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Campo Geografia da População

Professora: Gislene Aparecida dos Santos


Alunas: Eduarda Moreno da Silva e Thainá Guerra Lins

Introdução:

Para análise da história do tráfico de negros escravizados entre a África e o Rio de Janeiro
durante os séculos XVIII e XIX, que foi um dos maiores portos do mundo, com a chegada de
aproximadamente dois milhões de indivíduos escravizados, será realizado um campo - da
disciplina Geografia da População - que propõe pensar e entender como se deu essa dinâmica
de deslocamento forçado: A diáspora Africana no Rio de Janeiro.
A Pequena África, território onde o campo será realizado, inclui a zona portuária e uma parte
da área central da cidade que vai do Cais do Valongo até o Campo de Santana, atual Praça da
República, incluindo a Praça Onze. A enorme quantidade de pessoas de culturas distintas
acabou por construir, na região do Valongo, onde se estabeleceu o complexo econômico da
escravidão, incluindo os mercados, os hospitais e os cemitérios, um fervoroso território de
reivindicação e resistência cultural. Nesse território, que depois se estenderia até a Praça
Onze, os terreiros (comunidades litúrgicas culturais de base africana), a atuação de mulheres
e as formas de sociabilidade das ruas, das casas e cortiços, compunham o ambiente no qual,
posteriormente, surgirá o samba. Portanto, a realização do campo neste território é de extrema
relevância, pois foi um lugar de resistência dos negros que eram comercializados, e hoje, é
um local de construção da memória e reafirmação dos pretos no território fluminense.

Objetivos do Campo:

 Entender a diáspora africana no Rio de Janeiro enquanto elemento fundamental da


organização sócioespacial da cidade;
 Compreender o direito e a negação à memória da população negra, bem como suas
consequências espaciais;
 Analisar de que maneira a Pequena África se constitui enquanto resgate da memória
da população negra.

1. Ponto de encontro: museu do amanhã - MAR.


● Breve histórico da Praça Mauá
Caracterizada por atividades de “usos sujos” da cidade, porém indispensáveis ao
funcionamento da mesma, que deveriam ficar próximas ao centro, mas não tanto a ponto de
macular sua imagem, a Praça Mauá e seus arredores abrigam ao longo da sua história de
ocupação populações e atividades econômicas consideradas indesejáveis pela elite, porém
necessárias à reprodução do capital.
Entre 1731 e 1856, abrigou a Cadeia do Aljube e a força destinada aos padres
rebeldes e aos malfeitores, confinados neste lugar; Durante o século XIX se tornou o lugar
onde se estabeleceu a primeira favela do Rio de Janeiro, o atual morro da Providência (em
1897, denominado Morro da favela), onde se transformou em um espaço para habitações de
população de baixa renda, ocupado inicialmente por ex-combatentes da Guerra de Canudos.
Neste mesmo período, foi marcado pela existência dos cortiços da cidade do Rio de Janeiro,
que caracterizavam a paisagem da região, como a Cabeça de Porco, o maior da cidade em
1893, localizado nas proximidades do morro da Providência e demolido para a construção do
túnel João Ricardo, concluído em 1922.
No século XX, em 1940 com a construção do Píer Mauá, como um projeto de
reforma, amplitude e modernização da área portuária devido ao crescimento das atividades
econômicas da cidade do Rio de Janeiro, ampliou-se a ocupação dos bairros da Saúde,
Gamboa e Santo Cristo, caracterizada por uma população basicamente formada por
estivadores, marinheiros, prostitutas e demais pessoas, na maioria negras, cujas atividades
eram ligadas direta ou indiretamente às funções portuárias e comerciais. Esse contingente se
alojava em cortiços, casas de cômodo e estalagens que contribuíram efetivamente para a
formação de uma paisagem social inaceitável para os padrões conservadores da elite carioca.

● Porto Maravilha
Projeto desenvolvido pelo prefeito Eduardo Paes, no contexto das Olimpíadas de
2016, sediada na cidade do Rio de Janeiro, que objetivou uma série de transformações
urbanísticas, em termos infraestruturais e paisagísticos no centro da cidade do Rio de
Janeiro.

1. Principais transformações:
● Elevado da Perimetral demolido;
● 70 km de vias reurbanizadas e 650.000 m² de calçadas refeitas
● 700 km de redes de infraestrutura urbanas reconstruídas (água, esgoto, drenagem);
● 17 km de novas ciclovias;
● 15.000 árvores;
● Transformações urbanísticas no Píer Mauá e requalificação dos armazéns portuários.

2. Objetivos:
● “Revitalização/requalificação” das áreas centrais;
● Criação de um novo circuito turístico no Rio de Janeiro;
● Ampliação das áreas de valorização imobiliária do centro do Rio de Janeiro;
● Criação de empreendimentos imobiliários para a atração de empresas;

3. Consequências:
 Especulação imobiliária;
● Remoções populacionais;
● Mudança no perfil socioeconômico da população residente;
● Refuncionalização.

2º ponto: Pedra do Sal

Ocupada desde 1608 por negros e estabelecendo uma função associada ao porto da
cidade, surge a Pedra do Sal, lugar de grande importância para a memória negra na cidade do
Rio de Janeiro.
A toponímia encontra-se associada ao constante desembarque do sal nesta área da
cidade, destinado principalmente a conserva de carne e carregado por africanos escravizados.
A necessidade de subida na pedra lisa para descarregar o sal, levou a construção de degraus
sobre a rocha, facilitando o trabalho existente.
A partir da segunda metade do século XIX, com a ampliação das atividades portuárias
na cidade do Rio de Janeiro, sobretudo devido à transformação desta para capital político-
administrativa do reino, e com a decadência econômica sofrida na antiga capital Salvador, os
fluxos de migrantes negros, vindos da Bahia para a cidade do Rio de Janeiro, levaram a uma
maior ocupação desta área da cidade por este grupo social. Estivadores se reuniam no local
para cantar e dançar, o que fez com que surgissem na Pedra do Sal, os primeiros ranchos
carnavalescos, afoxés e rodas de samba, além de ter se configurado enquanto espaço para
despachos e oferendas relacionadas às religiões afro-brasileiras.
“Diversos baianos, mineiros e fluminenses que chegavam à cidade do Rio de Janeiro
tinham o local como referência de trabalho em função dos laços de solidariedade familiares e
religiosos ali oferecidos”. Carmem Teixeira da Conceição, tia Carmem, filha de africanos e
com mais de 100 anos, na década de 1980, deu o seguinte depoimento a Roberto Moura:
“Tinha na Pedra do Sal, lá na Saúde, ali que era uma casa de baianos e africanos,
quando chegavam da África ou Bahia. Da casa deles se via o navio, aí já tinha o sinal de que
vinha chegando gente de lá. [...] Era uma bandeira branca, sinal de Oxalá, avisando que vinha
chegando gente.”
(FAZER CITAÇÃO)
A pedra do Sal tornou-se um monumento histórico e religioso tombado desde 1984 pelo
Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), e alguns descendentes da última
geração de negros escravizados ainda moradores na região em volta da Pedra do Sal são
admitidos ainda hoje como remanescentes de Quilombo e lutam pela valorização e
preservação de um passado de conflito e resistência que marca tal território. Atualmente, a
Pedra do Sal ainda é frequentada, em sua maioria, pela população negra, por existir o
sentimento de pertencimento ligado ao local, que pode ser considerado um quilombo urbano
onde acontecem ainda rodas de samba, e eventos ligados à memória e cultura afro brasileira.

3º ponto: Casa da Tia Ciata

Casa da Tia Ciata


Mãe de Santo, quituteira, festeira, parideira - (1854 - 1994).
Hilária Batista de Almeida nasceu em 1854 em Santo Amaro da Purificação no Recôncavo
Baiano. Aos 22 anos mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro, no êxodo que ficou
conhecido como diáspora baiana. Casou-se com João Batista da Silva, funcionário público e
teve 14 filhos.
Quituteira, iniciou seus trabalhos colocando seu tabuleiro de doces na esquina das ruas Sete
de Setembro e Uruguaiana, sempre vestida de baiana. Sua beleza chamava atenção e estava
sempre com suas roupas alinhadas e belas.
Mãe de Santo, tia Ciata foi confirmada no Santo como Ciata de Oxum no terreiro de João
Alabá, na Rua Barão de João Felix. A casa da tia Ciata era um ponto de encontro de negros
baianos e ex-escravos que se deslocou para o Rio de janeiro.
Em suas festas eram referenciados tanto os orixás quanto os santos católicos, e nas festas
profanas se destacavam as rodas de partido alto, em que se dançava o miudinho.
Os sambas muitas vezes eram compostos no alto do morro, mas era na casa de Ciata que se
popularizaram depois de terem passado pelo crivo dos mestres, do reco e do atabaque. Além
de receber os sambistas e de ter em sua casa um centro de Candomblé, Tia ciata também fez
sua casa ponto de saída dos carnavalescos, e mantinha uma boa relação com a polícia.

4º ponto: Cais do Valongo

● Histórico
A partir do final do século XVIII, após cumprirem quarentena em ilhas da Baía de
Guanabara e serem liberados para tornarem-se negociáveis, os negros africanos que
conseguissem sobreviver às terríveis condições da viagem do Atlântico, finalmente
aportavam no cais do Valongo, construído na região periférica da cidade, majoritariamente
ocupada pelas elites brancas.

O cais do Valongo foi construído para se tornar um espaço de transferência do


mercado de escravos que funcionava à Rua Direita, a principal da cidade então,
(proximidades do Largo do Paço) para um local periférico, na região do Valongo. O
constante desembarque de negros seminus, pestilentos e esquálidos no centro político,
econômico, administrativo e religioso da cidade, trazia constrangimento e medo às elites,
receosas de serem contaminadas com suas doenças. Por conta disso, era preciso remanejá-los
para bem longe, para um local de menor exposição e visibilidade, onde não constituíssem
uma ameaça nem provocam tanto desconforto. (LIMA, T. 2016).

O novo espaço de desembarque contava com o cais, assim como um lazareto na


Gamboa para os isolamentos daqueles infectados e os já moribundos, com um cemitério para
os que sucumbiam às doenças e aos maus tratos, denominado “Cemitério dos Pretos Novos, à
Rua Pedro Ernesto, onde deveriam ser enterrados os negros falecidos e com as lojas onde as
“peças” humanas seriam vendidas”.

O termo Valongo designava o talvegue existente entre os morros da Conceição e do


Livramento, por onde escoavam as águas que desciam por suas encostas e mais aquelas
oriundas das áreas pantanosas do interior da cidade para desaguar na baía (LIMA, T. 2016).

Embora a escolha do novo sítio, no subúrbio da cidade, separado de toda


comunicação, conforme a determinação do Marquês do Lavradio, tenha sido para isolar a
cidade dos aspectos indesejáveis, o Valongo se tornou uma região intensamente
movimentada, com cerca de 30 grandes estabelecimentos comerciais, entre eles casas de
importação e exportação, trapiches e depósitos de armadores. Além do desembarque de
escravos que vinham em grandes embarcações, atracavam no cais do Valongo embarcações
menores destinadas a redistribuição destes pelo território colonial. (LIMA, T. 2016).

Além do constante fluxo de escravos, mercadorias diversas, como lenhas, madeiras,


tijolos, cal, telhas, capins, frutas e outros muitos gêneros, aportavam em grandes embarcações
e canoas costeiras, dia e noite, fazendo com que mercadores residentes no Valongo se
queixarem da movimentação constante no lugar.

O complexo do Cais do Valongo foi desativado em 1831, devido às pressões da


Inglaterra para o fim do tráfico negreiro. Entretanto, o Cais do Valongo continuou
funcionando para o transporte de toda sorte de mercadorias e de pessoas até 1843. Nesse ano,
por decisão direta do Imperador D. Pedro II, ele foi inteiramente reformado para receber a
princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina Maria de Bourbon, com quem ele se casara por
procuração e que agora chegava da Itália para ser a Imperatriz do Brasil. Sobre o Cais do
Valongo foi construído um novo atracadouro, renomeado como Cais da Imperatriz, relegando
seu antecessor ao esquecimento. (LIMA, T. 2016).

Mercado no Valongo

Figura 2: Mercado de escravos na da Rua do Valongo, Debret, c. 1816-1828. Fonte: LIMA,


T. 2016

Figura 3: Rua do Valongo, como consta na placa afixada na casa, no alto à esquerda, com seus
armazéns de escravos. Valongo, ou mercado de escravos no Rio. Desenho de Augustus Earle, gravura
de Edward Finden, 1824. Fonte: LIMA, T. 2016.

Durante o período conhecido de funcionamento do Cais do Valongo, entre 1811 e


1831, o Rio de Janeiro recebeu cerca de 550 mil africanos para serem escravizados. E entre
1811 e 1842, cerca de 615 mil, com o maior volume na década de 1820. Segundo Florentino,
o tráfico no Rio de Janeiro foi "o mais importante fluxo de cativos em todo o planeta, entre
1790 e 1830 (sobretudo durante as duas últimas décadas desse período)", o que fez dele o
principal ponto de entrada das Américas (LIMA, T. 2016).

Florentino (2014) aponta que a reprodução da hierarquia social, bem como da escravidão
enquanto eixo central da economia era dependente do tráfico negreiro, tanto porque a
população cativa não atendia à demanda da escravidão, quanto porque, do ponto de vista
demográfico, esta população se caracterizava por uma tendência à diminuição absoluta ao
longo do tempo. O autor aponta ainda que entre o ano de 1790 e o fim do tráfico legal, em
1830, o porto do Rio de Janeiro recebeu cerca de 697.945 africanos, conforme explicitado na
abaixo.

Figura 4: Fluxos de escravos africanos entre 1790-1830

Fonte: FLORENTINO, M. 2014.

5 º Ponto: Instituto dos Pretos Novos

Instituto Pretos Novos / Cemitério dos Pretos Novos

A descoberta do sítio arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos ocorreu no ano de


1996, após a reforma residencial realizada por um casal, Mercedes e Petruccio, na Rua Pedro
Ernesto nº 36. Ao longo das etapas de perfuração do solo do sítio, com profundidade variando
entre 0,50m e 1,50m, uma grande quantidade de ossos humanos foram encontrados e
incorporados aos entulhos da obra. Após suspeitarem sobre os achados, o casal recorreu ao
Centro Cultural José Bonifácio e este ao Departamento Geral de Patrimônio Cultural –
DGPC, ambos os órgãos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que confirmou o
potencial do material arqueológico encontrado. Além dos ossos humanos, outras classes de
vestígios, tais como, cerâmica neobrasileira e colonial, louça, objetos de adorno e de metal
foram encontradas (Carvalho et alii, 2001). Tratava-se do Cemitério dos Pretos Novos,
existentes nesta parte da cidade entre os anos de 1772 e 1830, lugar destinado aos enterros de
escravos recém-chegados, que morriam devido aos desgastes da travessia atlântica. Dessa
maneira, este lugar tornou-se um marco da história da diáspora involuntária Africana ao
Brasil, sendo, portanto, fundamental à memória e a compreensão do país.
Entre os anos 1722 e 1824, foram registrados no livro de óbitos de Freguesia de
Santa Rita, responsável pelo campo santo, local onde se encontrava o cemitério, um
total de 6.000 corpos, em um espaço físico de mais ou menos 100 m² (Pereira,
1997). Segundo (PEREIRA, J. 2014) no intervalo entre 13 de dezembro de 1824 a
27 de dezembro de 1825 foram registrados no livro de óbitos 1.126 escravos
sepultados a grande maioria de escravos adultos do sexo masculino, 73%. Em
segundo lugar figuram as escravas adultas, com uma taxa de 9,23% do total. Quanto
às crianças, pode-se dizer que novamente o número de escravos do sexo masculino
sobressai (cerca de 5,06% de meninos contra 2,93% de meninas). Este cenário
demonstra que a escravidão brasileira foi, sobretudo, masculina. (PEREIRA, J.
2014). Dessa forma, pode-se considerar que as elevadas taxas de mortalidade entre
o sexo masculino, tanto em relação a adultos, como em relação às crianças, se dá
devido à escolha do gênero para a força de trabalho, predominantemente masculino,
e que, a morte funcionava como o fator preponderante na retroalimentação do
tráfico, uma vez que mais mortes demandam por mais escravos como reposição dos
plantéis fluminenses (PEREIRA, J. 2014).
Segundo as pesquisas realizadas por (MACHADO, L. 2006),
A amostra do Cemitério dos Pretos Novos constou, principalmente, de adultos
jovens entre 18 e 25 anos (9/31, 29%); seguindo-se, em menor proporção, adultos
entre 25 e 35 anos de idade estimada (5/31, 16%); adultos maduros, entre 35 e 45
anos, (3/31, 10%) e nenhum idoso. Também foram identificados remanescentes
mandíbulo-dentários de adolescentes entre 12 e 18 anos (4/31, 13%) e de seis
crianças predominantemente de 5 a 10 anos (6/31, 19%). Essa representatividade,
aparentemente desproporcional, reflete não só as circunstâncias em que se deu a
descoberta do sítio, mas, especialmente, as características inerentes ao Cemitério
dos Pretos Novos, onde eram enterrados os africanos escravizados que não
sobreviveram às abomináveis condições do tráfico transatlântico. O número de
homens, nas classes etárias estimadas de adultos, superou o das mulheres. A
diagnose do sexo indicou predomínio de indivíduos masculinos (12/21),
correspondendo a 57%, sobre os femininos (5/21), esses com o percentual de 24%.
Em alguns casos, as más condições de preservação das mandíbulas impediram a
diagnose do sexo (4/21: 19%). Os temporais indicaram um número mínimo de 27
indivíduos. A diferença é pequena, considerando-se a fragmentação óssea. As
características de elementos pós-cranianos não apresentaram indivíduos que não se
coadunassem em idade ou sexo com aqueles das séries mandíbulo-dentárias.
A respeito das origens étnicas e geográficas do continente Africano, o estudo aponta
que quase 70% deles eram provenientes da África Central Atlântica, ou seja, do tronco
linguístico banto, que foram direcionados principalmente para a região sudeste do Brasil.
Segundo Machado, do século XV ao XIX, mais de 12 milhões de africanos foram trazidos
para a América do Sul como escravos. As evidências de origens étnicas africanas são
indicadas pelos dados históricos. Principalmente os grupos Bantu e Sudaneses foram forçados
a migrar. No Rio de Janeiro, que recebeu mais de quatro milhões de escravos, predominaram
os de origem Bantu, a partir do início do século XVIII. Aspectos como escarificações faciais
e limagem ou entalhe nos dentes foram utilizadas para se estabelecerem as identificações
étnicas dos grupos migrantes. As identificações acerca da forma das coroas dos dentes, que
delimitam certos hábitos culturais, podem indicar que os povos que aqui chegaram poderiam
ser originários do sul da Nigéria e da costa leste da África, em áreas da foz do rio Congo e do
baixo Zambesi (em lados opostos do continente africano ou em Moçambique).
Para os povos Bantos, o mundo encontrava-se dividido em duas partes que se completavam,
ou seja, duas dimensões: a do mundo “perceptível”, que seria esta na qual vivemos, e a do
mundo das “causas invisíveis”, onde qualquer acontecimento excepcional fosse bom ou ruim,
era fruto de obras realizadas de modo mágico. O culto aos ancestrais faz parte da cultura
desses povos, para o sucesso nas colheitas, na pesca e para a manutenção da vida. Dessa
maneira, morrer longe dos seus, ou não sepultar o seu ente querido significava um corte
drástico na manutenção da vida em comunidade. (PEREIRA, J. 2014).
Para os Bantos o mar representava o mundo do além, ou o Kallunga, onde os mortos
habitavam. Este lugar estava repleto de brancos. Dessa maneira, a cor branca significava
morte e ao mesmo tempo os homens brancos eram percebidos por esses povos como mortos.
Muitas vezes os escravos se jogavam ao mar de dentro das embarcações e muitos corriam até
as praias a fim de mergulharem na Kallunga, para se reencontrarem com seus antepassados
em África. Tal sentimento foi reforçado pela observação feita pelo viajante inglês Robert
Walsh alertando os senhores para que não deixassem seus escravos sozinhos na praia, pois
estes possuíam a “mania” de se suicidarem no mar (Walsh, 1985, p.156 apud PEREIRA, J.).
Embora os negros escravizados tivessem seus rituais religiosos em relação ao
sepultamento, no Brasil nenhum deles foi respeitado. Os Pretos Novos eram lançados à flor
da terra, desprovidos de qualquer ritual religioso, sem roupas e orações fúnebres. Os relatos
de um naturalista viajante alemão, de G.W. Freireyss demonstra claramente a situação do
cemitério dos Pretos Novos:
Provavelmente procede-se ao enterramento apenas uma vez por semana e como os
cadáveres facilmente se decompõem, o mau cheiro é insuportável (“...) queimando de
vez em quando um monte de cadáveres semi decompostos” (Freireyss, 1984).

Conforme relatado por Lilia Machado, o cemitério possuía 50 braças em quadra e


dispunha apenas de um coveiro, ofício exercido por um negro que, às vezes, era ajudado por
outros. Os corpos nus eram envoltos em esteiras, amarradas por cima da cabeça e por baixo
dos pés. O rito era sumário: de forma descuidada, sem abrir covas, jogavam um palmo de
terra sobre cada um deles, lançando-os aos pares. As pesquisas arqueológicas apontam ainda
que os corpos eram cremados após o descarnamento, ou em condições de decomposição, por
meio de fogueiras acesas sobre os corpos amontoados.
A criação do instituto de memória dos Pretos Novos, portanto possui uma função
primordial para o resguardo da memória material e imaterial do antigo Cemitério dos Pretos
Novos. Objetiva-se a continuação de pesquisas arqueológicas e a manutenção de atividades
educativas para a promoção de uma reflexão acerca da escravidão e suas sequelas no Brasil.

6º Ponto: Museu da escravidão e liberdade;

A partir do desejo de criação da memória dos negros no Rio de Janeiro, o museu da


escravidão e liberdade tem como maior desafio tratar o legado da escravidão sob a ótica da
verdade e conciliação. O museu segue a lógica da construção conjunta com a sociedade e os
seguintes conceitos:
• Desenvolvimento de baixo-para-cima, com transparência, escuta e participação da sociedade,
contando narrativas pela voz de seus protagonistas.
• Escravidão como parte de uma narrativa maior de construção da cultura e sociedade
brasileira;
• Museu da Escravidão e da Liberdade como local seguro para coletar, preservar e relembrar
as memórias dolorosas do passado, com o objetivo de promover reconciliação e celebrar a
indestrutibilidade do espírito humano e da agência pessoal;
• Museu da Escravidão e da Liberdade como parte de uma Rota de Herança Cultural Africana
na região do Cais do Valongo / Cais da Imperatriz;
• Museu construído a partir das práticas sustentáveis, em suas instalações físicas, em seu
modelo de gestão e de financiamento.
Exclusões socioeconômicas que perpassam toda a sociedade e resultam também na
criação de uma vibrante cultura brasileira, multivocal e multifacetada, rica em matrizes
culturais, cores e sabores. É importante ressaltar algumas problemáticas existentes na criação
desse museu: planejado para inaugurar em 2020, pretende memorizar o passado do Rio como
o maior porto de escravos na história mundial e também detalhar os elementos da experiência
afro-brasileira após a emancipação, inclusive o samba e outras expressões culturais. Em
resposta a este plano, no entanto, muitos membros da comunidade histórica do Rio, e
representantes de inúmeros museus comunitários e projetos históricos já existentes na cidade,
expressaram dúvidas quanto à eficácia e às intenções da proposta. O plano atual é abrigar o
museu em um armazém do século XIX construído por André Rebouças–que foi engenheiro e
um dos afro-brasileiros mais proeminentes na história do Rio ao lado do Cais Valongo na
Zona Portuária. Existem ainda muitas questões com relação à administração, montagem e
manutenção desse espaço, entretanto, é um museu de suma importância para o entendimento
da identidade negra brasileira.

7º Praça da Harmonia

A praça da harmonia está localizada no Centro do Rio, Zona Portuária, no bairro da Saúde,
um dos mais significativos lugares de memória da tradição afro-brasileira no Rio de janeiro.
Neste mesmo local, durante o século XIX, também funcionou o Mercado da Harmonia que
tinha como objetivo a venda e exposição de produtos e ao longo do tempo, o mercado foi
destinado em moradias populares. Com a criação de novos cortiços nesta área provindos do
mercado, a administração do prefeito Barata Ribeiro, que foi marcada pelo enfrentamento dos
cortiços, pois representavam doenças, desordem e brigas. Segundo Chalhoub (1996:16) sua
destruição “marcou o início da erradicação dos cortiços cariocas”, processo que deu início ao
surgimento das primeiras favelas do Rio de Janeiro. Portanto, em prol de uma higienização
pública acabar com o mercado também era algo legítimo. Processo que ocorreu no governo
do Prefeito Pereira Passos, e posteriormente, no lugar do Mercado, a Praça da Harmonia foi
construída.
A praça também foi um espaço de extrema importância durante a República Velha, Revolta
da Vacina, que foi uma movimentação da população em reação à campanha de vacinação
obrigatória e às reformas urbanas que demoliam suas habitações.
Segundo Cláudio Honorato, a memória dos moradores mais antigos ainda guarda as histórias
de ocupações da Praça como um local de encontro dos moradores e, desde os anos 1930, dos
ensaios e desfiles de blocos de carnaval, como o Rancho da saúde, e o Vizinha Faladeira.
Em 2009 com o projeto Porto Maravilha, houve uma proposta de revitalização da praça com
intervenções urbanas, recuperação do jardim, melhoria na iluminação e reforma da quarta.
Também foi instalada uma estação do VLT para melhor integrá-la aos outros pontos da
cidade. Atualmente, o local é ocupado por diversos grupos que promovem eventos culturais
para manter a memória do espaço que historicamente é ligado à resistência das camadas mais
pobres da cidade, como os negros, capoeiristas, sambistas, estivadores e moradores dos
“cortiços”.

Referências:

CARLOS, C. A. S. L. Um olhar crítico à zona portuária do Rio de Janeiro. Disponível


em: <https://portomaravilhaparaquem.wordpress.com/2012/05/06/uma-olhar-critico-a-zona-
portuaria-do-rio-de-janeiro/>. Acesso em: 04 de junho de 2019.
FLORENTINO, M. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre
a África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

FREIREYSS, G. W. Viagem ao Interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.


LIMA, T. A.; SENE, G. M. Em busca do Cais do Valongo, Rio de Janeiro, século XIX.
Anais do Museu Paulista. v.24, n.1, São Paulo Jan./Apr. 2016
MACHADO, L. Sítio Cemitério dos Pretos Novos: análise biocultural. Interpretando os ossos
e os dentes humanos. Boletim do Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), n° 12, 2006.
PEREIRA, J. As duas evidências: as implicações acerca da redescoberta do cemitério dos
Pretos Novos. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. N.8, 2014, p.331-343.

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