INTRODUÇÃO partir do estudo analítico da peça musical
Trenodia para as vítimas de Hiroshima, do
Instalação sonora é uma proposta compositor polonês Krzysztof Penderecki artística composta por elementos (1960), compor uma ou mais instalações organizados em um determinado espaço, sonoras valendo-me, também, da poética podendo ser multimídias e provocar visual das instalações sonoras do artista sensações táteis, térmicas, auditivas, Marcelo Armani. visuais, entre outras. Para uma análise mais ampla da Numa obra de instalação sonora peça musical escolhida, optou-se pelas nota-se, no entanto, a utilização do som ferramentas teóricas da Música como um elemento que atende a um Eletroacústica, neste caso, a conceito preestabelecido, seja a busca por tipomorfologia proposta por Schaeffer um som que se integre à forma visual (1966) e a espectromorfologia de Smalley sugerida, seja a utilização de sons que (1997), uma vez que esse tipo de remetam a espaços e contextos sociais sonoridade buscou explorar uma ampla específicos, ou mesmo sons que expressem gama de sons, muitos dos quais são a ideia de autonomia da instalação em si. considerados, tradicionalmente, como sons Contudo, pode-se especular um processo não musicais. de criação distinto: ao invés de partir de um conceito ou de uma forma visual para buscar o som, a instalação poderia partir do 1.1 INSTALAÇÃO SONORA estudo analítico de uma música pré- existente, de modo a trabalhar suas Instalação é uma proposta artística sonoridades e processos não para gerar composta por elementos organizados em uma outra composição musical, mas sim, um determinado espaço, podendo ser como propulsora do processo criativo de multimídias, bem como provocar uma instalação sonora. sensações: táteis, térmicas, auditivas, visuais, entre outras (CAMPESATO, 2006, Atendo-me também ao que propõe 2007). Zamboni ao dizer que ao longo do desenvolvimento da pesquisa, se alternarão Em meados dos anos de 1960, a momentos criativos (intuitivos) e análise partir do trabalho de diversos artistas que crítica definida como ordenação racional buscavam reunir em uma mesma obra (ZAMBONI, 2006, p. 34), me propus, a diversos gêneros artísticos, surge o termo Instalação Sonora que se caracteriza pela espaço e/ou outros objetos e conceitos que articulação entre som, imagem, espaço e compõe a obra. tempo, tendo o som como elemento central Da mesma forma, a autora destaca a no trabalho. relação do público com a obra aspecto de De forma geral, a Instalação Sonora grande relevância. Em uma Instalação se caracteriza por uma forte mediação das Sonora o público é convidado a uma tecnologias eletrônicas e digitais, pela participação ativa, explorando o espaço e busca por novas sonoridades e atribuindo sentido a articulação dos expressividade plástica. elementos que estão expostos, cabendo a ele não apenas uma contemplação da obra, O espaço, na Instalação Sonora, é mas sim, um movimento de imersão. um importante elemento na construção do discurso, entendido por Campesato como Portanto, a Instalação Sonora traz à um elemento que “está em diálogo ativo tona novas abordagens para o som na entre as coisas e as pessoas que ele composição artística que se difere de contém” (GOLDBERG apud modelos já estabelecidos na Música e CAMPESATO, 2006, p. 776). Ele é um também nas Artes Visuais. O encontro de elemento constitutivo da obra, diferentes manifestações artísticas, cada diferentemente de outras manifestações qual com suas características já artísticas como a escultura, que pode ser demarcadas por suas trajetórias, ampliam transportada para espaços diferentes sem as possibilidades de criação em artes, além perder sua essência. de propor reflexão e discussão acerca do tema. Campesato (2007, p. 62) afirma que o tempo na Instalação Sonora é condensado e suspenso. Diferente do 1.2 POÉTICA VISUAL DO ARTISTA discurso musical, que comumente é linear SONORO MARCELO ARMANI e reconhecível a partir de um encadeamento temporal dos sons, os No Brasil, o artista sonoro Marcelo elementos sonoros na Instalação Sonora Armani destaca-se por produzir uma série são geralmente curtos e sem definição de de trabalhos que se enquadram dentro do início e fim, sempre se articulando com que se denomina Arte Sonora, de forma outros elementos não-temporais como o especial, Instalação Sonora. Segundo o próprio artista, sua obra busca articular aspectos “políticos, sociais, religiosos, Outro exemplo da poética de geográficos e culturais”, e transita por Armani é sua mais recente obra intitulada suportes e linguagens diversos, “O Limite das coisas” (2018). Nela, o entrelaçando as questões sonoras com a artista utiliza alto-falantes, cabos de áudio, escultura, vídeo, performance, fotografia e impressões em preto e branco de desenho” (ARMANI, 2018). Outra intervenções realizadas no cerro Caqueiro característica do artista reside em sua visão conjuntamente com a peça sonora de mundo, que busca expor em suas obras composta a partir da manipulação do Hino como uma forma de “artivismo”. Na Nacional Brasileiro, promessas de construção de uma “elaboração poética das campanha de candidatos a cargos políticos urgências do tempo e do espaço social e a escalação da seleção brasileira para a compartilhado”, o artista constrói uma copa do mundo na Rússia, onde é possível articulação entre “a paisagem sonora notar seu estilo e a forma como articula urbana e natural local” construindo o que todos os aspectos de sua obra. chama de “cartografias e construções” que transitam pelo efêmero. 2 PIERRE SCHAEFFER E DENNIS Em suas obras, observa-se o uso SMALLEY recorrente do aparato eletroacústico (alto- falantes, cabos, fios, etc.) exposto como A tipomorfologia do objeto elemento articulador entre os aspectos musical, proposta por Pierre Schaeffer visuais e sonoros, como se pode observar (1966), propõe que a Música na obra TRANS(OBRE)POR, composta Eletroacústica condiciona uma postura por fotografias retiradas na própria cidade acusmática1 a qual favorece uma em que vai expor, captação sonora de percepção mais focada nas qualidades do diferentes momentos deste locais e som, independente de suas causas, fontes ou qualquer limitante cultural, musical e cabos de áudio vermelhos, que integram todo o sistema sonoro, interpretativo. Esta intenção de escuta é percorrem direções aleatórias, recortam figuras, desenham chamada pelo autor de escuta reduzida que caminhos. Fazem a alusão de um circuito elétrico, de um sistema tem como termo paralelo objeto sonoro circulatório, da configuração de ruas entendido por Ficagna (2008) como e quadras pelas quais o artista transitou guiado por coordenadas 1 Música acusmática é um termo utilizado por intuitivas até efetuar o registro dos Schaeffer, que determina uma escuta cujo eventos sonoros e visuais (ARMANI, referencial de emissão do som é ocultado. 2016). Conforme o próprio autor, o rádio nos coloca nesta posição de “ouvintes de uma voz invisível” (SCHAEFFER, 2003, P. 56). todo fenômeno e evento sonoro Denis Smalley (1997), partindo de percebido como um conjunto, como um todo coerente, e ouvido uma escuta reduzida a fim de identificar de numa escuta reduzida, que o visa que forma o som muda e é moldado por si mesmo, independente de sua proveniência ou de sua através do tempo, propõe um modelo significação (CHION, apud FICAGNA, 2008, p. 70). descritivo flexível e amplo de análise do som a partir da interação entre sua A fim de tratar das qualidades dos ocupação no âmbito das alturas (espectro) objetos sonoros, Schaeffer estabelece em e sua forma no tempo (morfologia), cujos sua obra Traité des Objets Musicaux minuciosos critérios permitem a (1966) critérios de análise tipológico e classificação das fases temporais dos morfológico, sendo o primeiro a objetos sonoros, seus processos de possibilidade de identificar e classificar os crescimento textural, tipos de movimento e objetos sonoros em tipos para, a seguir, interação entre componentes da textura compará-los e qualificá-los. (comportamento), funções estruturais, O autor parte do pressuposto de que ocupação do espaço espectral, densidade os 4 parâmetros da nota musical (altura, espacial, entre outros. duração, intensidade e timbre) não seriam Em sua teoria, Smalley define três adequados para descrever e classificar os tipos de espectros sonoros: nota e ruído, objetos sonoros e propõe sua substituição que são extremos opostos; e o nó (nodo) por 7 critérios da percepção que como ponto intermediário entre nota e consideram as propriedades dos objetos ruído (SMALLEY, 1986, p. 67). A nota se sonoros percebidos a partir da escuta caracteriza por um som de altura definida; reduzida (FICAGNA, 2008, p. 82-83), são o nó se caracteriza por um som espectral, eles: Massa; Timbre harmônico; Grão; de difícil definição de altura, mas que Allure; Perfil dinâmico; Perfil melódico; e permite identificar uma distribuição de Perfil de massa. frequências graves e agudas a partir de A tipomorfologia de Schaeffer, e as uma espécie de centro de gravidade; o variações que derivam do cruzamento dos ruído, por sua vez, não permite critérios elencados, serviram de base para identificação de altura. que outros teóricos desenvolvessem novas O autor estabelece, também, teorias de análise, como é o caso da funções estruturais, movimentos e espectromorfologia, proposta por Dennis processos de crescimento. Quanto às Smalley, apresentada a seguir. funções estruturais, estabelece três categorias: ataque, sustentação e As metáforas de movimento e crescimento são maneiras terminação e esclarece que o processo de apropriadas de considerar uma alternância entre essas funções não atende arte temporal como a música eletroacústica. Conceitos a critérios claros de delimitação temporal, tradicionais de ritmo são inadequados para descrever os pois se enquadra em um processo contínuo, contornos geralmente dramáticos incompleto, dúbio ou ambíguo do gestual eletroacústico e o movimento interno da textura que (SMALLEY apud FICAGNA, 2008, p. são expressos através de uma grande variedade de morfologias 88). Já os movimentos e processos de espectrais. (SMALLEY, 1997, p. crescimento estão relacionados diretamente 115).
com o tempo. O autor afirma que Dentro desta escala analítica,
identificam-se as seguintes categorias:
Figura 1 – Movimentos e Processos crescimento
Fonte: Smalley, 1997, p. 116.
Outra categoria refere-se ao Aglomeração: movimento frouxo,
movimento textural, que pode variar em mas coletivo, de micro elementos ou dimensões, consistindo em mais de uma pequenos objetos cuja atividade e camada em sua ocupação do espaço modificação precisam ser consideradas espectral. Seus tipos são: como um todo (monomorfologia); Jorrar: combinação de camadas em Convulsão/Turbulência: envolvem movimento, com algum grau de um entrelaçamento espectromorfológico diferenciação entre si (mono/ confuso (mas sem 'concorrência' em seus polimorfologia); caos) (FICAGNA, 2008, p. 89). Associados a estes aspectos, as “Variações de consistência interna” devam ser considerados em sua totalidade (SMALLEY, 1997, p. 117) caracterizam os e a granularidade que ocupa um ponto movimentos contínuo e descontínuo, que ambíguo. variam entre sustentado e mais ou menos fragmentado e podem mover-se de forma periódica-aperiódica/errática, embora
Figura 2 – Movimento textural
Fonte: Smalley, 1997, p. 118.
Além destas, há outras categorias grupos de compositores poloneses2 que se
propostas por Smalley que não se aplicam caracterizam pelo uso de vários sons em à abordagem aqui adotada. conjunto para formar massas sonoras, também descritas como “campo sonoro” e “blocos sonoros”, diferenciando-se dos 2.1 REFERENCIAL SONORO: demais estilos vistos até o momento na PENDERECKI história da música (CEVALLOS, 2014, p. 720). São exemplos da fase sonorista de O compositor polonês Krzysztof Penderecki, além da peça Trenodia (para Penderecki adquiriu maior notoriedade no as vítimas de Hiroshima) (1960), as peças início de sua carreira com suas Emanações (1958), Salmos de Davi (1958) composições do chamado período sonorista. Segundo Cevallos, o termo 2 Outros compositores considerados sonorismo foi criado na tentativa de definir “sonoristas” são Mikolaj Górecki (1933), Kazimierz Serocki (1922 – 1981) e Tadeusz Baird (1928 – 1981). e Strophes (1959) (CEVALLOS, 2014, p. Hiroshima, composta por Krzysztof 720). Penderecki, em 1960.
De acordo com Cevallos, devido a A peça inicia com um som ruidoso
sua complexidade, não é possível analisar (nodal), tocado por um grupo de violas em estas peças a partir de parâmetros seu registro mais agudo e com dinâmica tradicionais (harmônicos e fortíssima. Após o ataque, o som se contrapontísticos, por exemplo). Segundo sustenta mantendo um movimento ele, um parâmetro adequado de análise unidirecional plano. Gradualmente, outros pode ser considerado o timbre: grupos de instrumentos de cordas (violino, violoncelo e contrabaixo) vão se somando um critério complexo entendido como uma função instrumental e ao grupo das violas acrescentando um som de orquestração. As novas sonoridades do novo estilo eram com as mesmas características do som obtidas por uma maneira atípica inicial formando uma textura que se de tocar instrumentos tradicionais, o que gerou uma ampla gama de mantém por aproximadamente 30 sonoridades (CEVALLOS, 2014, segundos até que começa a se modificar p. 720). gradualmente a partir do naipe dos violinos Portanto, para uma melhor que se mantém tocando em um registro compreensão das características dessas agudo acrescentando um vibrato com obras, se fez necessário recorrer a características de allure aberto com ferramentas teóricas mais adequadas, como dinâmica forte que vai se fechando até se as ferramentas teóricas da Música sustentar na dinâmica pianíssimo. Ao Eletroacústica, uma vez que esse tipo de atingir a dinâmica pianíssimo por volta de música buscou explorar uma ampla gama 1m10s os naipes iniciam uma alternância de sons, muitos dos quais considerados entre movimentos com vibratos abertos e tradicionalmente como sons não musicais3. fechados modificando a textura. 2.2 ANÁLISE Por volta de 1m35s nova mudança A obra escolhida para análise, a na textura: violinos retornam ao vibrato partir do ferramental teórico aqui exposto, aberto com dinâmica mezzoforte enquanto foi a peça Trenodia para as vítimas de os violoncelos e contrabaixos tocam uma série de sons percussivos, percussão no 3 A utilização das ferramentas de tampo, atrás das cordas e sobre a ponte análise da música eletroacústica em obras de música instrumental pode ser observada em produzindo uma textura granular com a trabalhos como Ficagna (2008) e Holmes (2009). acumulação de sonoridades diversas que vai se deslocando entre os naipes, dos mais modificado pela entrada das violas que graves até os mais agudos alternando-se, realiza um ataque seguido de uma dividindo-se em dois grupos de sons: sustentação de um cluster com dinâmica granulados e vibrato fechado. É possível forte enquanto os outros naipes se mantém perceber a sobreposição de duas camadas em piano que vão atacando gerando um (streaming): um som contínuo e outro movimento de acumulação como no início granular que se alternam por entre os da peça, mas agora com cada naipe grupos modificando novamente por volta formando um cluster. Os clusters se de 2m30s. mantêm em um movimento unidirecional plano e gradualmente vão adquirindo uma Uma nova mudança de textura característica multidirecional, os violinos e ocorre quando se encerra a sobreposição de violas se expandem no âmbito das alturas e sons granular e contínuo e os instrumentos os violoncelos e contrabaixo se contraem iniciam uma série de clusters formados por no âmbito das alturas. É possível perceber quartos de tons. Os violoncelos iniciam dois glissando com movimentos opostos, com movimentos de expansão e contração da dinâmica forte até o pianíssimo até que no âmbito das alturas partindo de um o som se extingue. uníssono até a formação de clusters, seguido de um retorno para o uníssono Começa a se formar uma nova através de um glissando. Após os textura na qual nota a nota de cada naipe violoncelos, os violinos se movimentam do vai se somando até gerar um cluster que se uníssono expandindo no âmbito das alturas mantém por algum tempo até que os sem retornar para o uníssono. Forma-se violinos e violas param de tocar, uma alternância entre movimentos de permanecendo somente os violoncelos se expansão e contração e de somente expandindo no âmbito das alturas, através expansão ou contração no âmbito das de glissando e os contrabaixos se alturas entre os naipes de maneira esparsa contraindo no mesmo movimento no e, aos poucos, se modificam concentrando âmbito das alturas, ambos sustentando um cada glissando realizado por todos os cluster até que os contrabaixos param de naipes. A dinâmica aumenta no decorrer tocar ficando somente os violoncelos, em deste momento de piano até forte, uníssono, diminuindo até começarem a culminando no encontro de todos os naipes tocar a nota mais aguda produzindo um para executar um cluster na dinâmica vibrato até atingir a dinâmica pianíssimo. pianíssimo por algum tempo, sendo Neste momento da peça, começa A composição de minha instalação um movimento textural com diferentes sonora é o resultado de meu elementos sonoros: sons nodais, notas e posicionamento diante de escolhas sons mais percussivos dispersos entre os importantes dos autores escolhidos e diferentes naipes. Aos poucos vão surgindo também do meu posicionamento quanto como em espelho entre os naipes e vão se aos fatos de cunho social e político agrupando. Ocorre uma mudança da ocorridos no Brasil, simultaneamente ao textura que, inicialmente, se apresenta em desenvolvimento de minha pesquisa. convulsão, marcada por entrelaçamentos Após a leitura da bibliografia confusos (convolutions) e vão se indicada na proposta do projeto e o início estabilizando, provocando aglomerações da análise sonora da peça Trenodia para as (flocking) e formando grupos nodais, com Vítimas de Hiroshima, um trecho retirado muito ataque e pouca ressonância nas Da biografia do artista sonoro Marcelo violas, violoncelos e contrabaixos, Armani me chamou a atenção e decidi enquanto que os violinos iniciam um escolhê-lo como disparador para a cluster no âmbito mais agudo em um produção da primeira instalação sonora: movimento com a dinâmica crescendo do pianíssimo até o forte. Em seguida, todos Meus projetos retratam questões políticas, sociais, os naipes gradualmente deixam de produzir religiosas, geográficas e sons com muito ataque e pouca culturais, vinculadas as relações do homem com o ressonância e começam a fazer clusters tempo e o espaço em narrativas que lidam com a com variação no âmbito das alturas. É construção de recortes possível perceber transições de altura entre sonoros presente na rede do convívio humano, em suas os naipes e aos poucos a inclusão de condições ambientais e arquitetônicas (ARMANI, vibrato. A dinâmica em que são tocados os 2018). clusters aumenta e culmina em um cluster Nesta mesma perspectiva, recordei- formado por todos os naipes formando um me de um trecho da biografia do som que se assemelha ao ruído branco com compositor Krzysztof Penderecki em que dinâmica que vai de fortississimo até ele diz ter mudado o título da peça “8:37” terminar a peça em pianissíssimo. para Trenodia para as Vítimas de Hiroshima após ouvir pela primeira vez 3 PROCESSO DE CRIAÇÃO DA sua obra ser executada por uma orquestra, INSTALAÇÃO SONORA pois a sonoridade lhe remetia ao fato histórico vivenciado pelos japoneses blocos econômicos liderados pelos Estados durante a Segunda Guerra Mundial. A Unidos e a União Soviética que exerciam partir destes dois pontos, decidi que minha forte influência no mundo todo, buscou primeira instalação sonora abordaria servir como referência para o amplo questões sociais e políticas, principalmente exercício da cidadania e dos direitos e relacionadas a eventuais violações dos liberdades básicas inerentes a todos os direitos humanos que estavam se seres humanos. Decidi-me, pois, a unir as anunciando na formação das candidaturas questões sociais e políticas da atualidade às para a presidência do Brasil, em 2018, estéticas de Armani e Penderecki para quando iniciei minha pesquisa. compor minha obra de instalação sonora.
Dois anos após o impeachment da Definida a temática, escolhi o texto
presidenta Dilma Rousseff, uma grave da Declaração Universal dos Direitos instabilidade política se instalou no país. Humanos (DUDH) como referencial que Na formação das candidaturas para as articularia os elementos sonoros e visuais eleições presidências de 2018, estava em na criação da Instalação Sonora. Por conta evidência os discursos proferidos por um disso, intensifiquei a pesquisa sonora e possível candidato a presidência, Jair busquei, inicialmente, entre as Bolsonaro. Suas falas sobre temas composições do próprio Penderecki relacionados aos povos originários, negros, aquelas que, datadas da mesma época, mulheres e homossexuais vinham fossem referência mais pertinente para carregadas de preconceito e indicativos de trabalhar o uso do texto, deparando-me, que direitos recém-conquistados no Brasil então, com a peça Salmos de Davi (1958), estavam prestes a ser exterminados. escrita para coro e percussão. Após compreender como a sonoridade é Outro fato determinante na articulada no jogo morfológico na peça construção da minha proposta relaciona-se Trenodia e a semelhança deste na peça com a celebração dos 70 anos da Salmos de Davi, optei pelo uso da voz e Declaração Universal dos Direitos leitura do texto da Declaração já que o uso Humanos (documento redigido pela de somente sons instrumentais, como Organização das Nações Unidas, órgão acontece na peça Trenodia não remeteria criado após a Segunda Guerra Mundial). de imediato a DUDH como eu pretendia. Escrito em 1948, 3 anos após o fim da Selecionei, então, alguns trechos da DUDH Segunda Guerra Mundial, em que o mundo que, de forma mais notória vem sendo se encontrava dividido em dois grandes violados, degradados por assim dizer, espaço da instalação com um grande desde que foram formulados em 1948. emaranhado de fios com a intenção de dificultar a locomoção do público, que para Refletindo sobre qual o tratamento ouvir o som deve circular pelo espaço. sonoro que desenvolveria para articular os Dependendo do local onde se encontra elementos já definidos, lembrei-me da peça pode ouvir em maior ou menor clareza o I am siting in a room de Alvin Lucier. A texto. Uma placa de sinalização de partir da gravação de inicial de um texto “cuidado piso molhado” foi incluída na que é constantemente veiculado e instalação com vistas a instigar o público a regravado, gera-se um efeito de buscar relações dos elementos expostos. degradação sonora, tornando-o cada vez mais imperceptível em seus aspectos Ao final, a escolha da obra semânticos, efeito este conhecido como Trenodia para as vítimas de Hiroshima feedback. veio de encontro ao caráter social, cultural e político que a obra estava adquirindo (...). Assim, gravei com o uso de aplicativos sonoros que reproduzem a voz CONSIDERAÇÕES FINAIS humana os trechos selecionados, apliquei o A criação de Instalações Sonoras a processo de degradação sonora (gravação e partir do estudo da sonoridade de peças regravação repetidas) e editei, reforçando musicais me proporcionou uma os harmônicos gerados criando uma experiência única em criação artística, em camada sonora ruidosa que se sobrepõe à que pude articular elementos não musicais camada de vozes. Os sons são emitidos por oriundos de outras linguagens artísticas, de cinco alto-falantes e, em cada um deles, a forma particular, o campo das artes visuais. sonoridade está em um estágio diferente de Partir do estudo de músicas degradação. preexistentes possibilitou a constituição de Já definido o tema e o tratamento uma metodologia de trabalho mais próxima do som, restava articular aos elementos de minha vivência como músico e me sonoros e o conceito já definido aos trouxe uma série de desafios durante o elementos visuais. Voltei-me, novamente, processo de criação, os quais exigiram que à análise das instalações sonoras de eu buscasse alternativas para a realização Armani, optando por incorporar o uso do da obra. aparato eletroacústico aparente (fios e alto- Devido às especificidades de minha falantes). A ideia foi cobrir o chão do proposição, deparei-me com a dificuldade de articular a questão semântica partindo promessas políticas de campanha e a escalação da seleção brasileira de futebol da obra Trenodia, que apesar de sua para a copa da Rússia. BRAGUAY. fundamental contribuição para a definição Rivera, Uruguai: 2018. do caráter social e político que buscava, não oferecia elementos que me CAMPESATO, L., e IAZZETTA, F. Som, espaço e tempo na arte sonora. In: XVI possibilitassem articular o elemento ANPPOM 2006. Anais do XVI Congresso textual. Desta forma, ampliei as referências da Associação Nacional de Pesquisa e Pós- Graduação em Música (ANPPOM), sonoras na própria obra de Penderecki, a Brasília, 2006. Pp. 775-780. fim de atender esta necessidade. CAMPESATO, L. Arte sonora: uma A dificuldade de manipulação do metamorfose das musas. Dissertação aparato eletroacústico para montagem da (Mestrado). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São obra foi outro obstáculo encontrado, pois Paulo, 2007. foge do campo das artes, exigindo um CEVALLOS, S. H. M. O sonorismo conhecimento técnico. musical polonês do início dos anos 1960. As proposições de Schaeffer e In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PÓS- GRADUANDOS EM MÚSICA, 2014. Smalley foram o referencial teórico Anais do III SIMPOM 2014. Disponível analítico utilizado para identificar e em: http://www.seer.unirio.br/index.php/simpo descrever os aspectos tipomorfológicos e m/article/viewFile/4660/4161. Acesso em: espectromorfológicos da análise sonora 10 mai 2018.
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