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se, a bibliographic review on the term

GESTO MUSICAL RESUMO

Artigos
was carried out, confronting theories,
Este artigo tem sua origem em uma
REVISÃO E pesquisa, cujo objetivo é fomentar a
and it came across representations of
PERFORMANCE discussão a respeito do gesto musical.
gesture and tools of musical analysis
specially dedicated to musical percep-
Para tal, se prestou a realizar uma re-
tion and performance. In a comple-
visão bibliográfica sobre o termo con-
mentary way, it promoted reflections
frontando as teorias, e se deparou com
on concepts related to musical gesture,
representações do gesto e ferramentas
such as interpretation, musical drama-
de análises musicais voltadas para a
turgy, contemporary and acousmatic

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percepção e performance musical. De
music, the latter presenting a differen-
modo complementar, promoveu refle-
tial because it does not necessarily
xões a respeito de conceitos que se re-
have a human being responsible for
lacionam com o gesto musical, como a
sound production.
interpretação, a dramaturgia musical,
105
a música contemporânea e a música
KEYWORDS:
acusmática, esta última apresentando
um diferencial por nem sempre ter um Musical Gesture; Musical Interpreta-
ser humano como responsável pela tion; Zeitgestalt; Musical Dramaturgy;
produção sonora. Musical Analysis.

PALAVRAS-CHAVE 1. INTRODUÇÃO
Gesto Musical; Interpretação Musical; Há muito têm-se discutido os
Zeitgestalt; Dramaturgia Musical; Aná- parâmetros do som, seu processo de
lise Musical. composição e recomposição, como
manipular esses fatores para realizar o
ABSTRACT que chamamos de música. No entanto,
This paper has its origin in a resear- com as mudanças estéticas do séc. XX,
Autor tão distintas entre si, a questão do ges-
ch that aims to foment the discussion
Beatriz dos Santos Pereira about musical gesture. For this purpo- to musical entrou em voga. O aumento
de indicações específicas na partitura ou virtuose romântico, verificando trada para ouvintes (nível padrão

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de compreensão para os ouvin-
elimina a liberdade criativa do intér- possíveis aplicações práticas dos con-
tes sem conhecimento de estilo) e
prete? Como utilizar a teoria do gesto ceitos teorizados até então, visando para compositores (como inspira-
na análise musical? O artigo elenca um meio do músico se relacionar com ção, ou a interface entre a criação
de uma ideia musical e a sua re-
algumas reflexões sobre as questões seu repertório e ter autonomia para se presentação de um estado emocio-
levantadas pela revisão bibliográfica, aperfeiçoar. Para os fins deste artigo, nal, como mediado pelo contorno
discorre sobre definições do termo e a iremos nos deter em dois trabalhos que energético do gesto pelo tempo).
[…] Gestos também podem ser
especificidade do intérprete como per- discutem e elaboram teorias gestuais generalizados dentro de maiores
former dentro do conceito de gesto, as- musicais mais profundamente, realiza- níveis de síntese, como os tópicos,
ou a mais criativa das sínteses: a

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sim como metodologias de análise. dos por Robert Hatten e André Ricardo
integração especulativa ou fusão
Pelo recente interesse na ideia de Souza. de tropos, que combina correla-
ções estilísticas de novos modos e
do gesto, que visa unir prática e teoria Começaremos pelo rico tra- permite a emersão de novos signi-
musical, podemos concluir que o pre- balho de Robert Hatten (2004, p. 124- ficados com as linhas condiciona-
sente artigo e, consequentemente, sua 132; 216-220), que ao longo de seu das de cultura e estilo.1 (HATTEN,
p. 233, tradução nossa). 106
pesquisa originária, podem se mostrar livro, disseca o gesto, categorizando-o 1
Texto original: Musical gestures include stylis-
úteis para aqueles interessados em tra- e analisando. Em sua definição, os tic types and their correlations, as well as stra-
balhar a performance de forma con- gestos são movimentos previamente re- tegic tokens and their contextual interpretations.
sciente, em uma constante pesquisa do fletivos, com uma intencionalidade; é They may originate as spontaneous expressive
movements translated into sound; and they may
som. o processo de incorporação da obra be treated thematically, dialogically, rhetori-
musical pelo intérprete com gestos sig- cally, and/or tropologically. Musical gesture is
nificantes (da metalinguagem musical) a point of entry for listeners (a default level of
2. DESENVOLVIMENTO understanding for those listeners lacking stylis-
que afetam o resultado sonoro. tic competency) and a point of entry for com-
Para recolocar a discussão ac- Gestos musicais incluem tipos es- posers (a means of inspiration, or an interface
erca do gesto musical, foi realizado tilísticos e suas correlações, assim between the creation of a musical idea and its
como tokens estratégicos e seus representation of a particular emotional state, as
um levantamento bibliográfico e crítico contextos interpretativos. Eles po- mediated by gesture’s energetic shaping through
da literatura, observando-se as inter- dem originar movimentos expres- time). […] Gesture can also be generalized into
sivos espontâneos traduzidos em higher-level syntheses, such as topics, or the most
polações entre as atividades musicais som; e eles podem ser tratados creative of syntheses: the speculative integration
que se utilizam desse conceito, e de tematicamente, dialogicamente, or fusion of tropes, which combine stylistic corre-
modo complementar, o papel do ges- retoricamente e/ou como tropos. lations in novel ways and enable new meanings
Gesto musical é um ponto de en- to emerge along stylistically and culturally condi-
to do intérprete como mero executante tioned lines. (HATTEN, p. 233).
Para Hatten, o gesto musical é musical e investigação de seus própri- aos aspectos fundamentais do gesto, e

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composto por quatro aspectos funda- os movimentos, para que tenham inten- o define da seguinte forma:
mentais: cionalidade e precisão. A performance O gesto musical é uma forma per-
com gestos bem estruturados pode ser cebida em um evento realizado
1- Identidade da Gestalt – o gesto é num espaço sônico (um espaço
produto de um ou mais movimentos hu- capaz de acrescentar significados mu- formado pelas dimensões do cam-
sicais e se relacionar com conceitos po perceptivo, que correspondem
manos inferidos e/ou representados; aos parâmetros musicais) cuja
de tópicas e tropos, estimulando uma unidade – sua capacidade de ser
2- Continuidade – o gesto pode reve- ampla discussão em relação à estética percebida como uma totalidade,
lar ou não eventos acústicos isolados da peça e o papel do intérprete. Hat- sua Gestalt – é responsável pela
provendo coerência, consistência e articulação e coesão das idéias
ten discorre ainda sobre o modo que a

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musicais. Sendo signo, esta forma
contornos, trabalhando e manipulando expressão do compositor fica impressa também pode representar iconica-
os parâmetros do som; nas obras que escreve; a maneira que mente outras estruturas temporais,
e, indicialmente, estados psicoló-
3- Caráter qualitativo – relacionado o intérprete deve se apropriar da estéti- gicos; e por meio de uma conven-
com os dois anteriores, o gesto pode ca e prática conferida à época, para ção pode atuar como símbolo e
conduzir a uma percepção densa e imaginar o som e produzir um gesto assim ampliar suas possibilidades 107
de representação. Além destas
plena que acaba evidenciando suas coerente com a obra. representações, que pertencem
outras qualidades; Vale ressaltar que a expressão
à semiose extroversiva, o gesto
musical tem atuação fundamen-
4- Agente Implícito (2004, p. 233) – o
2
do artista como persona entra em tal na semiose introversiva, o que
caráter qualitativo do gesto musical e voga, por existir um certo anacronis- podemos observar na sua mani-
festação na comunicação oral, a
suas continuidades permite inferir uma mo temporal, ao tentar reproduzir um entonação; aí o gesto delimita as
motivação ou modalidade expressiva, período passado, não experienciado. unidades sintagmáticas, determi-
e o agente implícito (ou uma persona O intérprete contemporâneo sempre se na as modalidades do discurso,
ensejando a representação de
ou personagem) determina a dramatur- valerá do privilégio temporal em que afetos, e influi na hierarquização
gia. está inserido, podendo olhar para trás, entre os termos do enunciado,
com acesso invejável e, até então, in- tudo isso por meio de seus aspec-
Para esse pesquisador, uma ex- tos formais. Considerada como
ecução tecnicamente correta não é sufi- édito a materiais históricos. uma práxis gestual, a gestualida-
de musical se revela um fazer míti-
ciente para definir a qualidade da per- André Ricardo de Souza (2004, co, cuja sintaxe procede dos algo-
formance. O músico deve ter passado p. 86-87) corrobora com muitas ideias ritmos e estratégias que compõem
por um processo envolvendo análise de Hatten, especialmente em relação seu programa e que revelam a
intencionalidade do agente por
2
Implied agency.
meio da percepção de seu projeto 3. METODOLOGIAS DE ANÁLISE conjunto coordenado sonoro atuando

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de conjunto, que imprime direcio-
sob os sons isolados. Sendo assim,
nalidade ao discurso musical. Considerando necessário ao
o intérprete deve procurar realizar a
gesto musical uma cuidadosa análise,
Além disso, Souza (2004, p. síntese do tempo, relacionando todos
a pesquisadora elencou metodologias
149-153) traz uma importante dialéti- os eventos musicais hierarquicamente
de análise que visassem a prática e
ca entre o gesto e a figura (conjunto de na performance. (FUKUDA, 2009, p.
pensamento gestual. Para tal, iremos
possibilidades do continuum sonoro 38-45).
refletir sobre os trabalhos de Jürgen
dentro de um sistema musical, car- A síntese sonora proposta por
Uhde e Renate Wieland, e Walter Bi-
acterizado por relações intervalares, Fukuda conduz à movimentos corpo-
anchi.
tal como Ferneyhough3 propõe). Am-

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rais próprios da execução musical
bos se complementam, pois o gesto No trabalho de Margarida Tam-
(que podem ser entendidos como
necessita da figura para se conectar aki Fukuda (2009) sobre a metodolo-
gestos musicais). Tais como ondas,
de maneira sistemática a outros ges- gia de Jürgen Uhde e Renate Wieland,
os impulsos musicais (Mikrozeitgestalten
tos, e sendo uma ação, permite que Denken und Spielen4 (pensar e tocar), que
e Zeitgestalten) contidos em uma peça
a figura se torne uma realização con- procura um equilíbrio entre o estu- 108
se somam e sobrepõem hierarquica-
creta. Para esse autor, nos diversos do teórico e prático musical através
mente de forma natural, revelando a
momentos da história da música, esse da ideia de Zeitgestalt5. É proposta a
forma e sentido da peça compreen-
delicado equilíbrio pendeu mais para “análise dos impulsos contidos em seu
dido pelo intérprete. A metodologia
um lado ou para o outro; uma prática interior [de uma obra], constituídos
permite uma interpretação pessoal de
musical advinda da oralidade, com pelas fases de tensão, culminação e
cada músico ante a partitura e quan-
menos indicações específicas na es- afrouxamento.” (FUKUDA, 2009, p.
do aliada a conhecimentos musicais
critura permite uma fluidez e criativ- 37). Cada som possui uma energia
pré-existentes (como análise, história,
idade interpretativa que favorece o expressiva característica, mesmo que
estética, etc.) pode conferir um sentido
gesto, enquanto a ascensão e espe- sutil, e a continuidade sonora só é
temporal às frases (FUKUDA, 2009,
cialização da escrita favorece a fig- possível com a correlação dinâmica
p. 37-61). A análise das Zeitgestalten
ura, especialmente no serialismo inte- entre cada som isolado e o impulso do
é representada por notações gráficas
gral, onde atinge seu ápice. na partitura, indicando as escolhas in-
4
UHDE, Jürgen; WIELAND, Renate. Denken und
Spielen: Studien zu einer Theorie der musikalis- terpretativas e compreensão da forma
chen Darstellung. Kassel: Bärenreiter, 1989.
e estruturas de dada obra musical.
3
Ferneyhough, Brian. Collected Writings. Lon- 5
Entendido como configuração tempo-
dres: Routledge, 1995. ral.
No trabalho mais recente de gradações numéricas as alterações se limitando apenas ao campo das

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Sonia Regina Albano de Lima (2020), agógicas e dinâmicas do intérprete. artes visuais. Em seu livro, o artista
há uma ampla explanação sobre as Traz à memória o esforço dos compos- demonstra por meio de imagens as in-
semelhanças entre a metodologia de itores da década de 1940 para orde- ter-relações entre as artes, o movimen-
Zeitgestalt referenciada por Fukuda e nar gradualmente e numericamente os to, o olhar e atenção do público.
o ensino do prof. Walter Bianchi. A parâmetros do som, tais como Boulez, Já o compositor Trevor Wishart,
pesquisadora reforça as ideias apre- que também se utilizou de abordagens em seu trabalho de 1985 (1996, p.
sentadas até aqui, refletindo o papel visuais. 107-125) trabalha a teoria do gesto
do corpo na interpretação ao citar o Aliando os conceitos expla- com uma abordagem gráfica. Levan-
professor Bianchi, “para se tocar bem

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nados até aqui, observamos que a do em conta os impulsos, intenções
[…] deve-se pensar no corpo como análise aliada a performance, visando gestuais e centros gravitacionais da
uma expressão corporal global.” unir uma expressividade pessoal com música.
(LIMA, 2020, p. 42). Lima dialoga conhecimentos teóricos e práticos, per-
indiretamente com a teoria do gesto, As imagens a seguir mostram
mite ao músico desenvolver intenção uma possível análise de Zeitgestalten
procurando desenvolver um movimen- e condução sonora em sua gestuali- 109
to consciente, estudado, que produz baseadas na compreensão da análise
dade. realizada pelos pesquisadores, pre-
sons com potencial para serem con-
stantemente aprimorados, onde não No entanto, o famoso pin- sentes nos livros em que foram reti-
existe uma interpretação única e final, tor Wassily Wassilyevich Kandinsky radas. Os pontos culminantes são
permanece em estado de mutação. propõe algo similar à teoria dos ges- representados por X, o começo e fim
tos em seu livro Ponto e linha sobre plano, de impulsos musicais por pequenas
Como demonstrado no livro de 1926 (2016, p. 20-27), quando chaves. Lembrando que os níveis hi-
de Sonia Lima (2020) escrito com discorre sobre sua teoria acerca de erárquicos se somam sem se anular:
contribuições de Fukuda (2009), os pontos e linhas. Por meio de uma abor- ao realizar o maior nível hierárquico
conhecimentos do prof. Bianchi não dagem visual, os pontos exerceriam de Zeitgestalt, não se deve perder de
só têm semelhanças estruturais com uma gravidade própria, conduzindo o vista a sonoridade conquistada ao es-
a metodologia de Uhde e Wieland, olhar, e as linhas (junção de pontos), tudar o menor nível (Mikrozeitgestalt).
mas também tem seu próprio sistema é a sua continuidade. Para Kandinsky, Para tornar mais claro os diferentes
de representação visual. Propõe uma sua teoria imagética pode ser aplica- níveis, é recomendado o uso de cores
representação gráfica da análise mu- da e pensada junto a outras artes, não distintas para indicar cada nível.
sical-gestual, e procura mensurar com
FIGURA 1:Tipos Gestuais

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Fonte: Wishart, 1996, p. 124.

110
FIGURA 2:Tipos Contorno gestual em contorno melódico, com possível análise musical por
Zeitgestaltrealizado pela pesquisadora

Fonte: Wishart, 1996, p. 112.


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FIGURA 3:Peelúdio número 4, op. 28 de Chopin, compassos 1-8, com possível análise
musical por Zeitgestalt realizado pela pesquisadora

Música em Foco, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 105-117, 2021.


111

Fonte: Lima, 2020, p. 114.


FIGURA 4:Tema da Quinta Sinfonia, 1º mov. de Beethoven,
com possível análise musical por Zeitgestalt realizado pela
pesquisadora

Música em Foco, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 105-117, 2021.


FIGURA 5:Tema da uinta Sinfonia, 1º mov. de Beethoven, com
possível análise musical por Zeitgestalt realizado pela pesquisadora
112

Fonte: Kandinsky, 2012, p. 37.

Fonte: Kandinsky, 2012, p. 38.


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FIGURA 6:Tema da Quinta Sinfonia, 1º mov. de Beethoven, com possível análise musi-
cal por Zeitgestalt realizado pela pesquisadora

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113

Fonte: Kandinsky, 2012, p. 39.


FIGURA 7:Tema da Quinta Sinfonia, 1º mov. de Beethoven, com possível análise musi-
cal por Zeitgestalt realizado pela pesquisadora

Música em Foco, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 105-117, 2021.


114

Fonte: Kandinsky, 2012, p. 38.


Comparando as imagens e sos e pontos culminantes, assim como Harmonia (2011, p.180; 182; 195-198;

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seus modos de representar o gesto é hierarquia dos elementos analisados. 225-228) aplicando conceitos da Poéti-
possível perceber que todos os pesqui- O gesto é atrelado a subjetivi- ca de Aristóteles, encontradas no Cap.
sadores levam em consideração o dade da performance e muitas vezes é VII (2015, p.89) sobre dramaturgia
aspecto da figura para agrupar ele- mencionado como algo que precisa ser e construção da tragédia no contex-
mentos, assim como aspectos de den- expressivo e musical, no entanto, fica a to da música instrumental tonal. Para
sidade, acentos métricos e melódicos, dúvida: O que é expressivo? Sonia Lima Schoenberg, a tônica e seu tema prin-
ritmo, duração, reiteração e tensões (2020, p. 42) levanta brevemente o as- cipal podem realizar uma jornada se-
harmônicas. É interessante observar sunto, ao afirmar que “uma mera trans- melhante a um herói trágico, mantendo

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que mesmo na abordagem pictórica missão de sentido não é suficiente, além na memória do ouvinte o ponto de par-
de Wassily Kandinsky, foram levados do que, uma execução correta necessita tida, para então, ir se desenvolvendo
em consideração aspectos hierarqui- de uma eloquência emotiva para que a e transformando, até retornar triunfante
zantes, contraponto e caráter musical obra tenha algum tipo de impacto inter- no final. Essa metáfora foi bem utiliza-
ao escolher pontos para figuras mais pretativo”. E, no entanto, os sentimen- da para explicar teoricamente concei-
rítmicas da Quinta Sinfonia de Beethoven tos pessoais de cada intérprete pouco tos harmônicos e pode ser adequada 115
e linhas para elementos mais melód- têm a ver com a obra, assim como os para a discussão acerca da prática
icos. É possível perceber também sentimentos do compositor, que são im- musical e construção da performance.
uma direcionalidade visual e auditi- possíveis de decodificar com a escritura Essa linha de raciocínio vai além
va, como pontos gravitacionais que musical. Sendo assim, pode ser interes- do tonalismo, pois a música atonal con-
conduzem a música, com maiores sante refletir sobre a criação de perso- tinua trabalhando com som no tempo,
pontos, de maior pigmentação, que nas artísticas e dramaturgia musical. sua memória e estruturas internas, cri-
podem ser considerados como pontos ando tensões, desenvolvimentos e elab-
culminantes (representados por X) das O drama da música instrumen-
tal vem de suas próprias estruturas e orações do material que refletem um
Zeitgestalten. Em comparação, Trevor contexto sociocultural pouco distante
Wishart representa a gravidade co- tensões internas, autorreferente e ainda
assim, carregada de significado. Vale do próprio intérprete contemporâneo.
mentada com setas e direção ascend- Sua expressão pode oferecer desafios
ente ou descendente do traço linear. E mencionar aqui o trabalho de Arnold
Schoenberg, que explanou sobre o as- interessantes, já que há uma identifi-
ainda, Sonia Lima realiza gradações cação mais natural, pela proximidade
numéricas aliadas a sinais de crescen- sunto mais de uma vez, especialmente
nos seus primeiros capítulos do livro temporal e cultural, mesmo que de for-
do e decrescendo indicando os impul- ma inconsciente.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS um especialista da técnica de deter- então valorizar e revelar elemen-

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minada fonte sonora, e os performers tos musicais percebidos pelo artista,
O gesto foi amplamente refer-
mais referenciados podem ser vistos que realizam tensões musicalmente
enciado como um movimento físico
como os que melhor conduziram a es- dramáticas.
que necessita de uma reflexão e estu-
cuta pelo drama inerente da estrutura
do anterior à performance e se torna
e forma musical, talvez, como sinôni-
mais fácil de ser explicado com abor- 5. REFERÊNCIAS
mo de mais expressivos. Muitas vezes
dagem visual. Uma ferramenta analíti- BIBLIOGRÁFICAS
deixando de lado a própria técnica
ca que combina essas características
tradicional a serviço de uma dramati-
é apresentada por Fukuda, a análise
cidade. ARISTÓTELES. Poética. Tradução,

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das Zeitgestalten (configurações tem-
O gesto é preferencialmente introdução e notas de Paulo Pinheiro.
porais).
aliado a uma técnica específica da 2. ed. São Paulo. Ed. 34, 2017.
Importante ressaltar que essa
fonte sonora de forma a evitar lesões.
análise de Zeitgestalten trabalha seus FUKUDA, Margarida Tamaki.
Nesse caso, a técnica é trabalhada
pontos culminantes hierárquicos de Zeitgestalt: análise e performance do 116
para almejar uma naturalidade e ca-
maneira muito semelhante à ideia de trio em sol menor de Francisco
pacidade de manipular os parâmet-
gravidade sonora e gestual explana- Braga. 2009. Tese (Doutorado
ros do som de forma mais consciente
da por Hatten. Com a análise pictóri- em Processos de Criação Musical)
possível, extrapolando muitas vezes o
ca realizada por Kandinsky quando – Escola de Comunicação e
escopo da pura virtuosidade técnica.
discorre sobre pontos e linhas, e a Artes, Universidade de São
energia gravitacional exercida pelos Uma proposta para o estudo Paulo, São Paulo, 2009. DOI:
pontos. E ainda se revela análoga a do gesto musical é a corporificação 10.11606/T.27.2009.tde-
outra representação gráfica do gesto, no estudo e na performance da com- 26102010-105448. Disponível
presente no livro de Trevor Wishart, preensão musical prévia do indivíduo em: https://teses.usp.br/teses/
e à representação proposta por Lima, durante o processo de análise e lei- disponiveis/27/27158/tde-
de acordo com os ensinamentos do tura da partitura, que se alia às ex- 26102010-105448/fr.php. Acesso
prof. Walter Bianchi. periências contemporâneas sociais em: 11 mar. 2021.
e pessoais do próprio músico, indis-
Uma última consideração pre-
sociáveis de possíveis interpretações HATTEN, Robert S. Interpreting
cisa ser feita em relação à dualidade
que o artista possa fazer, visando musical gestures, topics, and tropes:
técnica e interpretação. O virtuose é
Mozart, Beethoven, Schubert. Beatriz dos Santos Pereira

Artigos
Indiana, EUA: Indiana University
Estudante de bacharelado em regên-
Press, 2004.
cia do Instituto de Artes da Universi-
KANDINSKY, Wassily. Ponto e linha
dade Estadual Paulista, foi bolsista
sobre plano: contribuição à análise
CNPq até 2020, cuja iniciação cientí-
dos elementos da pintura. Tradução
fica sob orientação da Profa. Dra. Lia
de Eduardo Brandão. 3. ed. São
Vera Tomás deu origem a esse artigo.
Paulo: Martins Fontes, 2016.
E-mail: santos.pereira@unesp.br
LIMA, Sonia Regina Albano.

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Interpretação musical em pauta. São
Paulo: Musa, 2020.

SCHOENBERG, Arnold. Harmonia.


Tradução de Marden Maluf. 2. ed. 117
São Paulo: Ed. Unesp, 2011.

SOUZA, André Ricardo de. Ação


e significação: em busca de uma
definição de gesto musical. 2004.
Dissertação (Mestrado em Música)
– Instituto de Artes São Paulo,
Universidade Estadual Paulista “Julio
de Mesquita Filho”, 2004.

WISHART, Trevor. On sonic art.


Edição revista e editada por Simon
Emmerson. Amsterdam: Harwood
Academic Publishers, 1996.

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