajetória ao longo da margem do rio Paraíba do Sul. A
MODELO DA CANA:
região, mais comumente conhecida como Vale do Paraíba, cobre enor-
mes porções do norte e oeste do Rio de Janeiro, do sul de Minas e CULTURA EXTENSIVA,
estende-se ainda mais a sudoeste, chegando a São Paulo. À época,
tudo mata fechada. MÃO-DE-OBRA
A produção em terras fluminenses, de início, era modesta. Es-
tima-se que em 1800 tenham sido produzidas pouco mais de 55 mil ESCRAVA E A FAZENDA
arrobas do precioso grão. Mas alguns fatores externos viriam a con-
tribuir para que o mercado internacional se abrisse e a cultura COMO UNIDADE
tomasse impulso em território brasileiro. A partir de 1791, com a
revolta da população negra no Haiti, em paralelo à abolição da PRODUTIVA
escravatura nas Antilhas e nas colônias francesas, a produção
mundial de café passaria por drástica redução, uma vez que eram
estes os principais núcleos da lavoura cafeeira. Em paralelo, ocor-
ria na Europa um impressionante aumento do consumo da bebida.
No Brasil, a chegada da família real em 1808, que veio acompa-
nhada de um séquito estimado em 15 mil pessoas, traria mudanças
profundas na economia interna do país, com o florescimento de
novas atividades de comércio para atender demandas até então
inexistentes. O país ainda passava por um período de estagnação
econômica, em razão do encerramento do ciclo do ouro. Havia,
portanto, alguma disponibilidade de recursos, a mão-de-obra es-
crava aí incluída, e o desejo dos capitalistas de encontrarem uma
nova alternativa para seus investimentos. Por essa época, inicia-se
lenta e gradualmente a migração de antigos exploradores das mi-
nas, em direção ao Vale do Paraíba e norte de São Paulo.
Consta que o Príncipe Regente Dom João VI teria incentivado
o plantio de café, tendo inclusive mandado trazer de Moçambique
sementes, que então germinavam em estufas. Nobres portugueses,
franceses exilados, partidários de Napoleão e até mesmo o bispo do
Rio de Janeiro aderem ao cultivo da planta. Na época, chega ao
país um experimentado cafeicultor francês, que tivera plantações
em Santo Domingo e em Cuba. François Lecesne adquire terras
na Gávea e ali instala a Fazenda São Luís, passando a ser um nome
de referência no que diz respeito às melhores técnicas de cultivo
do grão em terras fluminenses. Em 1808, a produção brasileira já
NA PÁGINA AO
teria ultrapassado as 80 mil arrobas.
Estava, assim, se iniciando o primeiro momento da lavoura LADO, OBRA DE
cafeeira no Brasil, que seria marcado pela repetição do modelo FREDERICO BRIGGS,
produtivo da cana-de-açúcar: cultura extensiva, mantida com tra-
INTITULADA
balho escravo, tendo a fazenda como unidade produtiva de refe-
rência. A necessidade de muitos braços para dar conta das lavou- CARREGADORES
ras de café faria aportar em território fluminense um volume con- DE CAFÉ , DE 1845
59
O ciclo do café no Brasil
siderável de escravos, tanto via intensificação do tráfico quanto ção e de uma indústria". E complementa: "O complexo cafeeiro PRODUÇÃO DO INÍCIO
pela mobilidade interna, já que o ciclo do ouro havia se encerrado passa a incluir uma pequena componente que tem como fulcro a
e havia mão-de-obra escrava ociosa em Minas Gerais e no Nor- presença de um trabalho que conjuga ao braço a capacidade de
DO SÉCULO XIX TINHA
deste. As crescentes pressões da Europa pela extinção do tráfico, consumo".
entretanto, colocariam em risco a sobrevivência das lavouras do Bem antes disso ocorrer, a província do Rio de Janeiro seria a
Rio de Janeiro a médio prazo, ameaça que mais tarde viria a se principal protagonista do mercado do café no Brasil. Com vistas a
COMO FOCO PRINCIPAL
confirmar, com a proibição definitiva da importação de escravos, atender ao crescente mercado europeu, o escoamento da produção
em 1850, e efetivamente com a Abolição da Escravatura, em 1888. do Vale do Paraíba se dava estrategicamente pelo porto da capital. O MERCADO EXTERNO
Em sua fase paulista, já próximo do final do século XIX, a cul- Tratava-se de uma tarefa árdua, com o transporte sendo feito de
tura do café encontraria uma alternativa em relação a este dilema forma lenta e penosa, em razão das distâncias e dos terrenos aciden-
enfrentado pelos grandes proprietários de terras do Rio de Janeiro: tados do vale, a serem percorridos em lombos de burros e mulas.
a força de trabalho escrava seria substituída pelo braço do imi- Quem conduzia as tropas eram tropeiros escravos ou um guia, cha-
grante europeu, em atividade remunerada. Estabeleceria-se, as- mado arreador, que percorriam várias vezes por ano os caminhos
ACIMA, A OBRA sim, uma diferença fundamental. Nas palavras de Paula Beigelmann, que iam do Vale do Paraíba à capital. Como aponta Boris Fausto,
"enquanto na economia açucareira o cultivo da cana e o fabrico "embora o hábito de consumir café se generalizasse no Brasil, o mer-
COMBOIO DE CAFÉ,
do açúcar constituem praticamente a atividade essencial única, a cado interno era insuficiente para absorver uma produção em larga
DE AUTORIA DE
economia cafeeira, no auge da expansão, dá nascimento a um com- escala. O destino dos negócios cafeeiros dependia, e ainda hoje
DEBRET (1835) plexo no qual se inserem rudimentos de uma cultura de alimenta- depende, do mercado externo". Foi a classe média, cada vez mais
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O ciclo do café no Brasil
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O ciclo do café no Brasil
ção de amostras. Todas as medalhas de ouro foram conferidas a fa- TIJUCA, DE LOUIS-
zendeiros do Vale do Paraíba fluminense, enquanto das 11 medalhas
JULES-FRÉDÉRIC
de prata, seis ficaram com produtores do Rio de Janeiro, que ganha-
ram, ainda, oito das 15 de bronze. Paraíba do Sul, Vassouras e Juiz (1835). FLORESTA
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O ciclo do café no Brasil
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O ciclo do café no Brasil
tados no local, carne de porco salgada e bebiam o café torrado e O RIO DE JANEIRO,
socado no pilão pelas escravas. Como os fazendeiros possuíam mais
de um estabelecimento, a família se deslocava de uma para outra
fazenda. Na região de Campinas, antigas fazendas ainda hoje con-
COM 522 MIL
servam sinais de sua glória passada. Os pesados sobrados de então
tinham pouca mobília, grandes mesas de madeira, serviços de por- HABITANTES EM 1890,
celana europeia, da Companhia das Índias, objetos de prata, corti-
nas com tecidos caros, lustres de cristal da Boêmia e chão de largas ERA O NÚCLEO DOS
tábuas de madeira.
DIVERTIMENTOS, BEM
QUE PAÍS ERA AQUELE
Antes de entrarmos na análise mais profunda dos dois fatores que COMO DOS MAIORES
foram determinantes na explosão da produção cafeeira paulista, na
segunda metade do século XIX – o surgimento das ferrovias e a subs- INVESTIMENTOS
tituição da mão-de-obra escrava pelo braço do imigrante europeu –,
é interessante apresentar uma breve radiografia do Brasil à época do
primeiro e segundo reinados. Do ponto de vista da população, os 4,6
milhões de habitantes registrados em 1819 passaram a 9,93 milhões
em 1872 e para 14,33 milhões em 1890. Em 1872, Minas Gerais conti-
nuava a ser a província mais povoada, com aproximadamente 2,1 mi-
lhões de habitantes, seguida da Bahia, com 1,38 milhão. Os mulatos
representavam 42% da população, os brancos ficavam com 38% e os
negros, 20%. Ainda no censo de 1872, apurou-se que somente 16,85%
da população entre 6 e 15 anos frequentava escolas. Havia apenas 12
mil alunos matriculados em colégios secundários, mas em contrapartida
estima-se que 8 mil pessoas tinham educação superior, o que denota o
abismo entre a elite letrada e a massa de analfabetos ou com educa-
ção rudimentar.
À época da chegada da família real, surgiram escolas de medicina
e engenharia na Bahia e no Rio de Janeiro, onde Dom João VI se
estabeleceu. "Mas do ponto de vista da formação da elite, o passo
mais importante foi a fundação da Faculdade de Direito de São Paulo
(1827) e de Olinda/Recife (1828). Delas saíram os bacharéis que,
como magistrados e advogados, formaram o núcleo dos quadros polí-
ticos do Império", assegura Bóris Fausto.
Cabe acrescentar, ainda, que o Rio de Janeiro, com 522 mil habi-
tantes em 1890, era o único grande centro urbano. Ali ficava o núcleo
dos divertimentos, bem como dos investimentos em transportes, ilu-
minação, embelezamento da cidade. A seguir, vinham Salvador, Re-
cife, Belém e só então São Paulo, com modestos 65 mil habitantes. NA PÁGINA AO
São Paulo, entretanto, viria a crescer a taxas geométricas anuais de
LADO, MULHER
3%, entre 1872 e 1886, e de 8%, entre 1886 e 1890.
Voltando-se a 1828, Maria Luiza Marcílio, citada por Mário PILANDO CAFÉ ,
Jorge Pires, explica por que São Paulo, impossibilitada à época de DE JOSÉ WASTH
tornar-se um centro de agricultura de exportação, acabou por trans-
RODRIGUES
EM CAMPINAS, ANTIGAS FAZENDAS AINDA CONSERVAM formar-se em local de depósito para as mercadorias da Europa e,
ao mesmo tempo, entreposto de passagem para os produtos do in- (REVISTA ILUSTRAÇÃO
SINAIS DOS SEUS TEMPOS DE GLÓRIA NO PASSADO terior da província: "Sua excepcional posição geográfica foi-lhe BRASILEIRA , 1927)
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O ciclo do café no Brasil
vantajosa. Pela cidade transitavam as grandes tropas, que dos ter- os nomes por que eram conhecidos. Aparentemente a ordem não SURGIMENTO
ritórios do Viamão e de Curitiba dirigiam-se para os mercados do foi cumprida, pois em 1846, segundo aponta novamente Mário Jor-
Rio de Janeiro e zonas mineiras, das Gerais. A produção de açúcar ge Pires, o Marechal Lima e Silva "recomendou numerar todas as DAS FERROVIAS
das vilas do interior da Capitania (particularmente de Itu, Porto casas e intitular-lhes as ruas, consoante a prática adotada em to-
Feliz, Campinas e Piracicaba) passava pela Capital rumo ao porto das as cidades civilizadas."
TRANSFORMOU
de Santos. No sentido inverso, as mercadorias provenientes de É nesse momento histórico, ou seja, a segunda metade do sécu-
Portugal e de outras partes da Europa chegavam a São Paulo por lo XIX, em que o Rio de Janeiro ainda segue pontificando como
intermédio do Rio ou de Santos: elas eram destinadas, ora à pró- mais importante núcleo urbano do país, que começam a surgir as COMPLETAMENTE
pria cidade, ora à provisão do interior". Mário Jorge Pires acres- ferrovias, as quais transformariam completamente o cenário urba-
centa que, segundo a mesma autora, "esse foi o motivo pelo qual no e econômico do Centro-Sul. A sobrevida do Vale do Paraíba OS CENÁRIOS
acabou desenvolvendo-se na cidade uma classe de mercadores, como centro produtor e exportador de café, por exemplo, se deve
por vezes até poderosa, e assim nasceu o espírito de empresa entre em grande parte à inauguração, em 1858, da primeira estrada de URBANOS DO PAÍS
os habitantes de São Paulo." ferro do país. A Sociedade de Estradas de Ferro Pedro II, que daria
ACIMA, A FAZENDA Curioso apontar também que em 1809, segundo Alcântara Ma- origem à atual Central do Brasil, ligava as fazendas do Vale do
chado, não havia nomenclatura nas ruas e numeração dos prédios Paraíba, do sudeste de Minas Gerais e do norte de São Paulo ao
PARAÍBA DO SUL,
da cidade. Foi nesse ano que, de ordem do Ouvidor Geral e com o porto do Rio de Janeiro. Como aponta Mário Jorge Pires, "as cida-
EM TRABALHO DE
propósito de facilitar o lançamento da décima urbana, a Câmara des formadas à margem do rio Paraíba sempre estiveram mais vin-
H. CLERGET (1861) mandou numerar os prédios e inscrever nos logradouros públicos culadas ao Rio de Janeiro do que a São Paulo, e isto vale não só
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O ciclo do café no Brasil
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O ciclo do café no Brasil
AQUELES QUE SE DEDICAVAM ÀS ARTES PODIAM DESLOCAR-SE EM VIAGENS DE APENAS 15 HORAS ENTRE RIO E SÃO PAULO
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O ciclo do café no Brasil
tomimas, com 80 crianças, um circo e quatro companhias profissi- extensas e produtivas fazendas de café do mundo. Em Campinas, as ABOLIÇÃO IMINENTE
onais de teatro declamado, fato notável para a época e para uma culturas estendiam-se em largas superfícies uniformes, cobrindo a
pequena localidade como aquela. paisagem a perder de vista e formando os famosos "mares de café". Por DA ESCRAVATURA
ser uma região plana, a cultura cafeeira sofria menos com o esgota-
A ERA PAULISTA E OS IMIGRANTES mento do solo. Na zona de Ribeirão Preto, Francisco Schmidt, que
OBRIGOU
Do ponto de vista da produtividade das lavouras paulistas, chegou ao Brasil em 1858 com nove anos de idade e trabalhou como
Holloway enfatiza que as condições naturais do oeste de São Paulo colono, chegou a possuir 50 fazendas. Sua fortuna só seria fortemente
eram (e ainda são) excelentes para o café. Uma camada de lava diábase, abalada no século XX, com a crise mundial de 1929. Do extremo- FAZENDEIROS DE SÃO
que um dia cobriu grande parte da área, se decompôs num solo poro- oeste paulista, o café chegaria posteriormente também ao Paraná.
so, rico em ferro e potássio, de que a planta do café precisa. Em algu- Ferrovias implantadas e terras produtivas à parte, acontece que a PAULO A BUSCAREM
mas áreas de maior concentração, tal solo adquire uma aparência escravidão no Brasil estava com os dias contados. A partir de 1850,
ACIMA, DUAS VISÕES
purpurina. Essa é a terra roxa, pela qual São Paulo se tornou famoso havia sido proibido o tráfico de escravos da África, e desde 1871 os ALTERNATIVA
DA FAZENDA IBICABA. À entre as regiões cafeeiras do mundo. "Apenas cerca de 2% do planal- filhos de cativos nascidos no Brasil eram considerados libertos (Lei do
ESQUERDA, DESENHO to, no entanto, são cobertos pela verdadeira terra roxa. Uma área Ventre Livre). Com a iminente alteração nas relações de poder entre DE MÃO-DE-0BRA
muito maior tem solos vermelhos, chamados massapê e salmourão, senhores e escravos, o que poderiam fazer os fazendeiros para segui-
LITOGRAFADO. À
quase tão bons quanto a terra roxa. (...) Mesmo nos solos menos fér- rem prósperos e abastados, imaginando-se que perderiam quase que
DIREITA, QUADRO DE teis o clima é favorável ao café". de sopetão a enorme força de trabalho necessária para manter produ-
HENRIQUE MANZO Foi na região da Alta Mogiana, a propósito, que surgiram as mais tivas suas lavouras, a exemplo do que já acontecia no Rio de Janeiro?
O ciclo do café no Brasil
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O ciclo do café no Brasil
ABAIXO, TRANSPORTE Brasil na Europa foi a edição de um folheto de 60 páginas, com capa
DE SACAS DE CAFÉ NO colorida e brilhante, tendo no miolo um grande mapa desdobrável de
São Paulo. Foram impressas nada menos que 80 mil cópias, nas versões
PORTO DE SANTOS. NA
em português, italiano e alemão. Além de afirmar que em São Paulo
PÁGINA AO LADO, "a maneira de vestir, mobiliar as casas e alimentar-se" estava em con-
IMIGRANTES EM FRENTE sonância com os costumes europeus, o material arrolava as facilidades
À HOSPEDARIA
que estariam à disposição dos imigrantes, como transporte do Rio de
Janeiro ou de Santos até São Paulo, comida para até oito dias e aloja-
mento na hospedaria recém-inaugurada, incluindo tratamento médi-
co gratuito e transporte ferroviário também inteiramente custeado
até o destino final dos viajantes, no interior da província.
Como aponta Holloway, as entradas anuais de imigrantes eram
em média inferiores a 6 mil no período entre 1882 e 1886. Com as
medidas anunciadas, chegaram mais de 32 mil deles em 1887, núme-
ro que pulou para quase 92 mil em 1888. Era apenas o começo: "De
1889 ao início do século seguinte, chegaram quase 750 mil estrangei-
ros a São Paulo, dos quais 80% subsidiados. Da abolição à depressão
de 1929, entraram perto de 2,25 milhões de imigrantes na província,
que em 1886 contava com uma população de 1,25 milhão de habitan- DA ABOLIÇÃO À DEPRESSÃO DE 1929, MAIS DE 2
tes", aponta Holloway.
Nem tudo correu às mil maravilhas na hospedaria, como, aliás, MILHÕES DE IMIGRANTES DESEMBARCARAM NO BRASIL
seria de se imaginar, diante de tal volume de viajantes recém-chega-
dos. A desorganização imperava, e não foram poucos os casos de óbi-
O ciclo do café no Brasil
84
O ciclo do café no Brasil
A CHAMADA tros pontos sensíveis a serem atacados para que a relação de par-
ceria prosperasse. Como salienta Holloway, "a renda monetária do
CLÁUSULA DE CULTIVO trabalhador dependia da produtividade dos pés de café sob seus
cuidados, mas também dos preços do café no mercado. Embora os
contratos previssem que os parceiros dividiriam igualmente as even-
DE ALIMENTOS ERA
tuais perdas na lavoura, na prática apenas em condições muito
severas o dono da terra perdia parte do seu investimento. O par-
UM INCENTIVO PARA ceiro agricultor, bem ao contrário, por mais que se empenhasse,
dificilmente conseguia exceder o nível da subsistência, e logo caía
QUE MAIS E MAIS em débito com os proprietários das terras. Para os recém-chegados
italianos, uma geada violenta ou eventual baixa de preços no mer-
FAZENDAS SURGISSEM cado cafeeiro não significavam apenas lucros menores ou perda de
investimento: eram de fato uma ameaça a seu meio de vida".
Portanto, para que a política de atração de imigrantes efetiva-
mente desse resultados, de pronto os proprietários das fazendas perce-
beram que a lógica de relacionamento com aquela mão-de-obra es-
trangeira teria de ser completamente distinta do modelo escravocrata.
Em lugar de coerção, era preciso investir em uma política de incenti-
vos adequados. Foi assim que uma reivindicação bastante comum
entre os colonos terminou por ser atendida – e ao mesmo tempo esti-
mulou que as fronteiras do café se expandissem continuamente. Como
mencionado anteriormente, os ganhos decorrentes da dedicação ex-
clusiva dos colonos ao café eram instáveis, pois eles estavam perigosa-
mente sujeitos às variações de mercado, oscilações de preço, de clima
etc. Em compensação, se lhes fosse dado o direito de plantar milho e
feijão entre as fileiras de pés de café, poderiam assegurar ao menos
sua subsistência e, quem sabe, algum excedente. Além disso, como
um cafeeiro em geral precisa de quatro anos até a primeira safra,
momento a partir do qual o pé de café passa efetivamente a competir
pelos nutrientes da terra, de tempos em tempos os imigrantes se dispu-
nham, e em alguns casos até mesmo exigiam, mudar de terras, de
maneira a que fosse possível reiniciar o ciclo em outras fazendas que
viessem a ser adquiridas pelos grandes proprietários, onde poderiam
manter novas lavouras de subsistência em meio aos cafezais.
A chamada cláusula de cultivo de alimentos, assim, operava
como incentivo para que os fazendeiros implantassem novos esta-
belecimentos, a fim de seguirem atraindo e mantendo uma força
de trabalho que, mesmo sendo abundante – mais e mais imigran-
tes seguiam chegando a Santos –, era, de outra parte, móvel. Os
trabalhadores do café já instalados no Brasil conheciam a reputa-
ção individual dos fazendeiros, sabendo distinguir aqueles que efe-
NA PÁGINA AO
tivamente cumpriam sua palavra dos que ainda se apegavam ao
LADO, VISÃO DO modelo de coerção do tempo da escravatura, e, assim, não tinham
TERREIRO DE UMA pudores em romper os contratos, caso as condições de trabalho
FAZENDA DE CAFÉ
não fossem as mais adequadas, buscando outros parceiros.
Se de um lado o crescimento da economia cafeeira era visível até
DO INÍCIO DO
mesmo ao observador mais casual, menos óbvia foi uma mudança qua-
SÉCULO XX litativa resultado da experiência imigratória no oeste paulista. Como
86
O ciclo do café no Brasil
descreve Holloway, "ao lado dos brasileiros proprietários de grandes A CONTRIBUIÇÃO DOS
fazendas, a estrutura social rural apresentava um crescente número
de sítios pequenos e médios, adquiridos por imigrantes de primeira
IMIGRANTES NO
geração". Alguns estrangeiros residentes, bem-sucedidos no comér-
cio ou na indústria, adquiriram propriedades rurais, mas também muitos
dos imigrantes que se tornaram proprietários de fazendolas operadas ENRIQUECIMENTO DOS
pelo trabalho começaram provavelmente como colonos do café". Nas-
cia, assim, diferentemente do modelo baseado na mão-de-obra escra- FAZENDEIROS
va, o embrião de um mercado consumidor cuja renda significaria o
fomento de toda a economia da província. Em paralelo ao nascimento PAULISTAS SE DEU
desta classe de pequenos e médios proprietários, uma boa parte dos
imigrantes optou por se dirigir para os núcleos urbanos. TAMBÉM DE FORMA
PARA ALÉM DOS ITALIANOS NAS LAVOURAS MARCANTE NOS
O senso comum costuma associar o fluxo imigratório do final do
século XIX e início do século XX aos italianos, o que não deixa de NÚCLEOS URBANOS
corresponder aos fatos, pois estes se constituíram no maior grupo de
uma única nacionalidade. As estatísticas apontam, entretanto, que
entre 1887 e 1930, os italianos representaram menos da metade de
todos os imigrantes, ainda que fossem o grupo preponderante – eles
eram 46% de todos os imigrantes (percentual fortemente influencia-
do pelo período 1887-1900, quando chegaram a corresponder a 73%
do total). Se contabilizado apenas o período 1900-1930, é possível ve-
rificar que a distribuição das nacionalidades foi mais diversificada.
Os italianos eram 26% do total, enquanto os portugueses eram 23% e
os espanhóis, 22%. As outras nacionalidades alcançaram 28%. Na
última categoria, o mais importante grupo foi o de japoneses, que
começaram chegando em pequeno número, em 1908, e se transfor-
maram em uma corrente contínua, depois de 1917. Entre 1911 e 1930,
cerca de 96 mil japoneses imigraram para São Paulo, juntando-se a
portugueses, espanhóis e italianos no trabalho nas fazendas de café.
Outro grupo com papel relevante foi o dos sírios-libaneses, que
entre 1911 e 1920 chegaram em número de 18 mil a São Paulo. Al-
guns deles sem dúvida trabalharam nas lavouras, mas os sírios eram
mais comumente identificados com o comércio itinerante de miude-
zas. Forneciam boa parte dos utensílios domésticos e outras mercado-
rias que os trabalhadores das fazendas consumiam.
A contribuição de imigrantes de diversas nacionalidades, que
teve como resultado o enriquecimento dos fazendeiros paulistas,
se deu também de forma marcante nos núcleos urbanos, em espe-
cial na capital. Sobretudo a partir da proclamação da República,
MULHERES PENEIRAM O CAFÉ JUNTO AOS CAFEEIROS
em 1889, São Paulo valeu-se da autonomia adquirida a partir dos
conceitos de federação. Assim, a "europeização" da elite paulista,
que já se verificava mesmo antes da inauguração das vias férreas
ligando a capital a Santos ou ao Rio de Janeiro, intensificou-se. A
ESTRUTURA SOCIAL RURAL APRESENTAVA CRESCENTE NÚMERO paisagem urbana passa a sofrer as influências de imigrantes arqui-
tetos, mestres de obras (os capomastri), artífices qualificados de
DE SÍTIOS PEQUENOS E MÉDIOS AO LADO DAS FAZENDAS várias nacionalidades, que afluíram para a cidade.
88 89
O ciclo do café no Brasil
No que tange aos grandes fazendeiros, há registros de que boa de Saint-Cloud para praticar esportes aéreos, efetuando vários voos A MORADIA PASSOU
parte deles costumava passar o inverno na Capital com suas famílias, em balões e aeroplanos.
dispendendo grandes somas naquela que era o centro da vida espiri- É no final do século XIX que nasce a moda de morar com re- A REPRESENTAR O
tual, social e comercial do estado. Lenta e gradualmente, as famílias quinte. Foi o caso de Veridiana Silva Prado, filha do Barão de Iguape,
ricas começam a dedicar mais tempo a São Paulo, em especial filhos e cuja família morava em uma casa de taipa do século XVIII, encosta-
netos dos primeiros barões do café. Com sua presença, a cidade ganha da à igreja da Consolação. Pois em 1884 Veridiana manda construir
SÍMBOLO PELO QUAL
ares mais sofisticados. Como atesta Mário Jorge Pires, "entre os novos um enorme palácio em Higienópolis. "A moradia passou a represen-
hábitos estava o de empregar extensa criadagem estrangeira: tar, de forma saliente, o símbolo pelo qual os fazendeiros expressa- OS FAZENDEIROS
governantas alemãs e francesas, pajens, mordomos, criados para dife- vam sua incontestável posição de elite econômica, social e, pela
rentes e específicas funções. O requintado costume europeu de pas- adoção do novo estilo de vida, também cultural", atesta Pires. E EXPRESSAVAM SUA
ACIMA, À ESQUERDA,
sear a cavalo tinha seus mais frequentes apreciadores em São Paulo complementa: "Alemães, franceses, italianos e demais imigrantes
RESIDÊNCIA DE
entre os netos e bisnetos do Barão de Iguape que, segundo consta, de outras nacionalidades edificaram residências com bases nos mais INCONTESTÁVEL
MARTINHO PRADO JR saíam pela Avenida Higienópolis, subiam a Consolação ou a Avenida variados estilos. (...) São Paulo tornou-se cosmopolita não apenas
EM SÃO PAULO. Angélica, para daí atingirem a Paulista." E acrescenta Pires: "Esse porque nela vivia grande quantidade de imigrantes de várias naci- POSIÇÃO DE ELITE
grupo de Higienópolis introduziu, por meio de seu prestígio social, onalidades, mas porque a aparência da cidade também tornou-se
À DIREITA, O PALÁCIO
várias novidades na cidade, como o ciclismo, o futebol, o automobilis- eclética, dada a variedade arquitetônica que ocorreu, principal- ECONÔMICA E SOCIAL
DE VERIDIANA mo (...) e os esportes aéreos. Antonio Prado Jr. e os filhos do Conde mente, no final do período do café.".
SILVA PRADO Álvares Penteado, Silvio e Armando, tinham um apartamento perto Ainda segundo Mário Jorge Pires, não há dúvida de que muitos
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O ciclo do café no Brasil
descendentes de fazendeiros mudaram-se para bairros como Campos trial teve variantes. Alguns partiram quase do nada, beneficiando-se OS IMIGRANTES
Elíseos e Higienópolis, assim como para a Avenida Paulista, mas o das oportunidades abertas pelo capitalismo em formação em São Pau-
autor argumenta que as três regiões estavam longe de ser um reduto lo e no Rio Grande do Sul. Outros vislumbraram oportunidades na TIVERAM PAPEL
exclusivo dos fazendeiros do café. Especificamente no caso da Aveni- indústria, por serem importadores. Essa atividade facilitava contatos
da Paulista, inaugurada em 8 de dezembro de 1891, Pires assevera para importar maquinaria e era uma fonte de conhecimento sobre
que, desde o início, a avenida manteve a tendência de tornar-se um onde se encontravam as possibilidades de investimento mais lucrati-
DECISIVO TAMBÉM
reduto, não de fazendeiros, mas de todo e qualquer imigrante enri- vo. Os dois maiores industriais italianos de São Paulo – Matarazzo e
ACIMA, À ESQUERDA, A quecido. "Apesar de nela residir em 1903 o então rei do café, Francis- Crespi – começaram como importadores." NAS EMPRESAS
RECÉM-INAUGURADA co Schmidt, considerado, em certa época, o maior produtor de café
do universo, segundo Afonso de Taunay, a avenida abrigou, sobretu- A CRISE DA SUPERPRODUÇÃO MANUFATUREIRAS DA
AVENIDA PAULISTA.
do, as fortunas de estrangeiros e seus descendentes, saídas da indús- A explosão da produção do café nos inícios do século XX era
À DIREITA,
tria, do alto comércio e da prestação de serviços". inevitável, e foi decorrência da incidência de diversos fatores eco- CAPITAL. EM 1893, EM
COMENDADOR LUCIANO Também a respeito dos imigrantes que preferiram os núcleos urba- nômicos e sociais: os grandes proprietários estavam capitalizados e
JOSÉ DE ALMEIDA E nos, atesta Bóris Fausto que "tiveram papel fundamental nas empresas portanto não havia por que deixarem de investir na aquisição de 70% DELAS HAVIA
manufatureiras da capital, nas quais, em 1893, 70% de seus integran- novas terras; o volume de imigrantes que escolhiam o Brasil para
MARIA JOAQUINA DE
tes eram estrangeiros. Na indústria do Rio de Janeiro, a porcentagem trabalhar seguia crescente, garantindo-se, assim, mão-de-obra ESTRANGEIROS
ALMEIDA, EM era menor, mas, mesmo assim, muito expressiva: 39% em 1890". Ainda abundante; o oeste paulista, onde o café encontrou excepcional
RETRATOS DE 1849 segundo Fausto, "o caminho do imigrante para a condição de indus- condição geográfica e climática, seguia oferecendo áreas ainda
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O ciclo do café no Brasil
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O ciclo do café no Brasil
A construção revela a arquitetura típica do ecletismo que ca- da Bolsa Oficial de Café foi oficialmente tombado pelo Instituto COM GETÚLIO NO
racterizou as mais importantes obras do período. Cúpulas de cobre, do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Com fluxo
grandes figuras escultóricas, vitrais, mosaicos de mármore e robus- diário de 600 pessoas e venda de aproximadamente 450 xícaras PODER, TENDÊNCIA À
tas colunatas de granito são expressões de riqueza e prosperidade de café por dia, a Cafeteria do Museu é premiada pela Associa-
do ciclo cafeeiro no país e, ao mesmo tempo, representam a ção Brasileira da Indústria de Café (Abic) com o status Premium,
materialidade do desejo de converter o edifício da Bolsa no "Palá- dentro do programa Circulo do Café de Qualidade, de
CENTRALIZAÇÃO DAS
cio do Porto de Santos". abrangência nacional.
Nos dias atuais, a imponência arquitetônica da edificação se Com a revolução de 30 e a chegada ao poder de Getúlio Vargas, DECISÕES ENCERRA
mantém. Apesar do adensamento urbano ocorrido na região nas de início à frente de um governo provisório, mais tarde na condi-
últimas décadas, a Bolsa segue sendo o edifício mais suntuoso e ção de ditador, o Brasil passa a se debater entre a continuidade do PERÍODO DE
ACIMA, À ESQUERDA,
emblemático da Baixada Santista. A elevada torre do relógio, poder regional e a tendência à centralização das decisões. Apoia-
VISUAL
com mais de 40 metros de altura, se impõe, à frente do porto, do pelos tenentes, Getúlio assume o Poder Executivo e também o AUTONOMIA REGIONAL
CONTEMPORÂNEO DA como importante referência paisagística e temporal da cidade. O Legislativo, ao dissolver ainda em 1930 o Congresso Nacional, os
BOLSA DE SANTOS. edifício passou por restauração, concluída em 1998, a qual tor- legislativos estaduais e municipais. Todos os antigos governadores,
nou o prédio um efetivo monumento histórico. Dentro de uma com exceção do de Minas, foram demitidos, e em seus lugares
AO LADO, A CAFETERIA,
concepção moderna e versátil, o local passou a oferecer instala- foram nomeados interventores federais.
CUJA QUALIDADE É ções adequadas inclusive para o funcionamento do Museu do No que se refere a São Paulo, em maio de 1931 o controle da
RECONHECIDA PELA ABIC Café e de uma cafeteria. No dia 12 de março de 2009, o Palácio política do café passa do Instituto do Café do Estado de São Paulo
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O ciclo do café no Brasil
À ESQUERDA, GRÃOS
COLHIDOS EM MINAS
GERAIS. À DIREITA,
GRAVURA DE 1932
JOGADO AO MAR
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o café nas
artes e
na cultura
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o café nas artes e na cultura
Tendo o café brasileiro ultrapassado os séculos Pois entre os artistas plásticos que foram atraídos para o Brasil
e suas belezas tropicais no século XIX (excetuados os naturalistas,
XVIII, XIX, XX e chegado ao século XXI em pleno obviamente), um dos que deixou maior quantidade de obras rela-
vigor, com altos e baixos, do ponto de vista econô- cionadas ao café foi Antonio Ferrigno. Italiano da região de Salermo,
chegou a São Paulo em 1893, com 30 anos de idade. Pintor feito e
mico, mas sempre perfazendo uma trajetória plena já reconhecido em sua terra-natal, Ferrigno veio à procura de no-
de histórias reais ou fantasiosas, adornada por per- vos temas e paisagens. Depois de pintar algumas obras sobre a ci-
sonagens e tipos os mais interessantes, é de se admi- dade de São Paulo, o italiano recebeu uma encomenda de Manoel
Ernesto da Conceição para pintar a Fazenda Bom Jardim. O qua-
rar que o grão e tudo o que envolve seu cultivo e dro acabou indo para Paris, onde Conceição mantinha uma loja de
comercialização não tenham gerado uma conside- exportação de café. Antes de cruzar o Atlântico, a obra integrou
rável produção artística, em especial na literatura. uma mostra com outros trabalhos que retratavam vistas de cafe-
zais, colheitas e o panorama de uma colônia.
Podem-se contar nos dedos os romances que de al- Atualmente, há seis obras de Ferrigno no Museu do Ipiranga,
guma forma têm o ambiente das lavouras de café representando a Fazenda Santa Gertrudes e todas as fases do tra-
como pano de fundo. Mesmo nas artes plásticas, tamento do café. Os colonos, provavelmente italianos, são retrata-
dos nos mais diversos ambientes, de forma didática, de maneira
não são muitos os nomes de destaque que se dedi- que observando-se as obras tem-se uma exata noção de como se ABAIXO, IMAGEM
caram a pintar o café e seu universo, com exceção, cultivava o café, o tipo de terreno e a disposição das plantas.
DO QUADRO
obviamente, de Cândido Portinari, o maior pintor No Rio de Janeiro, o alemão George Grimm foi um dos maiores
expoentes em pintura de paisagem. Convidado a lecionar na Aca- O LAVADOURO ,
brasileiro em todos os tempos. demia de Belas Artes, inovou, levando seus alunos para pintar ao DE ANTONIO FERRIGNO
o café nas artes e na cultura
ACIMA, NATUREZA MORTA COM MOINHO DE CAFÉ (1951), QUE ABRIU AS PORTAS DOS GRANDES SALÕES PARA MABE O HOMEM QUE DIZIA TER NASCIDO EM UM PÉ DE CAFÉ
O mais genial de todos os pintores brasileiros teve sua vida
intimamente ligada ao café. Filho de imigrantes italianos, Cândi- NO ALTO, DESENHO
do Portinari nasceu e viveu em meio às lavouras e cafezais, no
SOBRE CAFÉ, OBRA
QUANDO CHOVIA, NÃO ERA POSSÍVEL TRABALHAR NO início do século XX. Paisagens e tipos humanos que compunham
estes cenários condicionaram para sempre sua vida e sua obra. DE MANABU MABE
CAFEZAL. E MANABU MABE APROVEITAVA PARA PINTAR O texto da professora Angela Ancora da Luz, da Universidade REALIZADA EM 1950
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o café nas artes e na cultura
internacional do Instituto Carnegie de Pittsburgh, Estados Unidos, em mestiços, seus tipos preferidos, na construção dos trabalhadores rurais. SUAS CONVICÇÕES
1935. Esta é uma pintura que lembra as composições renascentistas Suas convicções políticas, reforçadas pelos ideais do líder comunista
dos teóricos da perspectiva no século XV, quando estes iniciaram o Luiz Carlos Prestes (1898-1990), estão implícitas na força do trabalho POLÍTICAS,
processo de construção do espaço em três dimensões. A linha do hori- coletivo como instrumento transformador do mundo. Portinari sonhava
zonte foi elevada acima do limite do quadro. Homens e pés de café se com a reforma agrária anunciada por Prestes e chegou a pertencer ao
REFORÇADAS PELOS
alinham ao longo da composição ocupando este espaço. A paisagem Partido Comunista.
integra todos os elementos da tela, contrapondo o verde do cafezal a Os problemas sociais estão evidentes também em Terreiro de Café,
uma variada gama de cores terrosas, marcando a fase marrom de obra de 1959. Na tela, os homens espalham o café para a secagem dos IDEAIS DO LÍDER
Portinari. grãos, cuidando para que sua distribuição seja uniforme e cobrindo a
É o café que pontua os cromatismos, ou seja, o colorido é ditado terra na área determinada, destacando a importância do trabalho cole- COMUNISTA LUIZ
pela cor do café: mais claros, quase pardos, para os corpos dos traba- tivo. Há também uma grande superfície quase negra, que se recorta do
lhadores; mais acentuados e luminosos nas sacas do grão; com tom vermelho, uma referência ao colorido do solo. As casas, preenchendo CARLOS PRESTES,
vermelho, mais quente, para os pés dos lavradores e para a terra. Nes- alguns espaços no lado direito do quadro, são meros detalhes na com-
te particular, a cor revela a identidade do artista que afirmava ter vindo posição. A evidência está no fundo verde da plantação, que faz o con- ESTÃO IMPLÍCITAS NA
NO ALTO, DA ESQUERDA ‘da terra vermelha e do cafezal’. As figuras parecem esculturas, robus- traste simultâneo com o vermelho da terra, dirigindo nosso olhar para
tas, congeladas na ação do trabalho, com mãos e pés enormes e pele aquele ponto em que é possível captar a extensa área que se perde no FORÇA DO TRABALHO
PARA A DIREITA: PINTURA
rugosa. Os rostos desaparecem sob o peso das sacas, poucos revelam horizonte. No primeiro plano da composição, vários homens e mulhe-
A ÓLEO DE 1940; O seus traços individuais. Sob o olhar do capataz de gesto militar, os ho- res estão executando atividades diversas com as cabeças cobertas por COLETIVO COMO
LAVRADOR DE CAFÉ mens trabalham. A colona sentada, que nos faz lembrar as sibilas que chapéus de palha, panos ou trouxas.
Michelangelo pintou no teto da Capela Sistina, repousa brevemente, Portinari trabalha com a pincelada solta nesta obra, eliminando a
(1934); COLHEITA INSTRUMENTO
enquanto a riqueza da terra circula pelos braços dos lavradores e pela linha, dando autonomia à cor na construção da imagem. O artista
DE CAFÉ (1960);
imaginação de Portinari. utiliza o branco para iluminar os braços do trabalhador em primeiro
PENEIRANDO CAFÉ (1957) Esta visão social do artista traz a afirmação racial dos negros e plano, ao centro, bem como muitos outros detalhes, como a bandeira, TRANSFORMADOR
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o café nas artes e na cultura
ções do tipo turismo rural em um roteiro batizado, é claro, "Café NO TINGIMENTO DOS
com Leite". Parte do público que adquire os produtos artesanais
da associação Café Igaraí está justamente neste nicho. TECIDOS, A TÉCNICA
Um aspecto que foi bastante estudado no planejamento do pro-
jeto foi a paleta de cores. Durante a florada do café, entre setem-
UTILIZADA É
bro e outubro, as plantações ficam brancas como a neve. Depois,
os tons mudam para amarelo ou vermelho, dependendo da varie-
dade. Há ainda os tons do terreiro utilizado para secagem dos grãos,
JAPONESA, E INCLUI
e, ainda, as cores da terra propriamente dita. Para o tingimento
dos tecidos, a técnica utilizada é japonesa, e inclui sutilezas como SUTILEZAS COMO
adicionar leite de soja nos panos de algodão, pois a proteína ajuda
na absorção do pigmento. O consultor do Sebrae (Serviço Brasi- ADICIONAR LEITE
leiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas), Renato Imbroisi, foi
quem sugeriu que, aos trabalhos em bordado e crochê, se agregas- DE SOJA NOS PANOS
se a pintura em porcelana, de forma a que se pudesse montar uma
mesa de café da manhã completa, da louça à toalha e descansa- DE ALGODÃO
ACIMA, O BORDADO COM TEMAS DA FAZENDA, DE IGARAÍ. NO ALTO, pratos, passando pelos guardanapos, todos com motivos da região.
PORTINARI COMO INSPIRAÇÃO PARA AS ARTESÃS DO RIO DE JANEIRO Maria Aparecida Arcas Costalonga, a Cida, 64 anos, morou e
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Brasil, país do futuro. Este é o título do livro
publicado em 1941 pelo prolífico escritor austría-
co Stefan Zweig, que se radicou em Petrópolis, no
Rio de Janeiro, para se afastar do genocídio da Se-
gunda Guerra Mundial. A expressão acabou se
tornando mundialmente célebre. Sob essa crença,
algumas gerações de brasileiros foram acalentadas.
Porém, décadas se passaram, e esse futuro promis-
sor teimava em não chegar. A imagem do gigante
adormecido em “berço esplêndido” parecia ser mais
apropriada para a nação.
Havia, entretanto, um segmento da economia que exibia en-
tusiasmo ímpar. No agronegócio, os Cafés do Brasil, mesmo sob os
percalços decorrentes da extinção do Instituto Brasileiro do Café
(IBC) e do continuado ciclo de cotações insuficientes para cobrir
os custos com a atividade, vivenciavam período sem igual em sua
longa história de presença no país. Seus protagonistas jamais esti-
veram apáticos ou sonolentos; ao contrário, mantiveram-se ativos
na busca de alternativas que tornassem o segmento ainda mais
vibrante.
A escalada das cotações iniciada em meados de 2010 veio tra-
zer a consagração aos agentes desse negócio. Os cafeicultores pas-
saram a receber “preço justo” pelo esforço de seu trabalho; os in-
dustriais decidiram apostar ainda mais na qualidade do produto e
por em prática inovações que o segmento demandava, apoiando-
se em novas tecnologias; os exportadores se viram diante da possi-
bilidade concreta de fecharem mais e mais negócios com clientes
ávidos por um produto de qualidade; por fim, os apreciadores pu-
deram ser surpreendidos pelo grau de excelência dos Cafés do Brasil.
O promissor cenário que ora se instaura não é obra do acaso.
O momento dos O longo ciclo de preços baixos praticados para o café verde foi
muito bem aproveitado pelos cafeicultores, industriais e exporta-
dores, que se empenharam, ainda mais, em incrementar a produti-
vidade e a qualidade do seu produto ou serviço. A introdução da
Cafés do Brasil
POR CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO
tecnologia de descascamento do café e a redescoberta do Bourbon
Amarelo, verdadeiras maravilhas brasileiras, trouxeram nova re-
putação ao produto, conquista na qual poucos acreditavam. Esses
fenômenos, combinados, conferiram enorme tenacidade aos Cafés
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