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O espaço-forma e a imagem acusmática1

Denis Smalley

Ficha de citações elaborada por Adriana Lopes Moreira em 2016

Resumo:

“A discussão analítica a respeito da música acusmática pode se beneficiar um embasamento em


conceitos espaciais e esse artigo tem como objetivo fornecer um estudo esquemático
(framework) para esta investigação. Uma experiência pessoal de escuta de paisagem sonora é o
ponto de partida deste estudo e revela idéias básicas relacionadas à disposição e ao
comportamento dos conteúdos sonoros e a uma estratégia de escuta. Isto permite uma
ampliação na discussão, que passa a incluir uma associação dos sons com suas fontes sonoras
(source-bonded sounds), considerando particularmente a maneira segundo a qual experiências
de outros sentidos, que não o auditivo, estão implicadas na nossa compreensão do espaço e na
escuta acusmática. Assim, a atenção migra para um modelo espacial vinculado à fonte sonora,
baseado na produção de espaço através da atividade gestual da performance musical, antes de
se concentrar em mais detalhes sobre a música acusmática, inicialmente por se aprofundar no
espaço espectral, onde as ideias sobre a gravidade e as forças diagonais são pertinentes. Isso
leva a conceitos centrais sobre a estruturação do espaço perspectivo em relação ao ponto de
vista do ouvinte. A seção final considera uma metodologia para a investigação do espaço-
forma” (SMALLEY, 2007, p. 35).

1. Introdução

“A música acusmática é o único meio sonoro que se concentra no espaço e na experiência


espacial como sendo esteticamente centrais. Embora muito venha sendo escrito sobre os
atributos espaciais e o papel do espaço, principalmente por compositores, o pensamento é um
pouco disperso e até agora não há nenhum texto substancial e unificado sobre o tema,
tampouco uma conceituação sólida que possa nos fornecer uma base razoavelmente segura
para uma investigação do espaço. Este ensaio pretende começar a fornecer tal estudo
esquemático e disponibilizar um direcionamento para futuros estudos” (SMALLEY, 2007, p. 35).

“Primeiramente, propus a mim mesmo a base experimental na qual reside a nossa


compreensão do espaço, uma vez que isso se faz necessário se quisermos ser capazes de
identificar como a música acusmática se refere à experiência espacial em geral. Então, passei a
discutir maneiras de definir formas espaciais, através de abordagens em relação à origem,
através da composição do espaço espectral e à criação de perspectiva, levando em
consideração que a eficácia das concepções espaciais são dependentes do ponto de vista do
ouvinte. As formas espaciais remetem ao espaço-forma e meu objetivo principal é propor que a
investigação analítica da música acusmática esteja focada no espaço-forma, sendo esta uma
maneira de integrar as múltiplas facetas da imagem acusmática. Uma abordagem espaço-forma
é diferente de outras metodologias em que se colocam o tempo a serviço do espaço”
(SMALLEY, 2007, p. 35).

“Concentro-me na música acusmática, mas muito pode ser considerado em relação a outros
gêneros musicais eletroacústicos que possuem um componente acusmático e, tendo em vista

1 SMALLEY, Denis. Space-Form and the Acousmatic Image. Organised Sound, v. 12, n. 1, p. 35-58, Cambridge U. Press, 2007.
Tendo em vista a prática da solidariedade acadêmica, trabalhos que se utilizarem de informações decorrentes deste fichamento devem
incluir uma menção ao mesmo em uma nota de rodapé.
que também discuto o modelo convencional de ‘performance especial’, deve ser possível que
outras pessoas estendam o que tenho a dizer a respeito da investigação sobre gêneros ao vivo
e interativos” (SMALLEY, 2007, p. 35).

“Focando o espaço como sendo uma chave, a integração de elementos exige uma reorientação
das prioridades e atenções de escuta: tenho para mim que não costumamos ouvir atributos
espaciais, formas espaciais e espaço-forma, em parte porque há muitos outros aspectos para se
ouvir. Mas, talvez isso também se deva a não termos certeza do que realmente se constitui
enquanto espaço, em termos sonoros, ou a carecermos de uma gama suficientemente
abrangente de conceitos sobre espaço, ou ainda por acharmos que o espaço seja tangencial, ao
invés de ser algo central” (SMALLEY, 2007, p. 35).

“Iniciarei meu discurso discutindo uma experiência pessoal de escuta” (SMALLEY, 2007, p. 35).

Smalley vale-se de uma descrição de uma paisagem sonora (soundscape) para introduzir conceitos
sobre espaço e destaca com itálico os termos que está ora propondo, de maneira a nova termimologia vai sendo
transmitida através das sensações suscitadas pelo texto literário. Neste fichamento, vamos traduzi-los usando
negritos, para que possam ser mais bem visualizados.

2. Paisagem sonora [soundscape] de Orbieu

Smalley descreve em detalhes sua experiência ocorrida em um dia de verão em junho, às 9 horas da
noite, em uma cidadezinha ao sul da França, às margens do rio Orbieu. Fala sobre seus muros de pedra e suas
árvores centenárias, o cais e a ausência de pessoas, o rio, os sapos, as cigarras e os pássaros. O som entre as
paredes da casa difere dos sons externos a elas (SMALLEY, 2007, p. 35-36):

“O som do rio constitui-se como uma textura permanente – uma fundamentação generalizada
(em oposição a uma figura). Seu espaço estende-se por uma área central da imagem Sonora
[sonic image]. Isso move-se em minha direção, assim sua resolução textural oferece tanto
características distantes mais generalizadas (fluxo), como detalhes mais próximos (lapidação na
superfície). Apesar da distância do meu ponto de vista, posso me concentrar em um certo grau
de micro-detalhe se eu me mantiver atento, mas agora estou menos interessado neste som
habitual e ele tende a ocupar o fundo” (SMALLEY, 2007, p. 36).

“Mais para a esquerda do rio (e da imagem sonora), perto da água, entre pedras e aglomerados
de plantas, é o território dos sapos - um espaço delimitado [zoned space]. Em termos
ecológicos [referentes ao entorno], podemos nos referir a um espaço de sinais [signal space,
referindo-se ao ‘diálogo’ pressuposto no coaxar dos sapos]. Além disso, a prática coletiva da
comunicação de campo torna este um tipo de espaço comportamental [behavioural space]. A
similaridade espectromorfológica, casada com uma proximidade adequada dos habitantes, cria
a relação entre a delimitação, o sinal e o comportamento. O coaxar dos sapos são unidades
curtas, repetidas, divididas em camadas polifônicas. Não há, assim, muitos indivíduos para se
criar uma textura congestionada, e alguns têm identidades spectromorfológicas mais distintivas
do que outros, bem como um espaçamento mais relaxado de repetição. […]” (SMALLEY, 2007,
p. 36).

Smalley segue referindo-se à ressonância que decorre da reflexão do som pelas paredes, da dispersão
do som ao longo do ambiente, da proeminência de alguns sons sobre os demais e da fixidez de cada sapo no
espaço. Diferencia os sons mais distantes dos espaços próximos (proximate spaces) de seu espaço pessoal
(personal space), passando pelos vários níveis existentes entre eles: dois pios fortes de corvo em movimento, a
reflexão destes pelas paredes e sua projeção em direção aos sapos, além de cigarras que não se movem. Sons

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iterativos e granulares oscilam entre as árevores, gerando uma continuidade no espaço. Considerando “o ritmo
do movimento especial do coletivo percebido como resultante de desvios relativos no tempo, emitidos por
múltiplas fonts fixas” (SMALLEY, 2007, p. 36).
Smalley agora volta-se aos espaços acima de si, em que andorinhões em voos muito rápidos e amplos
emitem pios em continuidade gradual. “Não se pode ver a textura espacial dos andorinhões mas o espaço
perspectivo (perspective space) criado pelas chamadas me faz imaginar que posso vê-lo em ação”. Já no espaço
distal (distal space) “a distância entre mim e eles, sua conhecida e deduzida mobilidade, bem como a estreita
semelhança entre os sinais de chamamento, combinam-se para formar o comportamento coletivo, uma textura
especial com livre movimento interno à deriva” e isso contrasta com a polifonia rítmica dos sapos. “As pistas
aéreas podem ser interpretadas a partir de características morfológicas fixadas no espaço espectral
(espectromorfologia), no comportamento da textura e na resolução espectral do som que me informa a respeito
da distância relativa” (SMALLEY, 2007, p. 36-37).
Dois carros que passavam criaram um espaço vetorial (vetorial space), “o espaço percorrido pela
trajetória de um som” (SMALLEY, 2007, p. 37, nota de rodapé). O carro que se aproximou pela direita criou uma
extensão do espaço panorâmico (panoramic space) ao aproximar-se pela direita, passar ao longo do cais e, em
seguida, virar à esquerda, movendo-se para fora da cidadezinha. Seu vetor foi articulado através de mudanças
na qualidade espectral. O segundo carro foi até a extrema esquerda da paisagem, estendendo-a. “O primeiro
carro é um exemplo de limpeza vetorial (vectorial wipe), em que um som viaja através espaço centesimal e
apaga, neste caso apenas temporariamente, a imagem em curso distante por trás dele” (SMALLEY, 2007, p. 37)2.

3. Espaço holístico e espaço-forma

Smalley considera, então, a formação de um “espaço holístico [holistic space] como uma matriz de
espaços delimitados [zoned spaces]”, no interior do qual as zonas como as dos sapos seriam espaços aninhados
[nested spaces, espaços dentro de um espaço3], em que três sub-zonas adjacentes se combinam para criar uma
zona de leito do rio, havendo uma ligeira elevação devido ao evento corvo; as zonas cigarra, e voos rápidos são
independentes entre si. Os dois carros tomados em conjunto […] reúnem-se para descrever um vetor que
delimita a borda periférica do todo. […] O próprio rio, através de sua colocação central e permanência, […] é
inevitavelmente um segundo plano. Os andorinhões, em espaço elevado, agem como uma lâmina do rio”
(SMALLEY, 2007, p. 37).
Smalley aponta para o fato do ouvinte precisar atentar para cada evento sonoro e acumulá-lo para
formar uma paisagem sonora [soundscape], uma vez que não se pode ouvir tudo simultaneamente. Observa
que usou sempre o tempo verbal presente com o intuito de denotar certa permanência. Considera o espaço
mais formativo do que o tempo: “o tempo pode ser colocado a serviço de espaço, em vez do contrário. O tempo
se torna espaço” (SMALLEY, 2007, p. 37).

2 Dentre as notas de rodapé das páginas 36-37, destacamos as que seguem, além haverem outras mais específicas sobre trabalhos de
Marler e Slabbekoorn (2004), Wallin (1991), Handel (2006) e Bregman (1990).
“Espectromorfologia é ‘a interação entre espectros sonoros (espectro-) e as maneiras segundo as quais eles mudam e são moldados no
tempo (-morfologia)’ (Smalley, 1997)” (SMALLEY, 2007, p. 36, nota de rodapé).
“Uso o termo 'próximo' para designar o espaço mais próximo do ouvinte, e ‘distante’ para o espaço mais distante do ouvinte. O
relacionamento entre o espaço próximo e o distante gera profundidade na imagem” (SMALLEY, 2007, p. 36, nota de rodapé).
“Espaço perspectivo - relações entre posição espacial, movimento e escala, vistos a partir do ponto de vista do ouvinte […]” (SMALLEY,
2007, p. 36, nota de rodapé).
Espaço panorâmico [panoramic space]: “A largura do espaço frontal, que se prolonga para os limites da visão periférica do ouvinte
(SMALLEY, 2007, p. 37, nota de rodapé).
3 Em ciência da computação, palavras aninhadas constituem um conceito usado para a modelagem de estruturas linearmente ordenadas,

de árvores ordenadas sem classificação e de estruturas hierárquicas.

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4. Espaços ligados à fonte

Smalley cita Henri Lefebvre: “[…] Não se trata de mera ‘moldura’. […] O espaço é uma morfologia social:
é para a experiência vivida que se forma o organismo vivo, tão intimamente ligado à função e à estrutura”
(Lefebvre 1991: 93 apud SMALLEY, 2007, p. 38). Lefebvre fala ainda em energia e sua dispersão, “a energia
modifica espaço ou gera um novo espaço" (Lefebvre 1991: 177 apud SMALLEY, 2007, p. 38). Embora esse texto
de Lefebvre não tenha como foco a música acusmática, pode prestar-se a ela (SMALLEY, 2007, p. 38).
Smalley considera os sons como sendo “espaço-portadores”. Como exemplo, constata que uma pessoa
seria capaz de inferir as zonas e a elevação de Orbieu a partir de uma gravação da paisagem sonora de lá.
Embora houvessem algumas perdas (que ele descreve), “a estrutura integral seria preservada. […] as
espectromorfologias criadas por sapos, rios, cigarras, pássaros e carros, […] produzem o espaço através de sua
ação. […] As fontes-causas produzem espaço. […] Os espaços ligados à fonte são significativos no contexto de
qualquer trabalho musical acusmático” (SMALLEY, 2007, p. 38).

4.1. Espaços ligados à fonte: natureza e cultura

“Os espaços ligados à fonte cobrem uma variedade de contextos, ocupando o território entre a
natureza e a cultura. O tipo mais puro de domínio baseado na natureza concentra-se nas
fontes-causas em que não se tem consciência da intervenção do ser humano […]” e Smalley cita
o exemplo de Orbieu. “[…] Na esfera cultural, a atividade do ser humano produz as fontes-
causas, intencionalmente […] ou involuntariamente […]. Espaços produzidos por atividades
humanas, a que denomino espaços estabelecidos [enacted spaces], podem ser divididos em
dois tipos principais - espaços de expressão vocal [utterance spaces], que são os articulados
pelo som vocal, e espaços intermediados [agential spaces], em que o espaço é produzido por
movimento humano e sua (inter)ação com objetos, superfícies, substâncias e estruturas
construídas; também podem incluir intervenção humana na paisagem. Na Seção 6.1 irei discutir
com mais detalhes um tipo de espaço intermediado [agential space] – o espaço de
performance [performed space], que se preocupa com o fazer sonoro intencional e a atividade
musical” (SMALLEY, 2007, p. 38).

“[…] Há dois tipos de espaço produzidos pela cultura que estão ligados aos espaços
estabelecido [enacted space] e intermediado [agential space], mas às vezes apenas
indiretamente. Ambos têm uma ligação com a tecnologia. O primeiro inclui as máquinas
emissoras de sons, além de mecanismo e sistemas baseados em tecnologia […] – como
computadores e sistemas de jogos, por exemplo. Embora todos sejam criações humanas e, às
vezes, possam ser desencadeados ou controlados pela ação humana, eles podem soar
independentemente de nós, produzindo seus próprios espaços, pelo menos em parte. Podemos
denominá-los espaços mecanizados [mechanized spaces] e eles podem estar inseridos em um
espaço estabelecido [enacted space] mais amplo” (SMALLEY, 2007, p. 39).

“O segundo tipo de espaço sobrepõe-se ao primeiro, mas sugere, e transmite a nós, espaços de
fora do nosso espaço estabelecido [enacted space] imediato. Trata-se do espaço mediático
[mediatic space], que compreende um amálgama de espaços associados com comunicações e
meios de comunicação, como representado no soar por rádio e telefone, e os aspectos sonoros
de cinema e televisão. Incluem discursos, […] gêneros mediáticos, como anúncios publicitários,
e sinais comunicacionais, como os toques de telefones. […]” (SMALLEY, 2007, p. 39).

“Tomados em conjunto, os espaços de expressão vocal [utterance space] e intermediado


[agential space], mecanizado [mechanized space] e mediático [mediatic space] produzem o
domínio sonoro cultural (SMALLEY, 2007, p. 39).

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5. Percepção transmodal

Partindo da frase “embora a música acusmática possa ser recebida através de um único modo sensorial,
isto não significa que os outros sentidos permaneçam dormentes”, Smalley tece uma gama de considerações a
respeito da percepção por vários sentidos humanos. “Quando reconhecemos que um som foi criado por gesto
humano, podemos identificar em detalhes o tipo de energia física e o toque que instigou e propaga o som, […]
mesmo quando o som […] não é ‘real’ ou não parece ser inteiramente plausível” (SMALLEY, 2007, p. 39)4.
Destaca, nesse contexto de percepção integrada, a abordagem ecológica da percepção iniciada por
Neuhoff (2004: 255-256), que explica as contribuições dos sistemas visual e cinestésico ao auditivo, sugerindo
que uma interação entre a percepção auditiva e a visual ocorre ao nível celular do sistema nervoso central, e a
interação sensorial, em várias áreas do cérebro (SMALLEY, 2007, p. 39-40). Em seguida, cita a relação entre as
percepções auditiva e visual de Stephen Handel (2006) e a habilidade do corpo sensório-motor, dependente do
movimento, de Alva Noe (2004), segundo a qual “não pode haver clara distinção entre consciência perceptiva e
consciência de pensamento, uma idéia importante para a compreensão do espaço-forma, pois, embora
reunidos no tempo, podem ser contemplados fora do tempo da escuta” (SMALLEY, 2007, p. 39-40).

6. Espaço-forma acusmático: uma definição em progresso

“O espaço-forma na música acusmática é um ‘ambiente’ esteticamente criado que estrutura


contingências transmodais da percepção através de ligações com a fonte e relações espectromorfológicas […]”
(SMALLEY, 2007, p. 40-41).

7. Espaço estabelecido (enacted space) – espaço de performance (performed space)

“A ideia de estabelecimento [enactment], além de ser fundamental para os meios transmodais


de percepção e compreensão do espaço, é central para espaços sonoros criados por atividade
humana – espaços estabelecidos [enacted spaces], e suas duas sub-categorias, espaços de
expressão vocal [utterance spaces] e espaços intermediados [agential spaces]. Gostaria de me
concentrar em uma manifestação particular deste último – o espaço de performance
[performed space], principalmente do ponto de vista da música instrumental, embora as
mesmas ideias, com pouca adaptação, também posam ser aplicadas a tomadas de som
intencional geral, bem como em espaços de expressão vocal [utterance spaces]. Uma primeira
razão para nos concentrarmos no espaço intermediado [agential space] está no fato dele
expandir o modelo natural de ambiente, mas também porque o fazer sonoro, os instrumentos
e a música como um artefato já composto apresentam-se como materiais na música
acusmática: isso nos traz uma inclinação diferente frente à fonte-causa [source-bonding]
(SMALLEY, 2007, p. 41).

Smalley segue transmitindo-nos seus conceitos do ponto de vista da música acusmática: “O espaço
realizado é gestualmente fundamentado. Um agente humano, usando o sentido do tato, ou um implemento,
aplica sua energia a um corpo soando, produzindo espectromorfologias. […]” (SMALLEY, 2007, p. 41).
Em seguida, Smalley parte de estudos de Edward Hall (1966), sobre a classificação de distâncias baseada
em situações sociais, em que categorizou os espaços humanos em quatro zonas: íntima (em que há contato pelo
tato), pessoal (opera dentro de comprimento do braço, ou seja, ao limite da pessoa fisica), social (mais

4Dentre as notas de rodapé das páginas 38-39, destacamos:


“Uso a palavra ‘movimento’ referido-me a mudanças na localização espacial. ‘Movimento’ é usado num sentido conceptual (por
exemplo, tipos de movimento), o qual inclui a ideia de espaço espectral, onde o movimento físico real não está envolvido” (SMALLEY,
2007, p. 39).

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impessoal, envolve contextos de envolvimento social) e pública (transmite um certo distanciamento do
envolvimento):

“No espaço de performance [performed space] da música instrumental, podemos identificar


misturas das quatro zonas de Hall, produzindo três espaços – o espaço gestual [gestural space],
o espaço de conjunto [ensemble space] e o espaço plenário [arena space]; sendo o espaço
gestual aninhado [nested] no espaço de conjunto e ambos, por sua vez, agrupados no espaço
plenário” (SMALLEY, 2007, p. 41).

7.1. Espaço gestual (gestural space)

“Espaço gestual [gestural space] é o espaço íntimo formado entre o indivíduo performer e o
seu instrumento. O desempenho do gesto produz e define uma zona espacial dentro do espaço
acessível [reachable space], sendo esse último o espaço a ser ativado pela natureza do gesto de
causalidade [causal gesture] ao mover-se através deste espaço em relação à fonte
instrumental, com todo o evento sendo unido na espectromorfologia resultante. Por
conseguinte, o desenrolar temporal de energia articula uma zona espacial. Os eventos da
performance são ligados à fonte, por isso, em condições acusmáticas (como em uma gravação),
as espectromorfologias possuem espaços estabelecidos [enacted spaces], espaços
intermediados [agential spaces]” (SMALLEY, 2007, p. 41) .

Smalley observa não ser necessário estar no mesmo espaço físico onde ocorreu o gesto de causalidade
para percebê-lo, pois podemos deduzi-lo, sendo, “na música, a ideia de um espaço íntimo [intimate space de
Edward Hall] representada pelo espaço gestual [gestural space]” (SMALLEY, 2007, p. 41-42). “Um espaço
gestual [gestural space] não existe por si: há sempre algum tipo de contexto que nos leva a considerar um
espaço de conjunto [ensemble space] e um espaço plenário [arena space]” (SMALLEY, 2007, p. 42).

7.2. Espaço de conjunto (ensemble space)

Revelado tanto musicalmente como visualmente, “o espaço de conjunto [ensemble space], no qual os
espaços gestuais [gestural spaces] individuais são aninhados [nested], é o espaço pessoal e social entre
performers”. Variações em sua complexidade se estendem da intimidade de pequenos grupos à experiência
transmodal perceptiva específica, passando por sincronização de gestos coletivos, colaborações ou
concorrências dentro textura e trocas de materiais. Pode ser, ainda, pensado em termos de espaço
comportamental (behavioural space) e de espaço de sinais (signal space) (SMALLEY, 2007, p. 42).

7.3. Espaço plenário (arena space)

“Espaço plenário (arena space) é todo o espaço público habitado por artistas e ouvintes”. Agrega os
espaços gestual e de conjunto (SMALLEY, 2007, p. 42).

7.4. A imagem gravada do espaço de performance (performed space)

“Ambos os sentidos, da audição e da visão, operam nos espaços gestual [gestural spaces], de
conjunto [ensemble space] e plenário [arena space]; a propriocepção é o foco da percepção no
espaço gestual e de conjunto, sendo transmitida tanto auditivamente
(espectromorfologicamente) como visualmente (pelo direcionamento da energia nos espaços
gestual e social) dentro do espaço plenário. Nosso conhecimento transmodal, ativado por
energias espectromorfológicas, certifica-se de que o espaço de performance [performed space]
possa ser recebido mesmo em uma gravação, em que as ligações entre esses três espaços são

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preservados, mas de uma forma puramente fonética. Os detalhes de informações visuais e
proprioceptivas particulares podem ser velados, embora sejam genericamente preservados via
espectromorfologias” (SMALLEY, 2007, p. 42-43).

7.5. A mediação do espaço de performance (performed space)

Refere-se à mediação tecnológica em shows, concertos ao ar livre, transmissões pela TV etc. “[…] Adoto
o termo espaço de performance mediatizado [mediatised performed space] para identificar um gênero
determinado de espaço de atuação dentro do qual a transmissão de espaços gestuais/ de conjunto [gestural/
ensemble space] é mediada pela tecnologia. […] A imagem de vídeo é capaz de ampliar a os espaços íntimo e
pessoal [intimate and personal spaces] de desempenho, transportando, assim, uma intimidade mediatizada ao
observador remoto. […]” (SMALLEY, 2007, p. 43).

7.6. Espaço do microfone (microphone space)

Smalley refere-se a performances que se ajustam para aproveitar o potencial do microfone. Comenta
que o compositor acusmático pode capturar fontes sonoras através do microfone, registrando o som produzido
para transformá-lo posteriormente em material de um trabalho acusmática (SMALLEY, 2007, p. 43).

7.7. O espaço de performance (performed space) na imagem acusmática

“A percepção transmodal do ouvinte no espaço de performance [performed space] é muito


diferente do tipo de contexto especial exemplificado pela paisagem sonora de Orbieu, porque o
espaço de performance [performed space] se baseia no espaço intermediado [agential space],
que está centrada no corpo humano como causa, ou mesmo como fonte, em alguns casos
(como na interação com instrumentos de sopro). […]” (SMALLEY, 2007, p. 43-44).

“[…] Na música acusmática, o espaço gestual [gestural space] […] não precisa necessariamente
produzir seu próprio espaço plenário [arena space], podendo ser contextualizada em espaços
que diferem consideravelmente de uma plenária habitual” (SMALLEY, 2007, p. 44).

Smalley segue discorrendo sobre a construção cultural de espaços diferentes do plenário para a
apresentação de obras acusmáticas, das especificidades do espaço plenário de concertos, do jogo espacial que
pode ser formado no espaço de conjunto com microfonação e também com gravação (SMALLEY, 2007, p. 44).

8. Espaço espectral (spectral space)5

“Os sons ocupam áreas de espaço espectral [spectral space]. Cada pedaço de música terá seus
limites superior e inferior dentro da ação das espectromorfologias - em faixas estreitas, em nós
concentrados, em massas, camadas, amplitudes estendidas, nuvens dispersas; podem
permanecer estáveis ou evoluir ao longo do tempo, movendo-se através faixas e registros, com
maior ou menor energia e entusiasmo, suavemente ou por grau ou por salto, de forma
ordenada ou de forma irregular” (SMALLEY, 2007, p. 44).

5 Nas várias notas de rodapé das páginas 40-45, notificamos haver citações de trabalhos de Auerbach e Sperling (1974), Welch e Aarren

(1980), Maria Anne Hartley (1998), Emmerson (1998), Davidson (1997), Hall (1990), Delalande (1998) e (Huron 2006). E destacamos:
“Em Spectormorphology: explaining sound-shapes (1997), discuti tipos de espectros com base no continuum entre nota e ruído, tendo
estabelecido um banco de referência básica dos processos de movimento e de crescimento, e indicado algumas maneiras segundo as
quais o espaço espectral é preenchido. Esta seção [seção 8] desenvolve uma série dessas ideias em maior detalhe” (SMALLEY, 2007, p.
45, nota de rodapé).

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“O termo ‘espectro’ é utilizado para se referir aos componentes internos do som, quer
ouçamos esses componentes ou não, e o termo ‘design espectral’ indica que o compositor
pode criar um espectro do zero ou pode reconfigurar os componentes espectrais de um som
existente; o ‘espectro é frequentemente identificado com a noção de timbre ou de qualidade
do som. Adicionalmente, compositores sabem que os fatores de design espectral concorrem
para a criação de espaço distal [distal space] e próximo [proximate space], os quais consituem
uma dimensão em perspectiva, criada em parte através de mudanças e de controle da
qualidade espectral. […]” (SMALLEY, 2007, p. 44-45).

8.1. Espaço tonal de alturas [tonal pitch space]

“Existe espaço espectral em toda música, mas este é mais comumente conhecido sob a
aparência de espaço de alturas [pitch space], como ocorre com a música tonal vocal e
instrumental. Considero o espaço tonal de alturas [tonal pitch space] como sendo um
subconjunto do espaço espectral [spectral space] por estar fundado sobre uma determinada
subdivisão do espaço espectral em passos incrementais, os quais são baseados em
combinações intervalares, e somos capazes de discriminar claramente os diferentes interstícios
resultantes. O conceito de espaço espectral não se baseia em nenhuma subdivisão priori, e
admite total liberdade de movimentos, sem restrição de tipo espectral: uma nota é um tipo
específico de espectro” (SMALLEY, 2007, p. 45).

“No entanto, o movimento no espaço tonal de alturas [tonal pitch space] é um importante
condicionante, e qualquer dos tipos de movimento que podemos encontrar na música
acusmática está relacionado com a nossa experiência junto ao espaço de alturas [pitch space]
no repertório pré-acusmático. […]” (SMALLEY, 2007, p. 45).

Segue-se uma descrição de uma pesquisa experimental de Delalande, denominada La terrasse des
audiences au Clair de Lune, em que buscou-se verificar como os ouvintes atuais se relacionam com essa peça de
Debussy. Observou-se que os depoimentos dos ouvintes são baseados em localizações, movimentos e fatores
harmônicos - nomeadamente, transparência da textura, aproximação e distanciamento, planos de presença,
efeito zoom, espessamento da linha melódica, direcionalidade, pólos de atração e sensação de peso, dentre
outros (SMALLEY, 2007, p. 45).

8.2. Gravitação (gravitation)

François Bayle (1993, p. 76) foi o primeiro a chamar a atenção para a gravitação na imagem acusmática,
ligada às referências auditivas: queda, pólos de atração e peso (SMALLEY, 2007, p. 45). A ideia da atração para a
estabilidade em regiões mais baixas prevalence na música tonal, mesmo que nem todas as cadências envolvem
movimentos descendentes (SMALLEY, 2007, p. 45).

8.3. Gravitação: forças diagonais e planas (diagonal forces and planes)

Citando o movimento que Bernard Parmegiani denominou geologia sonora (géologie sonore) em De
Natura Sonorum (1975), Smalley observa:

“Como é de se esperar, o espaço espectral [spectral space] da música acusmática não possui
tendências gravitacionais. Prefiro pensar o espaço espectral em termos de forças diagonais,
onde o movimento é atraído para, ou segue em direção a, uma região que atua como um plano
horizontal. Uso o termo mais geral ‘região’ porque um plano pode assumir uma variedade de
formas espectrais, que vão desde um passo até algo mais expansivo, mas que precisam ser
localizáveis no espaço espectral, em relação aos seus arredores. […] De Natura Sonorum

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proporciona um claro exemplo disso. O movimento começa a partir de um zumbido grave,
fundamentado pelo intervalo de quinta; este é unido a plano elevado agudo, que, com o baixo,
define uma moldura no espaço espectral; o processo de preenchimento esperado, articulado
através das pressões espectrais cumulativas e ondas com entradas sucessivas de diferentes
densidades, cria forças diagonais em ambas as direções, mas com uma tendência crescente
para cima. A tensão é armazenada e prolongada, mas o espaço espectral é rapidamente
eliminado, como se as forças diagonais tivessem cedido, deixando-nos com o plano
fundamentado, grave. […] (SMALLEY, 2007, p. 45-46).

8.4. Gravitação: planos e levitação implícitos

Imaginamos a continuação, p.ex., do movimento unidirectional de um glissando, ou de um movimento


descendente que não chega ao fim. Quando o movimento é ascendente e desaparece há também a implicação
de uma subida contínua ao infinito espacial (SMALLEY, 2007, p. 46).

8.5. A presença do espaço

“As morfologias muito sustentadas, contínuas, podem indicar para mim não uma morfologia
agindo no espaço, mas sim uma presença aeriforme, um meio de sugestão do próprio espaço
ao invés de algo que se move no mesmo, algo possivelmente atemporal, como se o tempo
fosse calmaria. As espectromorfologias contínuas em geral podem produzir essa idéia de
presença espacial, criando, por exemplo, a ideia de periferia ou horizonte, como um esboço
que, com algumas linhas e manchas, produz o espaço. […]” (SMALLEY, 2007, p. 47).

8.6. Escalonamento do espaço espectral

“Quando as forças diagonais se expandem e divergem, ou se contraem e convergem, a escala


do espaço espectral em si expande-se e contrai-se. A gravitação não está relacionada apenas
com regiões de atração e planos de referência, mas é também ligada à extensão do espaço
espectral descrito, ou preenchido pelo afastamento da atividade da força diagonal. As ideias de
gravitação e escala são, portanto, complementares. […]” (SMALLEY, 2007, p. 47).

A ressonância é uma forma de expansão e divergência que se move para uma região superior e acaba
por esvair-se no espaço espectral de levitação (SMALLEY, 2007, p. 47).

8.7. Influências da ligação com a fonte6

“Embora não possa haver música acusmática sem espaço espectral, nem sempre estamos
conscientes de como os fatores espectrais contribuem para a sensação de espaço. Isto é
particularmente assim com imagens fortemente ligadas às fonts [source-bonded], em que a
dimensão vertical é mais susceptível de se misturar, em nossas mentes, com a fusão ou
nidificação de espaços ligados à fonte geradora dos sons. […] Pensar espectralmente requer
certo nível de abstração. […] (SMALLEY, 2007, p. 47-48).

9. Espaço perspectivo (perspectival space)

Smalley coloca o espaço na perspectiva da escala humana, o espaço egocêntrico (egocentric space):

6 Nas várias notas de rodapé presentes nas páginas 46-48, há menções a trabalhos de Slawson (1987), Roy (2003), Chion (1983) e Lerdahl

(2001).

8
“Nas artes visuais o termo ‘perspectiva’ refere-se à representação de formas tridimensionais
sobre uma superfície bidimensional, com o intuito de se articular as relações de posição, o
volume de ocupação e a distância, conforme observados a partir de um ponto de fuga. […]
Produz uma sensação de escala nas relações entre formas e um sentido da escala do espaço
articulado no seu todo” (SMALLEY, 2007, p. 48).

“Defino o espaço perspectivo [perspectival space] da imagem acusmática como sendo as


relações de posição, movimento e escala entre espectromorfologias, vistas a partir do ouvinte
como ponto de fuga. Eu digo 'vistas' porque, embora a imagem acusmática não possa ser
visível, pode-se também, dependendo da natureza das spectromorfologias e suas relações
contextuais, localizar e rastrear suas posições de uma forma quase visual. […] Usar o adjetivo
‘perspectivo’ para qualificar ‘espaço’ pode parecer tautológico, mas preciso diferenciar a
atitude perspectiva em relação ao espaço de outras abordagens, como a de espaço espectral,
por exemplo” (SMALLEY, 2007, p. 48).

“O espaço perspectivo pode ser considerado como sendo o fluxo em relação aos três pontos de
vista - espaço prospectivo [prospective space], espaço panorâmico [panoramic space] e espaço
circunspecto [circumspace]. O espaço prospectivo [prospective space] é a imagem frontal, que
se estende lateralmente para criar um espaço panorâmico [panoramic space] dentro do campo
de visão; o espaço circunspecto [circumspace] - ao redor do ouvinte - estende o espaço
panorâmico, abrangendo o ouvinte, com a possibilidade de se aproximar ou passar por cima do
espaço egocêntrico [egocentric space], vindo de todas as direções. […]” (SMALLEY, 2007, p. 48).

“Uma vez que o espaço perspectivo [perspectival space] está preocupado com as relações ao
longo do tempo, consitui-se como um conceito formal de nível superior. […] No espaço de
performance [performed space], o espaço perspectivo [perspectival space] resulta da
acumulação dos espaços gestual [gestural space], de conjunto [ensemble space] e plenário
[arena space]. […] A música acusmática pode oferecer múltiplos pontos de vista […]. Contudo,
[…] a minha perspectiva é o ponto de referência” (SMALLEY, 2007, p. 48).

9.1. Espaço prospectivo (prospective space)

“Meu uso do adjetivo ‘potencial’ é derivado da noção de ‘perspectiva’, uma visão da paisagem
que implica um ponto de vista de onde se olha para a frente, a observação panorâmica e
exploração da cena para se imbuir da identidade e das relações proporcionais das formas
observadas, assim como das dimensões, extensão e profundidade da imagem. […]” (SMALLEY,
2007, p. 49).

9.2. Espaço prospectivo (prospective space): aproximação e recessão

Assim como as imagens em perspectiva são centradas em um ponto de fuga, os sons podem
movimentar-se de um centro para fora (aproximação em direção à borda) ou de fora para um centro (recessão
em direção a um centro), contando, para isso, com tipos de movimento e combinações diversos (SMALLEY,
2007, p. 49).

9.3. Espaço prospectivo (prospective space): abertura e fechamento

A ideia de perspectiva também pode estar presente nos momentos de abertura [overture] e fechamento
[enclosure] da experiência de escuta, podendo haver a formação de um estado de invólucro (SMALLEY, 2007, p.
49).

9
9.4. Espaço prospectivo (prospective space) e imagem pictórica

Smalley discorre sobre correlações entre o espaço potencial da imagem estéreo e a perspectiva na
pintura, narrando o florescimento da perspectiva na pintura durante o século XV (SMALLEY, 2007, p. 50).

9.5. Espaço prospectivo (prospective space) e ponto de fuga [vantage point]

Smalley considera que a distância ideal do espectador de pintura nos séculos XV-XVI seja muito similar à
distância ideal do ouvinte do espaço potencial estéreo (SMALLEY, 2007, p. 50).

9.6. Espaço circunspecto (circumspace)

“Um novo termo […] pode abranger todos os formatos e instalações de alto-falantes existentes
e pode continuar a ser utilizado conforme mudem e evoluam os formatos e instalações. O
termo espaço circunspecto [circumspace], que tem como prefixo a preposição latina utilizada
para ‘em torno de’ ou ’sobre’, parece ser apropriado para representar a noção estética de
relações de posição, movimento e escala neste tipo mais abrangente de espaço perspectivo
[perspectival space]” (SMALLEY, 2007, p. 51).

9.7. Espaços circunspectrais (circumspectral spaces)

“A maneira segundo a qual o espaço epectral [spectral space] em si é distribuído contribui para
as sensações de altura, profundidade, escala espacial e volume. Posso criar uma sensação física
mais vívida de volume de espaço através do que chamarei espaços circunspectrais
[circumspectral spaces], em que o espaço espectral do que é percebido como uma morfologia
coerente ou unificada é dividido e distribuído espacialmente […] [podendo dar] a impressão de
que o ouvinte está dentro da ressonância […]” (SMALLEY, 2007, p. 51).

9.8. Espaço circunspecto (circumspace): os três modos de distribuição

Smalley trata da interferência dos modos de difusão na percepção da música, considerando os espaços
privado e público (SMALLEY, 2007, p. 51):

“Em contextos de escutas públicas identifico três modos básicos distribuição em relação ao
formato. O primeiro é o modo estabelecido [enacted mode], onde o espaço perspectivo
[perspective space], embora fixo no formato do composição (estéreo), é ativamente difuso,
ampliado e rearticulado em tempo real através de mudanças relativas em níveis do som do
alto-falante. […]” (SMALLEY, 2007, p. 51-52).

“O segundo é o modo fixo [fixed mode], em que o espaço perspectivo [perspective space] é
totalmente integrado ao formato da composição e é entregue sem uma rearticulação
circunspacialmente significativa. O terceiro é o modo automatizado [automated mode], em
que são utilizados processos e sistemas automatizados para a distribuição do som. […]”
(SMALLEY, 2007, p. 52).

10. Mudanças no ponto de fuga

“A fragilidade do vínculo entre a música e o espaço egocêntrico [egocentric space] obscurece


toda essa discussão. […]” (SMALLEY, 2007, p. 52).

10
“O ponto de vista e a orientação do ouvinte podem ser fixos, variáveis ou itinerantes. Uma
orientação fixa para a frente, olhando-se para o espaço em perspectiva, é o mais comum em
situações de concerto e de audição privada atenta, […]." (SMALLEY, 2007, p. 52).

“Um tipo particular de espaço circunspecto [circumspace] […] é o espaço de imersão


[immersive space], onde o espaço espectral e perspectivo [spectral and perspective space] é
amplamente preenchido, o espaço egocêntrico [egocentric space] é cercado […] e o ouvinte é
encorajado a adotar diferentes pontos de vista” (SMALLEY, 2007, p. 52).

11. Confinamento e transcendência

“Em meus textos anteriores sobre música acusmática tenho diferenciado o espaço composto
[composed space] - espaço cujas facetas compõem a imagem - e o espaço de escuta [listening
space] - o espaço em que a música é ouvida (Smalley, 1991). Este acolhimento do espaço
composto dentro do espaço de escuta afeta a forma segundo a qual a imagem composta é
experimentada. A imagem acusmática muda não só de acordo com o tipo de distribuição, e
conforme essa frágil relação entre o espaço egocêntrico e o perspectivo [egocentric and
perspective space], mas também em relação às dimensões do espaço de audição [listening
space]” (SMALLEY, 2007, p. 53).

A música acústica mantém sua relação com o espaço plenário [arena space] mesmo quando é feita a
audição de uma obra acústica gravada em um cômodo de uma casa, p.ex.; já a música acusmática consegue
diversificar um pouco mais essa questão (SMALLEY, 2007, p. 53).

12. Investigando o espaço-forma (space-form)7

“No texto Spectromorphology: explaining sound shapes, deixei a discussão do espaço para o final, por
estar tão 'ligado ao conteúdo espectromofológico': nós precisávamos saber sobre a
espectromorfologia antes de estar em condições de compreender o espaço. Criei o termo
‘espaçomorfologia’ [spatiomorphology] para destacar, conceitualmente, a concentração em
propriedades espaciais especiais proporcionadas pela música acusmática, afirmando que o espaço
formado através da atividade espectromorfológica possui um novo tipo de ligação com a origem
(Smalley, 1997: 122). Eu mantenho este ponto de vista […]. Contudo, a expansão da ideia de espaço
neste artigo tornou o assunto mais complexo. Os leitores também vão perceber que adotei uma
abordagem ‘ecológica’ mais integrada, uma vez que não é possível separar o próprio espaço daquilo
que o produz, nem da nossa experiência de espaço na natureza e na cultura. Mas, possivelmente, a
mudança mais significativa em meu pensamento está no atual movimento do espaço para o centro do
palco, tornando-se o ponto focal da análise ou dos comentários sobre música acusmática, em vez de
constituir a fronteira final da investigação” (SMALLEY, 2007, p. 53-54, grifo nosso).

“Já não tenho estado tão feliz com processos de investigação que elaborem uma taxonomia de
espectromorfologias, então começo a tentar focar a maneira como eles estão relacionados e agem
ao longo do tempo. Tal metodologia é baseada em pressupostos tradicionais herdados da música
tonal - em que descobrimos blocos de materiais musicais de construção (temas, motivos) e
atentamente seguimos as suas transformações e desenvolvimento, chegando a uma visão de como a
progressão do material cria as tensões dinâmicas de experiência temporal. […] Seguir formas espaciais
- seus padrões e hábitos, progressos e sucessões - dá origem, na mente do ouvinte, a expectativas
sobre continuidade, alteração ou ruptura: um processo implicativo está envolvido. Isso indica a
natureza da ligação próxima estabelecida entre o espaço e o tempo” (SMALLEY, 2007, p. 54, grifos
nossos).

7 Nas várias notas de rodapé presentes nas páginas 49-53, há menções a trabalhos de White (1987), Lotis (2003), Chion (1991).

11
“Um estudo com base no espaço-forma decorre de um nível mais elevado da estrutura. O que eu faço
é, após uma primeira ou segunda escuta, anotar os principais atributos e formas espaciais, com base
nas ideias que tenho discutido neste artigo. Posso, então, chegar rapidamente a uma visão do(s)
espaço(s) e dos atributos da obra. Muitas vezes, este tipo de diagnóstico vai coincidir com algumas das
divisões temporais da obra, o que é lógico quanto a mudanças de espaço e muitas vezes quanto a
estruturas temporais, mas não sempre. Posso, então, observar detalhes dos espaços, que envolverão a
investigação de como o tempo articula os espaços, e de como minha visão sobre os espaços vai
evoluir, adaptar-se ou mudar no decorrer do tempo. No entanto, a abordagem especial não tem o
dever de chegar a uma segmentação temporal conveniente e complete, em uma variedade de níveis,
muitas vezes isso não é viável. Muitas obras acusmáticas resistem à segmentação, porque não são
construídas com o intuito de firmar identidades e hierarquias consistentes, mas sobre tipologias
multifacetadas facilmente mutantes e que se fundem com outrem, desafiando os limites morfológicos
e resistindo à rotulação categórica. […]” (SMALLEY, 2007, p. 54, grifos nossos).

“Reconheço três processos principais de espaço-forma, que podem se misturar. O primeiro é o


‘percurso’, um abordagem tradicional mais ‘narrativa’, em que se tem conhecimento de passagens
entre os espaços. Um segundo processo adota mudanças de pontos de vista sobre o mesmo espaço;
uma média do ouvinte leva a um ponto de vista holístico. Um terceiro processo se ocupa dos múltiplos
espaços, dos materiais mistos, possivelmente por alternâncias, deslocamentos e impressões de
espaços simultâneos, embora a visão final possa muito bem ser holística” (SMALLEY, 2007, p. 54).

“Podemos também reconhecer a diferença entre o que denominarei obra naturalista e obra
intervencionista. Em um extremo, uma obra naturalista se desenrola como se fosse ‘natural’, com
poucas costuras e rupturas, e em uma lógica de passagem; há certa transparência na forma como as
coisas procedem, acima de tudo no que se refere ao cuidado com a mistura. Na abordagem
intervencionista, a mão do compositor está em evidência, assim como a presença da tecnologia e das
técnicas resultam no tipo de material e o na maneira como é manipulado, enquanto no trabalho
naturalista haverá alguma tentativa de esconder as técnicas, evitando exposições tecnológicas
significativas” (SMALLEY, 2007, p. 54).

Smalley termina seu texto reforçando a ideia de que nem toda obra musical acusmática suscita uma
análise de espaço-forma. Em contraste, cita uma análise que fez de Presque rien, de Luc Ferrari, que pede esse
tipo de abordagem (SMALLEY, 2007, p. 54-55).

Glossário (SMALLEY, 2007, p. 55-56).

“Espaço intermediado [agential space]: Um espaço articulado pela (inter)ação humana junto a objetos,
superfícies, substâncias, estruturas de construção etc. Combina-se com o espaço de expressão vocal [utterance
space] para criar o espaço estabelecido [enacted space]”.
“Aproximação/ recessão [approach/ recession]: Processos relacionais típicos do espaço perspectivo [perspective
space], preocupados com as mudanças e os movimento entre o espaço próximo [proximate space] e o espaço
distal [distal space], e/ou entre periferia e centro. Associado a abertura/ fechamento [ouverture/ enclosure]”.
“Espaço plenário [arena space]: Uma sub-categoria de espaço de performance [performed space] - todo espaço
público habitado por artistas e ouvintes, dentro do qual acomodam-se o espaço gestual [gestural space] e o
espaço de conjunto [ensemble space]”.
“Modo automatizado de distribuição [automated mode of delivery]: Uso de processos e sistemas
automatizados para a distribuição do espaço perspectivo [perspectival space] na audição pública”.

12
“Espaço comportamental [behavioural space]: Uma zona do espaço perspectivo [perspectival space] produzida
pela interação de sons que, espectromorfologica e texturalmente, indicam uma identidade colaborativa, uma
identidade de grupo. Consulte também espaço de sinais [signal space]”.
“Espaço circunspecto [circumspace]: No interior do espaço perspectivo [perspectival space] – extensão do
espaço prospectivo [prospective space] e do espaço panorâmico [panoramic space], de maneira que o som pode
se mover ao redor do ouvinte e através de ou além do espaço egocêntrico [egocentric space]”.
“Espaço circunspectral (circumspectral space): A distribuição ou divisão espacial do espaço espectral [spectral
space], daquilo que é percebido como uma espectromorfologia coerente e unificada”.
“Confinamento/ transcendência [containment/ transcendence]: Até que ponto a imagem acusmática aparece
delimitada dentro dos limites físicos do espaço de escuta, e quão longe a imagem aparece para transcender
esses limites”.
“Forças diagonais [diagonal forces]: O movimento de energia espectral em direção de ou afastando-se de uma
região do espectro que atua como um plano. Planos podem ser expressos ou implícitos. Veja 'gravitação'”.
“Espaço distal [distal space]: A área mais distante do espaço perspectivo [perspective space], do ponto de vista
do ouvinte, em um contexto de audição em particular”.
“Interpolação distal [distal interpolation]: Uma ruptura temporária no espaço aproximado em curso,
permitindo, assim, um acesso ao ponto de vista distante”.
“Espaço egocêntrico [egocentric space]: O espaço pessoal (dentro do alcance dos braços) em torno do ouvinte”.
“Espaço elevado [elevated space]: Uma zona alta no espaço perspectivo [perspectival space]. Não deve ser
confundido com ‘levitação’”.
“Espaço estabelecido [enacted space] de distribuição: A difusão ativa do espaço perspectivo [perspectival space]
na escuta pública”.
“Espaço estabelecido [enacted space]: Espaço produzido pela atividade humana - um espaço no qual os seres
humanos 'agem'. Veja também espaço intermediado [agential space] e espaço de expressão vocal [utterance
space]”.
“Espaço de conjunto [ensemble space]: Uma sub-categoria do espaço de performance [performed space] – o
espaço coletivo no qual os espaços gestuais [gestural spaces] são acomodados. Pode ser considerada como
sendo um tipo de espaço comportamental [behavioural space]”.
“Modo fixo de distribuição [fixed mode of delivery]: Quando a distribuição do espaço perspectivo [perspective
space] está integrada no interior do formato da composição, não estando mais difusa no modo de distribuição
estabelecido”.
“Espaço gestual [gestural space]: A zona íntima ou pessoal [intimate or personal] ligada à fonte [source-bonded],
produzida pela energia do gesto causal movendo-se através do espaço, como acontece com o intérprete e o
instrumento, ou o agente e o aparato de produção sonora”.
“Gravitação [gravitation]: Atração para as regiões inferiores ou superiores do espaço espectral. Consulte 'forças
diagonais'”.
“Espaço holístico [holistic space]: Uma postura analítica, realizada por um amalgamado mental de uma série de
formas espaciais em uma visão espacial unificada”.
“Espaço de imersão [immersive space]: Preeenchimento do espaço espectral e perspectivo [spectral and
perspectival space] em espaço circunspecto [circumspace], de modo que o ouvinte se sente imerso na imagem”.

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“Espaço lateral [lateral space]: Extensão do espaço panorâmico [panoramic space] em direcção à retaguarda do
ouvinte”.
“Levitação [levitation]: Um movimento ascendente no espaço espectral, relativamente sem esforço”.
“Espaço mecanizado [mechanised space]: Espaço ligado à fonte fonte [source-bonded space] produzido por
máquinas e mecanismos emissores de som, e sistemas tecnológicos, independentemente da atividade humana.
Pode fazer parte de espaços estabelecidos [enacted spaces]”.
“Espaço mediático [mediatic space]: Um amálgama de espaços associados a comunicações e meios de
comunicação, criando uma imagem de espaços, lugares, distâncias, eventos etc.”.
“Espaço de performance mediatizada [mediatised performed space]: Um tipo de espaço plenário [arena space]
no interior do qual a transmissão de espaço gestual/ conjunto [gestural/ ensemble space] é mediada por
recursos tecnológicos (microfone, altofalante, vídeo), a fim de preservar a intimidade do espaço gestual
[gestural space]”.
“Espaço do microfone (microphone space): Um espaço de performance, gestual ou de expressão vocal
[performed gestural or utterance space] em que a intimidade da imagem é ampliada. Usado para a criação de
espaços próximos e íntimos [proximate and intimate spaces] na imagem acusmática”.
“Espaços aninhados (nested spaces]: No interior do espaço perspectivo [perspectival space] – o acolhimento de
um espaço dentro de outro.”
“Abertura/ fechamento [overture/ enclosure]: Típicos processos relacionais no espaço perspectivo [perspectival
space], preocupados com a abertura da visão especial por cessar a atividade próxima [proximate], e a
(de)limitação do espaço através da introdução de atividade próxima que mascara ou corta qualquer imagem
distante. Associado a aproximação/ recessão [approach/ recession]”.
“Espaço panorâmico [panoramic space]: A amplitude de espaço prospectivo [prospective space] estendendo-se
até os limites da visão periférica do ouvinte”.
“Espaço de performance [performed space]: Espaços produzido pelo som de tomada intencional, como em uma
performance musical. Veja ‘espaço gestual’ [gestural space], ‘espaço de conjunto’ [ensemble space] e ‘espaço
plenário’ [arena space]”.
“Espaço perspectivo [perspectival space]: As relações de posição espacial, movimento e escala entre
espectromorfologias, vistas a partir do ponto de fuga [vantage point] do ouvinte”.
“Espaço prospectivo [prospective space]: No espaço perspectivo [perspectival space] – a imagem frontal, que se
estende lateralmente para criar o espaço panorâmico [panoramic space]”.
“Espaço próximo [proximate space]: A área do espaço perspectivo [perspectival space] mais próxima do ponto
de fuga [vantage point] do ouvinte, em um contexto de audição em particular”.
“Espaço de sinais [signal space]: Um tipo de espaço comportamental [behavioural space] produzido pelas
chamadas de sinal dos participantes, tanto para se comunicarem uns com os outros, como para comunicar a sua
presença aos outros habitantes. Veja também ‘espaço comportamental’ [behavioural space]”.
“Espaço ligado à fonte fonte [source-bonded space]: Zona espacial e imagem mental produzidas por, ou
inferidas a partir de, uma fonte de som e sua causa (se houver). O espaço carrega uma imagem da atividade que
o produz”.
“Espaço-forma [space-form]: Uma abordagem à forma musical, e sua análise, que privilegia o espaço como
sendo o articulador principal. O tempo atua a serviço do espaço”.

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“Forma especial [spatial form]: Uma menor ou maior espectromorfologia ou trecho musical (mas não
necessariamente uma ‘unidade’ identificável) que podem ser analisados de acordo com os seus vários atributos
espaciais percebidos. O espaço-forma [space-form] é composto por formas espaciais”.
“Espaço espectral [spectral space]: A impressão de espaço e amplitude produzida pela ocupação, e por
movimentos internos, da gama de frequências audíveis”.
“Espaço tonal de alturas [tonal pitch space]: A subdivisão do espaço espectral [spectral space] em passos
incrementais que são implantados em combinações intervalares - uma sub-categoria de espaço espectral”.
“Percepção transmodal [transmodal perception]: A interação e a interdependência das várias modalidades
sensoriais”.
“Espaço de expressão vocal [utterance space]: Um espaço produzido por som vocal. Pode ser um espaço íntimo,
pessoal ou social [intimate, personal, or social space], e em contextos comunicacionais também pode ser
considerado como sendo um espaço comportamental [behavioural space]. Combina-se com o ‘espaço
intermediado’ [agential space] para criar o ‘espaços estabelecido’ [enacted spaces]”.
“Ponto de fuga [vantage point]: A posição de onde o ouvinte vê o espaço perspectivo [perspective space], e
percebe e recebe a imagem acusmática. O ponto de fuga pode ser fixo, variável ou itinerante”.
“Espaço vetorial [vectorial space]: O espaço percorrido pela trajetória de um som, podendo estar além ou ao
redor do ouvinte, ou perpassando o espaço egocêntrico [egocentric space]".
Espaço delimitado [zoned space]

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