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Construído entre o século VI e IX e consolidado em fins do século IX, o Feudalismo

conheceu um intenso crescimento econômico, demográfico e territorial entre os séculos XI


e XIII. Junto a esse crescimento, ocorreram fenômenos como o “renascimento” da cidade
e comércio, a emergência do messianismo, as Cruzadas e várias transformações no
pensamento e na arte. Essas transformações são o germe da crise do feudalismo, no
século XIV (por isso, alguns livros didáticos não separam a expansão e a crise do
feudalismo, o que pode fazer você confundir tudo). Esse momento de transformação e crise
do Feudalismo também pode ser enquadrado na designação mais tradicional de “Baixa
Idade Média”.

1) EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA E CRESCIMENTO ECONÔMICO

O mundo medieval era caracterizado por uma alta taxa de natalidade, e uma alta taxa
de mortalidade. No ano de 800, a Europa Ocidental possuía 18 milhões de pessoas. No
entanto, no ano de 1300, a população passou para mais de 50 milhões. Quais são as causas
desse intenso crescimento populacional?
● Ausência de epidemias entre os séculos X e XIII, com o recuo da peste e da malária,
continuando apenas a lepra a ter certa intensidade.
● Poucas mortes nas guerras. A guerra da época feudal, apesar de constante, era
pouco destruidora, pois normalmente envolvia poucas dezenas de guerreiros e,
principalmente, o objetivo das batalhas em geral não era matar o adversário, mas
sequestrá-lo. Com as novas técnicas de metalurgia, a armadura tornou-se muito
forte no século XII. As poderosas armas conhecidas como bestas, por sua vez, foram
proibidas pela Igreja Católica no século XII.
● Revolução Agrícola Medieval: a principal causa desse crescimento foi que, no
século VIII, a produtividade do setor primário aumentou. São transformações que
caracterizam a chamada "Revolução Agrícola" medieval. Surgiram três
aperfeiçoamentos nas técnicas agrícolas que aumentaram a produção e
sustentaram o crescimento demográfico: 1) a charrua, arado de ferro, que penetra
profundamente a terra 2) o novo sistema de atrelar animais, possibilitando utilizá-los
mais eficientemente, permitindo utilizar os cavalos nos serviços agrícolas e
transportar até cinco toneladas. Entre os romanos, os cavalos eram atrelados por
uma correia presa ao jugo, que passava em volta do pescoço do animal 3) o moinho
de água para força mecânica, e, consequentemente, a obrigação do campesinato
local de levar seu cereal para ser moído no moinho do senhor. A coleira firme,
repousando sobre os ombros do cavalo, nos permitem apoiar nele o peso sem
estrangulá-lo. A introdução da ferradura, por sua vez, protegeu a pata do animal. 4)
o adubo calcário para a melhoria do solo 5) o sistema de rodízio de terras trienal,
pelo qual ocorria uma alternância de cultivos (cereais, leguminosas) sobre uma
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mesma área, impedindo que ela se esgotasse. Por isso, a produtividade aumentou
50% entre o século IX e XIII, tornando a dieta camponesa tornava-se mais rica em
proteínas e ferro (ervilhas, lentilha, feijão, grão de bico) e diminuindo a mortalidade.

2) CRESCIMENTO ECONÔMICO: O RENASCIMENTO URBANO E COMERCIAL

Entre os séculos XI e XIII a Europa conheceu um grande crescimento das cidades e do


comércio. Essas cidades eram chamadas de burgos e seus habitantes, por isso, os
burgueses1. O progresso do setor urbano e comercial é consequência do crescimento
populacional e do aumento da produtividade no setor rural. Então, por quais motivos houve
o crescimento das cidades e do comércio?

● Excedente Agrícola: o aumento da produção agrícola gerou excedentes que


possibilitaram o crescimento do comércio e das cidades. Nas cidades, os
camponeses podiam vender os excedentes de sua produção agrícola ou a lã extraída
de seus carneiros e, com o dinheiro ganho, comprar produtos manufaturados.
● Excedente Populacional: O excesso de camponeses nos feudos fez com que
faltassem terras em alguns locais. Por isso, os camponeses foram às cidades
buscar trabalho.
● Demanda para construção: o crescimento populacional exigiu a construção de
novas catedrais, igrejas, paróquias, castelos, muralhas, torres, palácios, hospitais e
casas.
● Demanda no setor têxtil: o crescimento demográfico exigiu também um
crescimento do setor têxtil. Muitos iam às cidades produzir tecidos. As duas
principais atividades nas cidades medievais, portanto, eram o setor têxtil e de
construção.
● Tirania Feudal: muitos camponeses fugiram para a cidade buscando não apenas
trabalho, mas também escapar da tirania do senhor feudal. A cidade, assim, exercia
uma pressão constante sobre os nobres. Dizia- que, se um servo morasse um ano e
um dia numa cidade sem ser reclamado pelo senhor tornava-se livre, daí o provérbio
alemão “o ar da cidade dá liberdade (stadtluft marcht frei)”.

1 Aqui, adotaremos a seguinte diferenciação. No mundo medieval, a palavra burguesia se


referirá àqueles que moram nas cidades. Na Idade Moderna, burguesia se tornará
significado de comerciantes, manufatureiros ou profissionais liberais (a “pequena
burguesia”). No mundo contemporâneo e capitalista, burguesia significará os detentores
dos meios de produção.
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Nessas cidades, comerciantes e artesãos passaram a se organizar em associações.
As chamadas corporações de ofício ou guildas (os nomes, geralmente, se confundiam,
apesar de alguns livros didáticos, de forma equivocada, tentarem diferenciá-los) eram
associações de artesãos e mercadores. Elas surgiram no mundo medieval, mas tiveram
seu apogeu na Idade Moderna. As corporações determinavam os preços produtos
vendidos, o tempo da jornada de trabalho, a qualidade dos produtos, os descansos e
feriados, o número de funcionários, os procedimentos de fabricação, e os salários em cada
unidade de produção. Existiam as corporações dos padeiros, dos sapateiros, dos
marceneiros, dos comerciantes de tapeçaria, ourivesaria, entre outros. Para exercer um
ofício, o artesão era obrigado a se filiar à corporação. Caso não obedecesse às regras da
corporação, o artesão podia ser expulso da associação. Com isso, por exemplo, os
produtores estavam impedidos de melhorar a qualidade ou adotar novas tecnologias em
sua produção de lã sem a autorização de sua corporação, que, por sua vez daria essa
inovação a todos os donos das oficinas, para impedir, assim, que concorrência prejudique
alguém. Se alguém aumentasse o preço de suas roupas, por exemplo, poderia ser expulso
da corporação. A concorrência era evitada e formavam-se, assim, verdadeiros monopólios
comerciais, objetivo central dessas corporações. Eram instituições, em sua essência,
monopolísticas, que inibiam não apenas a concorrência, mas também a criatividade dos
produtores, resultando sempre na homogeneização; de caráter aristocrático, ela acabava
criando ou reforçando o privilégio daqueles que já possuíam suas oficinas. O desrespeito a
essas normas era considerado pecado.
A unidade básica da produção medieval era a oficina. Nas oficinas, os trabalhadores
dividiam-se em mestres, jornaleiros e aprendizes. O mestre era o dono da oficina, da
matéria-prima e das ferramentas de produção, integrante da corporação de ofício. Era ele
que detinha o total conhecimento a respeito do trabalho artesanal, adquirido com a
experiência, cabendo ao mestre todos os lucros com as vendas dos produtos. Os
companheiros ou jornaleiros eram indivíduos que já haviam aprendido o ofício, entretanto,
não possuíam capital suficiente para montar suas próprias oficinas, e terminavam por
trabalhar para um mestre, em troca de salário (trabalhavam, por isso, por jornada). Se
juntassem o suficiente para manterem seu próprio negócio, os companheiros podiam vir a
ser os mestres de novas oficinas.
Formaram-se nesse momento duas grandes áreas de comércio marítimo:
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● O mediterrâneo, dominado pelos italianos: no sul europeu, as cidades italianas
controlavam o comércio realizado através do Mediterrâneo. Tais cidades, as mais
urbanizadas do Ocidente, possuíam amplas malhas urbanas e realizavam um
intenso comércio com o Oriente, como é o caso de Florença, Veneza (essas duas,
as mais ricas cidades do mundo cristão), Gênova, Palermo, Bolonha, Milão,
Pádua.
● O mar do norte, dominado pelos alemães: O papel que os italianos faziam no sul,
os alemães faziam no mar do norte, sobretudo devido à Hansa Teutônica ou Liga
Hanseática. Constituída no século XIV, essa liga era uma associação de mais de
150 cidades de várias áreas do Sacro Império Romano Germânico, com a
finalidade de manter os privilégios comerciais de seus mercadores e o monopólio
da navegação na região. As mais importantes dessas cidades eram Lübeck,
Bruges, Bergen e Novgorod. Seus principais produtos de comércio eram cereais,
pescado salgado, pele, madeira, vinho, sal entre outros. Importavam-se tecidos
de Flandres, lã da Inglaterra, especiarias do Oriente, vinho e sal dos países do sul
da Europa.

Tão importantes quanto essas rotas marítimas de comércio foram as Rotas


Terrestres, dentre as quais a mais importante era a que ligava o norte da Itália à Flandres e
que era conhecida pelo nome de Rota de Champagne. Se aproveitando das rotas de
comércio terrestre, a população local passou a realizar um comércio que se denominou
“feira”. As feiras eram núcleos comerciais temporários que se formavam em épocas e
locais determinados e para onde afluíam comerciantes e compradores de todas as partes,
os chamados “pés sujos de pó”. Grandes multidões concentravam-se nas feiras na
esperança de adquirir produtos que vinham de muito longe. Nelas negociava-se não só
produtos de primeira necessidade, mas também produtos importados, inclusive do Oriente.
A feira de Champagne, por exemplo, realizava-se numa pequena praça, onde os mercadores
expunham seus produtos.

3. As Cruzadas

Finalmente, como resultado de todas essas transformações no mundo feudal, vêm


o terceiro e último aspecto dessas mudanças no feudalismo: a expansão territorial da
Europa feudal tinha como objetivo exportar os excedentes da população, conseguir novas
terras e mais comércio, além de expandir o cristianismo. A crescente partilha do
patrimônio dos senhores feudais entre seus filhos e seus vassalos, tornava suas terras

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cada vez mais escassas. Para não fragmentar ainda mais seus feudos, os senhores
adotaram o direito de primogenitura, segundo o qual apenas o filho mais velho herdaria
terras. Muitos filhos mais novos, com isso, tornaram-se cavaleiros e saíram em busca de
sobrevivência, seqüestrando nobres, assaltando estradas ou buscando casamentos. Esse
movimento buscou novas terras, dando posses aos filhos de nobres que não eram
primogênitos. Além disso, essa expansão buscava alimentar a população em crescimento,
expandir o cristianismo e o comércio.
É preciso lembrar a importância da expansão do cristianismo, junto ao feudalismo:
nas regiões eslavas e nos reinos do Báltico, além da Polônia e da Hungria, a cruz e o arado
chegaram juntos, ampliando a comunidade cristã e as terras para alimentar essa população
em crescimento. A partir do século XI, o feudalismo foi exportado para a Inglaterra. A
feudalização da Inglaterra ocorreu quando os povos vikings (normandos), que até então
viviam na Normandia, norte da França, dominaram os anglo-saxões e, em 1066, fundaram
o reino da Inglaterra, liderados por Guilherme, O Conquistador. Guilherme distribuiu cinco
mil feudos aos seus vassalos. No entanto, apesar de distribuir milhares de feudos, todos os
vassalos deveriam jurar fidelidade ao rei, não existindo a típica pulverização de outros
lugares. Daí o feudalismo inglês ser chamado de feudalismo centralizado. A história dos
Cavaleiros da Távola Redonda, escrito por um clérigo inglês no século XII, é, entre outras
coisas, uma alegoria da expansão do cristianismo na Inglaterra. Na Escandinávia, a
conversão ao cristianismo se efetuou no século XII, transformando as comunidades semi
tribais tradicionais em sistemas de Estado monárquico. No século XIII, o feudalismo era
conhecido nos confins nórdicos: sobretudo após a derrota do exército dinamarquês de
Valdemar II – o mais poderoso governante escandinavo da Idade Média – os camponeses
são proibidos de utilizar armas.
Os casos mais conhecidos da exportação territorial são, no entanto, as cruzadas. Os
homens da Europa Medieval, assim, se dirigem à Península Ibérica e ao Oriente Médio.
As Cruzadas foram um longo enfrentamento militar desenrolado nos limites da
Cristandade por causas religiosas, psicológicas, econômicas e sociais. Nas regiões da
atual Palestina e Israel ocorreram as Cruzadas do Oriente, enquanto na Península Ibérica
houve a chamada Reconquista cristã. A luta contra o infiel conseguiu unificar a
fragmentada Cristandade Ocidental, evidenciando o poder político e ideológico da Igreja.
Mas quais os motivos das Cruzadas?
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● Enfraquecer Igreja Ortodoxa e reunificar a cristandade: O objetivo papal inicial
era fornecer reforços para os bizantinos na luta contra os turcos, para que, assim,
a Igreja Oriental reconhecesse a supremacia de Roma.
● Busca de terras e válvula de escape para os nobres sem terra: a crescente
partilha do patrimônio dos senhores feudais entre seus filhos e seus vassalos,
tornava suas terras cada vez mais escassas. Para não fragmentar ainda mais
seus feudos, os senhores adotaram o direito de primogenitura, segundo o qual
apenas o filho mais velho herdaria terras. Alguns filhos tomavam a batina,
recebendo, assim, terras da igreja, Muitos filhos mais novos, no entanto,
tornaram-se cavaleiros despossuídos, e saíram em busca de sobrevivência,
sequestrando nobres, assaltando estradas ou buscando casamentos. As
cruzadas forneceriam uma ocupação e terras a esses nobres despossuídos.
● Busca por comércio: ela encontrou novos entrepostos comerciais para as
camadas mercantis em ascensão, sobretudo as italianas, que financiaram a
Quarta Cruzada e a Cruzada de São Luís, em troca de diversos favores.
● Interesse nos saques: além disso, muitos que partiam estavam interessados nos
saques das batalhas, em fugir das dívidas que possuíam na Europa ou mesmo
fugir de seu senhor. Muitos cronistas falam de aventureiros, criminosos e
despossuídos que juntam-se às cruzadas por motivos não religiosos.
● Purificação religiosa: no entanto, para a maioria daqueles que partiam para lutar,
a Cruzada tinha uma causa fundamentalmente religiosa. As cruzadas foram
movimento de purificação religiosa, para que aqueles guerreiros tivessem a vida
eterna garantida. A Cruzada era a passagem para o sagrado e muitos
acreditavam, inclusive, que Jerusalém terrestre era o próprio paraíso, coberta de
pedras preciosas.

Cuidado – As Cruzadas NÃO FORAM a Causa do Renascimento Urbano Comercial. Essa


foi uma tese defendida por Henri Pirenne, cem anos atrás, e não mais é defendida pelos
historiadores.
" As cruzadas não foram as responsáveis pelas grandes transformações econômicas, mas
produtos delas. Contudo, elas não deixaram de contribuir para os avanços daquelas
transformações”. Hilário Franco Júnior (USP), As Cruzadas, Editora Brasiliense.

As consequências das Cruzadas foram amplas e diferentes do que se esperava. No


fim das contas, não houve conquistas na Terra Santa. O cristianismo não se unificou. O Islã
continuou seu avanço. O problema demográfico não foi resolvido na Europa. Os nobres
despossuídos não conseguiram terras, mas passaram a integrar as ordens militares
(templários, hospitalários, entre outros), que ganharam força durante as cruzadas. As
principais consequências foram:

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● Intensificação do comércio no mediterrâneo, controlado especialmente pelos
navegadores italianos genoveses e venezianos. A Itália se enriqueceu e,
posteriormente, se tornou centro do Renascimento Cultural. O Império Bizantino,
atacado pela Quarta Cruzada, se enfraqueceu.
● Diversos avanços na medicina, na arquitetura e na navegação foram trazidos do
mundo islâmico.
● Uma das maiores consequências das cruzadas foi um grande aumento da
perseguição e da intolerância na Europa. Primeiramente, as relações entre
cristãos e muçulmanos pioraram e o ódio recíproco aumentou. Mas, além disso,
as cruzadas representaram um movimento de toda a Europa em busca da
purificação da humanidade, da eliminação da incredulidade e da destruição do
pecado. Era preciso cumprir a ordem divina agora para cristo voltar. Nessa época,
afirmou-se a superioridade do cristão sobre todos os povos. Afinal, se eles
estavam cruzando o mediterrâneo para matar os infiéis, não seria necessário
eliminar também os infiéis dentro da Europa? Diante desse vasto movimento
popular de purificação religiosa, o cristão voltou-se contra todos aqueles que não
comungam a mesma fé: o infiel, o herege. Mais do que nunca, o massacre aos
judeus tornou-se corriqueiro, uma obrigação de todo bom cristão. Muitos diziam
que matar um judeu era um pré-requisito necessário para ir às cruzadas. Outros
diziam que matar um judeu significava o perdão de todos os pecados,
substituindo a cruzada. E é nesse contexto de crescimento da intolerância com
infiéis e hereges que nasceu a Inquisição.
● As Cruzadas tiveram “Efeito Inverso” (Amin Malouf) do esperado, resultando no
fortalecimento no islamismo no Oriente, concretizado no poderoso Império Turci
– 1453: Queda do Império Romano do Oriente.

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