Você está na página 1de 23

Na primeira infância as crianças não são responsáveis pela sua

própria educação (chamaremos de primeira infância os primeiros seis anos


de vida de uma criança).

Neste momento do desenvolvimento infantil as crianças precisam


ser cuidadas, estimuladas, apreciadas e amadas para que consigam se
desenvolver.

No aprendizado musical não é diferente. Por muitos séculos, a


música foi considerada questão de talento, pessoas foram classificadas em
conservatórios e salas fechadas como não musicais. Falharam em provas,
recitais e espetáculos porque foram expostas a contextos aos quais ainda
não estavam prontas para desfrutar.

Muitas vezes o contato com a música foi traumático e curto, por


conta de abordagens que não incluem todas as fases de um processo de edu-
cação e maturação da linguagem musical.
Poucas pessoas sabem que o aprendizado musical tem seu início
quando começamos a ouvir, ainda dentro da barriga de nossas mães, que
continua quando somos ninados com canções e quando dançaram conosco
no colo.

Toda exposição musical ensina, porém existem maneiras de


potencializar esse aprendizado caso o desenvolvimento musical
acompanhe o desenvolvimento cronológico, adicionando assim
benefícios cognitivos, motores, de linguagem, de desenvoltura da fala
e de inteligência emocional.

Se esse trabalho for realizado com constância, atenção e


muita brincadeira, a música irá se tornar uma forma de expressão
divertida e prazerosa, tornando o indivíduo capaz de se comunicar
musicalmente de maneira plena.
A educação musical como criadora de expressão, riqueza de
comunicação, desenvolvimento cognitivo, cerebral e emocional não só
torna a música acessível a todas as crianças, famílias e futuras gerações,
como a torna uma das possibilidades de atividade mais ricas, recompen-
sadoras, e indispensáveis na formação de qualquer ser humano.

Esse e-book
foi escrito com muito carinho, por quem
ama musicalizar e acredita que o fazer
musical na infância é capaz de mudar vidas.
Ensinar/Aprender
música como
Linguagem
Edwin Gordon

Eu trabalho (já fazem 13 anos) com uma abordagem de edu-


cação musical ainda pouco conhecida no Brasil. A Music Learning Theory
(MLT) de Edwin Gordon visa o aprendizado da música como uma segun-
da língua. Gordon pesquisou ao longo de toda a sua vida qual seria a
melhor maneira de aprender música, seu estudo abrangeu pessoas de todas
as faixas etárias e ele criou currículos que vão desde a primeira infância
até o ensino médio e que possui adaptações para instrumentos, big bands
e corais.

A minha vivência é com a MLT para a primeira infância. A revolução


que a MLT propõe no pensamento tradicional do ensino musical é absurda.
Pensar a música como linguagem torna a experiência musical mais
acessível para pessoas de todas as idades, porém na primeira infância o
MLT verdadeiramente transforma vidas.
A música é conhecida por auxiliar pacientes de Alzheimer, é
famosa por ajudar a reabilitar o cérebro após um trauma, seja ele emocional
ou físico. Mas qual a consequência de adicionar a música como linguagem
no momento de maior criação de neurônios que vamos ter em toda a nossa
vida?

Em sua pesquisa acerca da aprendizagem musical Gordon identifi-


cou que todas as crianças possuem um potencial de aprendizagem musical
ao nascer, e esse potencial de habilidade musical demora alguns anos para se
estabilizar. Precisamente nos primeiros anos de vida é possível aprender
música de maneira a influenciar positivamente o potencial de aprendizagem
musical.

Gordon propõe que, se expostos à música de maneira sequenciada


e coerente nos primeiros anos de vida, a compreensão musical será muitíssi-
mo beneficiada. No entanto, caso as crianças não sejam expostas a um ambiente
musical favorável esse potencial de aprendizagem pode ser completamente
perdido por falta de acesso a música.
A exposição é mais determinante para o aprendizado musical
do que o potencial de aprendizagem musical inicial, o que quer dizer
que na verdade talento é (finalmente) questão de exposição.

A música é de fato uma das linguagens mais complexas existentes,


e comunic a r- se m u si c a l me n te e m s u a p len itu d e é s im, um
trabalho de vida. Mas qual seria a intenção de tornar a música acessível
desde a mais tenra idade, alterando inclusive o potencial de aprendizagem
musical daquela vida? Não é para criar um Mozart precoce, de jeito
nenhum, e sim para que essa vida em formação aprecie, curta, deguste
e sinta a alegria que o fazer musical proporciona quando decodificamos
a música como linguagem.

Quando desenvolvemos um pensamento musical claro, ele


abre permanentemente as portas da comunicação musical. As conse-
quências do fazer musical com compreensão abrangem desde melhores
possibilidades de comunicação e conexão com o outro, prevenindo
problemas de saúde mental e adicionando qualidade de vida, até
melhores resultados motores, visuais, e auditivos, gerando o prazer pela
criação e autonomia.

O fazer musical em conjunto, por sua vez, proporciona a


inteligência emocional necessária para cooperar, construir, criar e por
fim viver em harmonia. Se você nunca ouviu falar de MLT, por favor,
busque conhecê-la. Os benefícios aqui tratados não são exclusivos do
aprendizado musical pela MLT, mas a MLT buscou compreender como
o cérebro classifica, ordena e sequencia as músicas e todos os contextos
musicais aos quais ele é exposto.

Essa foi a pesquisa mais longa a respeito de como as pessoas


aprendem música já realizada até hoje. Esse conhecimento existe e ele
não deve ser ignorado. O que eu posso dizer, como alguém que estudou
m ú sica form a l m e n t e d u r an te 2 3 a n o s , é q u e a M LT fa c ilita
infinitamente o raciocínio musical, aproveita grandes ganhos de outras
pedagogias musicais e mobiliza o professor a respeitar as fases de
desenvolvimento musical/cronológico/emocional que envolvem o
aprendizado.

Aos poucos, de maneira lógica e organizada, a compreensão


musical surge. Isso torna a música - uma das linguagens mais
complexas existentes - verdadeiramente acessível.
Música em
família é
imprescindível
Para aprender a nossa língua mãe passamos por uma grande
imersão. Ouvimos pessoas falando português o dia todo, não apenas
frases simples, mas diálogos e mais diálogos.

Quando balbuciarmos as nossas primeiras palavras somos


recompensados e agraciados com afeto e atenção. Ouvimos, começamos a
falar e temos no mínimo uns 5 anos de imersão até que sejamos
alfabetizados. Imagine se esse processo acontecesse com a música?
E se não só aprendêssemos canções, mas também palavras musicais?

Palavras melódicas, rítmicas e até harmônicas, e assim pudés-


semos chegar ao nível de escrever música um dia, sem grandes
dificuldades?

E se a dificuldade para dominar a linguagem musical em sua


plenitude fosse apenas em virtude da imersão musical pobre que
recebemos?

E se (num mundo ideal) cantássemos com as nossas crianças,


celebrássemos as suas primeiras palavras musicais, guiássemos
a sequência musical que leva as crianças a guardarem música na cabeça
- música com sentido, para além de cantar uma música da nossa cultura
popular apenas, mas que uma criança conseguisse se adequar a métricas
e melodias complexas de maneira empírica: cantando, dançando,
sentindo, brincando em sincronia musical em conjunto com as outras
pessoas?

Quando uma criança demonstra essa habilidade dizemos que


ela é talentosa. No entanto, salvo raras exceções de aptidão, ela foi
musicalmente exposta mais vezes, de maneira presencial, aos contextos
necessários para o seu desenvolvimento musical. O que eu proponho,
em consonância com a MLT (que me norteia) é que cantemos muito
com as nossas crianças em casa. Que não tenhamos a falsa ideia de que
ouvir música na caixinha de som vai musicalizar nossas crianças por
nós.Que é com música, movimento e interação personalizada e ao vivo
que somos verdadeiramente musicalizados.

A MLT esclarece que é a voz que nos possibilita reconhecer


melodias e ritmos de forma a desenvolver compreensão musical. Os
timbres instrumentais atraem os bebês e as crianças pequenas, porém,
para compreender musicalmente as melodias de um instrumento, o
nosso ouvido precisa fazer uma conversão de timbre, algo que
necessita uma exposição muito mais longa e criteriosa. O aprendizado
vocal, no entanto, é mais facilmente convertido para um instrumento
posteriormente. A voz de nossos pais é a nossa primeira referência
sonora. Em termos de desenvolvimento melódico, não é possível
barrar o alcance da voz como referência musical, especialmente nos
primeiros anos de vida. Também não é possível substituir a
voz presencial pela voz gravada. É o afeto, o toque, o sorriso e a
presença vibratória do som, sentido com a exclusividade e atenção do
cuidador principal que detém a maior vantagem na educação musical
na primeira infância.
Atenção
Personalizada
Imagina se nunca tivéssemos sido verdadeiramente expostos a
nossa língua materna, se não tivéssemos a interação familiar e
fossemos apenas educados de maneira coletiva?

Como isso iria contribuir para o nosso aprendizado do português?

Agora vamos pensar na música como linguagem, para ser


aprendida exclusivamente em turmas na proporção de 1 adulto para
uma criança. Quanto tempo não levaríamos para aprender?

Se uma criança não tiver um adulto conversando com ela no individual,


dificilmente vai aprender a falar. Isso ocorre porque o aprendizado
infantil é afetivo.

Precisamente na primeira infância (0 – 6 anos), precisamos


de atenção exclusiva para aprender. Precisamos da atenção 1 adulto
para uma criança. É por isso que uma criança que cresce em situações
de risco, abandono ou em abrigos no qual não recebe atenção
personalizada possui mais dificuldades cognitivas e apresenta alguns
desafios a mais no ato de aprender.
O que o Gordon propõe é uma ação em conjunto. Que
busquemos cantar para as nossas crianças enquanto elas ainda nem
sabem falar, que dancemos com elas no colo, que tenhamos músicas e
brincadeiras musicais em família, que essas brincadeiras façam parte
da história de vida das nossas crianças. E, se possível, que elas façam
aula de música em família.

Essa atividade, para além dos seus inúmeros benefícios,


desenvolve plenamente o prazer do fazer musical, cuja constância e
assiduidade promovem uma liga emocional que acrescenta no
potencial de segurança emocional de uma vida inteira.

E então as aulas de musicalização na escola (no seu momento)


irão lembrar as crianças desse fazer musical em família e irão ser
ainda mais apreciadas pelas crianças.

Se por ventura no futuro as crianças queiram tocar um


instrumento, que a base musical inicial tenha sido tão presente
no contexto musical familiar que o evento de aprender a tocar seja um
desafio bem vindo e apreciado com a devida alegria e a iniciativa que
o aprender demanda. E nada como querer aprender algo para mudar
uma vida.
A Autonomia
na Educação
Um dos grandes presentes que a MLT me deu na sua
aplicação prática em sala foi a percepção da autonomia como chave
do processo educacional. Em todas as fases escolares é muito comum
que se parta do pressuposto de que quem aprende precisa obrigatoriamente
reproduzir à risca um conteúdo (de uma determinada maneira) para
mostrar que está aprendendo.

A MLT e o trabalho do Dr. Edwin Gordon nos presenteiam


com a constatação de que cada criança expõe exatamente onde se
encontra no seu desenvolvimento musical via atitudes espontâneas.
Se interrompemos o curso natural de desenvolvimento para que as
crianças simplesmente reproduzam algo que nós gostaríamos então o
processo de aprendizagem musical é substituído por um processo de
reprodução inconsciente, no qual a criança, impedida de se mover e se
portar de maneira espontânea perde o ímpeto musical e a alegria de se
expressar.

Exigir que as nossas crianças obtenham resultados específicos


na primeira infância não só retira a autonomia de cena. No momento
que as crianças estão criando suas primeiras relações com o mundo, o
ambiente e as pessoas, podar movimentos e expressões é podar desen-
volvimento. Especialmente na primeira infância é muito importante
expor as crianças aos contextos musicais e deixar que elas interajam
com a música à sua maneira.

Cada criança sente e se mobiliza musicalmente do seu jeito,


deixar que as crianças se expressem é extremamente saudável e
condição máxima para que o aprendizado respeite a criança e não
limite possibilidades motoras e neurológicas.

É muito importante dizer aqui que não estamos falando de


abolir regras ou tolerar comportamentos nocivos para o bem estar das
crianças. Estamos dizendo para não interromper processos motores e
de espontaneidade ao tocar, dançar, cantar e mover-se. Interromper
sistematicamente esses processos na primeira infância atrapalha
sistematicamente o desenvolvimento musical.
Desenvolvimento
emocional pela
arte
Precisamos ter bons motivos para fomentar arte nas futuras
gerações, não apenas pelos primeiros anos de vida, mas por décadas a
fio. Precisamos saber o que a arte representa na vida de um ser em
formação. Não basta a expectativa de que um dia nossos filhos, sobrinhos
e netos nos encantem tocando, cantando ou dançando música.

Quando se trata de educação musical a expectativa é o


maior inimigo do desenvolvimento. O objetivo de aprender música
não pode ser externo, porque a verdadeira transformação que arte
opera é do lado de dentro. A Educação como um todo vem trocando
a formação do ser presente pela expectativa do futuro. Uma das
grandes vontades das famílias é proporcionar uma profissão e
a possibilidade do sustento e sucesso na vida adulta.

Quando pensamos assim deixamos de fora uma questão que


é muito importante para o desenvolvimento infantil e que resulta em
um adulto pleno: a capacidade de conectar-se com o outro via criação.
Não é à toa que a arte restaura vidas: ela motiva as pessoas a seguirem
em frente, ela concede a possibilidade de autoexpressão que previne a
desesperança e a depressão.

Ela gera no pequenino ser em formação o convívio social


prazeroso que nos concede uma sensação de pertencimento. Ela
trabalha a inteligência emocional intrapessoal e interpessoal que nos
permite conviver em sociedade.
São enfim, os primeiros anos de vida que estabelecem as
bases emocionais saudáveis que alimentam o desenvolvimento
emocional de uma vida. Quais não seriam os benefícios de aprender a
se comunicar com alegria via arte e desenvolver a habilidade de se
posicionar e co criar em grupo desde os primeiros anos de vida?

Podemos conceber melhores possibilidades afetivo-sociais


ou precisamos de fato adequar nossas crianças ao mínimo que elas
têm direito em termos de educação?

Existem hoje possibilidades de desenvolvimento musical


emocionalmente saudável, artisticamente interessante, fomentando
um ambiente familiar, coletivo, acolhedor e sensível.

Nesse tipo de educação musical para a primeira infância os


pais são figuras de referência e atenção insubstituíveis.
Resumo
• A música em família é imprescindível como construtora no processo
de aprendizagem da música como linguagem.

• A voz (especialmente dos pais) é a melhor referência musical para


que as crianças percebam melodias, métricas e canções e estabeleçam
relações com o aprendizado musical.

• A música como linguagem é mais acessível a todas as pessoas.

• O acesso a arte, a música e a criação em grupo constituem as


melhores ferramentas para a construção emocional saudável
do ser em formação.

• A arte em família cria pontes de segurança emocional duradouras


que estabelecem bases afetivas saudáveis, alimentando a vida futura.

• Musicalização Infantil é sinônimo de desenvolvimento cognitivo,


emocional, musical, de coordenação motora e resulta em qualidade de
vida além de proporcionar o convívio social brincado e a conexão
com o outro.

• Musicalize sua criança desde os primeiros meses de vida e abra a


porta para o potencial de desenvolvimento musical de uma vida. A
aptidão natural de nada serve sem a exposição necessária.

• Musicalize sua vida, musicalize sua família, e tenha acesso à


criação em família. Proporcione o acesso à música e presenteie suas
crianças com uma vida de arte, autonomia e gerenciamento emocional
somados ao prazer que o fazer música em conjunto proporciona.
Fica aqui o meu voto, para que todas as crianças tenham
mais acesso a música e a todo o potencial de mudança que
ela proporciona nas vidas que toca.

Abrir as portas do aprendizado musical de uma vida


é abrir as portas da transformação pessoal.
A interação musical com os nossos semelhantes nos ensina
a parar e ouvir, para depois emitir qualquer som.

Ouvir o outro, ser capaz de se ouvir, ser


capaz de se posicionar com criatividade e alegria.

É isso que eu espero plantar nas próximas gerações.

Nadja Lopes é educadora musical licenciada pela Universidade de Brasília e


professora certificada em Educação Musical para a Primeira Infância pelo Instituto
Gordon de Educacíon Musical España (IGEME). Nadja é formadora em MLT para
a Primeira Infância, Coordenadora Pedagógica e idealizadora do Panderolê
Musicalização Infantil Personalizada, escola de musicalização para crianças que
possui duas unidades em Brasília.

Para saber mais:


www.panderole.com
www.facebook.com/musicalizacaopanderole | www.facebook.com/nadjalopesmusicalizacao
nadjapanderole@gmail.com | - Insta: @nadjalopesmus

CLIQUE AQUI PARA ASSISTIR O VIDEO DE NADJA LOPES

Você também pode gostar