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+.

SPAS

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ROLANDO O. BENENZOM MANUAL
DE
MUOIGOTERÁPIA

TRADUÇÃO

CLEMENTINA NASTARI |
pE

élos
fia)
1985
Is ENELIVROS
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DEDICADO A MEUS FILHOS

DIEGO
SEBASTIÁN
GISELA
FLORENCIA
PREFÁCIO

O Manual de Musicoterapia do Dr. Benenzon vem enriquecer


esta nova ciência, inserida entre as disciplinas paramédicas, com
maiores luzes quanto ao extraordinário poder do som, da música e
do movimento, aplicados no processo terapêutico, abrindo nos pa-
cientes novos canais de comunicação.
O autor, eminente psiquiatra, talentoso e laureado composi-
tor musical, abarca conhecimentos que lhe permitem abordar com
segurança os múltiplos aspectos da Musicoterapia.
Dentre estes, salientamos os biológicos e psicológicos dos sons
e suas influências, referidos por ele com grande propriedade e im-
portância, que se manifestam desde o início da vida, quando se de-
fine o Princípio de ISO, que é a identidade sonora do indivíduo,
base de toda a fundamentação teórica e de todo o trabalho musi-
coterapêutico.
Especial atenção deve ser dada ao capítulo “Formação do
Musicoterapeuta” onde o autor se coloca de maneira muito clara
sobre essa formação, que deve ser distinta e aprimorada, pois a Mu-
sicoterapia, que atua a nível não-verbal, deve preparar um profissio-
na! não só com conhecimentos médicos, psicológicos e musicais,
mas também capacitá-lo a utilizar o pensamento não-verbal na rela-
ção terapêutica, de tal maneira que conheça seu ISO e o de seu pa-
ciente e possa estabelecer com ele um diálogo sonoro.
É salientada a importância da presença do musicoterapeuta
em uma equipe multidisciplinar a fim de abrir nos pacientes maior
número de canais de comunicação, facilitando a atuação dos tera-
peutas das outras áreas.

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A vasta experiência do autor, sua sensibilidade apurada, suas
investigações e dedicado trabalho com pacientes psiquiátricos
muito regressivos, como esquizofrênicos, autistas, onde o isolamen-
to do indivíduo com o que o cerca é uma constante, propiciaram-
lhe criar, através da Musicoterapia, uma metodologia e técnicas
ideais de trabalho, chegando a definir o autismo como uma prolon-
gação patológica e deformada do psiquismo fetal.
A metodologia e as técnicas elaboradas e descritas pelo autor,
o tornam um precursor delas no cenário mundial, e constituem um
dos conteúdos principais deste manual.
Tardou esta tradução e é uma honra para nós tê-la feito.
Ficamos muito felizes em poder começar a citar Benenzon
em português, pois vários livros de sua autoria já foram traduzidos
em outros idiomas.
Felizmente esta ciência já é uma realidade no mundo, e dia a
dia vem confirmando seu espaço entre as disciplinas paramédicas.
E não temos dúvidas em afirmar que ela será uma das grandes
terapêuticas do futuro.

Clementina Nastari
Piscologa — Prof? de Musicoterapia

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INDICE

INTRODUÇÃO ...........ccccs cce reno

CAPITULO 1 — DEFINIÇÕES .....................


a. Conceituação das Definições, 11

CAPITULO 2 —- FUNDAMENTOS ...................


a. Biologia do Som, 21
b. Psicologia do Som. 27

CAPITULO 3 —- PRINCÍPIOS ......................


a. O Princípio de ISO, 43
b. O Objeto Intermediário, 47
c. O Objeto Integrador, 49

CAPÍTULO 4 — ELEMENTOS TÉCNICOS ............ 53


-, a. A Sala de Musicoterapia, 53
“Ab. O Instrumental, 55

CAPITULO 5 — FORMAÇÃO DO MUSICOTERAPEUTA 61


a. Personalidade e Características do
Musicoterapeuta, 61
b. Curriculum do Curso de Musicoterapia, 65

CAPITULO 6 — O PACIENTE ...................... 69

CAPÍTULO 7 —- METODOLOGIA GERAL ............ n


“.a. Ficha Musicoterapêutica, 72
- b. Testificação do Enquadre Não-Verbal, 81
- ,c. A Sessão de Musicoterapia, 84
“. d. Sessão de Grupo em Musicoterapia, 87

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CAPÍTULO 8 — ASPECTOS TÉCNICOS

CAPITULO 9 — FINALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS . 99

CAPITULO 10 — O USO INADEQUADO DA MÚSICA,


DA MUSICOTERAPIA E SUAS CONTRA-INDICA-
QOES asouunianssnsanasbicacaniadamas
cumes 101
a. A Música Funcional, 102
b. Críticas à Música Funcional, 105
c. À Epilepsia Musicogênica, 107
d. A Música Eletrônica, 115

CAPITULO 11 — O TESTE PROJETIVO SONORO ..... 119

CAPITULO 12 — APLICAÇÕES CLINICAS DA MUSICO-


TERAPIA............. e 123
a. À Musicoterapia no Deficiente Mental, 123
b. A Musicoterapia em Perturbados Motores, 132
c. A Musicoterapia nos Deficientes Auditivos, 136
d. A Musicoterapia no Autismo Infantil, 140

CAPÍTULO 13. — MUSICOTERAPIA NO GRUPO FAMI-


LIAR .....cccce err 149

CAPITULO 14 — HISTÓRIA DA MUSICOTERAPIA .... 165

CAPÍTULO 15 — DESENVOLVIMENTO E EVOLUÇÃO


DA MUSICOTERAPIA ............c cc. 173

BIBLIOGRAFIA ...........cccc a 177

ÍNDICE ANALÍTICO .........ccccc cen 181

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INTRODUÇÃO

A Musicoterapia é uma especialidade paramédica jovem, po-


rém com suficientes fundamentos científicos de ordem clínico-
terapêutica, que permitem estabelecer claramente uma metodolo-
gia de trabalho e uma série de técnicas capazes de ser desenvolvidas.
Um dos propósitos que me levou a escrever este Manual de
Musicoterapia foi justamente estabelecer as pautas e expor minhas
experiências sobre uma metodologia de aplicação clínico-terapêu-
tica da Musicoterapia.
Esta experiência não só a recolhi durante os anos que venho
dirigindo o curso de formação de musicoterapeutas na Universidad
del Salvador de Buenos Aires e do controle dos egressados, mas,
também, durante a coordenação da formação dos musicoterapeu-
tas do Rio de Janeiro, Brasil, e das experiências que se levam a ca-
bo em vários países latino-americanos e da Europa.
Minha idéia foi brindar o profissional integrante de uma equi-
pe de saúde, qualquer que seja sua especialidade, com um co-
nhecimento amplo do campo que abarca a Musicoterapia e, ao
especialista, um aprofundamento de estruturas metodológicas de
trabalho terapêutico e de investigação.
Com este manual, ficará claro que a Musicoterapia, em sua
aplicação clínica, deve estar em mãos exclusivas de um gradua-
do em Musicoterapia.
A Musicoterapia não se improvisa e, como auxiliar da Medi-
cina, suas possibilidades terapêuticas são tão profundas que abrem
caminho facilmente à iatrogenia, quando é manejada ao livre-
arbítrio do profano.
À medida que avancei na elaboração deste livro, fui-me dan-
do conta da dificuldade que contém o nome Musicoterapia para
uma especialidade que utiliza uma série de fenômenos que não têm

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10 R. O. BENENZON

precisamente a música como único elemento, mas de que também


são partes o som, o ruído, o movimento etc. E que fundamental.
mente se converte numa das terapias não-verbais por antonomásia.
Assim, encontrar-se-ão técnicas que se relacionam com outras tera-
pias, dando, por fim, base à necessidade de uma ampla formação e
conhecimento desta especialidade.

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CAPITULO 1

DEFINIÇÕES

Considero duas possibilidades de definir a Musicoterapia: uma


encarando seu aspecto científico e a outra, O terapêutico.
Com respeito ao ponto de vista científico, considero que “a
Musicoterapia é uma especialização científica que se ocupa do es-
tudo e investigação do complexo som/ser humano, seja o som
musical ou não, tendente a buscar os elementos diagnósticos e os
métodos terapêuticos do mesmo”.
Com respeito ao ponto de vista terapêutico, considero que “a
Musicoterapia é uma disciplina paramédica que utiliza o som, a
música e o movimento para produzir efeitos regressivos e abrir
canais de comunicação, com o objetivo de empreender através de-
les o processo de treinamento e recuperação do paciente para a so-
ciedade”.

a) Conceituação das definições

A Musicoterapia é uma especialização científica porque de-


vemos estabelecer um limite entre os aspectos históricos, onde es-
tão incluídas as lendas, e as claras investigações sobre o efeito
da
música e do som no ser humano, nos animais e nas plantas.
A história está repleta de magia, onipotência e sugestão, sen-
do de interesse para os aspectos teóricos extrair certo tipo de hi-
pótese de trabalho.
A investigação científica permitirá um uso claro das
aplica-
ções do som e da música no campo terapêutico.
Um exemplo do aspecto histórico o temos na
Bíblia: “.
quando o mau espírito de Deus se apoderava
de Saul, David to-

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12 R. O BENENZON

mava a harpa, a tocava, e Saul se acalmava e sentia-se melhor, e o


esp frito mau afastava-se dele ...”
Um exemplo do aspecto científico o temos através do fisió-
logo francês Féré de la Salpêtriêre, que estudou a influência da
música na capacidade de trabalho do homem, valendo-se do er-
gógrafo de Mosso. Pôde observar o fato de que antes de tudo são
os estímulos rítmicos os que conseguem aumentar o rendimen-
to corporal. Também observou a influência estimulante que a mú-
sica exercia, independentemente do ritmo, e cuja intensidade
estava relacionada com o caráter dos tons musicais executados;
o efeito estimulante, especialmente naqueles de tom maior, era
superior ao produzido pelas peças musicais em tom menor.
A Musicoterapia se ocupa do estudo e investigação do com-
plexo som/ser humano. Este complexo está formado por: a) os ele-
mentos capazes de produzir os estímulos sonoros, ou seja, a na-
tureza, o corpo humano, os instrumentos musicais, os aparelhos ele-
trônicos etc; b) os estímulos, ou seja, O silêncio, os sons perce-
bidos internamente, como o batimento cardíaco, os ruídos arti-
culares, os sons intestinais etc., os sons musicais/rítmicos, meló-
dicos e harmônicos, as palavras, os ruídos, os ultra-sons, os infra-
sons. o movimento etc.; c) O percurso das vibrações com suas leis
físicas; d) os órgãos receptores desses estímulos, ou seja, O siste-
ma auditivo, O sistema de percepção interna, o sistema tátil e o sis-
tema visual; e) a impressão e percepção no sistema nervoso e sua
inter-relação com o sistema endócrino, parassimpático e outros;
f) a repercussão psicobiológica e a elaboração da resposta; g) a res-
posta, que pode ser de conduta, motora, sensitiva, orgânica, de
comunicação através do grito, do pranto, do canto, da dança, da
voz, da música, dos gestos (Figura 1).
Do som, seja musical ou não. A Musicoterapia ou terapia
musical tem sido um termo pouco feliz para esta especialidade, já
que seu nome limita os verdadeiros alcances da mesma. Não é só
música o que se utiliza como parte do processo de aplicação tera-
pêutica, mas também se utiliza o som em seu aspecto mais amplo
da sua concepção e o movimento. Entendo que o movimento, a
música e o som são praticamente uma mesma entidade, que se iden-
tificam mutuamente até converterem-se em uma mesma coisa.
Lamentavelmente, a ampla difusão do termo, tradicional-
mente conhecido como Musicoterapia, faz com que me incline a
aceitá-lo. Por outro lado, é muito difícil encontrar um termo ade-
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 13

quado que a defina por si só sem penetrar ou interferir em outras


disciplinas ou técnicas terapêuticas.
Por exemplo, falar de terapia pelo som poderia associar-se
à ultra-sonoterapia ou falar de terapia não-verbal poderia associar-
se ao psicodrama.
Da busca dos elementos diagnósticos. Os estímulos sonoro-
musicais podem desencadear expressões orgânicas e psicológicas
da dinâmica do ser humano que permitem aumentar o conheci-
mento de seu funcionamento. Muitas vezes, este tipo de estímu-
lo sonoro pode ser mais poderoso que o estímulo visual ou tátil.
As disritmias latentes oferecem bons exemplos de diagnóstico
através da música.
Assim como se utiliza um aparelho gerador de luz intermiten-
te, ou a hiperventilação, para provocar a aparição de ondas de
disritmias latentes no eletroencefalograma, também existem sons
que em certos pacientes são capazes de produzir, seja por certas
qualidades do som ou por associação mnêmica, a aparição de
disritmias latentes; ou seja, que permitiria o diagnóstico de epi-
lepsias temporais que não chegam a produzir exteriorizações
motoras, convulsivas, mas que podem ser desencadeadas por
estímulos auditivos (Figura 1).
Estes. conceitos são extraídos dos trabalhos sobre epilepsias
musicogênicas que analisaremos em outro capítulo deste manual.
Outro exemplo de diagnóstico através da música, possível de
se estruturar em forma de teste, seria a modificação dos desenhos
realizados sob o estímulo de ritmos predominantes, como uma
marcha ou uma valsa, baseando-nos numa experiência realizada
por Werner Wolff.
Esta experiência foi aplicada a quinze crianças em idade
pré-escolar e consistiu em deixá-las escutar três gravações, uma de
cada vez, assim: 1) uma marcha, 2) uma valsa, 3) uma canção
“vaqueira"”, com a seguinte instrução: “desenhar o som da música”.
Cada criança recebeu as seguintes instruções: ... “Vamos brincar de
um modo divertido; vocês vão ouvir música e desenhar o seu som”.
Eu realizei a experiência com cinquenta adultos, aos quais
lhes fiz escutar separadamente uma marcha, uma valsa e um
mambo, música de moda naquele momento. Obtive o mesmo
resultado que com as crianças. Sob o estímulo marcha, qualquer
que seja o motivo do desenho, suas linhas e formas eram quadran-
gulares, em ângulo reto, triangulares etc; ao contrário, sob o
14

e
Motriz
SISTEMA
Natureza Silêncio
AUDITIVO CÉREBRO Sensitiva
(sistema cortical)
batimento cardíaco
ruídos intestinais

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Orgânica
Corpo Percepção atritos articulares
humano interna movimentos musculares
pulsação | Hipófise
processos enzimáticos TALAMO (sistema
Comunicação
endócrino)
SISTEMA DE (sistema (grito)
subcortical) (pranto)
Sons rítmicos PERCEPÇÃO
melódicos INTERNA | (canto)

n-nruZL
harmônicos (dança)
RESPOSTA (voz)
Elementos eletrônicos
(música)
produtores Instrumentos (gestos)
de estímulos musicais
sonoros

SONWILSI
SISTEMA [Penido
R. O. BENENZON

Palavras TÁTIL BULBO

Zurc>0OnoO
Ruldos

Ultrasons
Aparelhos
eletrônicos
SISTEMA
VISUAL MEDULA
| Sistema
Infre-sons Vago-simpático
Outros

Figura 1.
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 15

estímulo valsa, as linhas e formas eram circulares. Sob o estímulo


de música de moda, o desenho mostrava, geralmente, uma imagem
que a caracterizava (Figuras 2 a 6).
Em Genebra, Gabrielle Boissier trabalhou na elaboração de
um teste projetivo sonoro que homologou ao teste de Rorschach.
Partiu da idéia de que cada indivíduo tem uma percepção auditiva
pessoal do som, e que, portanto, essa percepção pode ser modifi-
cada por problemas da personalidade. Este conceito permitiria o
diagnóstico diferencial entre pessoas aparentemente adaptadas ou
que apresentam uma estrutura neurótica ou psicótica. O teste
consiste em passar uma fita de gravação onde se registraram 28
sons figurativos, divididos em três séries. A instrução é: "Vocês
escutarão os sons, nos dirão o que são e o que lhes sugerem”.
Num capítulo à parte deste manual descrevo o teste projetivo
sonoro que idealizei, faz alguns anos, e que serve como um instru-
mento a mais de coadjuvante nos tratamentos psicoterapêuticos.
Por último, existe a possibilidade de detectar, mediante a
observação da relação aluno/música ou paciente/música, os confli-
tos da relação aluno/ mãe ou paciente/mãe.
Dos métodos terapêuticos. Obviamente este aspecto da
definição será desenvolvido nos próximos capítulos.
Com respeito ao ponto de vista terapéutico, a Musicoterapia é
uma disciplina paramédica.
A Musicoterapia é uma auxiliar da Medicina que coadjuva
com as demais técnicas terapêuticas para recuperar o paciente para
a sociedade ou para atuar na prevenção das enfermidades físicas e
mentais.
É uma terapêutica médica que se desenvolve no mesmo nível
do fonoaudiólogo, do terapeuta ocupacional, do terapeuta físico
etc.
Portanto, sua estrutura, seu desenvolvimento devem ser
controlados e supervisionados dentro do âmbito das Faculdades de
Medicina.
Na história de seu desenvolvimento atual predomina ainda,
em cada país, a tendência dos precursores. Se este é um músico,
inclinar-se-á por desenvolver a disciplina dentro do âmbito de uma
faculdade de música; se é um psicólogo, dentro de uma faculdade
de psicologia; porém, creio que, como objetivo da Musicoterapia é
o terapêutico e não o musical, esta deve desenvolver-se dentro de
um sistema curricular pertinente à Faculdade de Medicina.
16 R. O. BENENZON

fts
de atm

pao a

Figura 2 — Desenho sobes- Figura 3 — Desenho sob es-


tímulo — Marcha tímulo — Valsa

ISV
MAÇAoa.
Dios L =

na

Figura 4 — Desenho sobes- Figura 5 — Desenho sob es-


tímulo — Marcha tímulo — Valsa

Ze
a
Figura 6 — Desenho sob es-
tímulo — Música de Moda

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 17

Da utilização do som, a música eo movimento. Na definição


anterior tenho dito das amplas possibilidades do aspecto sonoro.
Nesta desejo assinalar a inclusão do movimento. Creio que o
movimento e o som são uma mesma coisa, ou, dizendo melhor, um
complementa o outro. Todo movimento tem dentro de si mesmo
um som e todo som gera e é gerado por um movimento.
No campo terapêutico, entendendo este último como um
processo e que, portanto, transcorre no tempo — e que além disso
intervêm pelo menos duas pessoas, que são o terapeuta e o pacien-
te —, a utilização do som significa inevitavelmente a presença do
movimento, seja realizado, ou vivenciado, ou experimentado
dentro de cada um dos integrantes do processo.
Da produção de efeitos regressivos. Quando falo dos efeitos
regressivos do som e da música, não me refiro a isto como único
objetivo terapêutico, pois percebo que há sons que produzem em
determinados indivíduos efeitos totalmente contrários. No meu
entender, um dos fenômenos mais profundos que produz o som e
a música é a capacidade de provocar estados regressivos no ser
humano.
Na aplicação psiquiátrica da Musicoterapia esta propriedade é
fundamental,
Baseio-me na explicação de tipo psicoanalítica para o enten-
dimento do termo regressão. Sabemos que há dois conceitos que
andam unidos, que é o de fixação e o de regressão.
Quando existem perturbações do desenvolvimento evolutivo,
produz-se alteração do mesmo (fixação), ou podem originar-se
movimentos de retrocesso (regressão) mediante os quais volta-se a
etapas anteriores que foram vividas com maior ou menor êxito;
etapas anais, orais e ainda fetais.
Em outras palavras, cada vez que uma pessoa sofre uma frus-
tração surge nela uma tendência a sentir saudade de períodos an-
teriores de sua vida, nos quais suas experiências foram mais praze-
rosas, e tipos anteriores de satisfação que foram mais completos.
Isto é, que a regressão seria um mecanismo de defesa do Ego.
Neste sentido há dois tipos de regressão: a) a regressão de
formas adultas a formas infantis de sexualidade, que seria o pré-
requisito das neuroses, e b) o que nos interessa fundamentalmente,
a regressão ao narcisismo primário, ou seja, a etapa do desenvolvi-
mento anterior à diferenciação final do Ego e o Ele. Quando se
produz esta regressão — a mais profunda — significa a reedição do
18 R. O. BENENZON

mais antigo de todos os tipos de defesa: o bloqueio do Ego. En-


tramos assim nos exemplos dos processos esquizofrênicos, da psi-
cose infantil, do autismo, da simbiose etc.
Chegamos a expor, desta maneira, o fator terapêutico da re-
gressão. O psicótico, ao ter regressado a uma fase anterior à exis-
tência de objetos, não tem interesse em manter contato com os de-
mais, ou, de outro modo, a tendência psicótica à retração priva de
toda consistência as suas tendências de estabelecer contatos.
Sabemos que no começo os psicanalistas, tendo como ferra-
menta principal a interpretação da transferência, consideravam ina-
plicável a psicanálise nos psicóticos. Este conceito com a evolu-
ção foi variando.
Nos psicóticos sempre ficam resíduos de relações objetais e
anseios de recuperar os contatos desta índole.
É assim que se pode criar gradualmente um mínimo de ati-
tude para a transferência.
Por este caminho podemos nos introduzir nas importantes
possibilidades do som e da música. Isto é devido a que o som, o
movimento, a música e os fenômenos acústicos são os elementos
comunicantes desta primitiva etapa do desenvolvimento evolutivo.
Estes elementos permitem uma comunicação com objetos indife-
renciados e, à sua vez, são percebidos como fenômenos gestálticos.
Portanto, o musicoterapeuta, que em sua formação aprende e
introjeta o manejo e o uso de uma linguagem pré-verbal e não-ver-
bal incodificada, pode introduzir-se através da mesma nos níveis
regressivos narcisísticos, sem provocar maiores retrações do Ego,
pois estamos trabalhando com os elementos conhecidos desta épo-
ca do Ego.
Isto me tem levado a criar dois termos conceituais: os sons
regressivogenéticos e o complexo não-verbal.
Os sons regressivogenéticos são aqueles que entre outras ca-
racterísticas predomina a de produzir nos seres humanos efeitos
regressivos, em maior medida que outros sons, e, em geral, como
um efeito universal, independente da patologia ou das caracteris-
eo! individuais. Um exemplo desta classe de sons é o batimento
aco.
Chamarei complexo não-verbal a todo conjunto
de elemen-
tos icai
prodAD musi
| de movimento qu
e fenômenos acústicos e
ATOS,efeito
uzem s careg
isres
, siv os.
Em r
outros capítulos aprofundaremos estes conceitos.
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 19

Da abertura de canais de comunicação. Devo esclarecer que


Os canais decomunicação não só podem abrir-se mercê da pro-
dução de efeitos regressivos, mas, também, devido a outras carac-
ter ísticas dos estímulos sonoro-musicais, implementadas dentro do
processo terapêutico. Estes canais de comunicação favorecem €
são parte do êxito da Musicoterapia.
Muitas vezes, a Terapia Ocupacional, a Fonoaudiologia, a
Psicoterapia abordam o paciente utilizando os mesmos canais de
comunicação abertos pela Musicoterapia. Outras vezes, Os canais
de comunicação não significam novas vias de acesso à dinâmica
psíquica, mas a reestruturação de algumas já existentes.
Do treinamento e recuperação do paciente para a sociedade.
Muitas vezes, neste processo, a Musicoterapia ocupa O primeiro
elo, pois é utilizada como primeira técnica de aproximação.
Exemplo deste último o encontramos no trabalho com crian-
cas autistas. Outras vezes, a Musicoterapia ocupa um lugar de
coadjuvante no processo, como seria nos casos cujos objetivos
são conseguir movimentos compensatórios na reabilitação motora,
ou no desbloqueio de estruturas obsessivas em psicoterapias pro-
fundas etc.

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CAPITULO 2

FUNDAMENTOS

Neste capítulo desenvolverei algumas experiências biológicas


e uma série de experiências psicológicas que fundamentam o por-
quê da utilização dos sons e da música nos processos terapêuticos.
Quase todas as experiências que se vão descrever têm caráter
de investigação e não de processo terapêutico. Portanto, são expe-
riências que ajudam a ampliar o campo da Musicoterapia, porém,
elas mesmas não pertencem à Musicoterapia.

a) Biologia do som

Retomaremos o conceito de complexo som/ser humano e am-


pliaremos alguns aspectos da Figura 1.
No setor 4 observamos os elementos produtores de estímulos
sonoros. Possivelmente no futuro da Musicoterapia os aparelhos
eletrônicos, sobretudo o sintetizador eletrônico, irão adquirindo,
à medida que sua possibilidade de manipulação seja mais fácil,
enorme importância para o trabalho terapêutico. .
No setor B observamos os estímulos sonoros que impressio-
nam nosso sistema sensorial.
O mundo sonoro que nos rodeia é infinito, desde o silêncio
(que varia, no que é uma verdadeira câmara de silêncio, quase in-
suportável para alguns, até o que nós chamamos silêncio, numa sa-
la com isolamento acústico) até os infra-sons, também de transcen-
dental significação no futuro da Musicoterapia, já que eles poderão
impressionar nosso inconsciente burlando os mecanismos de defe-
sa do Ego. Os sons que são percebidos por nosso organismo através
de um sistema de percepção interna que ainda desconhecemos, co-
mo os batimentos cardíacos, os ruídos intestinais, os atritos arti-

Scanned by CamScanner = mem


22 R. O. BENENZON

culares, os movimentos musculares e articulares, a pulsação, os


processos enzimáticos. Muitos destes sons integram a lista dos sons
regressivogenéticos.
No setor C figuram todos os sistemas de percepção desses es-
tímulos sonoros, como o sistema auditivo, o sistema de percepção
interna, o sistema tátil — de grande importância nos surdos pela
possibilidade de percepção vibratória — e o sistema visual, por
onde o som penetraria como um símbolo que logo se converteria
num som.
No setor D figuram o sistema nervoso e sua inter-relação com
outros sistemas, como o endócrino. Observamos o cérebro, ou seja,
o sistema cortical, o tálamo ou sistema subcortical e a inter-relação
tálamo/hipófise, o bulbo e a medula e suas conexões com o siste-
ma vago-simpático ou sistema autônomo.
O tálamo é o lugar onde chegam as sensações e emoções que
ficarão ali num plano não-consciente; ou seja, que mediante um
ritmo musical podemos condicionar uma resposta inconsciente au-
tomática. Uma pessoa pode tamborilar com seus dedos ou assobiar
seguindo a música a este nível de tálamo; porém só a nível cortical
é possível apreciar conscientemente uma música.
Por isso o ritmo e talvez a melodia são atributos do homem e
dos animais, visto que ambos se desenvolvem a nível subcortical;
porém a harmonia, que já é um produto intelectual, só se pode rea-
lizar a nível cortical e é atributo exclusivo do homem; é ali, na pas-
sagem do tálamo ao córtex, onde os elementos musicais e sonoros
podem sofrer inibições e deslocações que ainda desconhecemos.
A música está muito ligada às funções da linguagem, portanto
os defeitos nas funções musicais aparecem quase invariavelmente
unidos a incapacidades de outras funções psicomotoras, das quais
a oratória e a conversação são as mais notáveis; as áreas anatômi-
co-cerebrais apóiam estes postulados. Assim, no lóbulo temporal,
os centros da linguagem e da música encontram-se muito perto um
do outro. Muitas enfermidades cerebrais da área de Wernike e de
Broca, entre outras alternações, produzem disfunções na ativida-
de musical do paciente.
Com respeito à inter-relação neuroendócrina, um exemplo
claro é o que oferecem as mães que ao ouvir de longe o pranto de
seu filho, imediatamente têm secreção láctea que não podem con-
ter. O pranto da criança pode favorecer também à hemóstase após
o parto, já que produz a contração uterina por reação da hormona

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 23

ocitocina. Por suposto isto seguiria a via tálamo/hipófise.


Finalmente no setor E figuram as respostas.
Antes de tratar diretamente das experiências realizadas no
campo humano, considerarei alguns aspectos nos vegetais e ani-
mais.
Um granjeiro de Illinois (Estados Unidos) colocou em dois in-
vernadouros distintos o mesmo tipo de semente em idênticas con-
dições de fertilidade, umidade e temperatura, porém num deles
instalou um alto-falante que tocava música durante as 24 horas do
dia. Ao cabo de um tempo, comprovou que no invernadouro sub-
metido ao estímulo musical o maís (milho graúdo) havia germina-
do com maior rapidez, o peso dos grãos era superior e o quociente
de fertilização da terra havia-se elevado. As plantas que se encon-
travam próximas ao alto-falante achavam-se deterioradas pelo efei-
to das vibrações do som musical.
Tanto foi o êxito que atualmente no Canadá utiliza-se música
para grandes extensões de produção agrícola, e inclusive observou-
se que as vibrações do som musical destrufam um microorganis-
mo (parasito), que por sua vez afetava a planta de maís (milho
graúdo).
Em veterinária fala-se, ironicamente, de que as vacas gostam
de Mozart e que, em troca, a música de Wágner e o jazz inibem a
produção láctea; sem dúvida, nos centros dos Estados Unidos
estuda-se seriamente o problema. Uma estatística computada em
Illinois (Estados Unidos) mostra que o rendimento das vacas, nas
vacarias vizinhas a aeroportos onde operam jatos, diminui até
reduzir-se a quase zero em consequência dos ruídos.
Num dos grandes matadouros de Buenos Aires (Argentina)
está-se implantando o uso do estímulo musical adequado, antes de
que o animal seja conduzido à morte, para conseguir a não-diminui-
ção do peso do animal que chegava a ser elevado nas horas que an-
tecediam o abate.
Em fins de 1880, vários médicos, e especialmente fisiólogos,
ocuparam-se do estudo biológico da música. M. Getry e Héctor
Berlioz fizeram interessantes observações acerca da ação da músi-
ca sobre a pulsação e a circulação. Haller, fisiólogo, relata que o
rufar do tambor aumenta o fluxo de sangue que sai de uma veia
aberta. J. Dogiel publicou na Rússia trabalhos que podem ser con-
siderados científicos acerca da influência que exerce a música na
circulação sanguínea. Utilizou tons isolados produzidos por

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24 R. O. BENENZON

diapasões, instrumentos de corda e de sopro, sobre animais e o ho-


mem, medindo logo a pressão sangúínea e a ação card faca. Tanto
os animais como o homem reagiam aos estímulos sonoros com
uma aceleração da atividade cardíaca e um aumento da pressão
sangúínea, porém estas reações eram muito mais intensas nos
animais; em troca, no homem eram muito variáveis.
O fisiólogo francês Féré de la Salpêtriêre estudou a influên-
cia da música na capacidade de trabalho do homem, valendo-se do
ergógrafo de Mosso. Primeiro, pôde observar o fato de que antes
de tudo são os estímulos rítmicos os que conseguem aumentar o
rendimento corporal. Também observou a influência estimulante
que a música exercia, independentemente do ritmo, e cuja intensi-
dade estava relacionada com o caráter dos tons musicais executa-
dos; o efeito estimulante, especialmente naqueles de tom maior,
era superior ao produzido pelas peças musicais em tom menor.
Uma experiência histórica foi realizada pelo fisiólogo italia-
no Patrici, que, por uma circunstância especial, pôde determinar
a influência da música na circulação sangúfnea do cérebro.
Patrici conheceu um rapaz de 13 anos de idade que tinha sido
ferido gravemente no crânio com um machado e que se curou rapi-
damente. Ao soldarem-se os ossos do crânio, verificou-se que uma
pequena porção do cérebro ficava descoberta e separada do exte-
rior por uma membrana um pouco transparente, o que lhe permi-
tiu observar as mudanças na circulação. Ensaiou músicas como 4
Marselhesa e pôde comprovar que a circulação nessa parte aumen-
tava.
Nos anos 1954-55, Fraisse e Raoul Husson demonstraram, na
França, as características multiformes da emoção musical sobre a
motricidade, o sistema neurovegetativo e o córtex cerebral.
Estes pesquisadores registraram simultaneamente as diversas
reações provocadas pelo estímulo musical. Utilizaram um eletro-
encefalograma (aparelho que registra as oscilações do potencial
elétrico do cérebro), um outro para o registro do reflexo psico-
galvânico da pele (variações da resistência elétrica da pele), um dis-
positivo para o registro do ritmo cardíaco e a amplitude respira-
tória. Apesar desta complexa aparelhagem de registro poligráfico,
o paciente estava sentado confortavelmente numa cadeira e podia
escutar música difundida por um alto-falante de um estereofônico.
O programa musical variava entre obras de C. Frank, Schubert e
B. Bartok.
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 25

Depois do estudo das reações de umas 30 pessoas, Fraisse


constatou a aparição simultânea da resposta no eletroencefalogra-
ma e o reflexo psicogalvânico da pele, sobretudo quando se escu-
tava um tema musical conhecido pelo paciente. Em troca, não eram
tão apreciáveis as variações no ritmo respiratório nem no card faco
(Figura 7).
Este conceito da importância do surgimento do tema musical,
reconhecido como da repetição na música, o aprofundaremos no
aspecto psicológico, pois, possivelmente, integre um dos funda-
mentos do prazer em escutar música.

APENA
O A e ma ao

dress e ça to po jd,
E.E.G.
De RS ce E ço NESSE em,

Cera eg a TT coa era

RP.G. e E em

PNEUMO ML

sinal >

FIGURA 7.

Outras experiências biológicas que compreendem outros as-


pectos do ser humano foram as efetuadas na Inglaterra pelos dou-
tores Oswald Taylor e Treisman que comprovaram cientificamen-
te o que muitos podem constatar na vida cotidiana.
Refiro-me ao fato pelo qual o psiquismo é capaz de diferen-
ciar sensacões auditivas durante o sono.
É frequente constatar que se nos acercamos de uma pessoa
que está dormindo e pronunciamos uma série de nomes, ela não se
desperta, a não ser no momento em que pronunciamos seu pró-

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26 R. O. BENENZON

prio nome. O fator contrário, isto é, a falta de um estímulo audi-


tivo cotidiano também pode provocar o despertar. O exemplo tí-
pico é o do moleiro que acorda quando o moinho deixa de fun-
cionar.
A experiência realizada foi a seguinte: induziram ao sono
profundo uma série de pessoas voluntárias e lhes tomaram o ele-
troencefalograma durante o sono; enquanto elas dormiam, escu-
tavam uma gravação onde pronunciavam-se nomes a intervalos
de cinco a oito segundos; em determinado momento pronuncia-
va-se o nome próprio, da pessoa-objeto da experiência. Com-
provou-se que no momento de pronunciar-se o nome próprio,
mesmo quando a pessoa continuava em sono profundo, o eletro-
encefalograma mostrava uma onda particular (complexo K) ex-
clusiva deste estímulo; e mais ainda, o complexo K produzia-se
igualmente, se o nome era pronunciado ao contrário. Este exem-
plo nos fala da atividade que se verifica durante o sono, e, por-
tanto, da quantidade de engramas sonoros que inconsciente-
mente vão-se acoplando no sobrevir de nossa vida e que formarão
parte da dinâmica de nossa identidade sonora.
Como último e extremo exemplo devo referir-me às expe-
riências com o DNA e o RNA, o ácido desoxirribonucléico elemen-
to fundamental das células do sistema nervoso. Atualmente, me-
diante determinados sons, pode-se inibir em forma reversível a
biossíntese das proteínas, purinas e pirimidinas nas células vivas,
provocando mudanças no ácido desoxirribonucléico.
Até que ponto estarão ocorrendo mudanças nos mecanismos
enzimáticos com o incremento indiscriminado dos sons em nossa
atual civilização que ainda desconhecemos, mas que seguramente
não são um bom prognóstico para o nosso futuro?
Resumindo as investigações sobre os efeitos biológicos do
som e da música no ser humano, podemos dizer que:
a) segundo o ritmo, incrementa ou diminui a energia muscular.
b) acelera a respiração ou altera sua regularidade.
c) produz efeito marcado, porém variável, na pulsação, na
pressão sanguínea e na função endócrina.
d) diminui o impacto dos estímulos sensoriais de diferentes
modos.
e) tende a reduzir ou retardar a fadiga e, consequentemente,
incrementa o endurecimento muscular.
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 27

f) aumenta a atividade voluntária, como escrever a máquina,


e incrementa a extensão dos reflexos musculares empregados no
escrever, desenhar etc.
o q) é capaz de provocar mudanças nos traçados elétricos do or-
ganismo.
h) é capaz de provocar mudanças no metabolismo e na bios-
síntese de vários processos enzimáticos.

b) Psicologia do som

Este é um dos temas mais importantes e complexos dos


fundamentos da Musicoterapia.
Poucas vezes a psicanálise tem tomado a música como ob-
jeto de sua investigação.
Uma das dificuldades reside na natureza especial da música;
acima de tudo, como assinala R. Sterba, “porque ela não repre-
senta em si os objetos do mundo exterior, como a maioria das de-
mais artes, e são justamente estes objetos e suas mútuas relações
o que constitui o tópico central da psicanálise”.
Outra causa da resistência seria a natureza afetiva, e esta re-
sistência, como diz E. Racker, descobre-se ao considerar o signifi-
cado consciente que a música tem para muitos de seus amantes.
Uns vivem a música como uma religião e às vezes a designam as-
sim; outros expressam algo similar em termos mais diretamente
eróticos, sendo a relação com a música, nestes casos, como um
amor feliz que recusa, seguindo o princípio do prazer, qualquer
intervenção intelectual; a música é algo onde se é — por fim! —
feliz, e então já não interessa nenhuma análise.
Outra das causas seria que o próprio Freud repelia a músi-
ca. Fez desaparecer o piano de sua casa, pois dizia que o impedia
de concentrar-se em seu trabalho; isto tinha um antecedente em
sua infância, pois parece que os estudos de piano de sua irmã
o impediam de estudar.
Trataremos de enfocar o estudo da psicologia profunda da
música através do desenvolvimento do ser humano, desde seu es-
tado intra-uterino até sua evolução ulterior.
Parto da hipótese de que desde o preciso momento em que o
óvulo se une ao espermatozóide, e ainda no útero materno, para ir
gestando O novo ser, este já se encontra em contato com as pulsa-
ções do batimento card aco, e com inúmeras sensações vibratórias,
28 R. O BENENZON

de movimento e som, dadas pelo ranger das paredes uterinas, pelos


ruídos intestinais da mãe, pela respiração, pelos diferentes estados
gravitacionais etc., ou seja, em contato com OS elementos do com-
plexo não-verbal. o |
Entende-se que durante um primeiro tempo SO perceberá fe-
nômenos vibracionais e gravitacionais. o
Pouco a pouco estes fenômenos serão percebidos como vitais
e essenciais para a prossecução da vida.
É evidente que, à medida que o feto se desenvolve, vai adqui-
rindo a sensação da importância dessa batida, que sente em todo
seu corpo e que de alguma maneira percebe como essencial para
sua vida, já que sua diminuição acarreta-lhe a sensação de falta de
oxigênio, de nutrição, de temperatura, enfim, de vida. Toda alte-
ração no abastecimento de sangue pelo cordão umbilical provoca
estados de stress ou de alarma fetal, ou seja, que o incremento do
instinto de vida ou de morte estaria em estreita relação com os ba-
timentos cardíacos que impulsionam o fluxo sanguíneo desde a
mãe ao feto, através do cordão umbilical.
Também estas alterações se associariam com outros sons, co-
mo os de inspiração e expiração da mãe, que poderiam antecipar
ou acompanhar os do incremento da batida, ou, inclusive, com fe-
nômenos vocais que chegariam deformados.
Penso que muitos dos estímulos, tanto externos como inter-
nos, da mãe passarão a fazer parte não só da dinâmica dos comple-
xos não-verbais, mas, também, do engrama mnêmico do ser em
gestação.
Nesse engrama mnêmico encontra-se um mosaico genético
herdado, onde estariam as experiências do acervo folclórico herdado
dessa pessoa, correspondente à vida de seus antepassados, sua raça,
seu meio cultural etc.
Fundamento esta hipótese em toda a experiência que venho
realizando terapeuticamente com crianças autistas, as mais próxi-
mas da época fetal, e a uma quantidade de experiências e investi-
gações no campo da percepção fetal. Obviamente o feto não per-
cebe os sons através de seu sistema auditivo, e sim pela percepção
vibracional; esta percepção do som se deve realizar como uma uni-
dade de percepção sensorial, isto é, como um todo indiferenciado,
onde o fator mais importante seria o movimento.
Passarei a relatar algumas das experiências conhecidas a res-
peito.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 29

Forbes e Forbes, citado por Carmichael, expõe que “trinta


dias antes do nascimento de seu filho, uma mulher grávida banha-
va-se submersa numa banheira metálica cheia de água quente. Uma
criança de dois anos estava brincando no chão ao lado da banheira.
Acidentalmente a criança golpeou o costado desta com uma jarra
de vidro e imediatamente a mãe sentiu uma brusca sacudida do fe-
to que lhe produziu uma sensação completamente diferente aos
pontapés ou aos movimentos habituais dos membros.
Dias depois, um observador golpeou o costado da banheira,
por debaixo do nível da água, com um pequeno objeto metálico,
observando o abdômen da mãe. Numa fração de segundo, depois
do golpe, foi perfeitamente visível um vivo avultamento na pare-
de abdominal anterior. A mãe voltou a sentir, nesse momento, o
mesmo salto que havia assinalado anteriormente.
Peiper, com um aparelho apropriado, pôde registrar a ativi-
dade geral do feto através da parede abdominal da mãe.
Era evidente que os sons chegariam amortecidos em seu tra-
jeto rumo ao feto. Por isso escolheu um som muito forte como
estímulo, utilizando uma buzina de automóvel.
O experimentador esperou até a completa quietude do feto,
instruindo a mãe para que não respondesse ao estímulo. Em mais
de um terço de sujeitos estudados observaram-se respostas precisas
É frequente observar que a mãe pianista, no sexto mês de gra-
videz. deve abandonar a prática do instrumento, como também sua
ida a salas de concerto, pelas contínuas sacudidas do feto. Foi-nos
relatado o caso de uma mãe, com intensa angústia e ansiedade, que
durante seus últimos meses de gravidez, acalmava-se com a audição
de Madame Butterfly. Ao nascer seu filho, comprovou-se que a au-
dição de Madame Butterfly era o único estímulo que acalmava seu
pranto.
Atualmente, comprovamos que a criança mama mais tran-
quila e, além disso, acalma seu pranto mais facilmente do lado do
peito onde se sentem os batimentos cardíacos da mãe; mais ainda,
as últimas investigações demonstram que os movimentos rítmicos
de sucção do recém-nascido estão em (Íntima relação com seus
próprios batimentos cardíacos, isto é, que se os batimentos card fa-
cos de um bebê se aceleram, seu ritmo de sucção se acelera e vice-
versa.
O ritmo dos tambores das tribos primitivas varia quando se
trata da partida ou do regresso a casa. Quando partem, o ritmo é
30 RO BENENZON

a imitação do batimento cardíaco, isto é, O primeiro longo, eo se


gundo curto, quase interrompido, o que daria lugar, em parte, à
sensação de angústia. Em troca, ao regressar, 0 primeiro som é cui
to, e o segundo longo, o que daria uma sensação de tórmino, de te
laxamento, de tranquilidade.
Ao partir: tam-ta; tam-ta; tam-ta.
Ao regressar: ta-tam; ta-tam; ta-tam.
Sontag e Wallace provocaram respostas de alarma num feto
de 9 meses, em 28 dos 29 intentos, usando uma campainha elétri
ca que golpeava (durante 5 segundos, com um minuto de interva
lo) contra um disco de madeira colocado no abdômen materno.
Notou-se um aumento ou incremento substancial da frequência
card íaca.
Spelt informou ter chegado a condicionar fetos. Seu proce:
dimento consistia em estimulações táteis de 5 segundos no abdô-
men materno sobre a região fetal, seguidas por um som intenso.
Este era produzido por um palito de madeira que golpeava uma
caixa de madeira. Depois de repetidos esforços, o feto aprendia
a antecipar o som logo após a apresentação do estímulo tátil. Todas
estas experiências me levam a reformular a hipótese desta maneira:
“A base da relação ritmo/ser humano deve-se buscar no contato
sonoro do feto intra-uterino” e “a música é a evocação da mãe, é
reeditar a relação com ela e com a natureza”.
Em geral, o recém-nascido tem o ouvido cheio de tecido me-
senquimatoso embrionário, que se torna gradualmente arejado no
primeiro ou segundo dia de vida; portanto, os estímulos auditivos
raramente se fazem efetivos do ponto de vista da percepção auditi-
va. Sem dúvida, sabemos que existem outros sistemas de percep-
ção que estão funcionando e provavelmente seguem funcionando
no momento do nascimento. A esse respeito, as experiências de
Tomatis permitem uma comprovação interessante. Tomatis supõe
que o feto reconhece os ruídos específicos da mãe, inclusive sua
voz, e emprega para o tratamento das dislexias precisamente o som
da voz da mãe, passado através de filtros que dão a sensação de se-
rem transmitidos por meio aquoso.
Assim, comprovou que a criança só reconhece e torna inteli-
gíveis as palavras de sua própria mãe, porém, não de outra.
Isto pode ser comprovado a cada um de nós. Se escutamos
qualquer das fitas gravadas depois da passagem dos filtros, não re-
conhecemos, ao longo das horas, nem uma só palavra das pronun-

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 31

ciadas por distintas mulheres, porém, se são palavras de nossa pró-


pria mãe, ao cabo de um tempo, podemos chegar a entender mais
e mais palavras, até compreender a totalidade
do gravado em fita.
E possível que as experiências de Tomatis também nos estejam
demonstrando a presença de uma abundante percepção, por parte
do feto, dos infinitos estímulos que lhe chegam.
O desconhecido destes estímulos seria um valioso subsídio à
terapêutica com pacientes psicóticos.
Não podemos deixar de mencionar aqui os que têm trabalha-
do na teoria de Imprinting.
Lorenz (1935, 1937), citado por Sluckin, sentiu-se impressio-
nado pelo fato de que a cria de uma ave não reconhece instintiva-
mente os membros adultos de sua própria espécie. Sua dotação ins-
tintiva simplesmente a predispõe a seguir a primeira coisa móvel
com a qual se encontra, geralmente a mãe, às vezes outro membro
de sua própria espécie, ou, ocasionalmente, um membro de outras
espécies. Porém, depois de ter realizado alguma experiência com
sua mãe, ou com outro animal, ou talvez com um ser humano, o
animalzinho estabelece um vínculo duradouro com o indivíduo,
ou com a classe do indivíduo a quem segue inicialmente. Dizemos
que o animalzinho ficou com imprinting deste indivíduo, ou este
tipo de indivíduo; e, em si mesmo, o fenômeno recebe a denomi-
nação de imprinting. Uma expressão semelhante é o to stamp in
(estampado).
Salk, L., em seu artigo Mothers hearbeat as imprinting stimulus,
diz: “O bebê no útero tem imprinting auditivo do batimento car-
díaco da mãe”. A comprovação concreta de Salk foi que as crian-
ças recém-nascidas, expostas durante quatro dias a um ruído seme-
lhante ao batimento cardíaco, choravam menos e ganhavam mais
peso que as crianças de controle que não realizavam esta experiên-
cia. Observou-se que as crianças de maior idade quando escutavam
o som de 72 batidas simultâneas por minuto adormeciam me-
lhor do que quando ouviam outros sons. Mais adiante estabelece
que ''a música e a dança são o resultado do imprinting, e o homem
as cria e as vive em seu esforço por permanecer na proximidade
dos estímulos de imprinting; assim, a música e a dança seriam in-
tentos humanos inconscientes de recapturar as experiências senso-
riais similares às que foram recebidas durante a vida pré-natal”.
Sluckin em /mprinting e aprendizagem discute esta experiência
dizendo que: “Estas experiências não estabeleceram o reconheci-

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32 R. O. BENENZON

mento do batimento cardíaco nem “demonstraram que


a preferên.
cia ante este som fora consequência de uma experiência anteri
or
com o mesmo. E evidente que os efeitos observados podiam res-
ponder a fatores distintos do imprinting e que por si mesmos não
é possível considerá-los evidência concludente da presença de im.
printing nas crianças humanas”.
No capítulo sobre os princípios da Musicoterapia, discutire-
mos as diferenças entre o ISO e o imprinting.
Passarei a relatar algumas experiências que realizei, através
das quais me aproximei à compreensão deste complexo problema.
Estas experiências consistiram na observação passiva de respos-
tas das pessoas ao serem submetidas à audição de distintos fenô-
menos musicais. Estas experiências são úteis como passo interme-
diário para posteriores investigações e ulteriores elaborações tera-
pêuticas, porém não são experiências terapêuticas, nem persegui-
ram um objetivo terapêutico.
Na primeira delas utilizou-se música em sessões de psicoterapia
com pacientes esquizofrênicos crônicos, cada um dos quais tinha
mais de 15 anos de internação. Nenhum deles comunicava-se ver-
balmente, de maneira que as interpretações do terapeuta eram con-
sequências de suas atitudes.
Das 32 sessões que realizamos, só me deterei naquelas que se
referem à simbolização da regressão que se conseguiu mediante a
música, e que, portanto, permitiram uma eficaz comunicação com
estes pacientes tão regressivos.
Numa das sessões um deles nos mostrava, com um aceno de
mão, que o que saía do gravador dirigia-se diretamente a seu um-
bigo.
A esse respeito, recordo o comentário que me fez Willems, em
Genebra, de um paciente seu que só sentia sensibilidade na zona
umbilical; portanto, cada vez que se dispunha a escutar música de-
via desabotoar o cinto e deixar descoberto seu umbigo.
Posso associar outra experiência; se tomamos um grupo de ou-
vintes e um grupo de deficientes auditivos, e se lhes convida a rea:
lizar um forte movimento vibratório com a língua contra o palato,
e em seguida perguntamos onde sentiram a vibração, obteremos os
seguintes resultados: no grupo de ouvintes, uns a terão sentido na
nuca, outros na própria língua, outros no ombro etc.; em troca, no
grupo de deficientes auditivos, a terão sentido na zona umbilical,
onde realmente se sentem as percepções vibratórias e outras refe-
rentes ao som.
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 33

Recordemos que ali encontra-se o plexo solar, um importante


conglomerado do sistema nervoso autônomo. Isto, portanto, cor-
roboraria a hipótese de que na região umbilical se sentiriam as pri-
meiras sensações rítmicas dadas pelo batimento da artéria umbili-
cal durante a estada intra-uterina.
Voltando ao grupo dos pacientes, observamos um outro
que nos trazia constantemente pedaços de pão, isto é, vivenciava a
música como um elemento de nutrição. Esta foi a primeira vez, de-
pois de numerosos intentos, que se pôde conseguir uma aproxima-
ção com estes pacientes.
A segunda experiência a realizei com quatro grupos de crian-
ças, deficientes mentais, mongolóides, ao redor de seis anos de
idade.
A diferença entre os grupos residia no quociente intelectual, o
grau de expressão e maturidade. A experiência se realizou num am-
plo salão; contávamos com um gravador, lápis e papéis e um pan-
deiro pequeno para cada um dos integrantes dos grupos. Deu-se-
lhes a seguinte instrução: “Poderão realizar tudo o que vocês quei-
ram; vão escutar um som que sai deste gravador”. Não se lhes ex-
plicou que tipo de sons estavam gravados. Realizaram-se 15 ses-
sões nas quais os sons foram os seguintes: 14 sessão: batimento car-
díaco de coração normal durante 40 minutos. 22 sessão: batimento
cardíaco e, em paralelo, o dar corda a um relógio e logo o tique-ta-
que de um relógio. 32 sessão: batimento cardíaco e, em paralelo,
ducha de lavatório que se enche e logo se esvazia. 43 e 52 sessões:
batimento cardíaco e, paralelamente, miados e latidos. 62 sessão:
batimento cardíaco e, ao mesmo tempo, sons de ônibus, subterrã-
neo, trânsito com buzinas e sirenas. 72 sessão: batimento cardíaco,
aceleração dos batimentos e logo suspensão e substituição imediata
pelo choro de um recém-nascido. 82 sessão: canções de ninar. 9 a
142 sessões: Bach, Vivaldi, Beethoven. 152 sessão: Sinfonia para
um Só Homem, de Pierre Schaeffer, para música concreta.
A idéia foi criar nas primeiras nove sessões um clima sonoro
similar ao que presumivelmente seria o clima intra-uterino durante
a gestação; em seguida, uma espécie de nascimento, para passar, fi-
nalmente, a uma evolução rápida da música propriamente dita até
a volta à música concreta.
Nas primeiras sete sessões, embora o estímulo sonoro nos pro-
duzisse à observadora e a mim uma sensação indefinida, especial,
não-usual, todos os integrantes dos grupos, sem exceção, pareciam

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34 . BENENZON
R.0.8B

estar num clima de conforto e bem-estar, já que todos começaram


a pintar e a produção pictórica foi inusitada.
Os que não podiam ou não queriam desenhar mostravam-se
muito calmos, com notável diminuição de movimentos, sobretudo
nos hiperativos.
Quando na 152 sessão se escutou música concreta, e as respos-
tas foram similares, percebi que nas primeiras sete sessões havia
criado um fenômeno parecido à música concreta. Ou seja, que
havia regressado circularmente ao princípio do desenvolvimento
evolutivo.
Pergunto-me hoje em dia, como também naquele tempo, se os
compositores contemporâneos não estão criando através dos sons
regressivos — ou descobrindo e reeditando — a vida intra-uterina,
compondo, portanto, verdadeiras sinfonias intra-uterinas.
Conversando com a equipe de Pierre Schaeffer, na Radiodifu-
são Televisão Francesa, muitos dos compositores me confessaram
que, à medida que conseguiam romper seus próprios bloqueios cria-
tivos, interessavam-se cada vez mais na produção de fenômenos
acústicos similares aos que seriam os fenômenos regressivos.
Este último conceito o retomaremos no capítulo dedicado à
formação profissional do musicoterapeuta, onde considero que um
dos aspectos mais importantes é aprender o pensamento não-ver-
bal; é compreender o manejo de um contexto não-verbal. Surge em
mim as palavras de Yanis Xenakis (músico, arquiteto e matemáti-
co), que diz “trata-se de materializar os movimentos do pensamen-
to com ajuda dos sons, e fazer música significa expressar a inteli-
gência com meios sonoros”. Xenakis propunha o abandono de to-
do determinismo tonal e serial em favor de um indeterminismo ato-
nal e serial, ação da qual surgirá a estocástica como causalidade
mais generalizada.
A estocástica é um termo incorporado por Jacques Bernouil-
le que significa, no terreno das matemáticas, o submetido à proba-
bilidade, o aleatório, o jogo de azar. Voltando ao pensamento de
Xenakis, ele diz: “trata-se de um conceito filosófico e estético reg
do pelas leis da teoria das probabilidades e pelas funções matemá-
ticas que as formulam; de um conceito coerente num novo domi-
nio de coerência”
Voltando à experiência, é interessante destacar o ocorrido nê
quarta sessão, na qual, por erro de gravação, interrompeu-se po
breves segundos o batimento cardíaco, provocando em todos 9
RE SD Si A e ai

MANUAL DE MUSICOTERAPIA 35

componentes dos grupos uma brusca sacudida da cabeça, olhares


de surpresa e alarma. Esta sessão se repetiu duas vezes com idênti-
cos resultados.
Pergunto-me, foi esta uma sensação de reflexo condicionado
frente a crianças que durante quatro sessões estão escutando o ba-
timento cardíaco, ou foi o reviver de uma situação de alarma fetal?
Que sensações padecerá um feto ante uma extra-sístole ou uma pa-
rada cardíaca da mãe?
Na sétima sessão, onde se estimulou sonoramente um nasci-
mento, foram evidentes as demonstrações de angústia; a maioria
aumentava seu índice e mostrava o gravador como que pedindo
que se fizesse algo por aquele que chorava; em troca, outros, dos
grupos mais avançados, mostravam sua angústia mediante risos e
miradas irônicas diante de mim. Na oitava sessão chamou-nos a
atenção a reação de um dos integrantes, criança com ataques epi-
lépticos, que se acercou do gravador e ficou dormindo numa verda-
deira posição catatônica (de pé, assinalando o gravador).
O resto das sessões só se diferenciou pela maior mobilidade
dos integrantes no que diz respeito a respostas motoras.
As observações desta experiência demonstram que de alguma
maneira o batimento cardíaco induzia o auditório a uma situação
regressiva prazerosa, muito mais que a música em si. Se levarmos
em conta que era a primeira vez que o batimento cardíaco era es-
cutado por estas crianças, pelo menos de forma consciente, sua res-
posta demonstra ter sido estimulada por um elemento sonoro já
conhecido.
Outra experiência que realizei foi submeter 300 sujeitos ao es-
tímulo do batimento cardíaco sem manifestar-lhes qual era o estí-
mulo, e pedir-lhes um desenho das primeiras impressões surgidas.
A classificação dos resultados gráficos foi a seguinte:
Água, mar, tormenta, vento: 41
Abstrato rítmico; 33
Abstrato indefinido circular: 14 (tive a oportunidade de fazê-lo
com quatro sujeitos de características fortemente esquizóides e os
quatro coincidiram no gráfico abstrato indefinido circular).
Dança, tambores, acampamento índio, acampamento de índios
americanos: 14
Trem em marcha: 13
Marcha de soldados, passos: 18
Invasão militar: 6

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R. O. BENENZON
36

el: 5
Trem entrando num tún
edade: 4
Alma atormentada, ansi
era sideral: 3
Viagem pelo espaço, atmosf
Mundo selvático: 3
Galopar de cavalos: 2
Batimento cardíaco: 2
Rua com carros: 2
o: 1
Fábrica com máquinas em moviment
Ruído de borbulhas de lavagem: 1
Advento do mundo: 1
Paredão onde se fuzilam os prisioneiros: 1
Noite do velório de meu pai: 1
Nos últimos gráficos assinalados, estas eram as epigrafes dos
desenhos.
Esta simples experiência demonstra que o batimento cardíaco
estimulou impressões de nítido predomínio regressivo como a
água, ou os abstratos etc.
É oportuno destacar duas observações desta experiência que
mostram a tendência à recordação de certas situações traumáticas:
em um dos casos, uma doutora, que conhecia perfeitamente o esti-
mulo sonoro, não pôde, todavia, resistir à recordação de seus dias
vividos num campo de concentração, e a imagem que desenhou foi
a dos passos dos soldados, ou seja, botas de soldados em fila, num
dia de chuva.
Em outro, uma psicóloga, que também conhecia o estímulo,
não pôde evitar a sensação de desenhar um trem, pois era incessan-
te a recordação do ritmo de um trem em marcha. A mãe desta psi-
cóloga lhe contou que no dia anterior ao seu nascimento precisou
viajar de trem de uma localidade distante à capital. Praticamente o.
parto ocorreu pouco depois de ela haver chegado.
Por último, utilizei o batimento cardíaco em forma experi-
mental, submetendo um grupo de sete médicos, voluntários, espe-
cializados em psicodrama.
O batimento cardíaco utilizado foi gravado diretamente do
batimento de um deles e a experiência durou ao redor de quatro
carão O resultado foi praticamente similar em todos eles, sem ex-

Observou-se intensa sonolência, deslizamento de suas poltro-


nas até o chão pos"
p fetais, com, alguns
ções os dormiam p profundamentet em típicas
p
idos not ave l-
mente, jo lhos tocando o peito, encolhidos
joe
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 37

Ão cabo de quatro horas, tentou-se despertá-los fazendo com


que escutassem uma batucada (ritmo brasileiro sumamente estimu-
lante do ponto de vista motor).
Entretanto, ninguém acordou. Tivemos que sacudi-los para
conseguir que despertassem,
Os comentários que fizeram foram: a) sensações muito praze-
rosas; b) alguns sentiram um gosto doce na boca; c) recordam ter
sonhado com a batucada.
Novamente temos um exemplo do batimento cardíaco indu-
zindo à estados claramente regressivos.
Recordo que na análise de uma personalidade paranóide,
Charles Rycroft assinala o relato da paciente: “... a música deriva-
ria do prazer primário de escutar as pulsações do cordão umbi-
lical”,
Seguindo no processo evolutivo do ser humano encontramos
outras relações de ordem psicológica onde se encontra intimamen-
te involucrado o fenômeno sonoro/musical.
Nas crianças recém-nascidas, o reflexo de Moro manifesta-se
muito rápido em respostas a um som forte. O reflexo consiste no
seguinte: quando uma criança está deitada de costas, estende seus
braços para frente, põe rígida a extremidade, baixa e contorciona
seu rosto num trejeito; depois de um segundo ou dois, junta os
braços lentamente numa espécie de abraço, emite um grito e logo,
gradualmente, relaxa-se. Este reflexo persiste normalmente ao lon-
go de um mês ou seis semanas e é substituído, de forma gradual,
pela resposta estremecedora manifestada nos adultos em conse-
quência de um forte ruído, como o disparo de uma pistola.
Diariamente reconhecemos a reação ante sons repentinos, di-
| | retamente, sem mediar interferências de um pensamento lógico en-
tre estímulo e ação, como se fora um indubitável sinal de perigo.
Um som agudo ou forte pode ser experimentado como uma sensa-
ção desagradável. Em certas circunstâncias de grande vulnerabilida-
de emocional, ante um som suave que interrompe repentinamente
o silêncio, reage-se com uma resposta estremecedora, com uma co-
notação de perigo, ainda quando momentos depois alguém sinta-se
perturbado e sorria pela aparente falta de sentido de sua reação. A
reação anterior ocorre particularmente quando o ruído interrompe
a atmosfera de autoconcentração ou autopreocupação, como nos
casos de stress, ou em sessões psicanalíticas, ou em neuroses trau-
máticas. As reações da criança ao som diferem significativamente

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R. Q BENENZON
38

de suas reações a outros estímulos; ao nascer, a Criança já possui, e


também adquire paulatinamente, mecanismos que lhe permitem
proteger-se frente a certos estímulos, por si mesma.
Por exemplo, o afastamento coordenado de uma extremidade
ante um estímulo doloroso ocorre já na primeira semana de vida.
Os estímulos visuais estão distanciados com a ajuda das pálpebras.
Em troca, a criança acha-se muito mais exposta ao estímulo audi-
tivo. Segundo Kohun e Levarie, esta precoce exposição deve criar
uma íntima associação (simbólica) entre som e o mundo ameaça-
dor externo, como oposto ao silêncio e à segurança. Estes autores
também sustentam que nos estados psicológicos regressivos, onde a
hipersensibilidade ao ruído é reavivada, a reação ao perigo é, num
nível profundo, o maior e o mais precoce de todos os perigos. Sem
dúvida, creio que isto se deve, mais do que nada, à mudança de
forma de percepção, e que só ocorre com determinados sons, pois
como já assinalamos anteriormente, não sucede com estímulos
como o batimento cardíaco, ruídos intestinais ou outros, ainda
mais se estes sons são percebidos pelo corpo em forma tátil. Leva-
rie considera que à medida em que a criança cresce, física, emocio-
nal e intelectualmente, é ameaçada por perigos que são específicos
para os distintos períodos do desenvolvimento psicossexual (des-
mame, controle de esfíncteres, castração). Ruídos específicos pro-
vocam a evocação de medos específicos e a sensibilidade ante eles
pode dar uma solução quanto ao ponto de fixação regressiva.
Alguns, por exemplo, são particularmente sensíveis ao ruído
de mastigar que outros produzem, alguns reagem aos sons anterio-
res pois lhes recordam os flatos intestinais, outros ouvem nas in-
flexões específicas da voz do macho a voz de um pai zangado e
reagem com ansiedade ou defesa agressiva. Os sons podem tam-
bém representar perigos reais. Um exemplo que chama a atenção
sobre o significado específico de sons repentinos que criam um
sentimento de pânico é corroborado por muitos judeus que, nã
Alemanha, sob o jugo de Hitler, viviam em contínuo medo de se-
rem arrastados e enviados a um campo de concentração. Eles ex-
perimentavam menos medo quando se encontravam com uma pá:
trulha de soldados na rua, do que em casa quando ouviam, de súbl-
to, a campainha da porta. O desconhecido significado do som de
uma atmosfera de contínuo perigo pro
efeito paralisante.
duz invariavelmente um
|

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 39

Não só os sons repentinos produzem medo; os sons monóto-


nos, repetidos, aumentam a tensão e podem, sob circunstâncias es-
peciais, levar a sentimentos de pânico. Este efeito é usado artistica-
mente por Eugene O'Neil em O /mperador Jones, onde a percussão
de um tambor, que se aproxima mais e mais, é o simbolo da culpa
interna à vista da ameaça externa de castigo; e o ssm monótono de
crescente intensidade conduz ao pânico e à morte. É muito conhe-
cido que os guerreiros primitivos usavam os ruídos para atemori-
zar O inimigo.
Na última guerra, os alemães tentaram causar pânico nas tro-
pas Aliadas colocando sirenas nas suas bombas. Todos estes exem-
plos apóiam a opinião de que o sistema mental arcaico, seja na
criança, em homens primitivos ou, em circunstâncias especiais, no
adulto, tende a perceber o som como uma ameaça direta e, por re-
flexo, reagir a ela com ansiedade.
Em troca, quando se alivia a tensão psicológica, ou quando
esse alívio é antecipado um momento antes, experimenta-se
prazer.
Porém, o mundo externo deve ser tratado e o ego em desen-
volvimento começa a reconhecer não só o perigo desconhecido, do
qual trata de afastar-se, mas também as fontes de satisfação as
quais ele trata de acercar-se.
Os sons caóticos perturbadores são substituídos gradualmente
por aqueles que são significativos. Se o ambiente é satisfatório,
muitos sons tomam as precoces associações simbólicas como acon-
tecimentos prazerosos.
Tais associações são maleáveis e variam não somente com o
desenvolvimento da etapa da libido (ou fixação regressiva da libi-
do), mas também com as situações específicas do dia presente do
adulto. A voz da mãe associa-se com a gratificação oral da criança;
o balanço da mãe (embalo dos braços) com a sonolenta satisfação
depois do alimento.
Precoces estados eróticos kinestésicos (balanço de ninar, por
exemplo) antecipam o prazer pela dança e podem associar-se com
modelos definitivos do ritmo. O pequeno anal exibicionista pode
mais tarde, por identificação, desfrutar dos sons dos instrumentos
cuja conotação o recorda seu primitivo prazer durante a excreção;
um prazer que de outra forma não é conscientemente admissível.
A identificação com o solista, mas também frequentemente
com o som solitário ou predominante de uma produção musical,

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40 AR. O. BE NENZON

pode ter implicações de prazer fálico exibicionista. O silêncio, em


etapas posteriores do desenvolvimento, pode ser, por sua vez, expe-
rimentado como ameaçador porque, depois que o ego descobre o
ambiente humano bom, o silêncio implica estar só. A música co-
mo experiência em grupo leva ao alívio deste medo posterior, e um
dos fatores do prazer da música é, precisamente, que é uma expe-
riência de grupo.
Isto nos leva a outra hipótese importante com respeito à mú-
sica e ao ser adulto.
à A música representa uma defesa ante situações paranóides e
melancólicas. Todos conhecemos, por experiência própria, o fato de
assobiar na escuridão, sobretudo quando a esta acompanha o silên-
cio e a solidão; assim, tenta-se, mediante o som, dissipar a ansieda-
de paranóide, criando a ilusão de um grupo de apoio.
Um dos exemplos que ilustra esta hipótese é o oferecido por
uma paciente de cinco anos, que, ao finalizar suas sessões de psi-
canálise e comprovar que sua mãe demorava a vir buscá-la, ante a
angústia do abandono, punha-se a cantar e acalmava assim sua an-
siedade.
Deste mesmo rol fazem parte as canções que inspiram cora-
gem, os hinos, os cantos guerreiros das tribos primitivas. A mitolo-
gia e os textos religiosos também fazem referência a estas relações.
O mito diz que Orfeu com sua lira dominava as feras, e as feras re-
presentam simbolicamente os objetos maus sobre os quais são pro-
jetados nossos impulsos destrutivos e agressivos.
No Antigo Testamento afirma-se que as campainhas do Sumo
Sacerdote estavam destinadas a protegê-lo contra a morte, afugen-
tar os demônios perigosos e salvá-lo da ira de Deus.
o O schofar, primitivo instrumento judeu, oferece estas caracte-
rísticas.
o Talmude diz: “Israel entende que conseguir a Graça (o per-
dão) de seu Criador por meio do schofar...",e o schofar é tocado
especialmente naqueles dias do ano em que Deus julga os homens
decide sobre suas vidas e suas mortes.
ad A experiência que realizei no hospital neuropsiquiátrico, rela-
: à anteriormente, colocando música em sessões de psicoterapia
m grupo de esquizofrênicos crônicos, demons
a trou que a música
utili : .
des dada serviu como um meio para aliviar as ansiedades paranói-
melancólicas dos Psicoterapeutas e co-terapeutas.
A música permitia negar todos os ruídos indesejáveis do hos-

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 41

pício, como, por exemplo, gritos dos demais pacientes que chega-
vam de fora, expressões inadequadas, brigas etc. Permitia, ade-
mais, aceitar longos monólogos incoerentes dissociados, de algum
paciente, graças à integração harmônica que produzia segundo a se-
gundo a música, elemento que favoreceu a atitude interna da equi-
pe até eles, tornando mais eficaz a comunicação psicoterapêutica.
Num dado momento de uma sessão, frente a uma interpretação do
psicoterapeuta que se referia aos desejos homossexuais de um dos
pacientes, este começou com um ataque de riso espasmódico, com
violentos movimentos que o obrigavam a levantar-se da cadeira e
inclinar-se até nós, produzindo uma crescente ansiedade que, de
certa maneira, era uma projeção no paciente das próprias ansieda-
des persecutórias do terapeuta. A atuação, ou O acting out, como
se chama em matéria psicanalítica, que se viu impelido a realizar o
co-terapeuta foi elevar o volume do gravador num intuito de apla-
car o paciente, porém, na realidade, foi um fato contratransferen-
cial, já que quem queria se tranquilizar era o próprio co-terapeuta.
Na realidade, as hipóteses projetadas unem-se em si mesmas,
pois uma é favorecida pela outra, já que a possibilidade de reeditar
a relação materno-infantil ajudará no alívio das ansiedades paranói-
cas e melancólicas. É frequente observar o significado da voz como
leite que penetra pelo ouvido. Há pessoas que se sentam com os
olhos fechados e a boca aberta e bebem quando há música, em pra-
zer regressivo, como uma vez mamaram do peito da mãe. Alberto
Fontana diz: “O recém-nascido vem ao mundo com a integração
e soma dos ritmos de seus órgãos em crescimento, o tempo bioló-
gico somado aos ritmos percebidos auditivamente como provenien-
tes do mundo externo. O primeiro ritmo que ele deve comparar
com seu ritmo interior — tempo interno — aparece com relação à
sua necessidade da mãe, do peito. Ante frustrações, ante qualquer
diferença entre sua necessidade e sua satisfação, volta-se a uma fan-
tasia de detenção do tempo externo, negação da necessidade, autis-
mo, hipocondria. o
A aparição de um ritmo externo, como a música, permite sair
do corpo para reestruturar uma relação com uma mãe frustradora.
O ritmo seria a renovação de uma situação vital; fazer música/rit-
mo é conquistar tempo externo, reconectando-se assim com um
mundo frustrador. Poder-se-ia estabelecer uma verdadeira equação
entre peito materno — leite— música e tempo, sendo o tempo uma
substância equiparável ao leite. O bebê frustrado pela espera que

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E) A. O BENENZON

significa solidão e morte, volta a conectar-se com o mundo/mãe


externo, utilizando um objeto intermediário: ritmo musical, onde
se lhe devolve o tempo que não se lhe deu. Sobre este preciso tó-
pico, voltarei a discorrer quando falarmos das contra-indicações e
estabelecermos a música como um fator produtor de autismo.
Fontana acrescenta que "'o pranto, o balbucio, o canto e a pa-
lavra seriam também formas cada vez mais evoluídas de expressão
de uma integração do mundo interno e uma conexão e reparação
da mãe”.
Uma menina oligofrênica, atendida por uma musicoterapeuta,
quando tocava piano, lentamente deixava de tocar, insensivelmen-
te realizava movimentos de deglutição e ficava adormecida, como
satisfeita de sua nutrição.
No estudo organológico também encontramos aspectos que
apóiam a hipótese.
Na História dos Instrumentos Musicais, Curt Sachs assinala
que os instrumentos primitivos foram símbolos que representavam |
a mãe; assim, temos como exemplos, o tambor, o tambor de fenda,
ou o tambor de tábua.
Nas Novas Hébridas, o tambor maior de fenda chamava-se
mãe. Os habitantes da Oceania viam um ventre de mulher em seu
tronco escavado, uma vulva na fenda e o coito na ação de golpear.
Outros aspectos da psicologia do som os irei desenvolvendo
em outros tópicos, sobretudo nos próximos em que escreverei so-
bre os princípios em que se baseia a Musicoterapia.

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CAPITULO 3

PRINCIPIOS

A Musicoterapia como metodologia e técnica de aplicação clí-


“nica baseia-se em dois princípios, que são o princípio de ISO e o
objeto intermediário. Estes dois princípios não são exclusivos da
Musicoterapia, mas também podem integrar as bases de outras téc-
nicas de aplicação clínica, não-verbais. Sem dúvida, em Musicotera-
pia, adquirem caracter ísticas muito especiais que os distinguem.

a) O princípio de ISO

Altshuler, em suas observações clínicas de aplicação da Musi-


coterapia, constatou que os pacientes deprimidos podem ser esti-
mulados com maior prontidão com música triste do que com músi-
alegre. Os pacientes maníacos, cujo tempo mental é mais rápi-
do, podem ser estimulados mais rapidamente com um a/egro do
que com um andante.
A partir destas observações fui elaborando paulatinamente a
concepção do princípio de ISO como elemento fundamental tanto
teórico como prático para a Musicoterapia.
ISO quer dizer igual, e resume a noção da existência de um
som, ou um conjunto de sons, ou fenômenos sonoros internos que
nos caracteriza e nos individualiza.
É um fenômeno de som e movimento interno que resume
nossos arquétipos sonoros, nossas vivências sonoras gestacionais in-
tra-uterinas e nossas vivências sonoras de nascimento e infantis até
nossos dias.
É um som estruturado dentro de um mosaico sonoro, que por
sua vez se estrutura com o tempo e que, fundamentalmente, en-
contra-se em perpétuo movimento.

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44 R. O. BENENZON

Em termos muito simples exemplifico o princípio de ISO di-


zendo que para produzir um canal de comunicação entre terapeu-
ta e paciente deve coincidir o tempo mental do paciente com o
tempo sonoro/musical executado pelo terapeuta.
Sem dúvida, isto levaria a pensar em um ISO demasiado inte-
lectual e rígido, medido em parâmetros de intensidade, timbre, al-
tura etc.
Em troca, o ISO é um elemento dinâmico que possui poten-
cializada toda a força de percepção passada e presente.
º É por isso que no contexto terapêutico o verdadeiro canal fica
“amplamente aberto quando se consegue a coincidência do desco-
brimento do ISO do paciente com a compreensão do ISO do tera-
peuta.
Considero que podemos distinguir um ISO gestalt ou gestálti-
co, um ISO complementário, um ISO grupal e um ISO universal.
O ISO gestalt é o mosaico dinâmico que descrevo em primei-
ro lugar e que caracteriza o indivíduo. É o ISO que nos permite
descobrir o canal de comunicação por excelência do paciente com
quem pretendemos ter uma relação terapêutica.
Entendo o conceito de gestalt como o assinalou primitiva-
mente Wertheimer, “a psicologia da gestalt assinala a necessidade
de voltar novamente à percepção ingênua, à experiência imediata,
não-viciada por hipóteses prévias que distorcem a realidade do
fenômeno observado. Destaca que a percepção não é a de um con-
junto de elementos, mas a de um todo unificado. A pessoa não
percebe um conjunto de sensações elementares, mas uma sensa-
ção de totalidade”.
Alguns falam do corpo humano como um ressoador, porém
quero deixar estabelecido que isso não está relacionado com o
princípio de ISO, apesar de que entrar em ressonância com um pa-
ciente pode facilitar a comunicação, mas também pode entorpecê-
la. Em troca o descobrimento do ISO jamais entorpece.
O ISO complementário são as pequenas mudanças que se ope-
ram cada dia ou em cada sessão de Musicoterapia, por efeito das
circunstâncias ambientais específicas.
O ISO grupal está intimamente ligado ao esquema social em
que o indivíduo se integra. O ISO grupal necessita de certo tem-
po para estabelecer-se e estruturar-se; dependerá muitas vezes da
boa escolha do grupo e do conhecimento do musicoterapeuta acer-
ca dos ISOS individuais ou gestálticos de cada paciente.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 45

O ISO grupal é fundamental para conseguir uma unidade de


integração num grupo terapeutico, num contexto não-verbal. O
ISO grupal é uma dinâmica que flui no grupo como a síntese em si
mesma de cada identidade sonora, de cada paciente.
Maria Ester Grebe, em seu artigo Aspectos Culturais da Musi-
coterapia; Algumas Relações entre Antropologia, Etnomusicologia
e Musicoterapia!, retoma meu conceito de ISO grupal e diz que é
“a identidade sonora de um grupo humano, produto das afinidades
musicais, latentes, desenvolvidas em cada um de seus membros.
Dadas suas características, a noção de ISO grupal mostra direta-
mente o conceito de identidade étnica. Uma nação ou povo de cul-
tura complexa reúne em si uma soma heterogênea de grupos cultu-
rais, subculturas ou minorias étnicas; isto é, parcialidades culturais
de um todo. Ainda que estas agrupações compartilhem variações
regionais, elas se distinguem basicamente por indicadores biológi-
cos (raça), culturais (linguagem) e geográficos (região), caracteri-
zando-se cada um de seus indivíduos integrantes por uma identida-
de étnica ou auto-identificação afetiva com seus integrantes do
grupo e, em consequência, por uma hostilidade relativamente fre-
quente ante estranhos ao grupo. Por conseguinte, a identidade cul-
tural oU étnica é inseparável da identidade sonora (ISO) e depende
tanto dos processos dinâmicos de aprendizagem da própria cultura
como da estabilidade ou mudança das pautas culturais”.
Eu acrescentaria em minhas observações clínicas que ao ISO
grupal devemos agregar para sua compreensão definitiva a idiossin-
crasia ou as somas das idiossincrasias dos indivíduos que compõem
esse determinado grupo, que se soma ao exposto por Grebe, po-
rém que depende do indivíduo em sua própria história gestacional
e infantil.
A ausência dessa história é o que mostra a diferenciação com
o conceito que introduz Grebe do ISO cultural. Grebe diz: “O ISO
cultural, produto da configuração cultural global da qual o indivi-
duo e seu grupo fazem parte, é a identidade sonora própria de uma
comunidade de homogeneidade cultural relativa, que responde a
uma cultura ou subcultura musical manifesta e compartida”, e
acrescenta “que assim como os ISOS gestálticos e complementá-
rios operam em níveis individuais, dependendo de fatores psicofi-
siológicos e do desenvolvimento musical, os ISOS grupal e cultural
operam em níveis coletivos, dependendo de fatores sociocul-
turais”.

(1) — Revista Musical Chilena XXXI, 139-140.

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46 R. O. BENENZON

Eu devo portanto acrescentar a essa conclusão que o ISO gru-


pal segue mantendo uma soma de fatores psicofisiológicos de som e
movimento que dependerá finalmente do ISO gestáltico de cada
indivíduo.
Por último, meus trabalhos com crianças psicóticas levaram-
meà concepção de um ISO universal.
O ISO universal é uma identidade sonora que caracteriza ou
identifica a todos os seres humanos, independente de seus contex-
tos sociais, culturais, históricos e psicofisiológicos particulares.
Dentro deste ISO universal figurariam as características particula-
res do batimento cardíaco, dos sons de inspiração e expiração, e da
voz da mãe nos primeiros momentos do nascimento e dias do novo
ser.
Neste ponto da questão, nos parece que haveria alguns aspec-
tos do ISO que poderiam assemelhar-se ao imprinting que tratamos
no tópico sobre psicologia do som. Creio que a diferença funda-
mental que se poderia estabelecer entre alguns dos aspectos que
poderiam coincidir entre imprinting e ISO, é que o ISO é um fenô-
meno dinâmico por excelência, em constante ebulição; em troca,
O imprinting nos parece um engrama estático. Admitiria, sim, que
nos mecanismos de formação de um imprinting, estaria involucra-
da a evolução de um ISO gestáltico.
De todas as maneiras, as investigações do imprinting e inclusi-
ve da aprendizagem precoce abririam possibilidades de conheci-
mentos mais profundos com respeito ao ISO gestáltico. Por exem-
plo, Collias e Joos propuseram especificar, mediante a análise es-
pectográfica, os elementos comuns dos sons que atraíam os pinti-
nhos. Acharam que os sons aludidos caracterizavam-se por: 1) a re-
petição ou segmentação; 2) a brevidade das notas componentes; e
3) a presença de frequências relativamente baixas.
O cacarejar e o barulho de uma galinha que está chocando
têm todos estes atributos, mas também aparecem até certo ponto
em ruídos artificiais como o golpear de um lápis.
Salzen e Sluckin comprovaram que o tamborilar e o golpear
são estímulos eficazes para provocar a aproximação dos pintinhos;
também observaram que, embora nem todos os pintinhos respon-
dessem ao dito ruído, os que o faziam estavam em condições de lo-
calizar com notável precisão a fonte do ruído, situada atrás de uma
pantalha: | Pu a E ileso
Por outro lado, as crias de espécies que aninham em buracos,

Scanned by CamScanner
capaz
cem

MANUAL DE MUSICOTERAPIA 47

por exemplo, o pato dos bosques — que aninha em árvores, a cer-


ta distância do chão ou da água —, têm que responder aos estímu-
los auditivos para seguir a mãe. Gottlieb informou detalhadamen-
te sobre a conduta do pato dos bosques da Carolina do Norte.
As crias nascem em buracos das árvores e pouco depois a mãe sai
do buraco. Aproximadamente um dia depois do nascimento, os pa-
tinhos também abandonam o buraco e saltam ao chão ou à água.
A mãe começa a emitir seus chamados característicos pouco de-
pois de abandonar o ninho, e os continua emitindo quando está fo-
ra. Os chamados iniciais, de escassa intensidade fazem-se mais fre-
quentes e sonoros, até que os pequenos saem do buraco. Gottlieb
acredita que o êxodo das crias permite que os patinhos fiquem
com imprinting auditivo.
Outras experiências do imprinting chama-nos atenção sobre
o que seria o ISO universal. Por exemplo, Klopfer (1959) infor-
mou que as crias das espécies de patos que aninham na superfície,
se cresciam em relativo isolamento auditivo, tendiam a aproximar-
se aos sinais mais rítmicos e repetitivos, sem discriminar entre eles.
Por isso me parecem importantes as observações realizadas
nos berçários, com respeito à resposta dos recém-nascidos ao bati-
mento cardíaco. Estes diminuem o pranto generalizado ao ouvir o
batimento cardíaco.
Também se observa um tipo de comunicação não-verbal entre
eles, onde pode haver um pranto que lidera.

b) O objeto intermediário

Um objeto intermediário é um instrumento de comunicação


capaz de atuar terapeuticamente sobre o paciente mediantea rela-
ção, sem desencadear estados de alarma intensos. |
Em psicodrama este termo é utilizado por J. G. Rojas Bermú-
dez. Utilizando bonecos descobriu que através deles podiam-se es-
tabelecer vínculos que tiravam o paciente de seu isolamento e que
lhe permitiam, posteriormente, relacionar-se, por exemplo, com os
egos auxiliares. Observou, assim mesmo, que as mensagens emiti-
das pelo boneco recebiam uma resposta que não alcançava direta-
mente o terapeuta. Isto é, que por circunstâncias especiais OS pa-
cientes respondiam quando a fonte emissora não era humana.
Investigando sobre esta observação, Rojas Bermúdez deco
briu o mesmo fenômeno em todas aquelas circunstâncias onde O

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48 R. O BENENZON

paciente estava em estado de alarma intenso ou com alterações


do esquema corporal.
Em todos os casos, o denominador comum era O temor a ser
invadido ou penetrado pela fonte emissora quando ela possuía as
características humanas. Isto é, que o boneco, como fonte emisso-
ra, ao não possui-las, passava a ser um objeto inócuo para o pacien.
te e, portanto, utilizável terapeuticamente.
Baseando-se em sua qualidade de objeto/coisa e em sua fun-
ção de intermediário, O denominou objeto intermediário definin-
do-o como um instrumento de comunicação que permite atuar te.
rapeuticamente sobre o paciente sem desencadear estados de alar.
ma intensos, sendo suas características as seguintes:
a) Existência real e concreta.
b) Inocuidade que não desencadeie per si reações de alarma.
c) Maleabilidade que se possa utilizar à vontade entre qual.
quer jogo de rols complementários.
d) Transmissor que permita a comunicação por seu intermé-
dio, substituindo o vínculo e mantendo a distância.
e) Adaptabilidade que se amolda às necessidades do sujeito.
f) Assimilabilidade que permita uma relação tão íntima, de
tal maneira que o sujeito possa identificá-la consigo mesma,
9) Instrumentabilidade que possa ser utilizada como prolon-
gação do sujeito.
h) Identificabilidade que possa ser reconhecida imediata-
mente.
Considero que os instrumentos musicais e o som, ou os sons
que emitem, podem ser considerados objetos intermediários, e
cumprem quase todas as caracter ísticas enunciadas.
Sem dúvida, devo fazer uma diferença entre o boneco como
objeto intermediário e o instrumento musical.
No boneco, sua emissão sonora partirá diretamente do psico-
dramatista, e, portanto, terá uma conexão mais íntima com a fon-
te humana,
O instrumento musical tem uma emissão sonora que o carac-
teriza, que lhe é própria e peculiar e independente do musicotera-
peuta.
O boneco colocado isolado entre terapeuta e paciente é um
objeto sem vida, só poderá ser objeto das projeções do paciente.-O
boneco readquirirá vida no momento em que o terapeuta o decida.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 49

Em troca, um instrumento musical colocado entre pacien


te
e musicoterapeuta tem uma identidade própria e uma situação vi-
tal, O instrumento, se é tocado por qualquer dos dois, imediata-
mente dará sua identidade sonora, porém ainda não tocando-o es-
tá em vibração ou entrará facilmente rela, frentea qualquer emis-
são sonora de ambos.
Esta maior distância que há entre o objeto intermediário
(ins-
trumento musical) e o musicoterapeuta permite sua vinculação
tão íntima com o ISO do paciente e do musicoterapeuta,
Portanto, a correta escolha de um objeto intermediário na re-
lação terapêutica dependerá da habilidade do musicoterapeuta em
descobrir a identidade sonora de seu paciente ou o ISO gestáltico.
O objeto intermediário está ligado especialmente com o ISO gestál-
tico, e em menor grau com o ISO universal e complementário.

c) O objeto integrador

Em minha experiência clínica em Musicoterapia tenho obser-


vado com frequência que os pacientes, líderes do grupo, tendem a
eleger instrumentos que facilmente convertem-se também em ins-
trumentos líderes.
Como veremos no tópico sobre o instrumental, estes instru-
mentos podem ser de fácil manejo, de grande volume, de grande
tamanho e de uma emissão rítmica potente.
Geralmente, pertencem à classe dos membranofones e são de
percussão.
Estes instrumentos utilizados nos grupos de Musicoterapia
convertem-se rapidamente em guia dos outros instrumentos; e, por
outro lado, podem aglutinar ao redor deles mesmos o resto do
grupo. . oa .
Por estas duas últimas razões denominei a este tipo de instru-
mento, objeto integrador. o
O objeto integrador, então, é aquele instrumento musical que
num grupo musicoterapêutico lidera sobre os demais instrumentos
pacien-
e absorve, em si mesmo, a dinâmica de um vínculo entre os
tes de um grupo e o musicoterapeuta. |
Este objeto integrador está ligado intimamente ao ISO grupa
e em segundo grau ao ISO cultural. o.
Para finalizar este tópico vou completar O modelo teórico ex-

Scanned by CamScanner «iene


A. O. BENENZON
50

plicativo que propõe Grebe,


e
em seu artigo
estruturais
acima
existentes
mencionado
entre
so,
Musicote.
bre as relações funcionais
rapia, Emindivíduo e cultura (Figura 8). o
linha contínua, o modelo
teórico de Grebe, na linha pon.
teada, o acrescentado por mim pará completar o esquema.
Diz Grebe que “tanto a identidade sonora profunda do pa-
ciente (ISO) como os processos de aprendizagem cultural (endo.
culturação) e a avaliação da própria cultura (etnocentrismo)
ocupam U m lugar destacado na determinação das variáveis cultu-
rais decisivas da prática da Musicoterapia.

MUSICOTERAPIA
I
I
|
|
|
L
Cultura o
Indivíduo K
7 N |
N |
O Decal |
E na N | Endocultura) |Etnocêntrica
Po NN |
Maturação N | —
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Figura 8

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA

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Para isso, deve-se levar em conta a qualidade complexa do


princípio de ISO, que possui atributos individuais e coletivos, psi-
cofisiológicos, culturais e musicais, visto que a música é parte da
cultura e esta última é produto do laborioso trabalho criativo do
ser humano; e que a receptividade deste último depende de sua
maturação psicofisiológica e outros fatores, tais como o desenvol-
vimento musical.
| Em consequência, o princípio de ISO situa-se num contexto
cultural amplo, no qual são decisivos a qualidade da endocultura-
ção e etnocentrismo musicais. Estes últimos proporcionam uma
base de sustentação para a maturação e definição da identidade so-
nora, grupal e individual. Por sua vez o ISO cultural, produto da
configuração cultural da qual o indivíduo e seu grupo fazem par-
te, é um conceito chave que permitirá enunciar e submeter à pro-
va diversas hipóteses de trabalho no campo da Musicoterapia”.
O modelo proposto por Grebe intenta estabelecer as relações
da Musicoterapia com o indivíduo (paciente) e sua cultura, por
meio de processos, conexões e inter-relações múltiplas que plas-
mam uma configuração dinâmica complexa e integrada. A dupla
dimensão individual e cultural da Musicoterapia produz uma ca-
deia vertical, diagonal e horizontal de relações, sendo pontos cha-
ves de expansão a cultura e o indivíduo, e pontos de convergência
o ISO cultural, ISO grupal e ISO gestáltico.
Considero que no processo do desenvolvimento do indivi-
duo, em sua maturação psicofisiológica, está intimamente imbri-
cado o ISO universal que antecede, e possivelmente determine, o
desenvolvimento musical.
Por outro lado, devemos unir ao ISO grupal o ISO comple-
mentário, que na prática clínica, comprovo, que depende em gran-
de medida.
Não podemos deixar de introduzir no esquema o objeto in-
termediário e o objeto integrador, pois que eles estão ligados a
todo o processo e são parte essencial do mesmo. O objeto interme-
diário recebendo a hierarquização do desenvolvimento do indivi-
duo e, portanto, do ISO universal, gestáltico, complementário e em
menor grau do ISO cultural; e o objeto integrador recebendo do
ISO grupal, cultural, complementário e em menor grau do gestál-
tico.

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CAPITULO 4

ELEMENTOS TÉCNICOS

Para levar a cabo um processo terapêutico útil e eficaz em


Musicoterapia, é necessário ter claro como devem ser os elementos
técnicos fundamentais, a sala de Musicoterapia e o instrumental.
Descreverei o que seria uma sala ideal e um instrumental, que
possivelmente não seja fácil de integrar em sua totalidade dentro
de uma sala musicoterapêutica. Portanto, entende-se que poderão
adaptar-se de acordo com as possibilidades institucionais e com as
aplicações clínicas que se requeiram.

a) A sala de Musicoterapia

A sala de Musicoterapia deve estar convenientemente isolada


dos sons exteriores, como também a instituição ou o lugar onde
funcione tal sala deve permanecer isolado dos sons interiores da
sala. Com respeito à primeira situação, ou seja, o isolamento
acústico do exterior, permite trabalhar com certa assepsia no que
se refere ao enquadre não-verbal.
No contexto não-verbal, qualquer emissão sonora é uma per-
turbação, e interceptará a comunicação não-verbal, Uma sala de
Musicoterapia que eu controlava, ao longo de oito meses de tra-
balho, um belo dia, ao realizar um jogo de escutar atentamente o
| silêncio, percebemos que junto a uma das paredes, ouvia-se uma
: máquina de ritmo monótono, que provinha da casa contígua que
pertencia a uma fábrica de sapatos.
Esse ritmo que conviveu com cada sessão de Musicoterapia,
durante oito meses, teve importância em muitos momentos do en-
quadre não-verbal da sessão.

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A. O. BENENZON

to
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Não obstante, se apesar do isolamento chegarem sons exterio-


res conscientemente percebidos, estes devem ou podem ser apro-
veitados e incluídos dentro do contexto de uma sessão de Musico-
terapia (o trinar de um pássaro, O ruido ou buzina de um automé.
vel, O vento, O trovão, a chuva etc.).
Com respeito à segunda situação, ou seja, que a instituição
deve estar isolada do que ocorre na sala, permite ou evita situações
difíceis de manejar em um contexto terapêutico. Por exemplo, se
num hospital, de dia, os pacientes escutam que na sala se está can-
tando uma determinada canção, alguns deles pedirão ao musico-
terapeuta, na sua própria sessão, para também cantar essa determi.
nada canção, ou reprovarão o musicoterapeuta, porque com fulano
utilizou tal som ou tal ritmo ou permitiu tal ruído e com ele não
ocorre o mesmo, e assim sucessivamente.
A sala deve estar ventilada e iluminada e ser de dimensões re-
gulares; nem demasiada ampla, nem demasiada reduzida, Conside-
ro que um salão de cinco por cinco é o correto.
Se o salão é muito grande, provoca grande dispersão e por
conseguinte, a perda da noção do espaço, já que conta com menos
pontos de referência, dificultando assim o contato com o musico-
terapeuta, Se é uma sala muito pequena, impede os deslocamen-
tos ou o movimento. Recordemos que durante as sessões de Musi-
coterapia, muitas vezes se faz indispensável o movimento e a ex-
pressão corporal.
As paredes não devem ter objetos decorativos e devem estar
pintadas com uma cor sedante. Buscamos a menor quantidade de
estímulos, para concentrar todo o trabalho no aspecto sonoro e
de movimento.
O chão deve ser de madeira, levando-se em conta a possibili-
dade de transmissão das vibrações e a necessidade de trabalhar com
todo o corpo e inclusive descalços.
Deve ter dois armários, que estarão embutidos na parede, pa-
ra evitar as saliências que dificultam o trabalho de deslocamento.
Num dos armários estará todos os instrumentos musicais e
noutro os aparelhos eletrônicos, como o gravador, o toca-discos,
o amplificador e inclusive um sintetizador eletrônico.
O motivo de ter dois armários se deve à independência que
dá ao musicoterapeuta de trabalhar com os aparelhos eletrônicos
sem necessidade de que o paciente visualize todos os instrumentos
musicais que possui a sala. Consideremos que cada instrumento

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 55

musical colocado na sala possui de per si um simbolismo muito


particular para com esse paciente e, portanto, é muito delicado a
introdução ou a estimulação com outro instrumento. Terá uma
mesa não muito grande que servirá para colocar alguns instrumen-
tos, e umas cadeiras ou bancos que estarão dispostos em círculo
deixando livre o centro da sala.

b) O instrumental

Todo elemento capaz de produzir um som audível ou, mais


ainda, que possa produzir um movimento capaz de ser vivenciado
como mensagem, como meio de comunicação será parte integran-
te dos elementos técnicos da Musicoterapia.
Sempre parto de uma equação inseparável que é movimento/
música ou movimento/som.
Não só terão importância os instrumentos clássicos ou mate-
rial Orff ou Montessori etc., mas, também, o próprio corpo, como
a voz, as palmas, as coxas, bem como a criação de instrumentos
por parte do paciente; uma simples caixa de fósforos é um exce-
lente meio de comunicação.
Também é importante em Musicoterapia considerar que o ins-
trumento não deve só ser utilizado como de costume, mas deve-se
ensaiar em todas as suas possibilidades.
Por exemplo o piano, não só se tocará o teclado mas também
percutir-se-á a caixa, tanger-se-ão as cordas etc.
O primeiro modo de classificar os instrumentos em Musicote-
rapia seria agrupá-los em: a) instrumentos musicais propriamente
ditos, b) instrumento corporal, c) instrumentos eletrônicos, d) a
criação instrumental.

Instrumentos musicais propriamente ditos

Nesta classificação abarco os instrumentos fabricados pelo


homem para serem utilizados como instrumentos musicais, ou so-
noros e que têm importância em Musicoterapia.
Em linhas gerais, para que um instrumento musical seja de in-
teresse para a Musicoterapia tem que ter as seguintes caracter ísti-
cas: 1) de simples manejo, 2) de fácil deslocamento, 3) de grande
potência sonora, 4) que tenda à expansão e não à introversão,
5) que suas possibilidades sonoras sejam de claras e entendíveis es-

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56 R. O BENENZON

truturas rítmicas/melódicas, 6) que só sua presença seja suficiente


estímulo como objeto intermediário.
Descreverei dois exemplos que são Os extremos e antagônicos
Instrumentos que reúnam as seis características temos: is
"tumbadoras”, os bongôs, os tamborins e os pratos. O instrumento
que sozinho reune algumas delas, o piano.
As “tumbadoras” são instrumentos ideais, sobretudo no co.
meço dos tratamentos em Musicoterapia. São de simples maneio
Qualquer pessoa, sem nenhum tipo de conhecimento musical, po-
de percutir e obterá sonoridade. Não é necessário percutir de uma
determinada forma, seja com as mãos ou com alguma baqueta etc,
Ao ter rodinhas na sua base, pode-se deslocar com suma faci-
lidade.
Sua sonoridade é potente e agradável e de profundo primiti-
vismo.
Como todo membranofone com caixa de ressonância tende a
imitar o batimento cardiaco.
Ademais com a “tumbadora”” é necessário percutir-se de pé,
isto permite o movimento corporal completo de quem a percute.
Sua forma simples, aberta, sem limites, estimula a comunica-
cão com o outro, e seu som tende a dirigir-se para fora, pondo em
vibração outros corpos.
Noutro extremo temos o piano, que é um instrumento pesa-
do, que não se pode deslocar, complicado, com grande quantidade
de estruturas sonoro-musicais, de timbres, de densidade, de volu-
me, de harmonia, de melodia, de ritmo etc. É necessário tocá-lo
sentado, o que imobiliza partes do corpo e portanto inibe certos
movimentos.
Sua forma e por ter seu aparelho de percussão internamente,
provoca a introversão. Geralmente, o estímulo é para aquele que
vai tocar O piano, e O isola do resto.
* Por isso considero que no começo dos tratamentos de Musi-
coterapia seja preferível utilizar instrumentos de percussão simples
e não melódico-narmônicos complicados, que terão mais utilidade
para a finalização dos tratamentos.
Instrumentos como as “tumbadoras” os tenho chamado ins-
trumentos líderes, por serem aqueles que reúnem as caracter isti-
cas primordiais para a Musicoterapia e, ademais, por serem os que
geralmente costumam eleger os pacientes que são líderes do grupo.
Este instrumento, dentro de um grupo de Musicoterapia, converte:

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 57

se facilmente em guia dos outros, ou seja, o que tenho denomina-


! do objeto integrador.
As virtudes musicoterapéuticas de um instrumento se devem
| em geral à sua forma e sonoridade. Creio que não devem ter ele-
mentos decorativos de nenhuma espécie que provoquem um deslo-
camento vicioso do estímulo. Com exceção daqueles instrumentos
que estão muito arraigados ao folclore, e que, portanto, pertencem
ao acervo cultural de um povo.
Nestes casos os elementos decorativos não teriam problemas,
principalmente se o paciente pertence a esse mesmo povo, já que
passará a ser parte da dinâmica de seu ISO, sobretudo do ISO cul-
tural. Os membranofones! têm particularidades únicas que os ca-
racterizam e, portanto, dentro dos instrumentos puramente rítmi-
cos, são mais eficazes que os idiófonos.
Os membranofones têm a vantagem de que se pode obter so-
noridade não só com a percussão, mas também, se são acariciados,
roçados, rasgados, raspados, com o qual abre-se uma gama múltipla
de sonoridades, de movimento e de sensações táteis.
Por exemplo, o pandeiro e o pandeirinho têm a virtude de
que podem ser percutidos com distintas partes do corpo, palmas,
coxas, joelhos, cotovelos, o que aumenta a dinâmica de possibili-
dades.
Estes instrumentos de percussão menores nos que se,
incluem também os pratinhos, os chinchines, as campainhas, o
triângulo, por seu pequeno tamanho e seu pouco peso, favorecem
o deslocamento através do ar, o qual estimula o movimento mais
estruturado, ou seja, O baile e a dança, e alguns deles, como os pra-
tinhos, permitem perceber as ondas sonoras no espaço.
Quero destacar que quanto mais primitivo seja O instrumento
na sua construção e no seu material, mais próximo estará do ideal
musicoterapêutico.
É de frequente observação como o paciente ou qualquer pes-
soa é muito mais atraído por um instrumento cujo material se
aproxima da própria natureza, como seriam os membranofones de

(1) Os membranofones são instrumentos cujo som é produzido por membrana estendida
sobre uma abertura.
Os idiófonos são instrumentos feitos de materiais naturalmente sonoros, que não
necessitam de tensão adicional como requerem os de corda e os de membrana.
Os instrumentos desta classe têm recebido sua forma de ação do tangedor, porquan-
to derivam da extensão das ações de golpear, bater palmas ou golpear com os pés.
(Curt Sachs: História Universal dos Instrumentos Musicais. )

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! 58 R. O. BENENZON

madeira, coco, cabaça, bambu etc., do que aquele feito por um ele-
mento mais sofisticado na sua elaboração.
Depois dos instrumentos de percussão, numa sequência que
iria do mais regressivo ao mais prospectivo, temos os instrumentos
melódicos. Entre estes devemos falar dos idiófonos de percussão,
como os xilofones e os metalofones, as marimbas e os sistros.
Estes instrumentos compõem-se de placas que podem ser de
madeira, no caso do xilofone, ou de metal, no caso dos metalo-
fones.
Nos que se utilizam atualmente para a Musicoterapia, estas
placas ou lâminas repousam sobre as bordas superiores da caixa
acústica e são atravessadas em ambos os extremos por cravinhos.
Isto permite que estas placas possam ser tiradas ou colocadas de
acordo com as necessidades.
Portanto, pode-se começar colocando uma só placa, ou seja,
que estes instrumentos permitem a transição entre o rítmico e o
melódico, pois a percussão dessa única placa já permite obter um
timbre e uma sonoridade distintos; ao agregar uma segunda placa
em terça menor, a percussão de uma ou outra possibilita a criação
da melodia sem necessidade de nenhum tipo de instrução prévia.
Isto converte o xilofone ou metalofone num instrumento li-
der do ponto de vista melódico, pela dinâmica de mudanças que
pode proporcionar.
Depois pode-se agregar uma terceira e uma quarta placa, até a
quinta placa, constituindo-se, assim, a escala pentafônica, que é a
base de quase todas as canções infantis. Finalmente, desta mesma
maneira constitui-se a escala diatônica e cromática.
Aqui também volto a insistir: mesmo que o instrumento des-
crito seja melódico e sua percussão se faça sobre as placas, o instru-
mento em Musicoterapia é um todo e, portanto, poder-se-á per-
cutir sobre sua própria caixa acústica de ressonância. Isto dá um
interjogo, com duas baquetas, onde o mesmo instrumento pode ser
utilizado como rítmico e melódico ao mesmo tempo.
Os grandes xilofones, alguns cujas caixas de ressonância são
feitas de cabaças, chamam-se marimbas e, no trabalho grupal, con-
vertem-se em magnífico objeto integrador.
Várias baquetas podem ser utilizadas numa só marimba, um
tocando na zona dos agudos, outro na zona dos graves, outro na
dos médios, realizando distintos jogos rítmico-melódicos, como
ocorre inclusive em alguns conjuntos musicais populares.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 59

Este tipo de trabalho está intercalando uma nova passagem


de transição, que é do melódico ao harmônico.
O xilofone mantém outra característica dos instrumentos Ii-
deres: é que seu som se expande para fora, se extroverte, pois ape-
sar de ser melódico, um forte impulso motor ainda modela seu
estilo.
Sem dúvida, se este instrumento é utilizado em forma solitá-
ria, ou se permita ao paciente um jogo isolado com este tipo de
instrumento, o melódico tende a levá-lo à introversão.
A flauta doce e o violão são instrumentos melódicos mais
complicados, que necessitam adequações de aprendizagem e, por-
tanto, devem ser intercalados depois de um período de tempo de
começado o tratamento.
O problema de colocar estes instrumentos no princípio de um
processo terapêutico pode dar lugar a frustrações, pois o paciente
não encontra o meio adequado de comunicação não-verbal.
Finalmente, aparecem o piano, o órgão, o harmônio, instru-
mentos mais estruturados que levam ao harmônico musical e daí
ao nitidamente intelectual. Nestes instrumentos a comunicação
tende a ter um tempo que é parecido ao tempo verbal.
De qualquer forma não devemos esquecer que nestes últimos
instrumentos encontram-se integrados os aspectos rítmicos, meló-
dicos e harmônicos, que em determinados momentos se podem
suprimir.
Há certas aplicações clínicas da Musicoterapia que convertem
determinados instrumentos em objeto integrador. Por exemplo,
para o trabalho com surdos e hipoacústicos, o piano pode conver-
ter-se em objeto integrador, pois permite que vários pacientes colo-
quem suas mãos na caixa do piano, e sentir as vibrações através do
tato.
Instrumento corporal. O corpo humano é o instrumento
mais completo em todas as suas dimensões. Além disso, ele é a ori-
gem dos instrumentos musicais, já que estes são simplesmente uma
prolongação do corpo humano.
No corpo humano temos implícito o membranofone, o idió-
fono e o aerófono. Entretanto, o corpo humano não cumpre com
todas as exigências de um objeto intermediário. Sabemos que o
corpo humano pode despertar situações e ansiedades de alarma
que podem fazer fugir ou entrar em pânico a certo tipo de pa-
cientes.

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60 A. O. BENENZON

| Entretanto, na aplicação em certas neuroses de tipo obsessi-


e vo, pode ser um meio direto de desbloqueio. A utilização no come-
co deve ser a distância, evitando o contato corpo-a-corpo, median-
te o palmeio, o sapateado, palmas sobre as coxas, estimulando o
eco rítmico, as perguntas e respostas que têm todas elas uma res-
posta instintiva.
O mesmo ocorre com o movimento que acompanha a todos
estes aspectos rítmicos.
Lentamente pode-se palmear sobre a palma do paciente, po-
rém este contato rítmico se deve fazer com grande conhecimento
da dinâmica do paciente.
De todos os fenômenos sonoros do corpo humano, o mais
profundo é constituído da voz e o canto.
A voz e o canto são os elementos mais regressivos e ressonan-
tes, e por isso devem ser usados com muito cuidado, reservando-os
para emergentes terapêuticos complicados e difíceis de manejar.
A voz e o canto estão muito ligados ao ISO do musicotera-
peuta e são uma ampla tela de projeção dos complexos não-verbais
do paciente em sua evolução.
A criação instrumental. Coloco nesta classificação exclusiva-
mente os instrumentos criados, improvisados e fabricados pelos pa-
cientes ou pelo musicoterapeuta. -
Estes instrumentos têm grande poder de objeto intermediário.
e facilmente se podem converter em objeto integrador dentro de
um grupo.
Sua importância deriva do fato de estar muito ligado ao ISO
do paciente ou do musicoterapeuta, segundo quem o tenha fabri-
cado..
E importante assinalar que se o musicoterapeuta conhece e
tem clarificado seu próprio ISO é capaz de criar um instrumento
de acordo com o ISO de seu paciente, o que significa que terá cria-
do um objeto intermediário ótimo para a comunicação.
Dentro de uma instituição, o concurso da Terapia Ocupacio-
nal pode favorecer enormemente a fabricação de tais instrumentos -
e coadjuvar-se mutuamente ambas as terapias em seus objetivos.
Não se pode falar de um ou outro instrumento, pois aqui de-
penderá fundamentalmente de cada paciente.
Neste tipo de tarefa exige-se um certo nível do paciente e um
certo tempo de processo terapêutico; porém, uma vez que se con-
segue o trabalho, com o instrumental criado enriquece-se notavel-
mente a comunicação.

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CAPITULO 5

FORMAÇÃO DO MUSICOTERAPEUTA

Um dos problemas mais delicados da Musicoterapia como dis-


ciplina paramédica é a formação do musicoterapeuta.
Até não muito tempo, e ainda hoje em alguns países, os prin-
cipais trabalhos sobre Musicoterapia estavam a cargo de médicos,
psicólogos, professores de música, educadores especializados, que
aos seus conhecimentos uniam o prazer e a estética pela música.
Estes trabalhos foram muito úteis e alguns têm sido pioneiros
nesta disciplina; porém, na atualidade, nasce o profissional, o musi-
coterapeuta,. que tem sua formação especificamente determinada,
e, portanto, dentro de si mesmo, a integração teórica e prática.

a) Personalidade e características do Musicoterapeuta

Como deve ser a formação de um profissional que deve ter


conhecimentos médicos, psicológicos, pedagógicos e musicais, sem
chegar a ser nem um médico, nem um psicólogo, nem um músico?
Considero que o musicoterapeuta deve ser exclusivamente
musicoterapeuta e, portanto, ter uma formação específica.
Quando proponho que o musicoterapeuta não deve ser músi-
co, refiro-me ao músico erudito, que nasceu com a vocação de ser
intérprete ou um compositor, isto é, nasceu para ser músico e não
terapeuta.
Um músico formado como tal tem, intrinsecamente, o pré-
juízo musical estético de sua evolução e desenvolvimento musical.
Este pré-juízo musical é o que O impedirá de aceitar com inteira li-
berdade os ritmos “não-estéticos” de um determinado paciente ou
o “desafinado” de outro etc.

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62 N NZON

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Portanto, não poderé aceitar nem absorver a expressão não-
verbal do paciente, ou, pelo menos, lhe seré sumamente compli-
cado.
Em minha experiência, os 14 anos de dirigir a formação de
musicoterapeutas demonstraram claramente que o aluno com
as características anteriormente referidas se frustra como musico-
terapeuta e termina por abandonar a especialidade.
Isto é, o musicoterapeuta deve ser antes de tudo um terapeu-
ta, com um grande conhecimento teórico e prático da utilização
do complexo mundo sonoro, musical e do movimento.
Quando proponho que não deve ser um psicólogo, refiro-me
ao psicólogo que se formou numa concepção de verbalização dos.
fenômenos inconscientes, com uma superintelectualização dos me-
canismos psíquicos e uma tendência à interpretação verbal do la-
tente.
Ao profissional acima referido será muito difícil desligar-se
do pré-juízo interpretativo e manejar-se numa concepção do pensa-
mento não-verbal.
Em Musicoterapia a expressão, percepção e compreensão de
todos os fenômenos dinâmicos psíquicos se realiza num contexto
não-verbal.
Quando proponho que não deve ser médico, é porque consi-
dero que o médico tem que indicar a aplicação deste auxiliar da
Medicina e avaliar seus resultados no contexto geral do processo
recuperatório do paciente.
Um dos problemas estratégico-terapêuticos mais sensíveis que
enfrentará o musicoterapeuta são os núcleos regressivos incons-
cientes dos pacientes que se expressam com muita liberdade num
contexto não-verbal.
| Por isto creio que o conhecimento profundo dos próprios
núcleos regressivos do musicoterapeuta é parte fundamental de sua
preparação.
Para estar em condições de trabalhar em Musicoterapia é ne-
cessário, depois ou durante sua formação curricular, submeter-se,
por um lado, a um tratamento psicoterapeutico enfocado no co-
nhecimento e conscientização dos aspectos inconscientes profun-
dos, e, por outro, a um tratamento musicoterapêutico didático.
Ambos os tratamentos permitem prevenir: 1) conflitos
seve-
ros do aluno que regressa e deve enfrentar-se com os núcleos mais
regressivos e primitivos de seus pacientes. Este tipo de conflito

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MANUAL DE MUST

pode derivar ou terminar em deserções profissionais, OU crrticss


infundadas sobre sua própria formação, ou mobilizações psíquicas
dificeis de controlar; 21 a Musicoterapia didática consiste no suD-
metimento do egressado a um tratamento musicoterapêutico pró-
prio, realizado por outro musicoterapeuta de larga experiência e
dedicado sobretudo ao campo psiquiátrico. Isto permite zo egres-
sado conhecer mais a fundo detalhes da técnica em si mesmo, e sua
cabal compreensão da mesma. Sabemos o difícil que é compreen-
der um contexto não-verbal num mundo como o nesso onde as co-
municações visuais predominam constantemente; 3) este tipo de
tratamento didático estaria também dirigido para descobrir o pró-
prio ISO, ou seja, a identidade ou característica sonora, ajudan-
do-o assim a aclarar posteriormente o pensamento não-verbal pró-
prio, de seu paciente, evitando a confusão entre um e outro, fato
de frequente observação.
Devo dizer ainda que, uma vez começada a prática profissio-
nal, são importantes os controles clínico-psicológicos periódicos
do processo terapêutico em Musicoterapia.
Considero que o trabalho do musicoterapeuta só se pode en-
tender como integrante de uma equipe médica, como é o de todo
auxiliar da Medicina, e, portanto, devo dar ênfase ao papel especi-
fico que executa o musicoterapeuta. O musicoterapeuta não reali-
za a psicoterapia do paciente, porém ajuda a aprofundar muitos
dos núcleos inconscientes e mobiliza ansiedades rígidas.
Por isso, o trabalho do musicoterapeuta está intimamente re-
lacionado com o do psiquiatra e o do psicólogo.
O musicoterapeuta não realiza a terapia física nem a kinesio-
terapia, porém favorece a aplicação e os resultados da mesma.
Por isso deve integrar-se com o terapeuta físico e o kinesiólo-
go. O musicoterapeuta não realiza a educação musical especializa-
da no infradotado, porém abre os distintos canais de comunicação
para empreender o processo educativo; por isso, deve estar integra-
do na equipe psicopedagógica. Isto é, que o musicoterapeuta deve
levar a cabo a difícil tarefa de não ter limites de ação, mas que seus
limites são a abertura de canais de comunicação para outras te-
rapias.
Por isso, insisto que o musicoterapeuta, mais que nenhum ou-
tro especialista, deve trabalhar em equipe. O musicoterapeuta que
trabalha só ou isolado terá complicações: se seu paciente é doente
mental, devido à necessidade de usar elementos da psicoterapia;

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R. O. BENENZON

quando se trata de um enfermo perturbado motor, em utilizar téc-


nicas de relaxamento e reeducação motriz, e, se é um infradotado,
em utilizar elementos de educação especializada.
Por outro lado, é evidente que uma equipe de saúde ver-se-á
altamente beneficiada com a presença de um musicoterapeuta.
O psiquiatra obterá, como já disse, novos elementos para
aprofundar na psicoterapia, verá facilitada em seus pacientes a sen-
sibilidade aos psicofármacos e observará a possibilidade de uma
maior integração à comunidade terapêutica dos pacientes. O kine-
siólogo, o terapeuta ocupacional, o terapeuta físico, o fonoaudió-
logo observarão uma maior abertura do paciente para suas terapias.
Uma das últimas experiências que tenho tentado estimular
com êxito é a função que o musicoterapeuta pode ter sobre a mes-
ma equipe que integra. A possibilidade de utilizar técnicas não-ver-
bais permite atuar sobre processos conflitivos da própria equipe,
que podem elaborar-se com maior facilidade e clareza ao longo de
um trabalho musicoterapêutico. Isto não só é válido para equipes de
saúde, que devem trabalhar na dinâmica psíquica, mas, também,
para equipes médicas que trabalham quase que exclusivamente
com o soma, como seria uma equipe cirúrgica.
É indubitável que no campo da Musicoterapia e no rol que o
musicoterapeuta deve assumir, se sobrepõem, e até podem confun-
dir-se, técnicas que poderiam pertencer a outras especialidades.
É certo que em certas circunstâncias aparece uma espécie de
“terra de ninguém”, que são momentos terapêuticos em que as
técnicas, a metodologia e a mesma fundamentação filosófica se jus-
tapõem e se confundem, para terminar, em última instância, sendo
o homem mesmo, o ser em questão, ajudando a outro ser humano.
Entre as possíveis técnicas e especialidades encontramos O
psicodrama, a psicodança, a expressão corporal, a psicomotricida-
de, e outras técnicas não-verbais, de relaxamento, estimulação pre-
coce etc.
Este é um dos aspectos que dificultam a aquisição de um rol
definido. Por outro lado, é frequente observar em alguns musico-
terapeutas, e inclusive em alguns músicos, uma espécie de onipo-
tência com respeito ao uso do som e da música. Este fator se faz
- mais evidente quando o musicoterapeuta enfoca seu trabalho para
uma Musicoterapia passiva.
É como se o musicoterapeuta se identificasse com o poder
mágico da estrutura abstrata que o som teve para o homem primi-
tivo desde tempos imemoriais.

Scanned by CamScanner norma cm e


| MANUAL DE MUSICOTERAPIA 65

O musicoterapeuta deve ter muito cuidado com esse tipo de


atitude e sentimento, pois se exaltam ainda mais com os avanços
da técnica musical moderna, como, por exemplo, a música eletrô-
nica.
Este tipo de atitudes onipotentes pode provocar dificulda-
des na integração das equipes de saúde. O musicoterapeuta deverá
enfrentar atitudes diferentes da equipe como, por exemplo, uma
atitude submissa, expectante e com certa admiração, criada pelo
novo, o distinto, o desconhecido, e talvez até o curioso; a outra,
uma atitude de recusa com opiniões e alcunhas, algumas franca-
mente pejorativas, como Vaí com a música à outra parte ou aí vem
a banda ou o disc-jockey ou o LP, ou a possível indiferença.
Porém, o que mais devemos levar em conta é que finalmente
todas as técnicas se completam e se coadjuvam em benefício da te-
rapêutica para o paciente. Um exemplo o constitui o psicodrama.
No V Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama
realizado em 1970, apresentei um trabalho propiciando a questão
de que um dos egos auxiliares que participam das sessões de psico-
drama deveria ser um musicoterapeuta. O musicoterapeuta estaria
muito mais preparado para responder às exigências do diretor do
psicodrama ou das circunstâncias dramáticas do momento, impro-
visando sons, elementos rítmicos ou melódicos, que abririam facil-
mente canais de comunicação ou mobilizariam ansiedades ou aque-
ceriam mais rapidamente determinadas situações.
Também acentuei naquela oportunidade que seria muito mais
eficaz a utilização de instrumentos musicais ou corporais propria-
mente ditos, do que o uso de discos ou fitas ou cassetes, pois estes
últimos já são produtos rígidos e inamovíveis que nem sempre res-
pondem às exigências que as circunstâncias requerem.

b) Curriculum do curso de Musicoterapia

O curso de Musicoterapia que dirijo desde o ano de 1966 na


Argentina depende da Escuela de Disciplinas Paramédicas de la
Fa-
dad de Medicina de la Universidad del Salvador de Buenos

emita curso que forma auxiliares da Medicina e cujo objetivo é


de dio Me terapêutico deve estar sob a tutela de uma Facul-
bi É o icina. Isto não é frequente e, até o momento, pratica-
nico curso da forma acima referida. No resto do mun-

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66 A. O BENENZON

OUTRAS TÉCNICAS
NÃO-VERBAIS

do encontra-se sob a tutela primordial de uma Faculdade de


Música.
Dentro da Escola de Disciplinas Paramédicas ditam-se outros
cursos, como o de Fonoaudiologia, Terapia Física, Professorado de
Surdos.
A formação dura três anos e um semestre de práticas contro-
ladas.
As condições de ingresso são: avaliação psicológica, vocacio-
nal e de personalidade.
Neste exame verificamos a boa escolha do curso, orientamos
nos conhecimentos e nas possibilidades do mesmo, e, por outro
lado, observamos o grau de saúde mental do aspirante. Considera-
mos que esta especialidade exige, como outras que se ocupam do
ser humano e de fatores mentais tão regressivos, uma ótima saúde
mental do terapeuta,
Um exame geral de matérias afins, para verificar o nível de
estudo. Embora o aluno aspirante tenha que ter terminado os estu-
dos secundários, para poder ingressar na Universidade, de qualquer
maneira dita-se-lhe um pequeno curso sobre conhecimentos bási-
cos de distintas disciplinas como F ísica, Biologia, compreensão de
texto etc.
Um exame de avaliação musical. Este exame consiste na in-
terpretação de uma partitura musical elegida pelo aspirante no ins-
trumento de seu conhecimento (pode ser também a voz). Improvi-

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 67

sação e criação de canções infantis. Ditados rítmicos e melódicos.


Leitura à primeira vista. Afinação. É preciso compreender que não
se necessita de um conhecimento profundo escolástico musical. O
erudito, ou o grande solista, possuidor de uma técnica apurada pia-
nística, não servirá para a Musicoterapia; em troca, ter uma espe-
cial predisposição e sensibilidade sonoro-musical, uma facilidade
de comunicação, de improvisação, podem ter muito mais valor co-
mo condições à formação do musicoterapeuta.
A formação tem basicamente quatro áreas.
Uma área médica constituída pelas cátedras de Anatomia e
Fisiologia; Neurologia e Neuropatologia; Mecânica corporal e in-
trodução às terapias recuperativas.
Área psicológica, constituída pelas cátedras de Psicologia ge-
ral, Psicologia evolutiva, Dinâmica de grupo | e Il, Psicopatologia e
noções de Psicoterapia; Filosofia | e Il; Psicologia de aprendi-
zagem.
Área musical, que constitui as cátedras de Iniciação musical e
flauta doce; Metodologia musical; Grupo musical; Caracterologia
musical |, Il e Ill; Organologia | e Il; Acústica | e Il; Eletroacústi-
ca; Expressão corporal |, Il e Ill; Folclore; Coro; Educação fonal |
e Il; Violão.
Área de aplicação, que constitui as cátedras de Musicoterapia
no infradotado: Musicoterapia em psiquiatria; Musicoterapia em
perturbados motores; Musicoterapia em perturbados da comunica-
ção; Musicoterapia em geriatria; Medotologia de investigação; In-
trodução à Musicoterapia.
Durante O terceiro ano e o último semestre são obrigatórias
as práticas clínicas.

etoramam ec reis Tri


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(o CAPÍTULO 6

O PACIENTE

Há certas características do paciente que favorecem a aplica-


ção da Musicoterapia. Em primeiro lugar, é conveniente que o pa-
ciente seja virgem de conhecimentos musicais, pois este acha-se em
melhores condições de se introduzir no contexto não-verbal.
Em troca, o paciente com conhecimentos musicais, e sobretu-
do se estes são de nível, entrará em confronto com o musicotera-
peuta e será difícil de romper as defesas musicais que anteporá ao
pretender trabalhar com seus aspectos mais regressivos.
De qualquer maneira, todo paciente é susceptível de ser trata-
do com Musicoterapia. O que descreverei no tema de contra-indi-
cações é o mau uso ou abuso da Musicoterapia, implementado ou
aconselhado, às vezes, por gente profana.
Existem determinados sintomas que configuram síndromes
específicas que são indicadíssimos para a Musicoterapia. Por exem-
plo, o sintoma de isolamento ou o autismo, que configura o predo-
minante no autismo infantil, ou na simbiose, ou na esquizofrenia.
Nestas síndromes, a Musicoterapia é indicadissima e pode ser a pri-
meira técnica de aproximação. Outras síndromes, como a melanco-
lia ou perturbações de outra índole, mas onde o sintoma de isola-
mento é parte da sintomatologia, sem ser o predominante.
No tema sobre as aplicações clínicas irei descrevendo caracte-
rísticas especificas de cada um dos pacientes.

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CAPITULO 7

METODOLOGIA GERAL

Depois de muitos anos de trabalho tenho estruturado um tipo


de metodologia geral, que se vai adaptando de acordo com as dis-
tintas aplicações clínicas.
Esta metodologia consta de duas partes essenciais. A primeira
é de caráter diagnóstico e a segunda terapêutico. Na parte diagnós-
tica, o objetivo é descobrir o princípio de ISO do paciente ou do
grupo com o qual se trabalha, o objeto intermediário, e o objeto
integrador com o qual se facilitará esta terapêutica.
Para realizar esta primeira parte, efetua-se a ficha musicotera-
pêutica e a testificação do enquadre não-verbal.
A ficha musicoterapêutica é o interrogatório do paciente e/ou
dos familiares, acerca da história sonoro-musical do paciente a tra-
tar. Nesta ficha constarão: os fenômenos folclóricos herdados dos
pais e avós para descobrir os arquétipos sonoros, os elementos so-
ciais e vivenciais durante a época gestacional e todas as vivências
sonoras infantis e atuais.
A testificação do equadre não-verbal consiste em defrontar o
paciente com uma série de instrumentos de percussão simples e al-
guns pouco melódicos, observando como consegue comunicar-se
por meio deles. Nesta testificação se podem verificar o instrumen-
to que servirá de objeto intermediário e a hipótese do ISO do pa-
ciente.
A segunda parte é constituída pelas sessões de Musicoterapia,
onde paciente e musicoterapeuta trabalham ativamente.
Trata-se de estabelecer canais de comunicação de nível regres-
sivo, mediante a identidade sonora do paciente, e abrir novos ca-
nais para sua futura integração em grupos ou em outras terapias.

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Preaparsia a ja
) !
72 R. O. BENENZON

a) Ficha musicoterapêutica

Geralmente, um paciente é enviado à Musicoterapia, depois


de um estudo clínico-psicológico realizado pelo médico e/ou o psi-
cólogo que o trata. Portanto, o musicoterapeuta receberá um pa-
ciente previamente selecionado e com uma indicação precisa. Terá
a seu alcance a história com uma série de antecedentes do pacien-
te, muitos dos quais lhe servirão para completar algumas das per-
guntas da ficha musicoterapêutica. É curioso que ao longo da his-
tória da Medicina e da Psicologia, as anamneses, cada dia mais
profundas, se ocupam muito pouco" do riquíssimo mundo sonoro
que rodeia o ser humano e das implicações que este tem sobre o
psiquismo.
A tomada da ficha musicoterapêutica é um chamado de aten-
ção que permite focalizar o interrogatório sobre este mundo.
Assim, aparecem na recordação infantil do paciente uma
quantidade de sons que eram recusados, como, por exemplo, o rui-
do do mastigar do pai na mesa, ou o tique sonoro que fazia com a
boca um irmão, ou o roncar da mãe durante a noite, ou sons que
eram gratificantes, como o escutar as gotas da chuva sobre os te-
lhados de zinco etc.
A tomada da ficha musicoterapêutica é o primeiro contato do
paciente com o musicoterapeuta. A razão deste primeiro encontro
é a de explicar que para poder começar a terapia é necessário co-
nhecer a história sonoro-musical do paciente e de seu ambiente em
forma profunda e exaustiva.
Se o paciente é uma criança autista, ou que por alguma razão
encontra-se impossibilitado de comunicação verbal, tratar-se-á de
interrogar os pais. O exemplo desta última ficha musicoterapêutica
encontra-se no tema sobre aplicação na criança autista.
Igualmente se aconselha completar a ficha com o interrogató-
rio dos familiares que podem acrescentar dados.
| Às perguntas mais importantes a levar em conta são as se:
guintes:

Ficha Musicoterapéutica

Nome e sobrenome
idade
sexo:
i nada por:
ficha confeccio

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 73

1 — País de origem
2 — Região de origem
3 — Preferências e particularidades dos pais
4 — Vivências sonoras durante a gravidez
5 — Vivências sonoras durante o nascimento e primeiros dias de
vida
6 — Movimentos corporais e canções de ninar da mãe
7 — Ambiente sonoro durante a infância
8 — Reações dos pais aos sons e aos ruídos
9 — Reações do paciente aos sons e aos ruídos
10 — Sons típicos da casa (bater de portas, gritos, prantos, ruídos
de mastigar, tiques com sons, murmúrios etc)
11 — Sons durante a noite e sons corporais
12 — História propriamente dita do lugar, educação musical dos
pais e do paciente
13 — Os primeiros contatos com o instrumento
14 — Estado atual do problema sonoro-musical
15 — Associações com sons
16 — Preferências e recusas musicais, sonoras e de ruídos
17 — Desejos e recusas de instrumentos.

Estas perguntas exemplificam uma forma de interrogatório,


porém não a única, pois pode tomar-se de outra forma, seja alte-
rando a ordem ou realizando outro tipo de pergunta. Muitas vezes
o paciente não responde especificamente a uma pergunta, dizendo
que não recorda ou não sabe, e, sem dúvida, à medida que trans-
corre a conversação, através de outras recordações ou associações,
aparecem os sons que estávamos tratando de descobrir.
Esta ficha se poderá completar no transcurso das sessões.
O objetivo principal é conhecer a história sonoro-musical do
paciente e sua herança. Dos primeiros dados da ficha obteremos,
por um lado, todo o aporte sonoro-musical do paciente, e por ou-
tro, o que poderíamos chamar as séries complementárias sonoras.
Os primeiros dados da história podem ter uma enorme impor-

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74 R. O BENENZON

tância. As possibilidades de comunicação de um paciente cujos


pais, por exemplo, são espanhóis, serão diferentes daqueles cujos
pais são de origem italiana ou argentina.
Inclusive estas diferenças de comunicação se darão, também,
quanto à região de origem, isto é, que o que emigrou da Galícia,
por exemplo, terá um acervo folclórico herdado distinto do que
o que emigrou da Andaluzia.
Estes conhecimentos nos darão elementos básicos para nosso
primeiro contato nas sessões de Musicoterapia. Permitirá compre-
ender as recusas a determinados ritmos ou melodias, como tam-
bém preparar-se para o contato com o paciente. Assim, por exem-
plo, se estamos frente a um paciente que emigrou da Galícia, o
musicoterapeuta se nutrirá dos conhecimentos dos ritmos e cancio-
neiros galegos, para estar em ótimas condições de secundá-lo, im-
provisar, contestar na base os diferentes fenômenos musicais que
ele possa suscitar, e, ademais, entender os conteúdos simbólicos
das sessões. O musicoterapeuta terá facilmente aberto o caminho,
se demonstra a seu paciente que conhece sua linguagem.
Para aclarar este conceito, faço referência ao trabalho The
Haunting Lyric de Frances Hannett, de Chicago, onde fala acerca
do significado pessoal e social da canção popular americana.
A autora conta que durante longo tempo observou que o as-
sobiar de seus familiares, pela manhã, expressava o estado de âni-
mo naquele momento: alegre, triste, resignado ou otimista.
Habitualmente assobiavam somente uma frase ou duas, po-
rém, baseando-se na letra do texto que correspondia a essa parte
da melodia, encontrava a chave que revelava o estado de ânimo.
Por exemplo, Oh, what a beautiful morning (Oh, que linda ma-
nhã) da revista musical Oklahoma. Muitas vezes quem assobiava
não podia recordar a letra; era uma canção cujas palavras não eram
conscientes. Frances Hannett compreendeu que a melodia era uma
expressão pré-consciente e era óbvio que se a utilizava para trans-
mitir emoções e sentimentos que não se podiam expressar direta-
mente. Isto mesmo poderia ser aplicado ao tratamento de pacien
tes psiquiátricos.
Evidentemente falar em forma direta significa acercar-Se de-
masiado de emoções para as quais não se está preparado.
As palavras de outro proporcionam a distância adequada e, 30
mesmo tempo, uma sugestão de conflito básico. A melodia era em

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 75

pregada pelo paciente muito especificamente para explorar a trans-


ferência, porém, com frequência, provinha a chave do conflito cor-
rente na análise. Freud dizia que se pode demonstrar que a melo-
dia, que de pronto invade a cabeça de um homem, está condicio-
nada por um processo de pensamentos ao qual pertence e que, por
alguma razão, ocupa sua mente sem que ele se aperceba.
É fácil demonstrar que o enlace com a melodia deve-se buscar
na letra ou na fonte de onde saiu a melodia. Freud faz depois a se-
guinte advertência: “Não sustento o mesmo no caso de pessoas ver-
dadeiramente musicais, com as quais tenho tido experiência; nelas,
o valor musical da melodia pode justificar sua súbita aparição no
inconsciente”.
Hannett faz referências a outros casos que aclaram mais o te-
ma; uma paciente, numa sessão, apresentava-se zangada com ela,
não podendo justificar esse sentimento, até recordar que, ao entrar
no consultório, estava pensando na música do fragmento: p/ease,
give me something to remember you when you are far away from
me (Por favor, dá-me algo para recordar-te quando tu estás longe
de mim). Umas horas antes, haviam-lhe comunicado que a analista
ia tirar férias e, no momento, não tinha reagido ao surgir a separa-
ção iminente; porém, seus verdadeiros sentimentos revelaram-se
claramente depois.
A palavra por favor foi agregada pela paciente para intensifi-
car seu pedido de um talismã que poderia combater a solidão que
ela temia passar.
As crianças também empregam a melodia para expressar
seus profundos sentimentos: um menino fez, em segredo, um tam-
borzinho para o aniversário de sua irmã maior, e escreveu nele o
nome dela.
Enquanto construía o brinquedo, cantarolava a Marcha Fúne-
bre de Chopin.
Apesar de esta melodia não ter letra, o paciente conseguiu co-
locar as palavras que expressavam seus ciúmes sexuais e sua pro-
funda hostilidade frente à sua irmã e ao noivo.
Outro caso é o seguinte: uma menina cantava canções popula-
res com frequência, até o momento em que se apercebeu de que o
terapeuta guiava-se pela letra das canções para entender o que ela
não dizia de forma direta; então, costumava cantarolar a melodia
sem pronunciar as palavras. Afortunadamente, o terapeuta estava
em dia com o cancioneiro popular e conhecia as letras das canções.

Scanned by CamScanner TT
76 R. O. BENENZON

Em uma ocasião, e depois de uma conversa telefônica que o tera-


peuta manteve com uma irmã maior dela, a menina entrou no con-
sultório cantarolando: /'// never be jealous again (nunca mais vou
ter ciúmes) e enfrentou, por fim, os ciúmes e a hostilidade anterior-
mente repelidos.
Da Assinala Hannett que os exemplos citados apóiam as teses de
1 j/ que a melodia de um texto persistente é uma voz do pré-conscien-
“» º te, e que deve ser compreendida do mesmo modo que um frag-
mento sonhado, uma fantasia ou um ato repetido. Tais fragmentos
A
líricos têm, às vezes, um significado evidente e um latente.
= O significado evidente ou manifesto reitera a posição defensi-
va na superfície; o significado latente, que se refere aos impulsos
e desejos, e à sua origem genética, revela-se somente através da aná-
lise da lírica como se fora um sonho.
Observou-se que a grande maioria dos fragmentos e frases líri-
cas, uma vez analisados, ajudavam o paciente a entender suas rela-
ções com a mãe.
Isto nos indica a importância fundamental que tem o material
melódico que o paciente nos traz, como também, e fundamental-
mente, o material criado pelo paciente. É preciso aclarar que, ob-
viamente, é nas sessões de Musicoterapia, onde o paciente terá que
trazer uma linguagem de comunicação feita de melodias ou
canções.
A” A função do musicoterapeuta não será a de interpretar esse
material, função do psicoterapeuta, mas a de entabular uma com-
preensão, um diálogo e uma atuação musical da transferência.
As musicoterapeutas R. L. de Weisse, S. Gallo e M. Ricioppo
realizaram um trabalho sobre as canções como linguagem, onde
observaram que, ante a repetição de determinadas circunstâncias
vividas pelo paciente, tais como visitas familiares ou intentos de fu-
ga de um estabelecimento de internação psiquiátrica, aparece a
mesma canção ou outra de conteúdo similar nas sessões individuais
de Musicoterapia. Por exemplo, um paciente expressa um de seus
conflitos, detectado na história clínica, cantando O Preso nº 9, do
qual transcrevo um trecho:
O “0 0 00 bc dare nsa ul

porque antes de amanhecer


a vida lhe hão de tirar,
porque matou sua mulher
e a um amigo desleal...

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 7

E o paciente iniciou deste modo uma comunicação que


se in:
tensifica até chegar a um tal grau que necessita afastar-se, com 0
que surge Pegada Triste, de A. Yupanqui:
Que eu lhes conte minhas penas
Me pedem de tarde em tarde,
Se nelas estão minhas forças
Deixem-me que eu as cale.
“00 0 0 0 0 0 0 00 0 0 q va 0...

Não se vê o Cruzeiro do Sul


nas noites de tormenta;
há que mirar dentro de nós
para encontrar a pegada.
Quando me cansa o caminho
ponho-me a olhar pra dentro
Ao lume das recordações.
Segue a isto um intento de suicídio. Esta canção se repete,
tempos depois, ante uma nova situação crítica do paciente.
Outro paciente traz às suas sessões individuais o samba Agi-
tando lenço que utiliza como simbolo de reencontro, depois de
uma tentativa de fuga:
Fui embora dizendo adeus,
nesse adeus ficou enredado um querer;
agitando lenços fui embora.
nc cons nan da nd sn a 0 4 04

Voltei e te encontrei
toda minha voz lhe deu a copla ao cantar,
agitando lenços voltei
sentindo também meu peito agitar.
Este mesmo paciente costuma cantar o samba De minha mãe
nos momentos mais difíceis de abandono ou crises:
Voltarei, voltarei
Onde está minha mãe esperando-me
de novo em seus braços voltar a ser menino
viver como só se vive uma vez,
Nas sessões de grupo, o material se incorpora e sofre modifi-
cações à medida que se produz a adaptação dos pacientes. Por

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718 R. O. BENENZON

exemplo, o Samba da Candelária, que passa a ser como um símbo-


lo do grupo e é solicitado pelos pacientes em momentos em que
têm sentimentos de solidão e abandono ou que pedem apoio ao
grupo, sobretudo depois de alguma ameaça de fuga ou diante da
aparição de uma síndrome diskinética devido à medicação. A for-
mação do grupo, como situação nova, traz também canções novas.
Um paciente sente-se exigido e canta o Samba do Gaúcho
Guerreiro, como expressão de sua rebeldia:
Em tempos em que a Pátria
necessitava valentes
o gaúcho Martin se pôs a lutar
misturado com sua gente.
Ao acalmar-se, durante a mesma sessão, aparece o samba Vem
clareando cantado por outro paciente.
Quando a coordenadora do grupo anuncia suas próximas fé-
rias, aparece a seguinte sequência: o bolero Acorrentado.
Talvez seria melhor que não voltasse
Talvez seria melhor que me esquecesses

Minha sorte necessitava de tua sorte


e eu necessito muito mais
Que queres tu de mim
por que voltaste aqui
se estando junto a mim
eu sinto que mais só estou.
Ambos antecipam sofrimento ante o abandono, e demons-
tram um dos graves inconvenientes que traz a prática indiscrimina-
da nas instituições psiquiátricas, onde muitos médicos, psicólogos
e paramédicos começam uma investigação ou um processo de prá-
tica e O interrompem por uma infinidade de motivos, ficando o pa-
ciente “acorrentado” a esse processo e sem solução.
Depois, ao ir-se a musicoterapeuta, aparece o samba 4 deixei
partir:
A senti chorar
não a consolei
a deixei andar
tão longe de mim;

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
19

e meu samba cantava na


tarde:
mirá-la em silêncio
deixá-la partir
voc... “0. cada... asas

º A presença das outras musicoterape


utas faz com que a elabo-
ração não seja tão dificultada e, a seu
regresso, o samba Junto ao
o expressa a alegria de encontrar-se novament
e no grupo com-
pleto:
Eu não sei que terão
estas noites junto ao fogão
um latir, um cantar
retumba em meu coração.
Ão cair a oração
quando o sol já começa a entrar
eu me vou à fogueira
com minha garota a tomar chimarrão.

Em outros momentos, a elaboração não é tão simples: as fé-


rias de um dos egos auxiliares determina que um paciente se negue
a assistir à sessão, e O grupo sofre o processo de:
1) Identificação com o ausente, cantando espontaneamente
uma canção que aquele costumava escolher com fre-
quência.
2) Agressão ao terapeuta, quando este regressa: aparece no-
vamente o Samba do Gaúcho Guerreiro. |
3) Reparação através do poema O remate, de Y. Rodríguez,
que um dos pacientes dedica ao terapeuta. O poema tra-
ta da venda de todos os pertences de um gaúcho velho,
jovem
que fica seminu e só, até que se aproxima o gaúcho
que comprou tudo e lhe devolve.!
conhecer o
*A referência à pergunta 3 da ficha permite-nos
acervo cultural dos pais, como também os sons gratificantes ou
:
de desprazer que tenham ficado i
como efeitos traum áticos. |
Os dados recolhidos da pergunta 4 da ficha, que chamariamos
na pista
i de elementos m uito
a gravidez sonoro-musical, nos coloca
profundos referidos à regressão do paciente.

riências re alizadas pelas


musicote-
(MD T odos esses exemplos foram tomados das psiquiátrico
for A.
Borda, de Buenos Aires,
rapeutas acima mencionadas, no Hospital Neuro cui
Argentina.

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80 A. O. BENENZON

No tema sobrea psicologia do som ficou demonstrada a im-


portância de todos estes elementos que configurarão o ISO do pa-
ciente.
A pergunta 5 da ficha refere-se ao que chamaríamos a lacta-
ção sonoro-musical, isto é, ao tipo de comunicação que a mãe em-
pregou para com a criança, enquanto lhe dava o peito, ou a emba-
lava, ou a fazia dormir.
É evidente a diferença posterior do paciente que foi embala-
do ao som de canções de ninar ou aquele que foi abandonado ao
silêncio ou ao ruído indiscriminado do mundo externo.
Por isso creio cada vez mais na eficácia de estruturar um nasci-
mento, e primeiros dias de vida, que mantenha o ambiente intra-
uterino sonoro constituído por um pseudo-silêncio acompanhado
pelo bater do coração, os murmúrios da voz da mãe, o grunhir das
paredes uterinas, e, gradualmente, ir transformando esse mundo
sonoro. Por isso, colocar a criança perto do peito esquerdo da mãe,
sentir a voz pausada e suave da mãe deveriam ser os únicos elemen-
tos sonoros do primeiro dia de vida.
Muitos são os exemplos que demonstram a busca inconscien-
te dos sons musicais que acompanharam a lactação. Um colega de-
clarou que seu pai ao lhe dar a mamadeira assobiava a valsa de
Copélia, e desde que tinha 5 anos em diante buscou com afã reen-
contrar-se com essa melodia que não podia identificar.
Seu constante e compulsivo escutar música no rádio, nos dis-
cos, significava a busca dessa melodia.
Outro exemplo: o paciente que durante anos buscou à melo-
dia de uma canção de ninar de sua mãe sem poder jamais encontrá-
la. Ao sofrer uma intervenção neurocirúrgica no lóbulo temporal,
O cirurgião, ao estimular certas regiões, provocou a recordação de
seus anos de infância, e principalmente a cena em que sua mãe lhe
cantava a canção de ninar. O cirurgião pediu que a cantasse e a gra:
varam, tempos depois, recuperado de sua intervenção, fez-lhe es
cutar a gravação perguntando se a reconhecia. Ao escutá-la, O pa-
ciente lacrimejou e reconheceu por fim a canção de ninar tão
buscada.
as rs o importante da ficha é o interrogatório Fones
dá ds Isical propriamente dita, como, por exemplo, à is
aprendizagem de um instrumento ou reações aos primeiros
contatos com a música.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 81

Isto tem importância nas gerações anteriores à nossa, aquelas


onde a educação musical não tinha os métodos modernos que per-
mitissem um verdadeiro acercamento feliz do aluno; por conse-
guinte, o estudo da música resultava muitas vezes fastidioso e exi-
gente, encontrando-se com frequência recusas a instrumentos ou
ao estudo mesmo do fenômeno musical, devido simplesmente a
um ensino rígido e árido. Também é útil averiguar os fenômenos
que se produzem com determinados sons ou partituras musicais
onde o paciente revive inconscientemente os conflitos do binômio
mãe/filho.
É indubitável que a tomada da ficha não deve ser rígida, nem
seguir uma ordem esquemática, sendo útil adaptá-la ao paciente in-
clusive modificando a forma das perguntas para conseguir dados
que costumam ser difíceis de recordar para ele próprio. Há certos
casos em que é necessário dedicar duas ou mais sessões para a to-
mada.

b) Testificação do enquadre não-verbal

A testificação do enquadre não-verbal não é propriamente um


teste, mas uma prolongação da ficha musicoterapêutica, já que po-
demos obter mais e novos dados sobre as possibilidades de comuni-
cação não-verbal do paciente; podemos observar suas inibições,
seus bloqueios, suas dispersões, seus estereótipos, seus impulsos,
seus desejos, através de uma ou outra manifestação sonoro-musical
à ou através da escolha de um ou outro instrumento, como também
o vínculo que se estabelece com o musicoterapeuta.
Em geral, aconselho que seja o mesmo musicoterapeuta o que
tome a ficha e a testificação, já que ao tomar a primeira estabelece-
rá um rapport que possibilitará uma rica testificação musical.
O lugar da tomada da testificação será a sala de Musicotera-
pia, que já descrevi.
O instrumental para a testificação deve ser: se houver um pia-
no na sala, este deve estar com o teclado aberto e sua caixa desco-
qual
berta, pois nos interessa o instrumento como um todo, no
qualquer tipo de som servirá aos fins da comunicação. Um violão
apoiado, um bombo, um timbale, ou tamboril com duas baquetas,
| um bongô ou ““tumbadora”' e um gongo ou pratinho.

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82 R. O. BENENZON

Sobre a mesa serão colocados instrumentos musicais de per-


cussão como o toc-toc, claves, chinchines, triângulo, caixinha chj.
nesa, guisos, pandeiro, pandeirinhos, castanholas, maracas, reco-
reco etc, ou seja, dependendo das possibilidades da instituição
ou do musicoterapeuta e, inclusive, do folclore do pars em que se
tome a testificação. Um ou dois instrumentos melódicos, que po-
dem ser uma flauta doce, um metalofone ou xilofone ou sistro. O
importante na prática, é que o musicoterapeuta deve conservar sem-
pre os mesmos instrumentos elegidos desde o princípio e conser-
var também a mesma ordem em que os colocou desde a primeira
testificação que praticou.
A importância prática disso é que o musicoterapeuta poderá
ter claramente um padrão de observação para todas as testifica-
ções, já que, por exemplo, lhe será fácil recordar a ordem em que
colocou tal ou qual instrumento; portanto, para descrever uma
testificação de um paciente, que começou tomando o instrumen-
to da esquerda e acima da mesa, o musicoterapeuta que sempre
colocou o toc-toc à esquerda e acima da mesa, recordará com fa-
cilidade que o primeiro instrumento que seu paciente tentou tocar
foi o toc-toc.
Deve-se dispor de um gravador, onde estarão gravados quatro
exemplos, cuja duração oscilará entre dois a três minutos. O pri-
meiro exemplo: escolher-se-á um ritmo muito primitivo, tipo biná-
rio, batimento cardíaco, de pulsação ou de alguma tribo, como OS
pigmeus etc. O segundo exemplo: escolher-se-á um fragmento me-
lódico, onde o ritmo quase não se encontre, uma melodia quase
aleatória, ou produzida pelo próprio musicoterapeuta com a flauta
doce.
O terceiro exemplo será um fragmento harmônico, e o quarto
exemplo um fragmento de música eletrônica.
A instrução que se dá ao paciente é a seguinte: ao ingressar ne
sala, já se encontram os instrumentos colocados, de maneira quê
nesse instante há uma estimulação específica; O musicoterapeutã
lhe explicará: — Vamos estar juntos num espaço de uma hora; O
que desejaria é observar suas possibilidades de comunicação atrá”
vés do som, da música ou dos instrumentos, sem necessidade de
falar (enquanto se dizem estas palavras com um gesto mostra
Os instrumentos); (e continua-se) eu estarei observando, pará E
Pois estudar o ocorrido e poder começar o tratamento à partir
Próxima sessão. Isto é só um modelo.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 83

Desde esse momento, deixar-se-á livre o paciente e observa-se


todas as suas manifestações. Os instrumentos que pega, a forma
como o faz, se emite sonoridade, os ritmos ou melodia que inter-
preta, seus gestos, as associações, as canções, as sensações contra-
transferenciais que desperta etc.
Isto pode durar uns vinte minutos, dependendo do material
que o paciente possa oferecer e do estado de ansiedade que desper-
ta a testificação.
A partir desse momento, se dá a segunda instrução. Nela ad-
verte-se o paciente que vai escutar uma série de exemplos sonoros
emitidos pelo gravador e que ele poderá seguir atuando como tem
feito até agora e que o musicoterapeuta seguirá sua postura de ob-
servação. Liga-se o gravador e passam-se os exemplos musicais. En-
tre um exemplo e outro haverá um espaço de silêncio de cinco mi-
nutos. Durante esta segunda parte, volta-se a observar as formas de
reação ante os distintos estímulos, as associações verbais e não-
verbais, os instrumentos que utiliza para imitar ou os movimentos
corporais que manifeste etc.
Nesta testificação deve-se evitar o diálogo, e se o paciente in-
siste, por exemplo, através de perguntas, deve-se responder repetin-
do a instrução que se deu. Excepcionalmente, pode-se intervir com
algum esclarecimento ou estimulação, sempre e quando o musico-
terapeuta esteja muito seguro, o que bastará para que o paciente
possa se expressar.
Insisto na passividade do musicoterapeuta (única vez que terá
esta atitude) já que é uma situação de teste e qualquer intervenção
ativa desviará a possibilidade de uma clara compreensão das formas
de comunicação não-verbal do paciente, ou das possibilidades que
o mesmo busca para canalizar estados de ansiedade, e a escolha
mais certa do objeto intermediário que lhe servirá para essa cana-
lização.
Desta maneira podemos observar as mais variadas formas de
reação que nos guiarão até a hipótese do ISO do paciente e das
possibilidades de descobrir os objetos intermediários a utilizar.
O paciente com estrutura esquizofrênica se acercará da mesa
e ficará paralisado com uma total inibição dos movimentos, com
uma clássica atitude catatônica, transformando-se, talvez, ao escu-
tar algum exemplo sonoro que o impacte; o paciente maníaco mos-
trará uma atitude dispersiva, pegando um instrumento e depois
outro, e depois outro, pegando e deixando insistentemente; e o pa-
ciente obsessivo, que pegará um só instrumento e começará a tocá-

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84 R. O. BENENZON

lo e a buscar mil formas distintas de usá-lo; ou aquele que preten-


derá entrar em diálogo verbal perguntando como se usa tal instru-
mento ou como se chama este outro etc.

é) A sessão de Musicoterapia

As sessões de Musicoterapia constituem a parte ativa e tera-


pêutica do tratamento. É aqui onde o musicoterapeuta colocará
em prática toda sua capacidade de elaboração dos pensamentos
não-verbais, suas estratégias para a abertura de canais de comuni:
cação, sua compreensão dos níveis regressivos de seu paciente, a
execução de múltiplas formas de expressões sonoro-musicais e de
movimento que sirvam de estímulo, de respostas, de ecos, de resso-
nância, de vibrações, sua capacidade de captação do ISO do pacien-
te, e a habilidade do uso dos objetos intermediários e objetos inte-
gradores.
“1. Uma sessão de Musicoterapia contém implícita a passagem
por três etapas, nem sempre especificamente regulares.
Uma primeira etapa que chamo de aquecimento e catarse.
O termo aquecimento não difere muito do utilizado em técni-
cas psicodramáticas, onde é definido como o “'conjunto de proce
dimentos que intervêm na preparação de um organismo para que
se encontre em Ótimas condições para ação”.
Em Musicoterapia existe, conjuntamente nesta primeira fase
de qualquer sessão, uma descarga tensional simultânea ao aqueci-
mento, a qual chamei de catarse.
Esta catarse se vê altamente favorecida pela presença do ins
trumento que permite a canalização de energias física e psíquica
contidas.
' Poderia dizer que das minhas observações clínicas posso
de
duzir que, se não há possibilidade de catarse, é muito difícil quê
exista o aquecimento.
Portanto, nesta primeira etapa da sessão, o musicoterapeutã
tem que colocar algum instrumento útil para a descarga, tem quê
7 alguns ritmos para favorecer O aquecimento e inclusive EM
a Emis oportunidades tem que dar instruções verbais.
no musiaoe Plivelmente, à medida que acontece o aquecimento,
oterapeuta se produz quase que
espontaneamente a segun
da fase ou eta E
a pa da sessão a que chamei ão e ubservação
do enquadre não-verbal. º de percepo

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 85

Esta etapa se circunscreve no momento em que o musicotera-


peuta descobre ou elabora uma hipótese do ISO complementário
do paciente.
Nesta etapa, o musicoterapeuta percebe a identidade sonora
circunstancial que o paciente traz e consegue integrá-la ao ISO ges-
táltico dele.
Desta percepção elaborará intuitivamente, favorecido pela sua
formação e sua experiência, a melhor estratégia para abrir um canal
de comunicação nesse sentido. É aqui onde sensivelmente se põe
em jogo o próprio ISO do musicoterapeuta, pois é fora de dúvida
que a elaboração surgirá do impacto e dissociação das mensagens
não-verbais do paciente para o musicoterapeuta. Em outras pala-
vras, que o musicoterapeuta receberá e será impactado em seu
próprio ISO, como ocorre com todo ser humano, porém do pró-
prio conhecimento de seu ISO partirá objetivamente uma resposta
que estará dirigida ao ISO de seu paciente, de tal maneira que essa
resposta tenha como objetivo o ISO de seu paciente. É compreen-
sível que, igualmente, essa resposta terá impregnadas caracter ísti-
cas do musicoterapeuta, já que em toda terapia onde existe um pro-
cesso de tempo não se pode suprimir a própria figura do terapeuta
que é parte integrante e sine qua non da técnica que utiliza.
Na Figura 10 tratei de esquematizar dentro dum contexto di-
nâmico do psiquismo humano a diferença entre o que sucede entre
dois pacientes e o que sucede entre musicoterapeuta e o paciente.
No paciente, as energias que surgem do ISO gestáltico, que es-
tariam no inconsciente do paciente, que se mesclariam com as do
ISO complementário, que estariam no pré-consciente, emergem
consciente e diretamente para o exterior e são recebidas em forma
de mensagem pelo outro paciente. Esta energia penetra e corre di-
retamente a impactar o ISO complementárioe o ISO gestáltico (Fi-
gura 10), onde quase imediatamente surge a resposta direta para o
exterior com uma direção variável, ou ao outro paciente, ou ao gru-
po, ou simplesmente como descarga livre.
Na situação terapêutica ocorre o seguinte: no paciente, as
energias surgem da mesma maneira já mencionada, porém, ao che-
gar no musicoterapeuta, ingressam diretamente, impactam o ISO
complementário, o ISO gestáltico, se produz a emissão da resposta
energética, porém ao chegar ao consciente reelabora-se a mensa-
gem em função da discriminação entre o próprio ISO reconhecido
e o do paciente. Esta discriminação se pode fazer em função de

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R. O. BENENZON
86

” Grupo
/
a
—— —C + —- Paciente
N
N
n

a
à Livre

ISO
Complemt.

ISO |
Gestáltico ISO Gestáltico
é
Paciente Paciente

2 ———20-—
/ a À

ISO Gestáltico ISO Gestáltico

Musicoterapeuta Paciente
Figura 10

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 87

que unicamente no contexto não-verbal o processo repetitivo das


mensagens permite o reconhecimento uma e outra vez da mensa-
gem.
Isto é muito difícil de realizar em um contexto verbal onde o
simbolismo abstrato da palavra em geral se dá uma só vez e, por-
tanto, ao reelaborar a resposta para o paciente, não se pode voltar
a constatar a diferença de impacto inconsciente próprio. É justa-
mente o repetitivo da mensagem não-verbal o que facilita a abertu-
ra de canais de comunicação em Musicoterapia. Esta resposta reela-
borada do musicoterapeuta tem um objetivo direto, que é impac-
tar ou o ISO complementário ou o ISO gestáltico do paciente, de
onde surgirá, com clareza, um diálogo entre ambos que esclarece
o paciente e reconstrói sua dinâmica interna.
A segunda resposta será distinta, e lentamente irá se enrique-
cendo de acordo com o objetivo seguido na terapia.
É por isso que chamo a terceira “etapa da sessão, diálogo sono-
ro. Aqui já está estabelecido o>canal Je
de comunicação, e, portanto,
constitui o clímax da sessão. Estamos em pleno efeito terapêutico
onde está-se dando a reelaboração de pautas dinâmicas do psiquis-
mo do paciente, de sua inter-relação e, por outro lado, de sensa-
ções yratificantes.
É o momento em que se consegue vivenciar atitudes incons-
cientes que trazem uma riqueza de conhecimento do paciente.
No transcurso de um tratamento, esta etapa do diálogo sono-
ro pode-se dar quase no começo da sessão, e pode ocorrer, sobre-
tudo, quando o musicoterapeuta tem um conhecimento muito cla-
ro do ISO de seu paciente.
Outras vezes, pode ocorrer que não se dê o diálogo sonoro.
Uma sensação de insatisfação por parte do musicoterapeuta é uma
clara mostra de que uma sessão terminou sem o diálogo sonoro,
em contraposição com a sensação gratificante e plena da sessão
que cumpriu as três etapas antes referidas. Uma sessão em que se
alcança o diálogo sonoro é fácil de finalizar; em troca, quando não
se produz, fica muito complicado ao musicoterapeuta dar término
a sessão.

d) Sessão de grupo em Musicoterapia

Nas sessões de Musicoterapia de grupo requerem-se alguns as-


pectos técnicos que, à observação clínica, demonstraram ser posi-
tivos.

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88 R. O. BENENZON

Por exemplo, creio que um grupo de Musicoterapia não deve


ser integrado por mais de seis pacientes, que é um número ideal.
Isto se deve ao fato de que trabalhar num contexto não-verbal, em
grupo, requer um esforço muito grande; e à medida que aumenta o
número de participantes, aumentam as exigências energéticas, a
busca de objetos intermediários, a duplicação de objetos integra-
dores etc.
Creio que, em grupo, é necessário a presença de um co-tera-
peuta. Este co-terapeuta pode ser outro musicoterapeuta ou outro
paramédico, seja um psicólogo ou um assistente social, ou outro
integrante da equipe de saúde.
A função deste co-terapeuta será a de um observador ativo.
Isto é, estará integrado no grupo e participará das instruções do
musicoterapeuta, porém será como um ego auxiliar, ativando ou
desativando os pacientes que o requeiram em função da integração
final do grupo.
A escolha dos pacientes de um grupo de Musicoterapia depen-
derá da instituição e dos objetivos terapêuticos que esta persiga. E
recomendável que, na escolha de pacientes, não se leve em conta
aqueles que saibam música, erro frequente em que caem alguns
profissionais, pois acreditam que o fato do conhecimento de algum
instrumento musical, por parte do paciente, favorecerá a integra
ção do mesmo ao grupo. Em geral, neste aspecto, é preferível que
Os pacientes não tenham conhecimentos profundos de algum ins-
trumento. Basicamente se trata de que o grupo seja fechado para
poder manejar-se com clareza no contexto não-verbal; porém isto,
em última instância, dependerá do tipo da instituição. O objetivo é
promover a integração dos pacientes no grupo e destes, por sua
Vez, no interjogo deste processo, à comunidade. Para isto o must
coterapeuta terá que captar o ISO grupal e o objeto integrador. Na
minha experiência clínica de controles, tenho podido observar quê
esta tarefa é mais fácil quando o musicoterapeuta trabalha de em
trada com um grupo desconhecido do ponto de vista musicotera
péutico. Isto é, que seus pacientes individuais não farão parte do
grupo que ele coordene.
que apos veres o trabalhar num grupo formado por paciente!
ESTO Ts Nes ou têm tratamento musicoterapêutico INE
ISOS estáticos o dificulta na possibilidade de abstrair-Se ir
com liberdaa individuais dos pacientes que ele conhece, eim
ade o ISO grupal, que de nenhuma maneira é a soma

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA B9

dos ISOS individuais. Remeto o leitor ao tema sobre o princípio de


ISO, onde fiz referência ao ISO cultural e grupal. O grupo musico-
terapêutico alternará sucessivamente uma série de processos trpi-
cos de qualquer grupo. Por exemplo, a ansiedade persecutória se
faz evidente nas sessões de começo de tratamento, evidenciada pe-
la utilização, por parte dos pacientes, de atitudes fortemente autis-
tas, idealização ou desconfiança com respeito ao terapeuta e à tare-
fa; e, ainda, dificuldades para a participação e integração. O privilé-
gio da técnica musicoterapêutica é poder observar com maior rapi-
dez estes tipos de processos e manejá-los com uma melhor dinâmi-
ca dentro do contexto não-verbal.
Por outro lado, o prazer da expressão sonora e corporal e os
canais de comunicações que se abrem são vividos com intensa gra-
tificação por parte do terapeuta e do grupo.
Algumas vezes a incorporação de um integrante novo mostra
o grupo fortemente competitivo e, portanto, integrado e musical-
mente “técnico”. Os ciúmes pela comunicação com o musicote-
rapeuta, ou pela comunicação que mostram pares de pacientes en-
tre si, dão lugar, em geral, a tendências autistas ou à aparição de
atividades de sabotagem de algum ou vários membros, como, por
exemplo, tocar mais forte para encobrir o outro, bocejar acintosa-
mente, ficar automaticamente com um ritmo e percussão próprios
sem escutar o outro etc. A inveja é um dos motores da competição
entre os membros, dando lugar a atitudes francamente idealizado-
ras do terapeuta ou de retraimento silencioso do mesmo. A lide-
rança formal é a do terapeuta; com frequência coincide com a ou-
torgada pelo grupo, ainda que expressada no submetimento do
mesmo. Em momentos de sabotagem, quando o grupo se sente as-
sustado, por exemplo, ante alguma técnica expressiva nova, se pro-
duzem reações maníacas, visivelmente encabeçadas por algum pa-
ciente, que se propagam em cadeia à quase totalidade do grupo.
A onipotência se dá como variável permanente, sobretudo nas
sessões de começo, em algum ou em alguns dos membros que que-
rem fazê-lo “mais difícil”, “intelectualizado” e “criativo”. Ao con-
trário, outros afirmam não poder fazer nem o mais simples, e se
desvalorizam. Esta é uma variável rapidamente superável pela Musi-
coterapia, já que no terreno do som é prontamente contrastada
com a realidade. Sua firme superação conduz a uma forte tendên-
cia à integração grupal. É assim que em não muitas sessões de gru-
po de Musicoterapia, o grupo mostra uma diminuição em sua oni-

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90 R. O. BENENZON

potência/impotência, sobre a base de confrontações com a realida-


de sonora e social das sessões. Um começo de insight! acerca do
persecutório e confusional com uma maior tolerância à sua emer-
gência. Também um começo de insight com respeito aos ciúmes e
à competição e em alguns momentos a experiência de sua supera-
ção mediante a vivência gratificante de poder comunicar-se entre
si, e compartilhar essa gratificação; estado este que se obtém quan-
do o musicoterapeuta consegue a etapa do diálogo sonoro.

(1) Termo utilizado em psicanálise para referir-se ao que ocorre em um paciente.


quando torna consciente o inconsciente.

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CAPITULO &

ASPECTOS TECNICOS

O musicoterapeuta irá se formando ao longo dos anos, e será


sua própria experiência e sua própria capacidade que farão dele um
profissional com êxito terapêutico. Não obstante, ao longo de mi-
nhas experiências controlando e supervisionando casos de pacien-
tes tratados com Musicoterapia, tenho podido discriminar aspectos
técnicos, necessários a levar em conta para melhorar e prevenir si-
tuações negativas. Entende-se que todas essas técnicas estão sujei-
tas à adaptação, segundo o caso e a dinâmica do mesmo.
Muitos destes aspectos técnicos são também recomendáveis
para outras especialidades, onde o movimento e a comunicação
não-verbal são inerentes à específica atividade terapêutica. Por
exemplo, a vestimenta a utilizar deve ser cômoda, que permita e
facilite qualquer tipo de movimentos extremos, tais como, rodar
pelo chão, saltar, arrastar-se etc. O calçado deve permitir o fácil
descalçamento, para os momentos em que se deve trabalhar des-
calços a fim de perceber as vibrações.
Há momentos muito sensíveis nas sessões de Musicoterapia,
sejam grupais ou individuais, em que se necessita experimentar dis-
tintas técnicas para encontrar a indicada e adequada ao momento
também para
do processo não-verbal em que se está vivendo, como
estabelecer o mútuo equilíbrio entre o ISO do paciente e o do mu-
sicoterapeuta.
instru-
Muitas destas técnicas as tenho descrito no tema sobre
mentos, seja como forma de utilizá-los ou combiná-los.
É dado observar que a utilização de um só instrumento de
grande tamanho, como os de percussão, timbales, bongos, “tum:
badoras” ou, inclusive, as marimbas, ou xilofones de pé, facilita a
integração quando se consegue que seja percutido, ao mesmo tem-

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92 A. O. BENENZON

po, por musicoterapeuta e paciente ou pacientes. Ou seja, que um


só instrumento, objeto intermediário, seja o nexo entre ambos ou,
inclusive, entre vários pacientes entre si, e, portanto, se converta
em objeto integrador. Para alguns musicoterapeutas é difícil acei-
tar, em certas ocasiões, trabalhar com um só instrumento, que irre-
mediavelmente levará ao trabalho compartido, e, ademais, tem ou-
tra vantagem: é a de evitar a agressão desmedida entre musicote-
|
rapeuta e paciente.
Darei um exemplo: em uma sessão começou-se um jogo com
dois pratinhos, um dos quais o pegou o musicoterapeuta e o outro
o paciente. Ambos começaram um jogo rítmico de movimentos
pelo ar e de choque dos pratinhos, para sentir depois a vibração no
espaço.
No começo a experiência provocava muita satisfação, porém,
paulatinamente, os choques dos pratinhos se fizeram mais frequen-
tes e mais intensos, perigando a retenção por parte do musicote-
rapeuta que teve que pôr fim ao processo, de forma brusca, para
voltar a reconstruir o conteúdo terapêutico. Isto se pode evitar se
se toma um só prato de grande tamanho e, cada um, musicotera-
peuta e paciente, com uma baqueta percutem o mesmo prato. In-
clusive se pode estimular para intensificar ao máximo a descarga
agressiva que poderia esta contida.
Por outro lado, observa-se que a vibração do pratinho tem um
efeito de recarga, possivelmente provocada pela vibração intensa
produzida pela percussão, o que forma um feed back difícil de in-
terromper, se não é em forma brusca.
O trabalhar sem instrumentos pode produzir, no princípio,
certo montante de ansiedade, sobretudo por não ter um objeto in-
termediário disponível para a descarga imediata. Porém, não esque-
çamos que todo nosso corpo é um múltiplo instrumento sonoro
capaz de converter-se em um membranofone ou em um aerófono
ou em um idiófono com total facilidade. Por exemplo, não há dú-
vida de que o palmeio realizado com as duas mãos é um magnífico
idiófono, talvez o mais primitivo de todos, que é utilizado clara-
mente ainda pelos monos como expressão de afetividade.
| O palmeio com as mãos, mesmo sendo parte do nosso corpo,
está a distância da totalidade e pode converter-se em objeto in-
termediário ideal.
dim En pede ser compartido, a distância, em forma de eco
ção, pergunta e resposta, e também pode percutir-se

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 93

na palma do paciente. Este último tem a virtude de um contato


direto, porém limitado pela ação rítmica. Nos casos em que o con-
tato direto é temido, o palmeio pode ser uma boa forma de prin-
cípio. O palmeio, por sua vez, permite a descarga com movimento
e satisfação.
Muitas vezes um musicoterapeuta impacienta-se ou entra em
estados de ansiedade por não compreender o que está ocorrendo
no contexto não-verbal,
É necessário que se entenda que o musicoterapeuta deve ter
uma infinita paciência, pois o comum é que o paciente, no proces-
so não-verbal, repita muitas vezes uma mesma forma de expressão
até ser entendida. Às vezes, o paciente utiliza diversos instrumen-
tos, ritmos, movimentos, até conseguir descobrir o canal de comu-
nicação com o terapeuta. Este fenômeno repetitivo é dinâmico e
inconsciente. Deve-se ter claro o conceito de que o processo não-
verbal tem um tempo distinto do verbal, é outro tempo, por assim
dizer, porém, não obstante, está inserto ou sobreposto com o tem-
po consciente. Este processo não-verbal não se pode comparar à
atemporalidade do inconsciente nem ao tempo do pré-consciente,
é um tempo próprio, muito definido e limitado ao tempo do musi-
coterapeuta.
Às vezes, ocorre a ruptura de um instrumento em plena ses-
são de Musicoterapia. Esta ruptura, em geral, não se deve a uma
descarga intempestiva de agressão de um paciente, mas ao mal em-
prego ou à má disposição em que um musicoterapeuta coloca o
instrumento. Darei um exemplo: numa sessão o musicoterapeuta
colocou um tamboril, porém, em vez de deixar perto do instru-
mento as baquetas de felpa que lhe correspondem, deixou outras
de madeira, que correspondiam ao instrumento sistro. Por conse-
guinte, quando o paciente começou a percutir com grande violên-
cia, o couro do tamboril rompeu-se. Este tipo de ruptura não teria
ocorrido se as baquetas fossem as corretas, ou seja, as de felpa, as
quais permitem golpes fortes, descarga agressiva, sem perigo de
destruição. j
Quando se trabalha em grupo, é importante a escolha de ins-
trumentos nas primeiras sessões. É aconselhável não colocar um
número maior de instrumentos que os integrantes. Muitos instru-
mentos, ou mesmo um maior número de pessoas, dificultam a in-
tegração e obrigam a uma situação competitiva imediata, além da
dispersão que provoca a estimulação de vários instrumentos.

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94 R. O. BENENZON

—— Tampouco convém, nos começos das sessões grupais, colocar


instrumentos melódicos junto com os de percussão. Os instrumen-
tos melódicos produzem elementos discordantes dentro da unida-
de rítmica que o grupo, no começo, pode fixar.
Outro aspeto a levar em conta é quando uma instituição com-
pra um instrumento para a sala de Musicoterapia, sobretudo se este
é de grande tamanho, como seria um “tam-tam” ou uma “tumba-
dora”, ou um órgão eletrônico. Recomenda-se que ingresse na ins-
tituição em horas que os pacientes não o vejam. Isto dará liberdade
ao musicoterapeuta de apresentar o instrumento ao paciente e na
sessão que julgar oportuna, segundo o caso. Do contrário, se os pa-
cientes virem entrar o instrumento, este fato desviará o trabalho e
o simbolismo do mesmo. Em troca, se é um instrumento que a ins-
tituição adquire para ser utilizado em festividades de acontecimen-
tos gerais onde participam todos os pacientes, então sim, é interes-
sante que o instrumento ingresse à vista de todos, e fique no recin-
to usual de festa.
Dizia no tema de instrumentos, que o órgão, o piano, o har-
mônio, não são instrumentos aconselháveis para uma sala de Musi-
coterapia, sobretudo no começo do tratamento, pois que são com-
plicados, pouco manejáveis corporalmente, estáticos e, além disso,
necessitam um cuidado especial dada sua estrutura delicada e
custosa. Este tipo de instrumento harmônico, leva a situações vel
bais. Quando o musicoterapeuta deve lançar mão a interpretações
verbais, é que perdeu, nesse momento, o canal de comunicação
com seu paciente e apóia-se no nível verbal, que nem sempre o tira
do apuro.
Um caso frequente: durante um diálogo sonoro em que pa-
ciente e musicoterapeuta estão realizando um ritmo combinado e,
de súbito, o paciente “perde o ritmo” e entra numa estereotipia
rítmica, rígida e inamovível. Sobressai nesse momento a sensação
de tensão que produz no musicoterapeuta a perda de ritmo do pa-
ciente. Para o musicoterapeuta, que é um bom músico no sentido
interpretativo e imitativo, causa-lhe enfado os chamados maus mo
mentos “pouco musicais” do paciente. Por isso, disse no tema das
características do musicoterapeuta que se devem banir os concel
tos de musical ou musicalidade, ou afinados, ou bom ou mau OU”
vido etc., com que se costuma caracterizar um paciente. Devemos
falar de “linguagem” ou de “comunicação”. A um musicoterapeu”
ta com defeitos imitativos, porém com grande capacidade de IM

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 95

provisação, será mais fácil sair de um transe como o relatado.


Quando um paciente “perde o ritmo”, isso constitui um sintoma
de isolamento.
Entre outras coisas, isto pode ser devido a uma interpretação
do pensamento não-verbal ou por algum fenômeno dinâmico que
provoca sua evasão, produzindo um ritmo que prontamente con-
verte-se numa estereotipia.
Neste caso é aconselhável duas atitudes técnicas:
a) introduzir-se no mesmo ritmo do paciente, seguindo-o e
observando para onde se dirige, até descobrir a caracteris-
tica essencial desse ritmo, que nesse paciente poderíamos
chamar seu “ritmo patológico”.
b) Afastar-se ritmicamente chegando a encontrar o pólo opos-
to de seu ritmo e inclusive afastar-se fisicamente com o ins-
trumento, a fim de fazê-lo visualizar e perceber a própria
sensação de isolamento e abandono.
Aconselha-se que as ordens ou instruções dadas durante as
sessões de Musicoterapia sejam transmitidas através de um sistema
não-verbal ou seja exercitada a ordem. O paciente pode responder
favoravelmente e em seguida dirigir-se para um instrumento, po-
rém no caso de pacientes que ficam imóveis (característica para a
qual o musicoterapeuta estará prevenido, pois este fato já se terá
observado durante a testificação) o musicoterapeuta elegerá um
instrumento ou induzirá, mediante sua própria atitude ou alguns
gestos, a possibilidade de um diálogo sonoro. o
O musicoterapeuta terá infinitas variantes, antes de verbalizar
alguma outra instrução. É preferível recorrer ao canto ou à can-
ções melódicas conhecidas pelo paciente. Darei um exemplo. A um
eficiente musicoterapeuta, coube atender a um paciente internado
no hospital neuropsiquiátrico que há anos encontrava-se na cama,
em nítida posição fetal, com incontinência esfincteriana, IMpOSSi-
bilidade de alimentação por si mesmo (davam-lhe comida na bocal,
não havia nenhuma possibilidade de diálogo, nem de alguma ni
cação terapêutica. A musicoterapeuta não pôde tomar nem à MENA
musicoterapêutica (fazia tempo que não era visitado por nenhum
familiar), nem testificação musical. Portanto, começou visitando
O paciente todos os dias, ficando um tempo € ensaiando com gran-
semanas,
de paciência um distinto instrumento. Passaram-se tres
OU seja, quase vinte sessões, quando numa delas a musicoterapeuta

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R Q BENENZON
96

uma flauta de êmbolo que ao soprar produzia uma esna,.:


trouxe a musicoterapeuta E
de assobio d e chamada. Pela primeira vez,
mudança No olhar e um movimento de cabeça do .
servou uma
ciente pequenissim
zindo ao som. Continuou com esse instrumento produ.
em direção as variações no som, foi-se acercando mais ds
paciente e ao cabo de quatro sessões conseguiu sSurpreendentemen.
te que o paciente pegasse essa espécie de flauta na mão. Depois de
um tempo, o próprio paciente soprou e extraiu um leve som e dali
conseguido o primeiro canal de comunicação, O caminho foi mais
fácil.
Após um ano contínuo de tratamento ininterrupto, O pacien.
te se levanta da cama, caminha junto à musicoterapeuta e está in.
tegrando-se lentamente à comunidade hospitalar.
É evidente que neste caso contribuiram uma série de fatores:
a personalidade da musicoterapeuta, à ininterrupta continuidade
da aproximação diária e o som que se descobre de súbito, que en.
caixa exatamente no nível regressivo do paciente, produzindo o
primeiro contato. Este caso demonstra que o trabalho terapêuti.
co foi eficaz apesar de não haver existido instruções prévias nem
elementos verbais.
Com respeito à apresentação de novos instrumentos, aconse-
lha-se dosificá-los ao longo de todo o tratamento de acordo com as
necessidades e, em geral, indo dos puramente rítmicos aos meló-
dicos. Deve-se esperar certos momentos chaves para introduzir um
novo instrumento (novo no sentido da sessão). Estes momentos
podem ser quando se produz uma paralisação ou a necessidade de
ruptura de uma longa estereotipia ou a possibilidade de desenvolvi
mento e evolução para formas mais ricas e intelectualizadas da co-
municação e, sobretudo, quando se vai aproximando a finalização
do tratamento.
O musicoterapeuta tende a usar seu próprio instrumento,
com o qual se sente plenamente identificado e que será, portanto,
o preferido para seu trabalho; com ele se sentirá cômodo. Assim,
Juliette Alvin considera como instrumento ideal o celo (Alvin é
uma famosa celista) por causa de seu tamanho, o que permite à
criança seguir o jogo de forma fácil, visual e auditivamente; além
disso, é muito indicado pela sua receptividade.
Em troca, Teresa Hirsch considera que esse instrumento não
permite essa grande liberdade de movimento, que é indispensável
com as crianças deficientes, ou, pelo menos, com aqueles que Sé

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 97

deseja fazer mover; por isso, Hirsch utiliza o pipeau, a flauta doce
e o tambor. O certo é que quanto maior seja o número de instru-
mentos que o musicoterapeuta saiba manejar, melhor será sua pre-
paração técnica para as sessões.
Por último, é útil saber algumas considerações de estratégias
diretivas e estratégias não-diretivas.
Há certo tipo de pacientes ou grupos de pacientes, como os
adolescentes, que necessitam de instruções diretivas. Isto significa
que o musicoterapeuta vá guiando e apoiando o grupo ou o pa-
ciente para atividades definidas, para objetivos precisos. Embora se
sigam os mesmos fundamentos metodológicos, ou seja, a busca do
princípio de ISO e do objeto intermediário, as propostas de traba-
lho partem definitivamente do musicoterapeuta, e são controladas,
dirigidas, através da introdução de ritmos e movimentos que par-
tem de um plano prévio. Se o enfocamos do ponto de vista dinã-
mico, diria que o diretivo tende a apoiar e fortalecer os elementos
positivos de uma estrutura egoica. Em troca, o não-diretivo tende
a mobilizar e abrir núcleos latentes para depois reestruturá-los.

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CAPITULO 9

FINALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS

Creio ser útil considerar alguns aspectos com respeito à finali-


zação dos tratamentos em Musicoterapia.
No tema psicologia da música, mais de uma vez estabeleci que
o fazer música reedita a relação materno-infantil perdida. O trata-
mento em Musicoterapia não escapa a esta eventualidade e muitas
vezes é o que favorece ao processo terapêutico. É por isso que fina-
lizar um tratamento desta natureza torna-se um fato sensível. Ao
longo do processo, é inevitável que em certas circunstâncias se pro-
duza uma espécie de simbiose que se assemelha ao binômio mãe/
filho. Esta última circunstância faz com que o paciente possa tra-
zer elementos, fatos, comentários e tipos de atitudes que jamais
revelou em outros tipos de terapias, nem mesmo na psicoterapia.
Este riquíssimo material é possível de ser aproveitado não só no
processo musicoterapêutico, mas também no processo psicotera-
pêutico que o paciente possa estar realizando ao mesmo tempo ou
o começará ao finalizar seu tratamento musicoterapêutico.
Não escapará ao leitor profissional que esta situação, se não é
manejada com critérios técnicos bem definidos, pode levar a situa-
ções terapêuticas negativas, contraproducentes e, às vezes, seria-
mente comprometidas para a própria vida. Tenho observado inten-
tos de suicídio de pacientes que foram mal-abandonados por musi-
coterapeutas, seja porque tiraram férias intempestivamente ou te-
nham renunciado a uma instituição de forma abrupta.
Por este motivo aconselho alguns aspectos técnicos a se levar
em conta, uns meses antes da possível finalização de um tratamen-
to musicoterapêutico, que passou por uma evolução do regressivo
ao prospectivo.

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A. O. BENENZON
100

ndamentais:
Três aspectos são fu
andoà medi.
1) Intensificar à verbalização que deve ir aument
da que se aproximam as últimas sessões. Esta Verbalização
a do proces,
pode ser feita em forma de comentários acerc ente, das
so terapêutico, das mudanças produzidas no paci
consciente das vivên,
sensações vivenciadas e à expressão
cias atuais. Um exemplo de verbalização simples seria. Você
recorda que no começo, quando tentávamos que você me
imitasse na percussão, em seguida isolava-se e parecia estar
em outro mundo, e não respondia nem às perguntas e nim
s
aos modelos? Veja, agora está atento, conectado, po demo
trocar perguntas e respostas durante longo tempo.
2) As instruções devem ser cada vez mais diretivas. Entre elas
deve-se estimular a incorporação de canções que levam a
mensagens de despedidas, duelos, tristeza etc. Entre nós
pode aparecer o tango Adios muchachos.
3) Como disse em outros temas, é muito útil nesta etapa do
processo a incorporação de instrumentos mais estrutura-
dos, complicados e intelectuais como são o piano, o órgão
etc. Isto pode inclusive ter posteriores derivações para uma
educação musical propriamente dita. A finalização: de um
tratamento em Musicoterapia não invalida a possibilidade
de voltar a retomá-lo, seja como apoio ou como uma nova
indicação terapêutica.

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==) CAPÍTULO 10

O USO INADEQUADO DA MÚSICA,


DA MUSICOTERAPIA ESUAS
CONTRA-INDICAÇÕES

Todo elemento científico, ao ser profanado pelo uso Indlscrl-


minado e sem conhecimento, traz implícito um efeito negativo
que no sobrevir do tempo pode converter-se num verdadeiro perl-
go para a saúde do ser humano.A música não está isenta de correr
um risco similar.
Nossa civilização, que se caracteriza justamente pela massifl-
cação dos meios de comunicação, começa a estruturar lentamento
uma das patologias mais graves, que é a incomunicação; o, parado-
xalmente, a música contribui também para esta patologla,
Por tudo que tenho relatado nos distintos temas, nÃo cabo
dúvida da grande potência que possui o som e o fenômeno acústl-
co, e, portanto, devemos ser muito cautelosos no uso dos mesmos.
Tenho falado, em um dos temas sobre psicologia do som, dos
complexos não-verbais, dizendo que estes são os conjuntos de ele-
mentos sonoro-musicais, de movimentos e fenômenos acústicos
que produzem fenômenos regressivos. Estes fenômenos regressi-
vos, inerentes ao processo terapêutico, podem-se converter, pelo
uso inadequado ou exagerado, no elemento objetal propriamente
dito, e, portanto, não cumprir o papel de objeto intermediário,
Isto provocaria o enquistamento e reforçamento do autismo e da
sintomatologia psicótica. Isto ocorre, sobretudo, quando se utili:
zam os sons em forma passiva.
Nas histórias de algumas crianças de características autistas,
observamos a formação espontânea de autoquistos, pela estimula:
ção passiva de fenômenos musicais.
Os pais relatam como seu filho ficava encantado ante certas
audições de música clássica, e podia ficar horas tranquilamente es-
cutando, isolado de todo o contexto que o rodeava.

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A. O. BENENZON
102

«imo fundamenta a contra-i-ind


n icação dos trata mentos
Este o cam
que uti iza
à audi ção passiva dos sons, sem.a presença do tera
bém à não-recomendação da música funcional,
out. Cmteressante uma advertência que faz o Dr. Hajime Mu.

da Facu de Tóquio, estu.


de Medicina
root ste te p profission al íaco
card do ldad
coraeção materno nas reações dos re.
pe sgitim o ematuros
dosentpr ou normais. 0 Dr. Murooka introduziu
três futuras mães, e registrou
um microfone diminuto no útero de
i seus corações tal como chegavam ali,
os SUE a gravação a 300 bebês chorosos (20 eram pre-
maturos), e 85 por cento deles adormeceram ou se calaram antes
de um minuto. -
Ao difundir-se a notícia por todo o Japão, cresceu vertigino-
camente a demanda de discos e cassetes com esse tipo de grava-
ções. Porém o Dr. Murooka adverte que Os batimentos reconfor-
tantes só se devem empregar durante as duas primeiras semanas de
vida da criança, porque, do contrário, esta passará a maior parte do
tempo dormindo e sentirá falta dos estímulos necessários para o
desenvolvimento normal.
Precisamente este último é o que está ocorrendo com a indis-
criminada utilização dos elementos musicais e também eletrônicos.
Mais ainda, creio que devemos de uma vez por todas desterrar
o que se tem chamado a farmacopéia musical. Ainda persistem
profanos da Musicoterapia que pretendem tipificar fenômenos so-
noros ou musicais para determinadas síndromes psiquiátricas ou
determinados estados de ânimo, codificando receitas musicais que
contradizem os mais profundos princípios do trabalho terapêutico.

a) A música funcional

Neste item, relatarei primeiramente as referências que dão as


empresas que se ocupam em investigar e explorar a música funcio-
nal, para depois estabelecer meu ponto de vista à luz das experiên-
cias musicoterapêuticas.
As empresas que utilizam a música funcional consideram
que
esta é útil para os lugares de trabalho, oficinas, indústrias, consul
tórios médicos, hospitais etc. Esta aplicação baseia-se nas
investiga
ções psicofisiológicas da música cujas
conclusões são:

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 103

1)a música aumenta o metabolismo: 2) segundo seu ritmo,


aumenta ou diminui a energia muscular; 3) acelera a respiração ou
diminui sua frequência; 4) produz variado, porém marcado efeito
sobre o volume relativo do sangue, e modifica as características da
pulsação, pressão arterial; 5) diminui, através de distintos mecanis-
mos, o impacto dos estímulos sensoriais; 6) aumenta a execução
de atividades voluntárias, como escrever a máquina; 7) tende a re-
duzir ou demorar o aparecimento da fadiga e, consequentemente,
aumenta o endurecimento muscular; 8) incrementa a extensão dos
reflexos musculares empregados no escrever e desenhar; 9) reduz
ao normal a sugestibilidade; 10) influi sobre a condutibilidade elé-
trica do corpo, manifestando-se como crescimento das flutuações
de índice psicogalvânico; 11) pode facilitar ou tornar mais ágil a
atenção; 12) o Haward Fatigue Laboratory experimentou sobre a
possibilidade de que certa classe de música, para certo tipo de gen-
te, pode chegar a sustentar a atenção, prolongando assim o desem-
penho psicomotor mais que os efeitos de algumas drogas; 13) ou-
tros estudos têm estabelecido a relação entre os estímulos especí-
ficos do auditório e a tensão nervosa; 14) produz variações no re-
flexo de Hoffman.
A música funcional, com propósitos deste tipo, responde a
certos princípios que são: a) racionada, já que a música em forma
contínua cria sua própria monotonia; b) sua programação é vital.
Estas empresas têm determinado que a combinação da fadiga,
do aborrecimento, e de outras causas da monotonia, desencadeiam,
durante a jornada de trabalho, duas acentuadas declinações da mé-
dia de eficiência do trabalhador: uma, na metade da manhã, por
volta das 10 horas, e outra, na metade da tarde por volta das 15
horas. Nestas horas, o estímulo da música que se oferece é diferen-
te. O objetivo é compensar a declinação da curva de eficiência; isto
é, a música se torna mais estimulante justamente quando o traba-
lhador está mais necessitado desse impulso. Os programas para tra-
balho mental ou físico transmitem-se em lapsos de 15 minutos de
música e 15 minutos de silêncio. A programação baseia-se em um
plano que leva em conta as seguintes variáveis musicais: Tempo —
ou seja, a velocidade da música; Ritmo — ou seja, O metro-padrão
da música; Instrumentação — ou seja, o efeito do timbre dos dife-
rentes instrumentos; Dimensão da orquestra — refere-se ao volume
da massa orquestral. A média dos estímulos avaliados de uma sele-
traba-
ção musical se realiza em uma curva ascendente. Isto dá aos

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A. O. BENENZON
104

lhadores um sentido de movimento para frente, quebra ndo à mo.


com que o tempo passe mais a
notonia de seu trabalho e fazendo
conjurar q per
pido. Para manter uma variedade constante, e para
go de que a música se converta em outro ator de tédio, à primeira
es por minuto
peça musical pode ser transmitida a oitenta pulsaçõ |
a segunda a sessenta, a terceira a noventa e assim SuCessivamente
Com respeito ao ritmo, deve ser variado dentro dos períod
específico, até alcançar 6
de quinze minutos de cada programa
quantum desejado para o aumento da curva de estímulo. Por exem.
plo, o fox-trot é um ritmo pouco vigorizador, a valsa é mais que o
fox, depois vem o samba brasileiro etc. Quando se considera o fa
tor instrumentação, a escala está fixada segundo o efeito do tom
musical das diversas instrumentações. O mais suave, e portanto q
mais baixo da escala, é dado pelos instrumentos de corda: violino
viola e violoncelo. Mais impulsivos que estes são os de sopro: cla.
rinetas, flautas, oboés e saxofones. Os instrumentos mais dominan.
tes e emocionalmente excitantes são os de cobre como as trom.
betas.
O final se constitui pela capacidade da massa sonora. Todos
esses elementos podem ser medidos, e de acordo como se combi.
nem, serão obtidos seus efeitos. Um número lento com predomi-
nio dos instrumentos de metal, pode produzir o mesmo efeito que
um número rápido em que se destaquem nitidamente as cordas.
Uma grande orquestra que execute um fox poderia ministrar o mes-
mo estímulo que um quinteto executando um samba.
A música funcional, sempre levando em conta o referido a
empresas, evita Os recursos musicais que distraem, tais como as
mudanças de clave, variações, harpejos e trinados. A caracteristi
ca primordial que se lhe quer dar é que nunca se imponha à per-
cepção consciente.
Em geral, se oferecem programas apropriados para determina:
das ocasiões, isto é, que o programa varie, caso se trate de uma ofi-
cina ou de uma fábrica, por exemplo. A música funcional empregê
cuidadosos métodos para controlar a qualidade da música e às
segurar um exato sincronismo. As perturbadoras variações de dr
lume são eliminadas mediante um sistema que assegura UM aa
me uniforme, evitando-se com ele um dos fatores mais e
| da música que se propaga através de discos fonográficos. Nen
| seleção é repetida em menos. de doze dias. Es tuncio-

As investigações referidas comprovaram


. 4 oo
que à música

ad
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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
10 5

nal aumentava a eficiência do trabalhador, elevava seu estado mo


ral, diminuía as tensões, O aborrecimento, a monotonia os aciden
tes de trabalho etc. Também os ruídos das fábricas podiam ser dissi-
mulados com a cortina musical, evitando o fator irritante do ruído
sobre O sistema nervoso. Diz-se que a música funcional ouve-se po-
rém não se escuta. ,

b) Críticas à música funcional

Embora muitos dos aspectos referidos no tema anterior são


certos e importantes de serem levados em conta, sem dúvida penso
que devemos ter muita cautela com o uso indiscriminado e abun-
dante que se está fazendo, lamentavelmente, com a música funcio-
nal.
Realizaram-se numerosas indagações em fábricas, oficinas,
nas quais perguntava-se aos operários ou empregados se a música
tornava mais agradável seu trabalho, ou se trabalhavam mais efi-
cientemente, ou se os distraía, ou os fazia sentir incômodos o
trabalhar com música, obtendo-se em geral respostas positivas com
respeito à música funcional; porém, creio que uma das perguntas
mais significativas é aquela que se refere a se com a música o in-
divíduo se sente mais só, acompanhado ou indiferente. As porcen-
tagens das respostas foram as seguintes: só, 11%; acompanhado
82%; indiferente, 7%.
Esta última indagação coincide com alguns dos conceitos que
temos analisado. Reconhecemos a música como um elemento pre-
sente que permite diminuir a ansiedade da solidão, criando a ilusão
de um grupo de apoio; é o elemento presente em todos por igual,
com a mesma linguagem, e contínuo.
vivi-
Não obstante, em outras oficinas a música funcional foi
da como um elemento invasor, já que chegava a todos por igual e
quase
da qual não havia forma de proteger-se. Por outro lado, em
a músi-
todas as instituições os estudos psicológicos reconheceram
da
ca funcional como um anteparo projetivo de conflitos internos
própria instituição, como, por exemplo, ao dizer que a música de
ea
tal ou qual dia era má ou aborrecida ou outra qualitioç
de não haver variações na música transmitida. Possive dim
o ponto crítico em que desejo colocar O problema, api “ISO Este
rar a música funcional, é quando penso no Pr it aceseititá
indivíduo
princípio nos inclina a considerar que cada

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A. O. BENENZON
106

de
ica em determinado momento,
de um determinado tipo de mús
plementário, res.
seu dia e de sua vida. (ISO gestáltico e ISO com
blema considerem
pectivamente). Embora os que estudam º pro
sciente dos sons,
que a música funcional evita a percepção con momento, para
determinado
creio que não resta dúvida que em
rtura de núcleos
certo tipo de indivíduos, será produzida a abe
rgias em
inconscientes que darão depois curso a descargas de ene
forma de movimento ou de fortes associações mnêmicas e emocio-
nais.
Exemplo deste último seria nos perguntar o que aconteceria
com a música funcional em uma sala de internação de um hospital
onde os momentos traumáticos vividos pelo paciente seriam pos-
teriormente associados à música funcional. Outro exemplo é a
música nas salas cirúrgicas, que a nosso ver deve realizar-se em for-
ma individual e não em toda sala cirúrgica. Primeiro que os ISOS
do paciente não são iguais aos do cirurgião, e segundo que o obje-
tivo básico é colocar o paciente em ótimas condições para receber
a anestesia; e por outro lado isolá-lo dos múltiplos sons da mani-
pulação cirúrgica.
Isto é, a música funcional deve estimular, porém este estí-
mulo não deve ser tão importante como para provocar a entrada
no inconsciente.
Quase diria, para formular uma hipótese, que a música
funcional deve dar uma sensação de regressão intra-uterina, isto
é, criar, ou melhor, envolver o ambiente em um líquido amnióti-
co sonoro que protegeria e nutriria os que se encontrassem no
mesmo.
* Não obstante, creio que todos os esforços se deveriam enca-
nal que
minhar em investigar e trabalhar para criar o silêncio funcio
permitiria a prevenção de muitos transtornos, tanto físicos (hipo-
acústico), como psíquicos (tensões, angústias, ansiedades).
entre
| Antes de finalizar este tema quero esclarecer a diferença
música funcional e música de fundo. Esta última seria uma simples
músic a desem acord o com o gosto de
forma coloca
quem adecoloc a em uer demome
r umqualqtipo nto, nenhum rigor metodo”
lógico. Portanto, podem ocorrer fatos como o sucedido em uma
fábrica impor tante de Buenos Aires. Colocava-se música de fundo.
Um dia colocou-se um disco de tango s do famoso cantor Carlos

Gardel. A maioria dos operários abandonou o trabalho, qu? at

nner
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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
107

aquele momento estava realizando, para dançar e cantar.


A música funcional não teria provocado esta reação.

c) A epilepsia musicogênica

A epilepsia musicogênica pode constituir-se numa contra-indi-


cação para se usarà Musicoterapia, porém só com uma breve e re-
rável interferência no tratamento,
A epilepsia musicogênica é uma das formas mais raras de
epilepsia reflexa; a fotogênica é talvez a mais comum. É possí-
vel que não se tenha buscado suficientemente este estímulo entre
os antecedentes de um paciente com ataques convulsivos, ou
seus equivalentes, já que, não cabe dúvida, encontrar íamos uma
casuística muito mais forte.
A música é o fator-estímulo desencadeante dos ataques; até
o momento, temos estudado cinquenta casos. Em geral, o começo
dos ataques musicogênicos ocorre entre as idades de 20 a 40 anos,
porém estendem-se de 3 a 55 anos com uma média ao redor dos 30
anos; a proporção entre pacientes de ambos os sexos é a mesma.
Com respeito ao tipo de música que precipita o ataque, en-
contramos uma ampla gama de susceptibilidades musicais. Um dos
casos, muito bem estudado por Poskanzer, é o de um homem que
aos 56 anos desfaleceu ao escutar o som dos sinos da igreja que
indicava a hora. Meses mais tarde o paciente foi trasladado a outras
oficinas onde todos os dias às 16h30m ouvia-se um soar de sinos
em cada sala, através de um alto-falante, o qual indicava o fim da
jornada de trabalho. Entretanto, durante os primeiros nove meses
de seu traslado, o paciente não teve nenhum ataque, porque o
alto-falante de sua sala estava quebrado. Desde que o repararam,
teve sete ataques, durante os quais ficava pálido, grunhia, parecia
estar distraído e fazia comentários incoerentes. O disco tocado na
oficina era Mudança de Sinos, St. Margaret's Westminster. Ultima-
mente, substituiu-se pela gravação de Bells of the Abby of St. Mar-
tin. Ambos produzem o mesmo efeito. O ataque mais sério sobre-
rádi quando está sentado em seu carro, estacionado, ouvindo o
io.
que E ET gos sinos que dão a hora provoca-lhe o primeiro ata-
E ei e Mal, durante o qual o seu úmero é fraturado. O au-
Rj o estudo eletroencefalográfico com o mesmo intervalo
Oca um ataque que se origina no lóbulo temporal esquerdo.

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R. O. BENENZON
108

O caso F também começa com sinos de igreja, embora, de.


pois, a susceptibilidade propague-se a qual quer tipo de música,
s citados por Reese
Este último é um fato frequente. Os dois caso
caracterizam-se porque O estímulo musical se deve à musica sacra,
fúnebre e a todo tipo de musica reminiscente. O primeiro, uma
mulher de 43 anos, que aos 31 apercebe-se pela primeira vez de
que não pode controlar-se emocionalmente depois de escutar músi.
ca fúnebre. Dois anos mais tarde, sente uma espécie de encanta.
mento depois de escutar corais ou peças sentimentais; estes ata.
ques emocionais eram percebidos através de uma sensação estranha
de zumbidos, tilintar, e, às vezes, pela formação de palavras repe-
tidas em sua mente.
O segundo caso, uma mulher de 57 anos, cujo ataque ocorria
numa igreja enquanto o padre cantava.
Outra variedade de estímulo observamos no caso T, um mari-
nheiro de 20 anos, cujos ataques datam desde o momento em que
recebe um chute na cabeça durante uma partida de futebol. Seus
primeiros acessos sempre haviam ocorrido em estádios de futebol,
sobretudo quando estava excitado. Enquanto jogava e estava a
ponto de fazer um gol, e o árbitro apitava, dava-lhe o ataque. Estes
ataques terminaram quando deixou de jogar futebol, porém fo-
ram substituídos mais tarde por ataques precipitados por qualquer
tipo de música.
Seguindo a mesma linha de estímulos de origem traumática,
encontramos o caso H, cujos ataques começaram na época da
guerra. Os estímulos precipitantes são as sirenas que anunciam
os ataques aéreos, ruídos vibratórios, sirenas de incêndio, apitos
de trens, grupo de aviões e, paulatinamente, deslocam-se para no-
tas longas de trombeta ou saxofone no jazz, e, por último, para O
grito do vendedor de jornais. Em todos os demais casos, os estímu-
los variam desde a música clássica, jazz, música romântica, can
ções populares, enquanto se toca o piano durante as funções nas
salas de concertos, como ocorria no caso de Beechterew, um CO
nhecido homem de letras, Nikonov, que deixou um manuscrito
de seu próprio caso intitulado Medo da Música, onde num pará
grafo descreve o seguinte: “Apesar de que as sensações desagradá-
veis (tiques do olho, palpitações, apreensão), começaram a ocorre”
mais e mais frequentemente, e de modo constante, tinham lugar
quando eu estava numa função musical. Valentemente assistia 3

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
109

representações € habituava-me a sentir morre F por esses incompre-


comoção em
ensíveis tiques de meu olho, e experi
nto emque numa função mente; minha garganta, até
convulsões na minha
rganta, tapei meus ouvidos alarmados, cerre |! meu olho esquerdo,
e de súbito senti que perdia a consciência”.
numa Ficaria
sessão por comentar o caso D a quem só o fato de discutir
de psic oterapia um tipo determinado de música, ou
tocá-la, produzia O acesso. ,
No que se refere aos focos clínicos e aos result
ados eletro-
encefalográficos, seguindo Poskanzer, a análise revela que
de 24 dos casos tinham ataques focais clinicamente reconhaoecidos
redor
em alguma época, durante o curso de sua enfermidade: 20 das
descrições clínicas são ataques característicos do lóbulo temporal:
dois deles pareciam originar-se no lóbulo parietal, um na área pré.
central e um é descrito só como “focal”.
Traços distintos ad icionais aos ataques colocavam os focos de
6 pacientes sobre o lado direito do cérebro, e seis sobre o lado
esquerdo. Dos 22 pacientes que foram submetidos a estudos
eletroencefalográficos, 17 mostravam focos, 8 na área temporal di-
reita, 8 na esquerda (5 temporais, 1 parietal, 2 pré-centrais) e um
num lado não confirmado do lóbulo temporal.
Em 5 casos não se demonstraram focos eletroencefalográficos.
Levaram-se a cabo estudos em intervalo entre ataques, em 19 casos
dos quais 5 eram normais, 7 apresentavam disritmia não-focal (3
do lado direito, 3 do lado esquerdo, 1 não determinado). Combi
nando-se a informação obtida clinicamente e a do eletroencefalo-
grama, pode-se aceitar que em 26 pacientes ocorreram ataques
focais. Dentre eles, 11 foram originados no foco direito, 10 no
esquerdo. Em 5 casos, ainda que no eletroencefalograma tenham
sido focais, o lado de origem não foi especificado.
Trataremos de nos deter no problema da gênese patológica.
Um dos primeiros trabalhos que se ocupa deste item é o de Crithley
(1937), onde afirma que o estado emocional entre o fato de ouvir
música e o começo do ataque epiléptico é o fator mais importante
da gênese patológica. Observa Crithley que é frequente a descrição
de sensações desagradáveis ou de medo, anteriormente ao acesso.
Nós mostraremos mais adiante a frequência inversa. Um paciente
descrevia sua aura como uma sensação de estar submergido na água,
sensação de insegurança, como se tudo ao redor tivesse desapare-
cido. Nikonov, no seu informe autobiográfico, diz: “Sinto-me co-

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110 R. O. BENENZON

mo um menino, tenho medo, como se alguma desgraça repentina


pudesse ocorrer”. Outro paciente relata o fenômeno do déja vu:
“Tenho a sensação de que já passei por tudo isto antes”. Voltare.
mos mais tarde a estes exemplos, pois demonstram a intensa re.
gressão a que chegam estes pacientes. Em sua gênese patológica
Crithley descreve três tipos de epilepsia acústica motora. Uma pri.
meira, constituiria a resposta à surpresa ou susto; uma segunda,
frente a estímulos musicais intoleráveis, evocadores, ou que pro.
duzem desagrado. Para asseverar isto dá exemplos de cães que têm
convulsões quando a música produz um clímax de desagrado. O
terceiro tipo, mais raro, é provocado por um estímulo de caráter
monótono. Dá o exemplo de um garoto de 11 anos, cujos ataques
se produziam quando escutava um ruído contínuo e monótono
como o de um avião em vôo, uma maquinaria de uma fábrica ou
uma panela ao ferver; o paciente afirmava: “O som tem que con-
tinuar”.
Do ponto de vista psicológico, Crithley examina a epilepsia
musicogênica como uma manifestação de histeria. É um fato co-
mum, e mais ainda na época do referido autor, que na histeria se
possa passar facilmente da sugestão para a inconsciência imediata.
O papel da música como elemento catalisador dos episódios his-
téricos se pode ver através dos séculos. Um exemplo clássico nos
oferecem as epidemias medievais de manias dançantes ou o taran-
tulismo. Pedro Matiolo, no século XVII, em sua descrição dos que
haviam sido picados pela tarântula (aracnídeo de grande volume
sobre o qual se baseiam numerosas fábulas e cuja picada é veneno-
sa) diz: “Os picados pela tarântula são atormentados de várias
maneiras; uns cantam, outros riem, alguns choram, estes vozeiam,
aqueles dormem, outros, ao contrário, padecem grandes vigílias,
têm diversos vômitos, saltam e suam, enquanto que nas mesmas
circunstâncias há os que sentem calafrios e frio; alguns são acome-
tidos de espanto e outros de extraordinárias incomodidades, tor-
nando-se semelhantes aos loucos. Tudo isto tão variado, não pro-
vem mais que da diferente atividade do veneno e do temperamento
dos picados'*
Jorge Baglivio escreveu, referindo-se ao remédio, a música:
“Uma vez que os tarantulados submetem-se ao influxo da música,
movem as mãos, os pés, e todos os membros, aumentando este
movimento até ficarem eretos e começam a saltar e brincar sem
perder o compasso e sem se cansar, ao contrário, sentem-se mais

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
11

ágeis e fortes, dançando até 12 horas ao dia. Se percebem alguma


dissonância nos instrumentos dos músicos, param, dão longos
suspiros, queixam-se de angústia no coração e só cessam tais trans-
tornos quando voltam a harmonia e a dança.
Enquanto dançam, perdem inclusive o uso dos sentidos ex-
ternos e internos, tratam do mesmo modo seus parentes como os
estranhos, e não se recordam do passado, deleitam-se com a água,
com as coisas brilhantes, com vestidos de cores muito fortes”.
É interessante assinalar nestes relatos os sintomas histeroepi-
lépticos. Outros tantos exemplos podem ser situados em dois paí-
ses da África: no Senegal, os bailarinos que passam rapidamente
a um estado de automatismo ao golpe do “'tom-tom””, e em Túnis,
os religiosos extáticos que caem ao chão lançando espuma sob a
influência de sua própria cerimônia.
Crithley comenta alguns casos comparáveis à literatura médi-
ca.
Ingenieros, por exemplo, descreveu uma mulher histérica de
26 anos, que era uma promissora aluna de violino. Apesar de sua
assiduidade no estudo, falhou em seu exame e caiu inconsciente ao
inteirar-se de seu fracasso. Daí em diante desenvolveu-se nela hor-
ror ao violino e convulsionava-se cada vez que ouvia tocar esse ins-
trumento. Este estado de coisas continuou ainda 10 anos mais
tarde. Redlich referiu-se a um segundo caso de ataques convulsivos
associados ao fato de escutar música de orquestra; este paciente
demonstrou ser histérico: um serralheiro, cujas aspirações anterio-
res de seguir uma carreira musical se haviam frustrado.
A grande controvérsia em quase todos os casos reside em de-
terminar se o ataque é o resultado de um ou de vários estímulos
que excitam o córtex receptivo, ou se é necessária a associação da
natureza do som com a memória para produzir o ataque.
Poskanzer trata de orientar seu plano de investigação com seu
paciente, afeto aos sinos, precisamente para poder determinar es-
sa controvérsia. Para isso utilizou estímulos sonoros com as mes
mas características, sem ser as mesmas dos sinos. Tratou de provo-
car O ataque com uma série de sons puros que predominavam nas
gravações dos sinos. Estes sons eram interrompidos à intervalos
regulares, variáveis. Contudo, o paciente mostra a necessidade de
similitude entre o impacto desse som e o impacto do sino, para
que se produza o ataque. Poskanzer divide neurologicamente à

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A. O BENENZON

níveis: 1) a recepção do som


audição em três CAUSOS elétricos. 2) atransmisego 220o!
e sua cone nervoso central e sua recepção pelos na
impulsos psorticais e corticais. 3) a percepção e associação
nervoso tá apreciação como musica. .
do de autores têm considerado a epilepsia Musicogênica
talm Ê E como uma função do terceiro nível, e da integração, Ke
im é que postulam que um ataque se produz pela percepção da
sim ica, seu reconhecimento como tal e a produção de ASsOCiações
emoções que invoca. Isto é, que o ataque é O resultado de mu.
danças psicológicas que acompanham esta resposta afetiva, Trap,
remos de aproximar alguns enfoques psicológicos que indubira.
dos
velmente se encontram nã dinâmica dos processos psíquicos
pacientes que padecem de epilepsia musicogênica.
Poskanzer, através de seu paciente, cujo estímulo eram os
sinos, estabelece que, devido à natureza circunscrita do estímulo
que produziu o ataque, a aparente falta de associação memor stj.
ca e resposta emocional à música de sino, O leva a considerar a
possibilidade de que em alguns casos a ativação do ataque ocorre
melhor no segundo nível, em lugar do terceiro, devido a algum
efeito físico do estímulo nos centros subcorticais ou em alguma
porção do córtex, do qual as frequências sonoras são primaria-
mente gravadas. Refere-se, para confirmar esta hipótese, aos ata-
ques audiógenos dos animais em geral, em trabalhos onde se tem
utilizado a agudeza, farmacologicamente ou metabolicamente, ou
pela criação de um foco epiléptico artificial.
Na Argentina, Langer e Trifaró realizaram um trabalho no
Instituto de Fisiologia da Universidade de Buenos Aires, onde pro-
duziam as convulsões audiógenas no rato colocando-o durante 15
segundos na caixa acústica e submetendo-o depois ao estímulo
auditivo dos timbres elétricos durante 120 segundos. A potência
média do som emitido pelos timbres era de 37,5 uw. cm. Estes
ratos de 21 a 29 dias de idade, frente ao estímulo acústico, acusa-
ram dois fenômenos iniciais: a) saltos enérgicos contínuos, b) cor-
rida veloz e descontrolada, nas bordas das paredes da caixa de esti:
mulação. Depois entram em convulsões clônicas e depois tônicas,
catatonia, impotência motora, estupor e morte. |
* Do ponto de vista da psicologia profunda, inclino-me pela
hipótese de que o estímulo sonoro produz uma série de mudanças
nadinâmica do inconsciente, uma das quais seria a abertura de nú”

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MANUAL DE MUSICOTERA
PIA
13

cleos muito regressivos que tendem a uma imed


iata descarga somá-
tica.
Seguindo E. Pichon Riviére e A. e L. Rascovsky, o aces
epiléptico constitui a resultante de uma so
superestimulação do ego
e um fracasso de suas defesas anteriores, isto é, a debi
lidade do
ego, produzindo-se assim uma abundante derivação
instintiva para
o nível'mais primitivo de integração total (anterior à organiza
ção
oral). Os sintomas prodômicos, assim como os sintomas particula-
res de cada personalidade epiléptica, podem explicar-se por
um
aumento crescente das tentativas de descarga cujo ritmo não con-
segue equilibrar suficientemente a intensidade aumentada das car-
gas instintivas. O acesso sobrevem quando o ego, oprimido ante a
enorme exigência do ele, cede totalmente, produzindo-se a libera-
ção instintiva em nível mais regressivo, isto é, chegamos à anulação
do ego, a perda da consciência.
Rascovsky analisou 116 casos de epilepsia infantil produzida
por uma superestimulação, que nestes casos era o compartir o
quarto e a visualização da cena primária, ou seja, O coito entre os
pais. A equação é superestimulação + dificuldades da evolução do
ego infantil + deficiente integração, fatores constitucionais pré-
existentes = epilepsia. Quando diminui ou desaparece a quantidade
estimulante, se produz uma diminuição ou desaparecimento dos
ataques. Isto é, ao separar as crianças do dormitório dos pais, de-
sapareciam os ataques epilépticos.
Retomando nosso problema, mostraremos um caso de epilep-
sia musicogênica apresentado por Alberto Fontana, onde se ob-
serva esse tipo de mecanismo. Caso 49 — mulher de 42 anos cujo
primeiro ataque de epilepsia musicogênica foi aos 36 anos. Previa-
mente a este ataque sofria de insônia pertinaz e tinha ausências,
sendo medicada com Epamin. Sofria, além disso, de uma intensa
narcomania. Não obstante, realizou uma série de importantes tra-
balhos científicos. Enquanto preparava um deles e num momento
de intensa fadiga e concentração, ouve sinos internamente que a
obrigam a interromper o trabalho. Começa um tratamento psico-
terapêutico e seu primeiro ataque ocorre durante uma sessão de
psicanálise onde o terapeuta havia colocado no gravador uma músi-
ca hindu. Ao produzir-se um momento de grande clímax musical,
sobrevem um ataque de Grande Mal, convulsão e perda da cons-
ciência. Este tipo de ataque repete-se quando a paciente recorda
esse clímax musical, até que finalmente se desloca para outro ti-

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A. O. BENENZON
114

po de música, tornando-lhe insuportável a audição de sons musj-


cais. . . E .
Os dados mais importantes da história da paciente são os se.
guintes: gostava de tocar piano, tendo como antecedente trauma.
tico no ensino musical uma relação homossexual com a profes.
sora. Mais tarde deixou de escutar música, considerando inclusi.
ve insuportável a audição de qualquer tipo de música. Seu pai
abandonou o lar quando a paciente era uma adolescente. Sua
mãe, parteira, tinha más relações com a paciente, e de tal forma
a afetavam que foi sofrendo paulatinamente uma surdez psicoló.
gica frente à mãe. Uma de suas máximas preocupações intelectuais
era o estudo da religião, sendo uma personalidade mística. A pa-
ciente descreve que, antes dos ataques, geralmente, tem imagens
prazerosas. Ao longo de um intenso tratamento psicoterapêutico
conseguiu-se o desaparecimento dos ataques e se pôde analisar o se-
guinte esquema: o estímulo sonoro, sinos no princípio (a paciente
vivia na província, recorda-se dos sinos de sua igreja) e depois a
música, produziam na paciente a recordação inconsciente de ima-
gens vinculadas com as relações homossexuais com a professora de
piano, com as representações das más relações da mãe e da situa-
ção traumática que significou o abandono do pai. Esta soma de
núcleos inconscientes que se abrem frente ao estímulo sonoro pro-
vocando um aumento da carga, ante um ego cuja condição consti-
tucional pré-existente era já débil, provoca uma intensa regressão,
dando finalmente a descarga maciça (o ataque), que é vivido em
ocasiões como um orgasmo (sensações prazerosas), e em outras,
como nascimento ou morte (perda da consciência).
Não é raro encontrar nas crises epilépticas sensações prazero-
sas. O curioso caso de Hutchinson (Lancet 1958, 1, 24) de duas
garotas de 7 e 11 anos que descobriram por casualidade o fenôme-
no da fotoestimulação. Estas duas meninas punham-se com o ros-
to mirando o sol e provocavam em si uma crise epiléptica com O
simples sistema de passar repetidamente diante dos olhos a mão es
querda aberta em leque. O mais surpreendente é que estas crises
epilépticas produziam nas meninas, e em particular na de 7 anos,
uma espécie de gozo, um estado de bem-estar ao qual não podiam
nem queriam renunciar, não obstante as reprovações e os rogos dos
lota Gan LCO repetiam as meninas ao falar de suas jabioi
representavam paraquesuasseusfilhas chegaram
paisassim a pensar que estas Cf
como a masturbação.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 115

Um caso muito significativo é o de Dearman, mulher de 38


anos, com três filhos vivos e um outro morto na infância. Quando
consulta o médico, meses depois da morte da mãe, o faz devido a
um quadro depressivo.
Foi tratada com quimioterapia e eletrochoque. Seu primeiro
ataque foi no consultório do psicoterapeuta, enquanto discutiam
sobre certos tipos de música. Eram-lhe desagradáveis certos hinos
fúnebres que ela não podia identificar. Desde esse momento, che-
gou a ter de 2 a 3 ataques por semana quando escutava certas can-
ções. A paciente descreve seu ataque da seguinte forma: “Necessito
de uma combinação de música, palavras e pensamentos acerca de
minha mãe para que se produza o ataque, e cada vez que começa
tenho a imagem jacente de minha mãe no ataúde””. Desde a morte
de sua mãe, a paciente sente-se culpada de gozar qualquer coisa.
Resumindo os fatos essenciais desta paciente, teremos: 1. a
gravidez pré-matrimonial da paciente e a forte reação da mãe ante
a notícia. 2. a morte na infância de um de seus filhos. 3. a morte
de sua mãe. 4. sua relação insatisfatória com seu marido. Portanto,
nesta paciente de estrutura depressivo-melancólica, a música pro-
dutora dos ataques (com o tempo, o estímulo musical chegou a
estender-se até não poder escutar jingles comerciais) era utilizada
como um meio para produzir a descarga maciça que era sentida na
maioria. dos casos como sensação de satisfação. Assim assinala O
autor que a paciente submetia-se deliberadamente a determinados
estímulos que lhe provocariam o ataque. O caso de Toivakka ilus-
tra este elemento, já que o paciente também tinha uma estranha
sensação de felicidade antes do ataque; em última instância, a mú-
sica era utilizada como uma defesa neurótica.

d) A música eletrônica

Coloco a música eletrônica dentro do tema das contra-indi-


cações, simplesmente para chamar a atenção sobre um dos elemen-
tos potencialmente mais importantes dentro do futuro da Musico-
terapia; porém, hoje em dia, devemos ser muito cautelosos e com-
preender que estamos na etapa de experimentação.
Se pensamos que existem sons com propriedades alucinóge-
nas muito similares à das drogas, advertimos então para a periculo-
sidade de seu uso inadequado.
Relatarei algumas experiências que temos realizado no labo-

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A. O. BENENZON
116

com o
ório de mús ica eletrônica do Instituto Di Tella, Objeri.
ratório . . itos psicológicos dos sons eletrônico
na especialidade de psi Quiatria,
S. For.

pia investigar os EA médicos


dandizagem
aa umaà e aira psicodramática em alguns deles.
com etapa constituiu no envio, desde o laboratór;
O até
nos encontrávamos , de sons eletrônicos Fi
o gaita Acústico onde
por exemplo,
como, ruído
ros, sossãO,
som sinusoidal durante 60 minutos. Nou.
branco, e assim sucessivamente. Ao final dos 80

minutos gravávamos as impressões e associações livres produzidas


do som.
em cada um de nós durante à passagem
Depois de um tempo, converteu-se no envio de mensagens de-
finidas do compositor e do engenheiro do som, e a percepção de
nossa parte dessas mensagens. Por exemplo, se O Compositor queria
provocar-nos sensações de asco, ou de tristeza, ou de angústia, ou
de riso, em todos os casos o conseguiu sem dificuldades,
Descreverei algumas das sensações caracter Ísticas, em nós pro-
duzidas, provocadas pelos sons eletrônicos. Só relatarei aquelas
sensações consideradas iguais para todos os componentes do gru-
po, independente das características individuais. Em geral, estas
sessões que se realizavam às 14 horas, provocavam intensas sensa-
ções regressivas, das quais era muito dif ícil livrar-se no resto do dia.
Existiam sons que produziam componentes exclusivamente
somáticos e outros com compromisso psicológico importante.
O material muito organizado com tendência ao conteúdo musical
estruturado produzia fenômenos intelectuais; em troca, o material
constante, contínuo, de um mesmo registro, produzia fenômenos
físicos.
Entre as zonas somáticas, diferenciadas com clareza, encon-
tramos a zona intestinal, a zona cardíaca e a zona cerebral, confor-
me o som seja muito grave, meio grave ou muito agudo, respectiva-
mente. Por sua vez, o som contínuo trazia sensação de solidão e,
em troca, as pulsações estimulavam a união e a impressão de que
estávamos em grupo. Algumas pulsações, que eram sucedidas por
silencios prolongados, produziam na maioria o aparecimento do
reflexo patelar.
Com facilidade entrávamos no fenômeno de atemporalidade.
Por exemplo: acreditando que se haviam passado 10 minutos, quan
do na realidade haviam passado 25 minutos. Entre as vivências
do É compositor conseguiu produzir no grupo, encontram-se E
é claustrofobia, pânico, perseguição, asco e náuseas, e a de diver

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 117

são. Todas estas situações prevaleciam mais além dos fenômenos


puramente psicológicos de cada um de nós. Por isso entendo que
os sons eletrônicos de aplicação adequada podem romper, por si
sós, mecanismos de defesa muito bem estruturados, em transtor-
nos de caracter Ísticas obsessivas.
Quando o compositor, levado por seu pré-juízo musical, de-
sejava sugerir elementos de tipo musical propriamente ditos, nos
produzia de imediato um corte, uma diferenciação, que era nota-
da por todos.
A nível individual, se caracterizavam sons que provocavam a
interceptação do pensamento ou de alguma associação, que ocorria
em um de nós, porém não no resto do grupo.
Caberia nesse momento nos perguntar voltando ao princípio
de ISO, se nosso som interno, esse som característico que nos
identifica, poderia transformar-se em som caracteropático? Ou se
esse som interno, na realidade, se manteria inalterável como uma
unidade própria? Entre as propostas terapêuticas que surgiram
destas experiências se podem resumir quatro, que poderiam ser
parte de futuras investigações dos musicoterapeutas.
1)a utilização, em pacientes hipocondríacos, dos sons produ-
tores de sensações somáticas exclusivas.
2) a utilização, em certos estados delirantes, de sons que inter-
ceptam o pensamento.
3)a substituição de certas drogas alucinógenas por sons que
provoquem intensos estados regressivos e alucinatórios.
4)a utilização de sons, como técnica de acercamento, em
crianças psicóticas, como descrevo em outros temas.
Concluindo, os sons eletrônicos permitem:
a) o som eletrônico facilita a investigação, já que permite sa-
ber, com exatidão, o parâmetro do som que se escuta, e,
portanto, reproduzi-lo em forma exata quantas vezes for
necessário.
b) nos permite encontrar parâmetros que coincidam com os
de outros sons de tipo natural ou de complicada estrutura
musical,
c) o fácil manejo do som eletrônico permite modificar à von-
tade um ou outro dos parâmetros, seja intensidade, volu-

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118 A. Q BENENZON

me, densidade, timbre etc. 0 qual nos dá uy ma


Maior Mar
gem de busca e investigação.
“Anci
d) as LexApeOriênci
teas
ionadas nos levam a
m cameranc
cterísesticas pr . crer qu
óprias que Provoc eos
am terão
menos distintos, incluindo também poder pr
recime
ovocar 0 apa.
de ma
nto nifestações muito regressivas,
nte
à última propriiedade, que| nem sempre se pode co
é sobr Ntrolar
uso, e aem qua l devo ch
certo tipo deampaartoloa giatasenção para serem Cautelosos em ,
estabelecer sua COntra-indic
ação

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CAPITULO 11

O TESTE PROJETIVO SONORO

Faz alguns anos me interessei pelas possibilidades que o som


possuía de abrir núcleos inconscientes profundos e projetá-los para
o exterior. Existiam antecedentes, como o de Gabrielle Boissier,
em Genebra, que trabalhou na confecção de um teste projetivo so-
noro que homologou.ao teste de Rorschach. Partiu da idéia de que
cada indivíduo tem uma percepção auditiva pessoal do som e que,
portanto, essa percepção pode estar modificada por problemas de
personalidade. Este conceito permitiria o diagnóstico diferencial
entre sujeitos aparentemente adaptados ou que apresentam uma
estrutura neurótica ou psicótica. O teste consiste em passar uma
fita de gravação onde se registraram 28 sons figurativos, divididos
em três séries. A instrução é: “Você escutará os sons, nos dirá o
que são e o que lhe sugerem”. Este tipo de teste parecia que leva-
va o paciente a reconhecer o som ou a origem do som.
É evidente que o som, como estímulo disparador, era capaz
de penetrar mais profundamente do que um estímulo visual, como
as lâminas do Rorschach ou do T.A.T. ou do C.A.T. etc.
A idéia de conceber outro teste projetivo não me parecia in-
teressante, em primeiro lugar porque creio que no arsenal psicoló-
gico há um número suficiente de testes projetivos sonoros, e em
segundo, minha preparação e formação não estavam capacitadas
para realizá-lo. Porém, interessei-me pela idéia de criar um instru-
mento de utilidade como coadjuvante de certas etapas do trata-
mento psicoterapêutico, sobretudo naquelas etapas estéreis onde a
resistência do paciente é muito forte, ou seus núcleos obsessivos
muito estruturados, ou as dificuldades transferenciais e contratrans-
ferenciais do terapeuta não permitem o avanço do tratamento.
Por tal motivo, concebi uma espécie de teste projetivo sonoro,

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A. O. BENENZON
120

da so
e tem sido de ágrarid e utilidade na prática clínica; guin.
que m est composto por três exemplos sonoro
e ma:de o“imagen
teste s sonoras" ao redor de 5 minutos cada uma . que
c Estas imagens sonoras (cujos exemplos se unem a este Manual

para serem utilizados) têm a en de não ter uma clareza


de reconhec imento pela má qualidade da gravação e as interfergn,
cias em paralelo que lhes agreguei, porém possuem certas conota.
E .
ções sugestivas da vida cotidiana .
Assim, para o primeiro exemplo gravei:
a) o tique-taque de um relógio; b) o som de um despertador; c)
uma voz que se espreguiça, d) assobio da marcha nupcial e passos;
e) som de água que enche O lavatório e esvazia O lavatório; f) se.
gue assobiando a marcha nupcial; g) fecha a porta e diz Não! ener.
i) crianças
gicamente; h) escutam-se pássaros piar num bosque;
que correm e gritam num recreio escolar; j) diz Não! energicamen.
te: k) um homem atira-se na água; |) vozes num intervalo de um
teatro: m) aplausos; n) diz Sim! energicamente.
O segundo exemplo consiste em:
a) pulsações rítmicas e um tambor (imitando as pulsações de um
batimento cardíaco); b) sons de sinos; c) o pranto de um bebê; d)
uma canção de ninar; e) um fragmento da 62 Sinfonia (Pastoral)
“de Beethoven; f) um fragmento de uma sessão de psicoterapia de
pacientes esquizofrênicos crônicos, que de quando em quando
riem em forma estentórea e onde não se entende o que dizem, nem
os pacientes nem os terapeutas, terminando com um breve frag-
mento de uma música de /azz, onde se escuta o saxofone como
instrumento predominante.
Para O terceiro exemplo, gravei: a) em primeiro plano escuta-
se o toque de uma campainha insistente e depois novamente a
campainha que insiste; b) golpes na porta insistentemente; c) vol-
ta-se a golpear insistentemente; d) abre-se e fecha-se uma porta; e)
escutam-se quatro passos que se aproximam; f) uns sussurros de
homem e de mulher que se acercam; g) um fragmento da Sinfonia
para um Homem Só de Pierre Schaeffer, para música concreta,
onde esse fragmento gravado tem a particularidade de assemelhar-
se à imitação sonora das exclamações de um homem e uma mulher
durante o coito.
forma connada do teste se pode realizar individualmente ou em
1 coletiva a qualquer número de pacientes. Em grupos até de
DO sujeitos não ocorreu nenh i
nhum contratempo, isto é, não se à Ite-
rou o resultado.

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MANUAL DE MUSICO TERAPIA
71

A forma da tomada do teste & à seguinte: pede-se


ao sujeito
que apanhe três folhas de papel e um lápis,
ou caneta, ou pincel
mágico.
Pede-se-lhe que coloque o número 1 na primeira folha
que vai
utilizar, e damos a primeira instrução que consiste em: “Você vai
escutar uma série de sons; peço que escreva as palavras, frases ou
orações que lhe ocorram”. Desse momento em diante deixamos
que ele escute o primeiro exemplo.
Quando termina a audição do primeiro exemplo, desliga-se o
gravador ou a vitrola e pedimos que, de imediato, vire a folha onde
estava escrevendo, e que escreva no verso dela uma história ou um
conto sobre o que escutou, dizendo que ele tem só cinco minutos

— mem
para fazê-lo. Isto ocorre em total silêncio e, depois de transcorri-
dos os 5 minutos, pedimos que coloque um título. A seguir, instruí-
mos para que tome a segunda folha e a numere com o número 2 e

em PA
se repete novamente a instrução, ou seja: “Você vai escutar uma
série de sons; escreva as palavras, frases ou orações que lhe ocor-

e
ram”, e o fazemos escutar o segundo exemplo. Ao finalizar a au-
dição do segundo exemplo, pedimos que vire a folha e escreva

e
uma história ou conto sobre o que escutou, dando-lhe 5 minutos
para realizá-lo, isto, como no anterior, em silêncio. Ao terminar
solicitamos que coloque um título na história ou conto.
Por último, pedimos que pegue a terceira folha e coloque o
número três e se repete exatamente a mesma instrução dos exem-
plos anteriores. Ao terminar a audição do terceiro exemplo, nova-
mente terá que virar a folha e escrever uma história ou conto e, ao
finalizar os 5 minutos, terá que colocar o título. Desta maneira
termina a tomada do teste. Recolhem-se as folhas e teremos um
material sumamente rico, ficando inclusive o sujeito ou paciente
surpreendido com a quantidade de elementos de sua própria vida
e de circunstâncias que surgiram nas histórias sem eles o quererem.
Este material permite, ulteriormente, a elaboração do mesmo,
entre o paciente e o psicoterapeuta, fortalecendo a relação psico-
terapêutica e abrindo novos canais para continuar aprofundando
na dinâmica inconsciente do paciente.
Este teste tem vigência dentro da experiência de cada psicote-
rapeuta que o pratique, já que nas constantes tomadas, chegará a
manejar as respostas-padrão ou tipos que lhe permitam inter-
pretar com maior objetividade a problemática de seus pacientes.
experiência
Só quero juntar algumas considerações de minha

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A. O. BENENZON
(22

em mais de 10.000 casos de testes tomados, geralmente, em forma


grupal. A maioria destas tomadas foram efetuadas em alunos de
meus cursos.
Há certos conteúdos históricos que tenho podido tipificar
pois aparecem em 80% dos casos. No primeiro exemplo, os titu.
“los característicos referem-se à rotina, ao cotidiano, ao viver diá.
rio, nas circunstâncias fatigantes do trabalho ou do estudo. Neste
exemplo existem estímulos disparadores de histórias determina.
das. Há aqueles que se fixam na marcha nupcial, e começam a
alinhavar uma história referente ao casamento, juntando o não e
o sim que vêm depois. Há outros que não escutam e nem percebem
de nenhuma forma que alguém está assobiando uma marcha. Há
outros que ficam impactados pelo não e o sim, e a história se de-
senvolve em função dessas negações e afirmações.
O segundo exemplo se caracteriza pela projeção dos conflitos
com respeito ao medo, à loucura, à dissociação, à morte, aos pro-
blemas de vida mais profundos. Há agueles que são estimuladosa
partir da canção de ninar, e o relato é de suas vidas com desenla-
ces que respondem a suas próprias fantasias; outros fixam-se no
pranto do recém-nascido ou no som dos sinos etc.
No terceiro exemplo, projeta-se o conflito do casal, prevale-
cendo as histórias sobre amantes, problemas matrimoniais, roubo,
violações, sequestros, ou contendas etc., respondendo quase sem-
pre à problemática do paciente.
Alguns casos realizam uma história completa que se inicia
no primeiro exemplo e termina no terceiro.
Num primeiro momento considerei que deveria realizar a to-
mada do teste num lugar especialmente condicionado, devido ao
isolamento acústico e também em relação aos estímulos visuais.
Para este último fazia o sujeito olhar uma tela branca, porém com
o transcorrer das múltiplas tomadas, fui-me apercebendo que O
estímulo sonoro é muito mais poderoso e, portanto, pode-se to-
má-lo numa sala comum, em silêncio, e que os estímulos visuais
comuns também não interferiam, em absoluto.
Este teste não é patrimônio do musicoterapeuta, pode ser
tomado pelo psicoterapeuta, e se este não deseja contaminar a St
tuação transferencial, pode enviá-lo a um psicólogo para que 0 t0'
me, e depoistrabalhar com o material recebido. Atualmente, inicie!
à Investigação da tomada do teste projetivo sonoro nos cegos, OS
quais através do sistema Braille; escrevem as respostas ao som. Nes-
te caso, sim, temos a possibili
dade de um teste projetivo que
chegar a ser Psicodiagnóstico. pode

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CAPITULO 12

APLICAÇÕES CLINICAS DA MUSICOTERAPIA

O que fui descrevendo nos temas sobre metodologia e técnica


da Musicoterapia é aplicável fundamentalmente nos aspectos psi-
quiátricos, mas, também, em outras situações clínicas com certas
adaptações que correspondem à própria idiossincrasia das afecções.
Devemos compreender que a Musicoterapia atua fundamen-
talmente como técnica psicológica, isto é, que sua aplicação tera-
pêutica reside na modificação dos problemas emocionais, das atitu-
des, da energia da dinâmica psíquica que, em última instância, se-
rá o esforço predominante para modificar qualquer patologia que
sofra o ser humano, seja esta do soma ou da psique. Ademais, sua
contribuição não é só, como técnica excelente de comunicação,
em seu acionar específico em tal ou qual enfermidade, mas, tam-
bém, como coadjuvante de outras técnicas terapêuticas onde a
Musicoterapia abrirá os canais de comunicação para que estas pos-
sam atuar eficazmente.

a) A Musicoterapia no deficiente mental

Entendo que o musicoterapeuta, frente ao deficiente mental,


tem que assumir duas atitudes internas sumamente claras; por um
lado, despojar-se dos conhecimentos do quociente intelectual,
idade cronológica de seu paciente; e por outro lado, enfrentar-se
com um ser humano a quem são, dirigidos, através de uma lingua-
gem de comunicação especial, uma série de mensagens que lhe
servirão para seu desenvolvimento ulterior.
* Este conceito antedito é devido a que a experiência me tem
ensinado que muitos musicoterapeutas circunscrevem-se a uma

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124 R. O.| BENENZON
BENENZ

e
conscientização falsa da incapacidade do deficiente mental, diant a
da prova de um quociente intelectual baixo, e não se atrevem
que são ine.
utilizar uma série de possibilidades de comunicação
-entes ao trabalho da Musicoterapia, por pensar, pré-julgando,
que não serão captadas. Entretanto, é justamente o contrário; a
Musicoterapia, por mover-se num contexto não-verbal, permite a
introdução de mensagens que pareciam difíceis ou complicadas, e
não obstante, são facilmente captadas.
Ante um deficiente mental existe o defrontamento do binó-
mio aluno/paciente, pois o deficiente dentro de uma instituição,
representa ambas as caracter ísticas sobrepostas uma na outra. Por
isso adiro aos conceitos de Teresa Hirsch que em seu livro Música
para Crianças Deficientes diz: “Eu prefiro descrever as crianças tal
como se me apresentaram no decorrer do trabalho com elas. Além
disso, todos são deficientes do ponto de vista fisicomotore senso-
rial, e, do ponto de vista psicológico, esses aspectos estão estreita-
mente ligados e se condicionam reciprocamente”. Em geral, o
deficiente mental é tratado grupalmente, pois é mais positiva a
ação terapêutica. Por isso é necessário estabelecer um contato com
“ele, que deve ser primeiro de forma individual. Todos os alunos-
pacientes devem ter de quatro a dez sessões individuais antes de
serem integrados a qualquer grupo. Alguns, excepcionalmente,
necessitarão muito mais, pois, além de estabelecer canais de co-
municação com o musicoterapeuta, este deve treiná-los para poder
incluí-los em determinados grupos, ou seja, dar-lhes também, atra-
vés dos canais de comunicação já existentes, outros novos meios
para sua futura integração grupal. Portanto, os passos sucessivos
seriam:
a) tomada de contato e descobrimento da comunicação e do
ISO do aluno-paciente: Isto dependerá da habilidade, per-
meabilidade e experiência do musicoterapeuta;
b) determinação da possibilidade imediata da inclusão em um
grupo, ou da necessidade de continuar em forma individual.
É claro que a inclusão num grupo não invalida a possibili-
dade de intercalar, em alguns deles, sessões individuais, seja
de forma esporádica, ou simultânea;
c) mesmo que se continue com as sessões individuais, estas
devem ter como finalidade a inclusão em um grupo deter-
minado.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
125

A sala de Musicoterapia que descrevi é e xcelente para


O tra-
balho com O deficiente; contudo, em muitas Instituições, por
se-
rem de caráter educativo-diferencial, conta-se com uma aula ou
uma sala.
Esta aula ou sala deve reunir de qualquer forma caracter ísti-
cas indispensáveis. Deve ter proporções lógicas, já que se for muito
grande dispersa e provoca a perda da noção do espaço, pois conta-
rá com menos pontos de referência. Em troca, uma sala muito pe-
quena impede o deslocamento. Não deve provocar ressonância
nem permitir que se ouça ruídos externos, ainda que muitas ve-
zes estes possam ser aproveitados e incluídos dentro do contexto
de uma sessão de Musicoterapia (o trinar de um pássaro, o ruído
de um automóvel, O vento, o trovão etc).
As paredes da sala deverão ser decoradas com sobriedade e
pintadas com cores sedantes, já que deve contar com poucos es-
tímulos. O piso, preferencialmente, será de madeira, pois podere-
mos ficar descalços. O piano deve ser baixo, um minicauda é O
ideal, pois permite visualizar, por parte do musicoterapeuta, o to-
tal da sala e também os deficientes; e, por outro lado, a fácil
abertura da caixa do piano permite que o aluno-paciente aprecie
as cordas, os martelinhos e todo o mecanismo produtor do som.
Assentos tipo banco, isto é, sem encosto, de fácil transporte,
sem rodas. Um para cada aluno-paciente. É conveniente que no
outro extremo do piano exista um tambor-gigante que permita
tocá-lo, inclusive com os pés sobre o mesmo. Se as estratégias
empregadas com o deficiente são especialmente de reforçamento
da estrutura egoica e de aprendizagem, ou seja, que não utiliza-
remos técnicas regressivas, é conveniente que o toca-discos,
ou O gravador, esteja à vista, para evitar elementos associativos má-
gicos projetados pela criança acerca da origem do som. É evidente
que, trabalhando com este tipo de alunos-pacientes, existe um
instrumental auxiliar que deve estar presente, e do qual podemos
citar: bolas, aros, cordas, isto é, objetos que em geral conduzam ao
movimento e que possam ser utilizados durante os jogos must-
cais. O musicoterapeuta encontrará, em sua constante busca e cria-
ção, um número sem-fim de objetos que servirão para alcançar
seus objetivos. Na aplicação com os deficientes mentais é impor-
tante o uso do corpo como instrumento de movimento e percus:
são. Suas mãos, golpeadas uma contra a outra ou sobre Os joelhos;
seus dedos: os movimentos de seu corpo inteiro, a marcha, o ba-

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A. O. BENENZON
126

lanceio de um pé pelo outro, são nd de Criança toma


consciência de seu corpo e, à partir dai, p + de tOrma natural,
ao som do bater palmas, das mãos golpeando o chão ou sobre a
mesa. O piso, a mesa, à parede não são ainda verdadeiros elemen.
tos auxiliares ou instrumentos-objetos, porém e um começo de
uma ação sobre O exterior. O musicoterapeuta não deve temer
que o aluno-paciente golpeie a si mesmo, ou que se machuque gol-
peando sobre um objeto qualquer. .
Muito pelo contrário, este é um meio de descarga de auto-
agressividade e, além disso, permite organizar o movimento mos-
trando a possibilidade de golpear suavemente e não de maneira
furiosa e automática. O musicoterapeuta deve aproveitar a oportu-
nidade para convidar ao contato com seu próprio corpo, isto é,
que a criança golpeie suas mãos com as do terapeuta ou o faça sua-
ve sobre a face deste e vice-versa. Esta forma de contato humano,
que praticamente se converte em movimentos, carícias e som, cos-
tuma ter um profundo efeito em certas crianças.
Outras crianças, em troca, utilizam mais satisfeitas a voz e
cantarolam sobre uma vogal imprecisa ou utilizam a boca como
um instrumento de percussão, ruídos feitos com a língua, lábios,
vibrações de seus lábios, ou golpeando sua boca com sua mão, ou
esticando seu lábio com o dedo, emitindo um som. Entende-se
assim a quantidade de possibilidades que oferece o corpo como
instrumento e a voz como meio sonoro-melódico.
Nos diz Jacques Dalcroze: “É indispensável, no campo da
música ou qualquer outro domínio, ocupar-se dos ritmos do ser
humano, favorecer na criança a liberdade de suas ações muscula-
res e nervosas, ajudá-la a triunfar sobre as resistências e inibições
e harmonizar suas funções corporais com as do pensamento”.
Ão principiante custa compreender onde termina o trabalho
do musicoterapeuta e onde se inicia o do professor de música.
Devemos fazer compreender às autoridades que velam pelas
escolas de educação diferenciada ou de recuperação a importância
da Musicoterapia nesta classe de crianças, sobretudo
em função
do primeiro canal de comunicação. Todo programa diferencial de
ve prever sessões de Musicoterapia nos começos da aprendizagem
9 que permitirá uma melhor integração nas aulas de trabalhos
com as demais crianças. ja
em O menos deveria existir uma hora diária de Musicotertt
9do programa de treinamento de uma criança deficien

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
127

Como princípio metodológico, devemos no início entender


que a criança pode expressar-se, e suas sugestões dentro do contex-
to não-verbal nos facilitarão sua compreensão. A ficha musicote-
rapêutica, tomada aos pais, abrirá conhecimentos de seu possi.
vel ISO, e a observação durante as sessões nos indicará os possi-
veis objetos intermediários a utilizar. Se o musicoterapeuta, fren-
te a uma criança deficiente, consegue ter claro os dois elementos
descritos, é muito provável que acerte desde o primeiro momento
com ele, ou se aperceba dos motivos musicais que despertarão
sua atenção. Do exposto deduzimos que não se está testificando
nem examinando, no máximo se fazem observações, porém
não como observadores passivos, mas sumamente ativos, já que se
trata de captar constantemente as mensagens que o deficiente
mental tenta nos enviar. Portanto, o musicoterapeuta não deve ter
um plano prefixado a seguir numa sessão; em troca o professor
de música sim, tem um plano determinado de aprendizagem. Vou
me referir a alguns conceitos que podem ser úteis durante as ses-
sões de Musicoterapia com deficientes.
Muitos basearam parte de seu trabalho sobre o método ritmi-
co de Dalcroze; todavia, há que estabelecer e levar em conta cer-
tas modificações. O método Dalcroze tem sido concebido para
desenvolver crianças dotadas de suas faculdades intelectuais e for-
mar sua musicalidade. A rítmica nas crianças pequenas faz cons-
tante chamada para jogos musicais simbólicos (passear no bosque,
cortar flores, saltar um regato). Esta função simbólica falta nas
crianças deficientes mentais que compreendem mal a linguagem.
A rítmica Dalcroze se relaciona, às vezes, com noções puramente
intelectuais, como marchar no compasso marcando valores, inte-
lectualização excessiva para os grupos infantis que estão na etapa
dos ritmos não-medidos. As canções sobre as quais Dalcroze se ba-
seia para suas lições com crianças pequenas são demasiado elabora-
das para as crianças deficientes ou estão impregnadas de sentimen-
tos que não estão de acordo com o nível regressivo não-verbal em
que se encontram. o
Devem-se manter as obras musicais em seu máximo primitivis-
mo, para despertar o impulso rítmico, para o qual volto a recordar
à importância que tem o batimento cardíaco de cada uma destas
crianças, como experiência sonora; também terá importância à
Canalização métrica no som e as suas qualidades (duração, intensi-
dade, altura, timbre) aos intervalos, à melodia, ao ordenamento
da escala. Estas obras musicais introduzem a criança, ao mesmo
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R. O. BENENZON
128

tempo, no domínio do ato propriamente dito (golpear suas mãos


cobre bastões, cantar) e no domínio da percepção, na receptivida.
de, que exige uma participação, uma espécie de adesão aos feng.
menos sonoros. Portanto, no primeiro contato não devemos apli.
car um método pré-determinado, mas é necessário encontrar 9
meio para que a criança se expresse. Pode ser O ritmo, o ruído
o som ou a melodia. Uma metodologia de base para O trabalho
seria a proposta por T. Hirsh. Ela nos diz: “Se a criança se interes.
sa, ainda que pouco, eu começo da seguinte maneira:
1) aspecto sintético: peço-lhe que cante ou simplesmente que
diga seu nome sobre as notas (método Orff); observo se
canta certo; se canta desafinado, porém conservando a cur-
va melódica; se o ritmo é exato, que tempo adota, de que
qualidade é sua voz (surda, afônica), se ela fala.
2) aspecto rítmico-métrico: eu a deixo golpear o que ela quei-
ra: que golpeia?. como golpeia?, qual é seu tempo natural?
(método Martenot); a faço repetir um ritmo golpeando so.
bre a mesa. Observo se o reproduz fielmente, se o tempo é
respeitado, de que maneira golpeia (suavemente, contrain-
do-se), ela anda a tempo? pode sair de seu tempo natural?
3) aspecto sonoro: pode repetir um som cantando? sua voz
move-se dentro de uma extensão? quais são suas reações às
consonâncias e dissonâncias?
4) aspecto ligado à consciência: é sensível a um ordenamento?
por exemplo: à escala? distingue o que é forte, o que é lon-
go e O que é curto, o que á agudo e o que é grave, se teve
uma educação musical antes de sua enfermidade.
5) faculdade iniciativa: que pode fazer que não seja a imitação
direta (golpear um ritmo por exemplo, cantar um nome so-
bre duas notas, mudar de nome e cantá-lo sobre os mesmos
sons por iniciativa própria, cantar só uma canção elegida
por ela)?”
Como conceito geral devo dizer que o mais importante é à
simplicidade e, portanto, o primitivo. Muitos exemplos nos mos:
tram a rigidez dos deficientes mentais. O caso J, entoa uma melo-
dia improvisando um gesto circular com a mão sem relação com 0
canto. Canta mecanicamente como uma caixa de música, ou fren-
te a estímulos musicais balança o tronco para frente e para trás.

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MANUAL DE MUSICO TERAPI
A
129
faz balanceios de cabeça, movimentos de dedos, que podem
,
forçados pela audição de música e que são a exteri ser re-
orizaç ão e;
nizada da excitação provocada pela música; são mari
sicais (a miúdo, rítmicas ou melódicas) da rigidez dos tações mu-
mentais. . icientes
Para se sentirem melhor enquadrados num mundo demasi
mo
ou se
do vasto para eles, rodeiam-se de objetos mágicos
movimentos automáticos e repetidos que são mecanismos de de.
fesa, mais ou menos mágicos, que se encontram de maneira notável
nas atividades musicais.
Constatando-se que estes estereótipos tomam frequentemente
formas musicais, penso que a música viva pode ajudar a criar um
“marco, assegurando que, em lugar de nutrir os estereótipos, possam
diminuir os automatismos da defesa.
É improdutivo querer atacar de frente a rigidez dos deficien-
tes mentais, querer torná-los mais flexíveis ou livres a todo custo,
pois essa rigidez faz parte de um contexto, de cada um “modo de
ser”. É melhor tratar de utilizar sua necessidade de repetir, de re-
encontrar. O essencial é que esta repetição tenha um sentido, um
conteúdo e que não seja uma repetição que caia no vazio. Para es-
tes seres lentos e pesados essa pode ser a única maneira de assimi-
lar; a etapa da repetição, por outro lado, é uma etapa normal no
desenvolvimento da criança. Os pequenos, em seus jogos, repetem
incansavelmente melodias de dois ou três sons. À repetição é tam-
bém um elemento muito frequente na música. Porém, a única
maneira de explorá-la é tirando-lhe todo caráter automático e fa-
zê-la viver. Devemos, pois, integrar esta regularidade musical ao re-
conhecimento natural da regularidade vital, dos ciclos vitais, o do
sono, o do alimento etc. Isto é um conselho muito útil que dou
aos musicoterapeutas, nunca se deve cansar de repetir, pois num
contexto não-verbal, a repetição não é precisamente a monotonia,
mas a compreensão de uma mensagem. O musicoterapeuta deve
dar ao máximo sua capacidade de improvisar e, portanto, os exer-
cícios nunca devem ter estruturas rígidas.
Não é recomendável ter grande quantidade de objetos, pois a
criança deve familiarizar-se com os mesmos e já é uma grande
dificuldade que o façam com um só deles. São suficientes não mais
do que cinco classes de objetos num processo de tratamento, para
que a criança chegue a reconhecê-los, vivencie-os como parte inte-
grante e tenham as características de objetos intermediários. As
canções constituem a atividade musical sintética mais importante

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A. O. BENENZON
130

da criança; nelas se encontram todos os elementos musicais:o rit.


á x
a melodia e ainda aa harmonia
h que está, por assim Eos dizer,
4 E suben.
tendida nas canções tonais. Segundo T. Hirsch, haveria três catego.
rias de canções:
1) as canções para Os pré-escolares, que podem ser formadas
por alguns sons (eles não são forçosamente tonais) e por
onomatopéias, como ca-ca-, toc-toc, etc. (a terceira des.
cendente convém a estes chamados), ou nomes de crian.
ças;
2) canções que podem ser acompanhadas por movimentos
(como dar voltas na grande roda com movimentos girató-
as
rios dos braços). Em seguida, a criança pode executar
rodas infantis simples, que são transmitidas de uma crian-
ça à outra por uma espécie de tradição folclórica;
3) as canções que virão mais tarde, as populares, mais elabo-
radas e de diversos países.
É muito importante para este trabalho que tanto musicote-
rapeutas como crianças inventem canções que uns e outros inter-
pretarão.
É conveniente adotar textos breves (de uma ou duas frases)
que se adaptem à situação imediata, como o sino, dim-dim, pois
toda incursão na linguagem mais difícil é um esforço para as crian-
ças que falam repetindo estereótipos, sem relação com a realidade.
Falar, ouvir, ou emitir e receber são dois atos dotados de um
mesmo valor e de uma mesma significação psicossensorial e psico-
motriz.
Frente a uma criança difícil é necessário saber captar seus
movimentos de receptividade, para não trabalhar em vão quando
ela está ausente.
Porém, por outro lado, devemos distinguir distintos tipos de
ausência. Há ausências ou isolamentos que requerem uma inter:
um áito ao ã ativa, pois fazê-la voltar ao mundo circundante *
KO UE ao o tico, é O interjogo desse vaivém entre seu aho
canais de comuni permite mais rapidamente o uso e a fluidez
Não se a que se vão abrindo. os
VOS; ao contrár: reagir bruscamente nos seus momentos agre ,
FO, seus momentos de agressividade devem ser apro
vei tados, aproximando
i
de seus punhos um tambor ou qualquer ob
jeto qu
due produza um som para despertar sua atenção. Pode ser que
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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
131

ela repita o gesto, desta vez vol untariamente, em-direção à caixa


do tambor. Isto representa uma vitória. Outra norma que adquire
importância é a de não executar ritmos que se afastem da veloci-
dade do próprio ritmo fisiológico, pois isto constitui, nos defi-
cientes mentais, uma dificuldade insuperável.
Este último conceito complementa o enfoque teórico do
ISO gestáltico, pois, indubitavelmente, entre suas caracter ísti-
cas está o fato de que pertence a um organismo que sem dúvida
tem seus ritmos orgânicos próprios e, portanto, dentro do ISO
gestáltico se encontra também a idiossincrasia rítmica-biológica
do indivíduo que se está tratando.
“No deficiente mental o tempo biológico particular é muito
importante, é um ritmo vivente mais ou menos regular, que se re-
conhece na velocidade do andar (ele também é tributário das pos-
sibilidades motoras da criança), dos batimentos cardíacos, da res-
piração. Este tempo traduz as reações entre as pulsações, a respi-
ração e o andar, se manifesta em qualquer atividade, sendo dife-
rente em cada um de nós. À criança deficiente, agitada, tensa, ig-
nora o andar tranqúilo e não se desloca se não for correndo ou sal-
tando. Seu tempo natural é muito rápido e assim devem ser os
exercícios rítmicos. Outra é calma, amorfa, seus movimentos es-
tereotipados são geralmente lentos, balança-se lentamente, golpeia
lento sobre o tambor; esse é seu tempo natural.
Sempre é uma experiência válida que o musicoterapeuta escu-
te os batimentos cardíacos de cada criança deficiente com a qual
vai trabalhar, sua respiração e, inclusive, se for possível, que os gra-
ve e que possa utilizá-los ritmicamente e modificá-los.
Os elementos que caracterizam o ritmo são a duração e a in-
tensidade. Com frequência as crianças deficientes mentais têm fa-
cilidade para viver a intensidade forte, suave, crescendo, decres-
cendo, pois as diferenças de movimento para indicar a intensidade
se inscrevem no espaço para golpear forte, se faz um grande
movimento, para golpear suave, um pequeno. A duração não é vi-
sível porque é temporal. Evidentemente o tempo está sempre li-
gado ao espaço. Golpear lentamente exige um grande movimen-
to, golpear rápido um pequeno. A criança, através do ritmo, apren-
de a viver o tempo que passa. O ritmo musical, mais que outros
aspectos do ritmo pictórico, poético etc, está em relação direta
com o sentido que passa.

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A. O. BENENZON
132

Desta maneira, a criança deficiente mental pode passar


ssões de Musicoterapia às aulas de música, a cargo do profa
e
de esica
o nas especializado.
últimas sessõesÉ deconveniente que DeO qualquer
Musicoterapia. professor + Steja
Manej.
Fá finalizar as sessões de Musicoterapia, à criança estáe cae Pacita-
icalme nte com qua lqu er pessoa
da para conectar-Se mus M qual.
quer grupo.
motores
b) A Musicoterapia em perturbados
Tenho que me referir neste tema à criança ou adulto com
lesão cerebral. Me parece acertada a definição de Strauss quando
diz que a criança com lesão cerebral é uma criança que antes,
durante ou depois de seu nascimento, sofreu um dano orgânico
cerebral, que pode ser infeccioso ou de outro tipo.
Como resultado do mesmo, podem existir transtornos no
sistema neuromotor ou não; todavia, é possível que uma Criança
com estas condições apresente transtornos na percepção, pensa-
mento e conduta emocional, sejam isolados ou combinados. Este
último deve ser conceito básico do musicoterapeuta frente à
criança com lesão cerebral. Não deve ser contemplado de um
ponto de vista unilateral, levando-se em conta unicamente aqueles
problemas que emanam da lesão, mas deve-se compreender que a
criança com dano encefálico está mais além das sequelas da lesão, é
um ser humano nascido com os caracteres hereditários de seus pais
e antecessores e que sofre as influências do meio.
Por outro lado sabemos que os setores indenes do cérebro
possuem reservas das quais o organismo pode extrair elementos de
substituição, compensação ou restituição dos defeitos resultantes
do dano sofrido.
É esta reserva que o musicoterapeuta ajudará a desenvolver,
porém, sobretudo como abertura que é o objetivo para outras te-
rapias que permitam esse desenvolvimento, como, por exemplo,a
fisioterapia. Isto é, a Musicoterapia atuará como um elemento que
vai de dentro do paciente para fora, como predominância, e em
menor grau como um elemento de estímulo sensorial de fora para
dentro. Ou seja, que predominantemente, terá um estímulo motor
propriamente dito; por isso falamos da Musicoterapia como uma
comunicação de tipo regressivo a etapas onde o aparecimento da
atividade motora antecede o controle sensorial. Coghill observa

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MANUAL DE MUSICOTE RAPIA
133

que o primeiro não é uma resposta a uma estimulação sensorial


mas o resultado da ação direta do sistema motor. Do ponto de vis-
ta embriológico, este sistema é o primeiro a desenvolver-se; depois,
seguem o sensorial e os sistemas de conexão; e para chegar direta-
mente à estimulação motora é necessária a abertura de canais de
comunicação, que através da música se pode realizar, quase em for-
ma direta, seguindo o princípio de ISO.
Eu devo acrescentar, em virtude da coerência da teoria, que
nesse começo do acionar motor se encontra implícita a comunica-
ção com a mãe que, indubitavelmente, se realiza anteriormente
à separação do externo com o estímulo sensorial.
O Dr. B. Quirós estabelece alguns enunciados frente a um le-
sado cerebral que me parecem úteis recordar:
1) criar uma boa relação terapeuta-paciente;
2) recusar o critério de “'impossibilidade”";
3) exigir respostas por parte do paciente (estímulo);
4) criar um ambiente tranquilo;
5) ter confiança nas potencialidades do paciente;
6) estar convencido de que o tratamento que se leva a cabo é
eficaz;
7) realizar uma avaliação periódica do tratamento.
Fica claro que não diminuo o valor da estimulação sensorial
que também se deve manejar, e que dará resultados muito positi-
vos; porém, combinando ambas, a estimulação endógena e a exóge-
na, estas darão maior eficácia ao tratamento.
Com respeito ao sentido sensorial, Juliette Alvin nos fala da
música como movimento no espaço e no tempo. A música dá à
criança a emoção do movimento porque se move no tempo e no
espaço. São notas ascendentes e descendentes, assim como a suces-
são de sons de diferentes velocidades e ritmos pode dar à criança
sensível a sensação de movimento completo, acima e abaixo, deva-
gar ou rápido. Esta sensação de movimento que precede provavel-
mente a possibilidade de realizá-lo é o primeiro objetivo a conse-
guir com a Musicoterapia. Se recordarmos, as primeiras sensações
fetais também seriam sensações de movimento, quiçá gravitacio-
nais, que precedem o movimento propriamente dito realizado pe-
lo feto. O caso citado por Alvin de um adolescente com paralisia
cerebral que não podia andar com os demais, porém era capaz de
tocar na banda e marcar o ritmo com seu tambor para aqueles que
podiam caminhar, nos mostra a possibilidade de substituição psi-

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AR. O. BENENZON
134

co lógica do movimento, mediante a música que precederá a reali.


ã
da mesmo.
mb .
observa-se nos gráficos realizados pelas Crianças
inválidas frente a um estímulo musica pra pl Se Objeti.
va a emoção do movimento que a musica tenha provocado neles,
Se nos referimos aos espásticos .e aos atetósicos que consti.
tuem os dois grupos principais de crianças com paralisia cerebral,
observamos a variabilidade de respota à der es pr a Ou tran-
quilizante. As experiências do Dr. Schneider exemp ficam: ele pe.
diu aos meninos que realizassem algumas tarefas, por exemplo, co-
lorir desenhos geométricos, colocar tarugos em um tabuleiro com
agulheiros, enquanto se ouvia musica de fundo; observou que a
atuação de um menino espástico pode tornar-se mais controlada
sob a influência da música estimulante, enquanto que o atetósico
pode ser seriamente transtornado por essa música, a qual provoca
nele movimentos espasmódicos indesejados. E, por isso, um erro
começar a trabalhar em grupo com estes pacientes. Primeiro é ne-
cessário trabalhar de forma individual, manejar a ficha musicote-
rapêutica e a testificação do enquadre não-verbal, para conhecer
dentro do ISO do paciente e dos objetivos intermediários os ele-
mentos sonoros prejudiciais, não-benéficos. A partir daí se fará
a seleção a grupos determinados que assim terão um eficaz traba-
lho integrador.
Por outro lado, o musicoterapeuta deve considerar que cada
sessão é não só terapêutica, mas também de observação diagnós-
tica; isto é, que através das sessões irá conhecendo a forma de co-
municação mais adequada, como também as possibilidades de res-
postas psicofísicas e, dessa maneira, acrescentar paulatinamente
as possibilidades de desenvolvimento e enriquecimento físico-emo-
cional. Assim, por exemplo, será difícil improvisar, num começo,
“música que contenha mudanças físicas de velocidade, intensidade
ou ritmo, com certos pacientes, ainda que, com o tempo, eles
mesmos desfrutarão amplamente dessas mudanças. Consegui-lo
é permitir seu desenvolvimento.
Se entendemos a Musicoterapia como uma técnica de co-
municação, devemos tender a que a criança com paralisia cerebral
tome consciência de um movimento através de sua imagem mental
do movimento — produzido pelos sons associados — com uma emo-
ção, e não que o movimento se converta em automático.
Se pretendemos um movimento automático não podemos

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
135

falar de Musicoterapia. O objetivo é produzir novas vias no cére-


bro lesado.
| Por isto mesmo considero aconselhável não trabalhar com
música gravada, salvo em sessões de grupo organizadas especifica-
mente para esse tipo de trabalho. O trabalho importante se reali-
za com O próprio instrumento do paciente, para permitir o diálo-
go espontâneo e de troca de cada momento, de cada problemáti-
ca ordenada. de cada dificuldade psicofísica, no preciso momento
de produzir-se. À improvisação clara e espontânea pode induzir fa-
cilmente, começando pelo princípio de ISO, pelo ISO do paciente,
para transformar seu estado de ânimo apático, passivo, ruim, mais
ativo, quando as necessidades do tratamento assim o requeiram. É
necessário voltar a repetir e com muito mais ênfase com os pertur-
bados motores, que o musicoterapeuta deve integrar-se à equipe
científica de trabalho, pois deve conhecer amplamente os objetivos
que se propõe conseguir o médico, o fisioterapeuta, o terapeuta
ocupacional, o psicoterapeuta; como também deve dizer a eles
suas importantes observações emanadas das sessões que abrirão no-
vas possibilidades de aproximação. Em muitos casos a interação
entre musicoterapeuta e psicoterapeuta é fundamental com estes
pacientes, dando-se o caso de que a primeira aproximação deve
efetuar o musicoterapeuta, deixando-lhe facilitado depois o terre-
no sensível à psicoterapia. As situações defensivas criadas frente ao
instinto de morte tornam difícil o defrontamento com estes pa-
cientes; todavia o clima regressivo da Musicoterapia permite uma
introdução fácil e estimulante.
Podem-se considerar três etapas na aproximação musicotera-
pêutica com os pacientes motores:
1) abertura de canais de comunicação para com o musicotera-
peuta e depois para os demais pacientes do grupo e da equi-
pe de saúde. Para isto basta seu trabalho no reconhecimen-
to do ISO do paciente;
2) utilizar elementos de comunicação próprios destes pacien-
tes, como pode ser o estalido, à falta de outro meio expres-
sivo; por exemplo, aprovar com o estalido, reprovar com o
estalido, rir com o estalido etc;
3) integrar outras técnicas de trabalho, como a terapia ocupa-
cional, que permitirá adaptar instrumentos musicais às dis-
tintas necessidades e possibilidades do paciente. Desta ma-
neira o paciente reconhece que pode superar a dificuldade

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136 R. Q BENE NZO MN

rítmico-respiratória dada pelo aparelho mecânico, prescin-


dido do mesmo e substituindo-o pela respiração glossofa.
ríngea, insuflando-se de maior quantidade de ar, com o
qual obtinha um fraseado musical.
tivos
c) A Musicoterapia nos deficientes audi

Há três tipos de deficientes auditivos. Aquele que tenha tido


uma experiência auditiva, o que é só hipoacústico, ou seja, parcial.
mente surdo, e o que é completamente surdo de nascimento.
A atividade para o som será completamente distinta nos três
casos. Dissemos que a Musicoterapia nos permite, através da utili-
zação do som, a comunicação com os pacientes, o contato e a for-
te motivação para sua recuperação. Pareceria que ante os deficien-
tes auditivos ficássemos frente a um sério problema, já que nos
faltaria um sistema de percepção sonoro fundamental que é o audi-
tivo. Contudo, tenho falado de outros sistemas capazes de perce-
ber o som, que são o sistema de percepção interna, o sistema tátil
e o sistema visual. Destes três o sensoriotátil é o mais importante e
poderia levar a substituir, conjuntamente com os outros três, o sis-
tema auditivo. Isto nos demonstraria que seriam os sons e suas vi-
brações um dos elementos terapêuticos indispensáveis na recupera-
ção do deficiente auditivo, pois, através do som, do movimento
(música-movimento), o deficiente auditivo poderá abrir-se ao
mundo e tomar consciência do que o circunda, o que lhe permitirá
um estímulo para um maior desenvolvimento. As ondas produzi-
das por corpos em vibração e transmitidas pelo ar podem chegar a
ser sentidas através da pele, dos músculos, dos ossos, do sistema
nervoso autônomo (simpático e parassimpático) com o qual o
deficiente auditivo capta elementos tais como o ritmo, a acentua-
ção, a altura, a intensidade, a duração; isto, somado à percepção
interna do movimento, de seus músculos e articulações, permite
a apreciação, quiçá, de elementos do som, que aqueles que se en-
contram em plena posse de suas faculdades auditivas não podem
discriminar.
Por último, devemos levar muito em conta os audiofonos que
serão uma valiosa ajuda para incrementar este processo de comuni
cação.
Tudo o que tenho organizado nas técnicas para o deficiente
mental, e outras técnicas, se pode adaptar para os deficientes
auditivos, sobretudo se estas se referem ao nível regressivo e mais
primitivo do uso do objeto intermediário.

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MANUAL DE MUSICOTE
RAPIA
137
As sessões serão individuais ou em
grupo, porém, em
tendência é adotar a segunda forma e funda geral, a
ouvintes. Citando Maria Fux "aim
nta lme nte inte grá-
los em grupos de
se pode considerar a criança surda “como « Grei com ela que
ainda que isolado, tem suficiente capacidade cs sr normal que,
movimento da dança em forma individual ou am integrar-se ao
nho
duzir indicado para surdas
as crianças alcançarnas esta possibilidade
classes consiste
coletivas das crian cj m CAM
intro-
Mundo até
tes, pois em primeiro lugar vislumbram nessa forma um
esse momento desconhecido que as motiva favoravelmente
eas o
caminha para a expressão. Isso lhes permite elevar seu nível de
iniciativa graças à visualização e irradiação que o movimento
cole-
tivo representa”.
E importante que o musicoterapeuta conheça o diagnóstico e
o grau de diminuição auditiva de cada paciente, como também a
capacidade potencial dos audiofonos para cada paciente em par-
ticular.
O lugar de trabalho deve ter as condições gerais já estabeleci-
das para os deficientes mentais, considerando importante o piso
de madeira já que, em geral, se trabalha descalço. Inclusive há al-
guns estabelecimentos para surdos que possuem salas especiais
equipadas com bucles magnéticos e um piso de madeira flexível;
através dos bucles as crianças podem perceber as vibrações de to-
dos os pontos da sala na qual bailam. Serão utilizados todos os ele-
mentos modernos para a aplicação do som, porém recordemos que
a tendência será a possibilidade que gradualmente possam perceber
as sensações tal qual são. O princípio básico que deve prevalecer
no musicoterapeuta é que o som será percebido por um sistema
total, gtobal, de percepção, e que, portanto, o esforço de comu-
nicação será dirigido para essa totalidade e não exclusivamente
a um sistema determinado.
Como o paciente é um grande sistema de percepção, tam-
bém o é de emissão, e, portanto, o instrumento mais importan-
te será seu próprio corpo e o do musicoterapeuta, assim como o
de outros integrantes do grupo, sejam ouvintes ou não. Sentir as
vibrações do corpo do musicoterapeuta quando este canta, baila,
ou grita, e compará-las com a de seus companheiros ouvintes e
seus companheiros deficientes auditivos, é uma das experiências
mais ricas de comunicação que existe. Perceber o batimento car-
díaco do musicoterapeuta, de si mesmo e de outros, é uma valio-
sa experiência inclusive para O próprio ouvinte, não audível, mas

O
Scanned by CamScanner
138 R. O. BENENZON

perceptível. Perceber no ar as vibrações, perceber no chão as vi-


brações e perceber nos grandes instrumentos as vibrações. O tam-
bor gigante, golpeando-o, sentindo-o, pisando-o. O piano com sua
grande caixa de ressonância que lhe permitirá enriquecer-se com os
ritmos organizados e os contrastes de alturas. Recordemos que os
sons graves são os que mais facilmente se percebem, não são assim
o
os agudos.
A auto-harpa é um instrumento que as crianças surdas gostam
não por sua sonoridade, mas porque ao colocá-la sobre suas rodi-
nhas, podem sentir as vibrações através de todo seu corpo. O pan-
“deirinho tem as seguintes vantagens:
1) permite colocá-lo sobre qualquer parte do corpo, cabeça,
face, garganta, mãos, coxas e, portanto, sentir suas vibra-
ções quando se o percute;
2) permite que a criança deficiente auditiva faça perceber ao
outro, ouvinte ou não, e ao musicoterapeuta as vibrações
que ela sente;
3) permite caminhar ou bailar com ele (uma das melhores ca-
racterísticas dos instrumentos fáceis de carregar). O triân-
gulo raramente se torna popular entre estes pacientes ape-
sar de ser portátil e percutível, devido à produção de sons
a nível dos tons altos, onde existem as maiores falhas audi-
tivas. Há aqueles que têm trabalhado com bons resultados
com o acordeão. Quando se utiliza o piano, há que levar
em conta que o uso do pedal dificulta a percepção sonora
da criança, porém, por outro lado, não devemos esquecer
que o piano não é somente um teclado e uma caixa de res-
sonância, mas que também se podem utilizar as cordas e a
caixa para que sejam percutidas, glissadas etc, pelo deficien-
te auditivo, pois lhe permite o piano de cauda, ao mesmo
tempo que seu corpo e mãos estão próximos à caixa do
plano, percutir uma ou várias cordas, glissar um plectro
sobre as cordas, percutir com as nocas ou com os dedos na
caixa harmônica. E primordial que o musicoterapeuta rom-
pa os limites de um instrumento, istoé, os limites tradicio-
nais, e possa obter e criar novas possibilidades com cada
um deles.
será con uva os sons um deficiente auditivo? nos perguntamos;
OS OUVIMOS
haverá al 9um S misterio , Ou sentirá como uma série de vibrações?
so estímulo mental evocado pelo som ou Se

Scanned by CamScanner
MANUAL DE MU
SICOTERAPIA
139

ria alguma combinação de todas essas sen Sações?


Ante esta incógnita, de quala uer maneira .
deve preparar-se para aprender do deficiente UE Usicoterapeuta
fenômeno, pois na medida em que possa aproximar se como é este
dê-lo se terão estabelecido os canais de comunicação e compren-

cai Mibserva
ficiente sa alhe à interessa
auditivo medida mais
que pode apreciar
o ritmo a Ti ara5 o de-
o som
e menos

zendo música com uma banda rítmica ou desfrutando de ums


participação Novamente
satisfação.
ativa
sa
na produção de ruído conseguirá sua própria
aconselho a
próc.
mesma metodologia e .
da para os deficientes mentais; deve-se partir do aiii mesa
do que ele possa nos expressar. Considero que com os deficientes
auditivos, mais ainda que com outros deficientes, o movimento se-
rá o primeiro passo da aprox
, imação + POr isso concordo com o es-
quema de trabalho de Maria Fux, quando diz: “deixo que a criança
surda observe a aula de dança até sentir que o ritmo coletivo a in-
vada e a impulsione a incorporar-se ao grupo com naturalidade.
Deixo que desenvolva o nível de movimento de acordo com o grau
de compreensão mental e corporal que lhe corresponde e que se
comporte dentro de suas possibilidades”. Este seria um dos pon-
tos de partida do musicoterapeuta. O contato com o grupo ouvin-
te circundante faz com que a criança se esforce em alcançar natu-
ralmente uma progressiva linguagem da dança. O simples fator ini-
cial não é suficiente para justificar este verdadeiro conhecimento
do ritmo interno. A participação da criança surda nas aulas coleti-
vas a impulsiona a buscar dentro de si mesma seu próprio ritmo, e
a leva a desenvolver no espaço os movimentos correspondentes.
Ao achar o ritmo não-audível, a criança surda e hipoacústica sente
com mais força esta nova linguagem de mobilização que é a dança.
Busca primeiro em seu próprio corpo de depois no espaço a respos-
ta à sua imaginação. A busca de comunicação através da dança faz
com que a criança esteja desejando a possibilidade de exercitá-la, e
quando pensa na palavra representativa de uma imagem, como
ponte de contato, seu corpo se une ao movimento com maior for-
ça. O trabalho do musicoterapeuta será mais tarde substituído pela
educação musical, onde entrará toda a metodologia da iniciação
musical, especializada para o surdo.

Scanned by CamScanner
140 R. O BENENZON

d) A Musicoterapia no autismo infantil!

Na aplicação da Musicoterapia no autismo infantil, surgem


problemas que exigem uma adaptação à metodologia e técnica que
tenho anunciado até este momento. Por outro lado, não cabe ne-
nhuma dúvida que a Musicoterapia é para a criança autista a pri-
meira técnica de aproximação, pois o enquadre não-verbal é o que
permite a estas crianças estabelecer os canais de comunicação.
Considero, através de minha longa experiência pessoal de tra-
balho com as crianças autistas, que o autismo é uma prolongação
patológica e deformada do psiquismo fetal. Portanto meu objetivo
é trabalhar com uma espécie de feto que se defende contra os me-
dos de um mundo externo desconhecido e, por outro lado, contra
as sensações das deficiências de seu mundo interior. Por isso consi-
dero que para trabalhar com estas crianças há que criar situações
ambientais e estímulos que produzam a reminiscência do período
gestacional.
O motivo de ter que modificar a metodologia descrita é devi-
do à dificuldade em encontrar o ISO da criança autista, e o objeto
intermediário. Primeiro, é impossível interrogá-la sobre sua fi-
cha musicoterapêutica; segundo, não responde a nenhuma das ins-
truções da testificação do enquadre não-verbal; terceiro, o inter-
rogatório da ficha musicoterapêutica aos pais da criança autista é
uma tarefa às vezes estéril, já que em geral são pais que têm uma
estrutura caracterológica bastante definida e, portanto, é muito
difícil descobrir novos elementos na abundante história, porém
rígida, que nos tenham brindado num começo. Exemplo da ficha
para os pais: .
PAUTAS PARA O USO DA FICHA MUSICOTERAPEUTICA

Senhores pais,

Esta ficha tem por objetivo recolher dados sobre os contatos


sonoros musicais que tenham rodeado o desenvolvimento de seu
filho.
Estes dados serão utilizados durante o tratamento pelo De-
partamento de Musicoterapia.

(1) Este tema está amplamente desenvolvido em meu livro Musicoterapia na Psicose In
fantil, Buenos Aires, Paidós, 1976. Em alemão, pela editora Gustav Fishoer Verlag:
Stuttgart, 1979.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
141
Ao preencher esta
r mínimo ou ridículo informação recorde
.

que a vocês pareça pode


. 4
'
m

ser do CURA,
importã ncia.
fNorme

INSTITUTO DE NIVELAÇÃO PSICOPED


DEPTO. DE MUSICOTERAPIA So CICA
FICHA MUSICOTERAPEU TICA
Data:

Nome e sobrenome:
Idade:
Data de nascimento:

A — História referente a seu filho.

a) Momento atual

1) Que instrumentos musicais lhe agradam?


2) Que tipos de música prefere?
3) Como reage ao escutar essa música?
4) Que outros tipos de sons não-musicais lhe chamam a atenção
(tanto de agrado como de desagrado)?
5) Vocês lhe cantam alguma canção, qual; poderiam escrever o
texto?
6) Adotam vocês alguma forma especial para comunicarem-se com
seu filho? Por ex.: (música, expressões corporais etc). Podem
explicá-la?
7) Alguma outra pessoa familiar ou não tem características particu-
lares de comunicação com seu filho?
8) Podem descrever o ambiente sonoro de sua casa (sons rotinei-
ros, audição frequente musical, ruídos, silêncio)?

b) Passado

1) Que podem nos contar com respeito ao ambiente sonoro e mu-


sical que rodeou a gravidez e nascimento de seu filho?
2) Recordam vocês quais poderiam ter sido os primeiros sons, vo-
ces Fo canções que seu filho percebeu nos primeiros dias de
vida?

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142 R. O. BENENZON

3) Que canções de ninar lhe cantavam? Como o faziam dormir?


4) Recordam alguma característica particular dos primeiros anos
de vida?
5) Podem descrever que tipos de sons emitia seu filho (parecido a
uê)?
6) tu alguma pessoa em especial (babá, empregada, familia-
res etc)? À
7) Recordam sons ou ruídos que recusava ou pelo contrário des-
frutava?

B — História referente a vocês

a) Passado

1) De que país de origem são?


2) Têm alguma afinidade folclórica com respeito a essa origem?
qual?
3) Que preferências musicais e instrumentais tiveram?
4) Aprenderam música? Como foi?

b) Momento atual

1) Houve modificações de suas preferências musicais e instrumen-


tais, quais foram e por quê? ,
2) Tem algum desejo particular com respeito a essa música?
3) Que sons ou ruídos. recusam e quais não?
4) Tem alguma: sugestão ou inquietude e pensam que possa ser
de utilidade?
Portanto, a adaptação me levou a criar três níveis sucessivos
de trabalho. O primeiro nível, chamado de regressão: nesta primei-
ra etapa o paciente é submetido a sons empáticos com seu estado
regressivo e se produz a abertura de canais de comunicação e a rup-
tura concomitante dos núcleos defensivos. Neste nível se utilizam
técnicas da Musicoterapia passiva ou receptiva.
Entende-se que falamos de Musicoterapia passiva quando o
paciente é submetido ao som sem instruções prévias.
O caso das crianças autistas ou psicóticas é o único caso em
que se pode falar de Musicoterapia passiva. Em todos os demais
casos, ainda que o paciente seja submetido aos sons, existe ativida-
de por parte do paciente que está respondendo de uma ou outra
maneira ao som que percebe. O segundo nível, chamado de comu-

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MANUAL DE MUSICOTE RAPIA
143

cação: nesta segunda etapa o paciente


terapeuta que aproveita os canais de Com
primeiro id
nível para introduzir-se comoano ser hum O te real
nível, chamado de integração: nesta terceira
comunica etapa ia AO
com O meio que o rodeia e seu grupo fami
liar Ap o
veitam-se também os canais do nível anterior, o
Os gráficos seguintes mostram o conceito
de autismo sim.
biose e esquizofrenia e as possibilidades de diferenc
iá-los de acor
do com as respostas obtidas através da Musicoterapia.
O Gráfico 1 mostra o ego de uma criança autista, separado
do meio externo por uma espécie de caparazão de cris
tal só atra-
vessada aparentemente pelo som que abrirá o primeiro
canal de
comunicação.

Gráfico 1. Estrutura da criança autista

O Gráfico 2 mostra a criança simbiótica que só se diferencia


da anterior quando está na presença da mãe. Então envia um pseu-
dopódio que rodeia a mãe aderindo-se a ela, porém sem comunica-
ção ou com um tipo de comunicação patológica.

Gráfico 2. Estrutura da criança simbiótica

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R. Q BENENZON
144

diu
uizofrênica. O 90 está div
O Grático 3 mostra a criança esq permite estabeleç a
vári os com par timentos, o que
desses compartimentos Ma
dido em
entr e OS int ers tíc ios
comunicação o,
biza rra, est ran ha, por ém com resposta Constante aos
portanto,
tímulos.

Gráfico 3. Estrutura da criança esquizofrênica

A sequência metodológica é a seguinte:


O Gráfico 4 mostra o primeiro passo, que é a bus
da couraça de cristal e impacte O ca do som
que penetre. através O .
. «e
encontrado Date ae
ça autista. Isto significará que teremos
dessa criança.

eo nm

nl

1 — Som
2 — Instrumento
3 — Fonte animada objeto-homem

Gráfico 4

Nesta etapa usam-se três séries de sons: 1) sons pertencentes


ao contexto mais primitivo, de forte conteúdo regressivo, como,
por exemplo, batimento cardíaco, sons de inspiração e expiração,
sons de água; 2) sons estruturados, como, por exemplo, fragmen-
tos sinfônicos; 3) sons eletrônicos.

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MANUAL DE MUSICOTERAPI
A

| om que impactou o ego da cri


imperceptivelmente isto levará ao terceiro passo que
com o musicoterapeuta que, trabalhan é a CONERÃO
do com o objeto intermediá-
Na , rá estabelecend imei
definida com a criança (gráfico da página 1 44). a primeira conexão
O quarto passo,
asso, que ocorre simultaneamente ao anterior, é o
canal de comunicação que se abriu em forma inversa, ou seja, des-
de o ego da criança, constituído pela resposta ao estímulo.
Isto permite usar, como quinto passo, o mesmo canal de
co-
municação aberto pela resposta, seja através da imitação da mesma
expressão da criança (exemplo, estalidos, ou sons guturais etc), ou
através do jogo com a água etc.
Tecnicamente se desenvolve da seguinte forma:
Usa-se uma sala distinta da habitual do instituto, ou a sala de
Musicoterapia. Trata-se de manter a mesma decoração durante to-
da a experiência, de tal maneira que o único que variará será o estí-
mulo sonoro. Na sala haverá uma pequena mesinha com sua cadei-
rinha de acordo com o tamanho da criança. Sobre a mesa haverá
uma bacia redonda de metal com um pouco de água. A razão da
bacia de metal é para que golpeando com os dedos possa produzir
sons ou vibrações; e redonda, para que possa girar de tal maneira
que se obtenha assim dois elementos que por si pertencem ao mun-
do da criança autista.
Convém ter uma jarra com água para utilizá-la durante a ex-
periência, para derramar água sobre as mãos da criança ou salpicar
etc. R cai
A utilização da água como objeto intermediário se deve às
seguintes razões: 1) dá possibilidades à criança de uma resposta
não-verbal através do jogo com a água; 2) a água é um elemento
'comum com o qual a criança convive diariamente, que tem carac-
em minha
terísticas regressivas muito prazerosas € que, ademais,
que re-
experiência, não tenho conhecido nenhuma criança autista que
pelo contrário, tenho observado são
cusasse a água. Muito
atraídas em alto grau por este elemento; 3) permite ao o a.
terapeuta utilizar técnicas de eirmeão cost ele com pele
zendo ritmo e, por outro lado, tomá , .
mediante a carícia através da água, já que de estas Ae resusam
inten
qualquer contato, ante o menor vislumbre

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R. Q BENENZON
146

dor que reproduzirá os distintos sons que pr


demos descobrir. As sessões serão individuais, diárias e durante jo
a
minutos cada dia. A criança é acompanhada à sala pela professor
que faz as vezes de mãe-substituta, pois passa todo o dia com ã
criança. Ela a senta na cadeirinha. De um lado senta-se a professo.
ra especializada e do outro lado o musicoterapeuta. Os 15 minutos
de audição estão divididos em: cinco minutos de um determinado
exemplo sonoro, os cinco minutos seguintes de um exemplo tota).
mente contrastante ao primeiro € depois cinco minutos novamen.
te do primeiro exemplo. Vi
Por exemplo, cinco minutos de som eletrônico sinusoidal, de-
pois cinco minutos de um fragmento da Sinfonia nº 40, de Mozart,
e depois, novamente, cinco minutos de som sinusoidal. Durante
estes 15 minutos se observam as manifestações espontâneas da
criança. Segundo estas, pôem-se suas mãos em contato com a água
e se observa, ou se brinca através dela, Os ritmos, as carícias água/
pele, água/pele etc.
Outro exemplo que não está incluído nas séries anteriormen-
te referidas é: cinco minutos de estalidos gravados diretamente de
uma das crianças, ou seja, sua própria expressão, ranger de dentes;
depois, cinco minutos de batimentos cardíacos; e finalmente, cin-
co minutos do primeiro exemplo.
Nesta experiência os integrantes do par terapêutico não fa-
lam. Desta maneira tenho podido descobrir elementos sonoros que
impactam o ego da criança autista; por exemplo, numa menina
com clara sintomatologia autista, que não respondia a nenhum
som, nem a mudanças dos mesmos, se observou uma tremenda mo-
dificação quando escutou os sons de inspiração e expiração, que
lhe produziam uma conduta de ansiedade, inspirando e expirando
fortemente. Cumprido assim o primeiro passo, a musicoterapeuta
pôde continuar com o segundo passo, que foi a introdução da flau-
ta como intermediário, porém, não utilizando-a como produtora
de melodias, mas para inspirar e expirar dentro dela.
Mais tarde a própria paciente tomou a flauta realizando 0
mesmo até que lentamente apareceram os sons. A partir daí, lenta:
mente, começou o trabalho de recuperação e introdução, por esses
mesmos canais abertos pela Musicoterapia, de outras técnicas de
treinamento.
Este tipo de metodologia descrito é utilizado como primeira
técnica de aproximação, e sobretudo para crianças sumamente "*

Scanned by CamScanner
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 147

gressivas. Inclusive nos permite fazer o diagnóstico diferencial en-


tre uma criança autista e uma criança esquizofrênica, já que a
criança autista, como temos dito, não responde a nenhum som ou
mudanças dos mesmos; em troca, a criança esquizofrênica respon-
de constantemente às mudanças tão bruscas de estrutura, entre OS
primeiros cinco minutos e os seguintes.
À medida que a criança vai adquirindo mais e mais canais de
comunicação permite a introdução das técnicas habituais descritas
nos temas anteriores, sempre levando em conta o trabalho em
equipe com as outras técnicas de treinamento.

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CAPITULO 13

MUSICOTERAPIA NO GRUPO FAMILIAR

Neste tema desenvolverei uma técnica que não obstante nasce


especificamente para o trabalho com famílias de crianças autistas
ou psicóticas, e em suas regras gerais se adapta perfeitamente para
ser utilizada em qualquer grupo familiar enfermo.
Uma das regras fundamentais para recuperar e reabilitar uma
criança autista é o tratamento paralelo e simultâneo com seu grupo
familiar.
Isto se pode estender a todo grupo familiar que tenha uma
criança gravemente enferma mental e fisicamente.
Seria inútil nosso trabalho se, à medida que tentamos a aber-
tura de canais de comunicação em uma criança autista, não adap-
tarmos seu grupo familiar a esses novos canais de comunicação.
A observação destes grupos familiares me foi indicando que o
grupo familiar de uma criança autista, em sua vida diária, vai crian-
do um sistema de comunicação estereotipado que ao longo dos
anos se converte no que denomino ''quistos de comunicação”.
Os quistos de comunicação são formas repetitivas e rígidas de
mensagens e expressões que os pais têm para com seu filho autista,
e das quais não são conscientes. A maioria das vezes são expressões
verbais. Por isto mesmo considero que uma das grandes virtudes da
linguagem não-verbal é que não gera quistos de comunicação.
Estes quistos têm uma dupla etiologia: a) uma idicssincrasia
patológica familiar que converte o grupo familiar num terreno fér-
til para este tipo de enquistamento; b) a ausência de respostas por
parte da criança às expressões ou mensagens dos pais.
Com respeito ao ponto a, dado que nosso trabalho com os
pais ocorre quando a criança tenha convivido algum tempo com
eles, não se pode discernir com ciência certa, se antes desta convi-

Scanned by CamScanner
A. O BENENZON
150

; is apresentavam uma caracterologia


ncia apatológica Os pats à Jia especi
patogenia de uma criança autista,
riá contribuir Toda
que edida que nos aprofundamos no histórico familiar, Sobre
via, à da gestação de tal criança, vamos descobrir.
ferente à ép oc a d
entos e OUtrOS tipos :
n.
pensam
a censaçÕeS, percepções, fantasias, oiam a hipótese de e
a atenção e que ap
atitudes que chamam a este tips
grupo familiar sensibilizado par
estamos diante de um
de patologia. O segundo ponto, O ponvoc to b, explica ques uma crian.
uma for ma
viv er diá rio , pro a em seu s pai
ça aut ist a, em seu con =
particular de resposta. ência total de respos.
Isto, geralmente, ocorre pela falta ou aus do.
equado ou espera
ta da criança, à ausência de feed-back ad
ímulos ou
O que foi dito gera a repetição constante dos est
mensagens dos pais.
formas de enquistamento, que são Bari.
Entre as diferentes .
grupo familiar, se podem distin
culares e características de cada
guir quatro:
1)a ausência quase total de estímulos ou uma proporção ínfi.
ma deles. (Esquema 1)

QUISTO TIPO "A" (Ausência de estímulos)

Este inci .
têm a esquema coincide
fantasia qu e seu com aqueles pais que acreditam ou
fil
i ho éá surdo o U que pratic
i amente não
preende o que acontece
ao seu redor.
ã com
Mer

Scanned by CamsScanner
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 151

Portanto, vão diminuindo, dia a dia, as mensagens, acabando


por converter a criança num isolado dentro de seu próprio grupo
familiar.
2)A situação contrária a anterior, que inclusive parecia ser
reativa à mesma. Ou seja, a hiperestimulação, geralmente
indiscriminada e difusa. (Esquema |)

QUISTO TIPO “B'' (Hiperestimulação indiscriminada)

São aqueles pais que se esforçam por ensaiar qualquer tipo de


mensagens e de estímulos, dos mais variados, sem limite de tem-
po, e às vezes sem intervalo de tempo que possibilite a resposta da
criança. Isto determina o encapsulamento da criança dentro do
grupo familiar.

'
Scanned by CamScanner
. O. BENENZON
152 O

3)A situação intermediária, OU seja, uma série de mensagens


e estímulos que se repetem cotidianamente, em geral ante
as mesmas circunstâncias, e que com o correr do tempo se
convertem nos estímulos estereotipados. (Esquema Ill)

QUISTO TIPO “CC”

(Estímulo estereoti pado)

Este esquema coincide com os pais que costumam ter uma


conduta obsessiva e uniforme, coincidente com ordens, afirmações
ou pegações, o que está bem, o que está mal, prêmios e/ou castigos
ais.
“Por exemplo: isto não!; isto sim!; isto é feio!; muito bem!;
muito mal!; não!; caca! ; isto é caca!
etc.

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MANUAL DE MUSICOTE
RAPIA
153

4) Por último me resta para descrever o de


svio patológico do
anterior, que são os estímulos este reotipad
os que se vão
transformando em verdadeiras ano malias de mens
agens ou
de estímulos. (Esquema |V)

QUISTO TIPO “D"'

(Estímulo esterBot pado anô


maio)

ou

Geralmente esse tipo de esquema ocorre em um dos pais, que


por suas características caractereopáticas de sua personalidade con-
vertem suas mensagens em verdadeiras raridades de estimulação.
Assim encontramos desde aquele pai ou aquela mãe que fala
a seu filho como se fora surdo total e, portanto, modula as pala-
vras exageradamente com seus lábios, corn um volume muito forte,
e repete cada palavra várias vezes lentarr.ente, até aquele que refor-
ça sua mensagem com algum movimento da criança, apertando-lhe
a mão ou sacudindo-a etc.

Scanned by CamScanner
154 NENZON
R. O BENE

ém
Estas formas de enquistamento costumam coincidir tamb
ou de in.
com as maneiras de receber as expressões do filho autista
terpretá-las.
ou tipo C,
Por exemplo: Os pais com enquistamento tipo À
estereotipados,
ou seja, com ausência de estímulos ou de estímulos
de seu
têm muitas vezes dificuldades de compreender as expressões
N
filho autista.
Em troca, os pais ou grupos familiares com enquistamento
tipo B ou tipo D, ou seja, OS de hiperestimulação ou estimulação
anômala, costumam ter uma errada interpretação das expressões
de seu filho autista.
São aqueles pais que dizem: ele quis dizer que...! ou, quer
que lhe dêem tal coisa!... etc., sem ter claramente a certeza da rea-
lidade de suas expressões, ou pensando que um mesmo gesto pode
ser sempre a expressão de um mesmo desejo.
Um dos mais importantes objetivos da Musicoterapia como
técnica de aproximação da criança autista é o de diagnosticar os
quistos de comunicação do grupo familiar com tal criança, romper
os quistos de comunicação correspondentes e estruturar novas for-
mas de mensagens nos vazios deixados pelo rompimento destes
quistos.
Em meus longos anos de trabalho aplicando a Musicoterapia
em grupos familiares com crianças autistas tenho estabelecido algu-
mas regras que são de utilidade, e que com a continuação deta-
lharei:
1º) É necessário antes de começar o trabalho com o grupo fami-
liar ter um período de trabalho em forma individual com a
criança autista.
Subentende-se que sempre que me refira a um enfoque te-
rapéutico com a criança autista, estou propondo o trabalho
dentro de uma instituição onde a criança passa todo o dia
útil, e é manejada por uma equipe multidisciplinar de recupe-
ração.
O objetivo de trabalhar individualmente é para conhecer a
fundo a criança e tratar de abrir o máximo de canais de co-
municação para nós e para o resto da equipe de saúde. É pre-
cisamente durante esta etapa que trabalho com água, como
objeto intermediário, e buscando sons que possam impactar o
ego da criança autista; e depois, em uma segunda etapa, intro-
duzir o instrumento musical como objeto intermediário, utili-

Scanned by CamScanner
MANUAL DE MUSICOTE RA
PIA
155

zando Os sons que se tenha


; m no locali
ego, como o tenho descrito tema zado
antercomo i
ior. impact antes do
Porém, de qualquer maneira, se a criança
recomendo O trabalho com as técnicas habituais nãodaMé auti
Utista,
rapia, previamente ao trabalho com o grupo Usicote-
20) Desde o começo, trabalho como par terapêutico.
O par terapêutico é formado, na primeira
parte, pela
fessora especializada que realiza o papel de mãe-substitutapro-e
eu; e na segunda parte, pela musicoterapeuta e
eu.
O par terapêutico é um continente dinâmico
que permite à
criança expressar-se mais livre e espontaneamente.
Este último lhe dá a possibilidade de reagir em forma
dis-
tinta a atitudes esperadas, sobretudo se as confront
amos com
as atitudes de seus próprios pais. Por exemplo, se ante uma
ação da criança, ela espera uma negação ou uma afirmação e
eu não a realizo, o esquema da resposta estereotipada, proje-
tada em mim como figura paterna, se modifica e, portanto,
seu acionar também se transforma.
Em geral, na primeira etapa, o par terapêutico permite um
alívio tensional da criança. Este alívio se dá pela possibilidade
de receber do paciente atitudes claramente identificadas com
as que teria com seus pais. Assim, por exemplo, se a criança
me olha com desconfiança, porque me considera um objeto
alarmógeno, busca proteção na musicoterapeuta, ou vice-
versa.
A continuidade do par terapêutico,
- dentro do trabalho do
grupo familiar, facilita a compreensão e descobrimento dos
quistos de comunicação e também facilita a distensão do ca-
sal de pais, que sente um continente dinâmico a protegê-lo
ante as variáveis ansiógenas do acionar de seu filho.
Por último, o descobrimento e recriação dos diferentes ca-
nais de comunicação entre a criança e nós, como par terapêu-
tico na tarefa individual, nos permite ter uma história própria
de acontecimentos e circunstâncias vividas durante um lapso
de tempo, que facilita depois a confrontação desta história
com aquela que os pais trazem, e observamos durante a tare-
fa, o grupo familiar dessa mesma criança.
3º) Paralelamente ao trabalho individual com a criança, devemos
preparar o grupo familiar e, portanto, também se trabalha

Scanned by CamScanner
156 R. O. BENENZON

filho. no
com o casal de pais, sem a presença do
tui-
O grupo familiar que tenha levado seu filho a uma insti
ção encontra-se com um montante de ansiedade paranóica
-
similar ao paciente que inicia uma psicoterapia. Esta ansieda
de aumenta se pretendemos num começo trabalhar com o
grupo familiar em presença do filho e, geralmente, mostra
uma imagem distorcida da realidade, através das defesas
reativas que os pais utilizam frente a nos.
Em troca, se nós trabalhamos individualmente com o casal
de pais, durante um lapso de um ano mais ou menos, depen-
dendo dos casos, antes de defrontá-los com a criança, conse-
guimos ter um grupo familiar preparado, com um montante
de ansiedade mínimo, dando-nos, portanto, uma imagem mais
real e, nós, por outro lado, também estamos preparados para
este encontro com um critério mais realista da criança.
O primeiro passo para trabalhar com o grupo familiar é
uma entrevista onde lhes relato o trabalho que realizamos
com o filho e os resultados do mesmo. Depois lhes peço uma
primeira cooperação, que consiste em gravar as mensagens co-
tidianas que ocorrem normalmente no meio familiar, com a
criança. Para realizar isto, tecnicamente lhes ensino a manejar
um gravador e os deixo a sós numa sala durante uma hora,
sem a criança. A instrução insiste em que devem fantasiar a
presença do filho em distintos momentos da vida cotidiana e
em diferentes circunstâncias, e gravar, como lhe têm falado, o
que lhe têm dito, como lhe têm gritado ou cantado etc. Os re-
sultados desta primeira gravação são: a) os pais costumam re-
produzir as mensagens estereotipadas que têm com seu filho;
b) nos provêem de um material muito rico, que paulatina-
mente permite diagnosticar os quistos de comunicação; c) ao
fazer escutar estas gravações aos respectivos filhos, podemos
observar as diferenças de respostas frente à voz e mensagem
paterna e materna. o
Desta maneira observamos pais que falam a seu filho como
se este fora surdo; outros, com negações ou afirmações cons-
tantes, outros com total dificuldade de adaptar-se ao tempo
específico de seu filho, isto é, o que fui descrevendo na dis-
tinção dos quatro quistos de comunicação. Depois de alguns
meses, que costuma oscilar entre 6 a 9, desta primeira grava-
ção, voltamos a chamar estes pais.

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MANUAL DE MUSICOT
E RAPIA

também podem ser canto S OU Outro tipos de


sons.
Segue-se a mesma técn ica do primeiro
exemplo.
Os resultados
| são: a) ao voltar a escutar su i a
sagens, os pais tomam consciênc
ia de algumas pa
des e estereotipias, da forma que se comu
nicam com seu fi-
lho; b) a possibilidade de verbalizar e desbloque
ar o que têm
reprimido, mobilizando notavelmente situações intern
as com
respeito ao filho. Isto provoca momentos sumament dramá-
e
ticos para o casal, amplamente frutíferos ao tentar superá-los;
c) nos permite reconhecer a capacidade potencial do grupo
familiar para enfrentar a mobilização e a reconstrução da rup-
tura dos quistos de comunicação. Desta maneira temos prepa-
rado O grupo familiar para enfrentar o trabalho em conjunto
conosco, como par terapêutico, e o filho.
4º) Considero que depois de um ano de trabalho na forma falada,
ou seja, um trabalho paralelo com a criança individualmente,
e com o casal de pais, se pode tentar a integração do grupo fa-
miliar numa experiência, ou seja, o enfrentamento desse gru-
po com a criança e nós, como par terapêutico.
Esta experiência me tem permitido também estabelecer al-
gumas regras para o trabalho do grupo familiar de uma crian-
ça autista, em Musicoterapia.
ado.
4.1) O contrato de trabalho deve ter um tempo limit
m ser
Combina-se com os pais quatro sessões, que pode
uma por semana durante um mês, ou duas ve-
distribuídas em
pais.
zes por semana etc, de acordo com as possibilidades dos
gos
Com esse tipo de contrato breve, evitamos a resistência
ma ocorrer com bas-
pais a esse tipo de atividade, que costu
tante frequência.
o um laboratório de expe-
4.2) Enfrentamos o grupo familiar com

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158 R. O. BENENZON

rimentação espontâneo com claros objetivos e Sentido co-


mum. Damos-lhes instruções simples e singelas;“... ponham.
se cômodos... se querem tirar a gravata ou a jaqueta. va-
mos tratar de buscar formas de comunicação com seu fi.
lho...””. Todos esses elementos vão clamando a ansiedade do
primeiro momento e acomodam o grupo para enfrentar o
filho.
4.3) Durante a sessão de Musicoterapia com o grupo familiar, se-
guem-se três etapas;
Primeira etapa: de observação: esta etapa ocorre quando a
criança é trazida pela musicoterapeuta desde a sala de aula e
ingressa na sala onde estamos esperando, e se produz o pri:
meiro contato diante de nós.
Nesse instante observamos as estereotipias do contato. Des-
ta maneira se faz uma visualização dos quistos de comunica-
ção que foram ouvidos nas fitas gravadas. Podem-se observar:
como os pais recebem o filho, quanto lhe exigem, que tempo
esperam para obter uma resposta do filho, em que tom de voz
lhe falam, quais as mensagens que utilizam e se realmente são
mensagens.
Segunda etapa: de demonstração: a musicoterapeuta traba-
lha com a criança da mesma maneira como o faz habitual-
mente no instituto.
Desta maneira os pais observam que capacidades tem de-
senvolvido seu filho durante o ano e vão compreendendo e vi-
sualizando novos canais de comunicação abertos para seu fi-
lho, que eles ignoravam ou só intuiam.
Terceira etapa: de integração: nesta última parte, que se dá
ao redor dos 15 ou 20 minutos de começada a sessão, estimu-
la-se os pais para participarem no trabalho com a musicotera-
peuta, utilizando os mesmos canais de comunicação. Conse-
guimos, assim, que todo o grupo familiar se integre a uma
mesma tarefa.
Este é o ponto culminante e mais gratificante da sessão,
onde o continente terapêutico se reforçou ao máximo. Por úl-
timo, a criança é retornada à aula, observando-se previamente
a separação da criança dos pais, enquanto nós ficamos só com
eles.
4.4) Não utilizamos com os pais nenhum tipo de interpretação de

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MANUAL DE MUSICO TERAPIA
159

mecanismos inconscientes ou latentes que ossa o


ou a ativar resistências. Tratam Possam mobilizar
o grupo ou os de reforçar e d
tar a criatividade e as capaci -
dades construtivas. do ego dos
is.
Os objetivos principais são dois: a) compreensão d o tempo
de seu filho, ruptura dos quistos de comunicaçãção o e reconstru-
ção, b) gratificação.
4.5) Para o que foi dito, utilizamos uma linguagem simples, com
grande sentido comum, através de comentários, explicações
sugestões, formas de introduzir mudanças, e novas estraté.
gias para a próxima sessão.
Todo o relato é em relação direta ao que se viveu nesse mo-
mento da sessão, isto é, no “aqui e agora”. Ou seja, trata-se de mo-
dificar a experiência vivida juntos, sem invadir a estrutura familiar
que pode ser igual, similar ou até diferente, porque nós não a co-
nhecemos, não fazemos parte dela, porém começamos, sim, a ser
parte de sua história a partir dessa sessão. Para dar um exemplo,
apresentarei o começo de desenvolvimento de um dos casos tra-
tados.
Trata-se de uma menina chamada Sili, de 3 anos de idade, que
é irmã gêmea de um menino. Tem outro irmão de 5 anos de idade.
Ambos são normais. O fato de Sili ser irmã gêmea permitiu aos
pais, que desde muito cedo lhes chamava a atenção, observar
o diferente desenvolvimento entre Sili e seu irmão. Este último res-
pondia claramente aos estímulos do mundo externo, seja com sor-
risos, OU COM sons, ou as cócegas etc; em troca, Sili não respondia
e parecia um simples vegetal que crescia. Seu pai dizia que nunca
podia fazê-la rir ou sorrir.
O interesse de Sili se concentrava somente em mirar suas
mãos, ou chupar, brincar ou morder pequenos pedaços de papel ou
folhas das árvores que encontrava em seu caminho.
Quando a vi pela primeira vez, com seus lindos olhos azuis,
seu cabelo loiro encaracolado, seu olhar esquadrinhando seu mun-
do interior, sua falta de linguagem, a dificuldade de tocá-la, a falta
total de resposta e sua notável destreza motora, me fez pensar
numa menina autista.
Todos os exames de laboratório e neurológicos complementa-
res deram resultados normais, não mostrando nenhum tipo de le-
são cerebral aparente. A cocleografia mostrou resposta negativa a
estimulos sonoros.

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AR. Q BENENZON
160

No instituto, começou a cumprir as distin.


u
Apendo >Sili assaentro
investigação em Musicoterapia, conju
Mamente
tas etapas de oiitra técnicas recuperativas e de hábitos c
com todas a etapa, ou seja a de nível regressivo, Sj li
Otidianos
não res.

Na ph hum dos estímulos sonoros. (Geralmente nas crian.


pondeu . à nenfcost
ium umamos encon trar ag
algum tipo
po d de resp'
ças aus dos sons regressivos estimulados, seja bati Osta, Pelo
mento Car-
o sons de inspiração e expiração, sons produzidos por elas
mesmas etc.) Todavia, Sili aceitou o jogo com a água, e as Carícias
nte
sobre suas mãos realizadas através do contato com a água. Dura
à segunda etapa, ou seja, de nível de comunicação, a musicotera.
peuta, no trabalho cotidiano, começou à descobrir elementos de
contato rítmico corporais como: som e movimento acompanhados
das canções de ninar ou das vibrações produzidas Pelas cordas do
violoncelo transmitidas através do chão de madeira, provocando
em Sili a diminuição de seus movimentos hiperkinéticos, eatéa
quietude mais absoluta, geralmente adotando a posição horizontal
de todo seu corpo sobre o chão, em contato com a vibração. Esta
última posição era pressionada, de forma muito suave, pela mus.
coterapeuta, não oferecendo resistência por parte de Sili. Normal.
mente, manter Sili em posição horizontal na sala, durante longo
tempo, era uma verdadeira conquista, pois, uma típica atitude de
Sili, era estar em contínuo movimento, indo e vindo de um lado
para outro da sala, porém sempre seguindo uma mesma direção,
com grande equilíbrio, graça e refinamento em seus movimentos.
Outra atitude era buscar lugares afastados ou estreitos como,
por exemplo, vãos de uma biblioteca, para encolher-se em verda-
deiras posições fetais.
A primeira gravação que os pais realizaram de suas mensagens
cotidianas mostrava uma família com uma acentuada hiperkinesia.
Escutavam-se ordens e contra-ordens, comparações, classificações,
em altos tons de voz. -
Ao escutar esta gravação, Sili mostrou um aumento da hiper-
kinesia habitual, e ao aproximar-se o final da sessão arremessou a
bacia de água ao chão e-urinou em cima dela. Depois de8 meses,
voltei a chamar os pais e lhes fiz escutar o exemplo gravado por
eles. Manifestaram a mim seu assombro e reconhecimento pela rea-
lidade que escutaram, e especialmente o fato de que suas atitudes
se mantinham quase sem variação, apesar do ano transcorrido, so-
bretudo levando em conta as mudanças que Sili havia realizado.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 161

Isto me permitiu torná-los conscientes do fato de que Sili esta-


va enquistada dentro deles mesmos, como a menina de um ano
atrás. Mas que, não obstante, Sili se havia modificado, e eles man-
tinham suas mensagens estereotipadas. A segunda gravação, com o
propósito de modificar as mensagens anteriores, foi sumamente
difícil. Só puderam modificar tonalidades de voz e estabelecer
mensagens mais afetuosas.
Depois de um tempo desta última gravação e de trabalho com
Sili, achamos oportuno realizar as primeiras quatro sessões de gru-
po familiar em Musicoterapia, para diagnosticar claramente os
quistos de comunicação e tratar de estruturar novas formas.
O grupo familiar se realizou com os pais e com os dois ir-
mãos, O maior e o gêmeo.
Descrição da primeira sessão de grupo familiar em Musicote-
rapia:
Logo que os pais e irmãos ingressaram na sala (todavia não
havíamos trazido Sili) se visualizou as características reproduzidas
na fita gravada. Os dois meninos se atiraram sobre os instrumentos
musicais, tocando-os, golpeando-os, brigando entre si para pegar
um ou outro, enquanto os pais, por um lado tentavam acalmar os
meninos com ordens, por outro procuravam conversar e comentar
conosco. Demos-lhes
as primeiras instruções que foram:
a) sentirem-se espontâneos, livres, atuar como se estivessem
no lar em uma situação cotidiana, que se sintam relaxados,
livres de movimento e que encarem a situação como uma
experiência de laboratório em que todos estamos envolvi-
dos para tratar da comunicação com Sili. Depois disto a
musicoterapeuta foi buscar Sili na sua aula e a trouxe à
sala. Quando Sili ingressou, o pai se acercou prontamente,
a tomou nos braços, a beijou intensamente e lhe disse:
"Olá, Sili”. Sili passou de longe sem ver aparentemente
seus pais. Os irmãos continuaram brincando, surdos e cegos
à presença de Sili. Sili acercou-se onde estavam seus irmãos
e sem olhá-los pisou os instrumentos e começou a andar de
um lado para outro da sala mantendo um mesmo curso e
repetindo um mesmo ritmo de passos.
Durante os primeiros dez minutos, desde que Sili ingressou,
observou-se:

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A. O. BENENZON
162
icas autoritárias, dava ordens
ajoP id aO ço o menor e brincasse com Si Nº
para que não ficasse com ciúmes e aojiião
o
irmão pu por causa dos empurrões do irmão maior, e da
e us acercasse de Sili; por outro lado, mostrava um oa
Sili, tratando de beijá-la, acariciáa,
serado afeto por |
etc.
zer-lhe cócegas as or.
de agradar seu pai cumprindo
b)o irmão maior tratava
seu irmão menor usando a força, OU leyan.
dens controlando
tando ou sacudindo Sili, ou tratando de beijá-la
do pai.
com
com à atitude
cócegas, identificando-se
c) o irmão menor chorava todo o tempo, porque era reprimj.
do e não recebia suficiente atenção, tendo ciúmes de Siji,
d)a mãe, em atitude, passiva, tratava de impor alguma ordem
a cada um, sem êxito.
e) a hipercinesia de Sili aumentava com o crescimento da hi.
percinesia tamiliar.
Depois, a musicoterapeuta tratou de realizar um simples exer.
cício rítmico, de movimentos, acompanhados com canções de
ninar, exercícios que cotidianamente realizava com Sili no institu-
to. Isto motivou uma diminuição da hipercinesia familiar, o andar
de Sili se fez mais calmo, de repente parava e ficava quieta por um
longo espaço de tempo como se esperasse algo ou sentisse o cha-
mado de seu mundo interior. Todavia, não foi fácil para a musico-
terapeuta contactar-se com Sili como o fazia habitualmente, sem a
presença do grupo familiar. Chegamos, assim, à conclusão de que
estávamos ante a presença de um grupo familiar cujo quisto de co-
municação é do tipo B (hiperestimulação indiscriminada — veja-se
Esquema Il). Sili recebia de todo o grupo familiar uma invasão
abundante de estímulos indiscriminados, provocando nela uma
completa dispersão e uma defesa estereotipada que se mantinha,
ainda sem estimulação.
Só se pôde obter um mínimo de atenção quando se convi
doua todo o grupo familiar para participar em uma roda com Sili
e nós. Sili tomava parte dessa roda de tempo em tempo, ou se
colocava no centro da mesma, ou se deitava no chão, ou saía da
roda para seu habitual passeio pela sala. Depois de vinte minutos
de extenuante trabalho, a musicoterapeuta retornou Sili à sua aula,
observando e surpreendendo-se com a calma que Sili adquiriu 20
reingressar no seu habitat cotidiano,

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
163

Nós ficamos conversando com os pais. A primeira impressão


que eles ressaltaram foi que o ocorrido nesse momento era muito
similar ao que sucedia diariamente no lar. Depois de um breve co-
mentário do que foi observado durante o "aqui e agora” da sessão,
onde lhes fizemos compreender a hiperc inesia e a hiperestimulação
de que era objeto Sili, sugerimos algumas mudanças estratégicas
com a finalidade de colocá-las em prática na próxima sessão.
Estas sugestões foram:
1) Tratar de diminuir a estimulação indiscriminada.
2) Elaborar mensagens simples e definidas para Sili, seguindo
uma coerência em todo grupo familiar.
3) Estimular uma maior participação da mãe, com uma dimi-
nuição da do pai.
O grupo aceitou, gratamente e interessado, as sugestões. Na
sessão seguinte os pais vieram sós, sem os filhos e nos comentaram
as mudanças observadas na vida cotidiana em casa, pondo em prá-
tica as sugestões estabelecidas.
Desta maneira, utilizando técnicas não-verbais, podemos diag-
nosticar quistos de comunicação e, sem produzir resistências, con-
seguir rupturas e possíveis reestruturações que servirão à recupe-
ração da criança.
Com o correr do tempo, temos podido modificar notáveis
pautas de conduta do grupo familiar, conseguindo que Sili abra
numerosos canais de comunicação afetivos, expressivos, de percep-
ção e compreensão.
Ou seja, que a Musicoterapia como técnica não-verbal utiliza-
da em par terapêutico permite fertilizar e modificar o “útero”,
que significa o grupo familiar, onde está inserto esse psiquismo
fetal patológico e prolongado que é a criança autista.
A utilização deste mesmo tipo de técnica em grupos familia-
res de crianças ou adolescentes com transtornos neuróticos, nos
deu excelentes resultados, pois da mesma forma se observam e se
podem modificar os quistos de comunicação que nestes últimos
casos são muito mais complicados de observar, dadas as defesas in-
telectualizadas com que manejam a linguagem não-verbal.
Ao finalizar o brevíssimo contrato de quatro sessões, é de ro-
tina que o próprio grupo familiar deseje continuar um período
maior de sessões. Se o grupo familiar não o solicita, então nossa

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164 AR. Q BENENZON

técnica é não insistir, e estabelecer um novo período de quatro


que varia segundo os ca so
ses dentro de um determinado tempo
Muitos grupos familiares têm estabelecido espontaneame e
familiar em Musicotera «é
a diferença que notam entre um grupo
se
e um grupo familiar em psicoterapia. As conclusões quefamiliar cite
o grupo =
obter desses comentários manifestos é que
Musicoterapia não é tão resistido como o de psicoterapia; é como
se a Musicoterapia não se enfrentasse diretamente com os núcleos
inconscientes temidos pelo grupo familiar. Isto é, penetra por de-
trás das defesas do grupo familiar. Isto permite elaborar uma estra-
tégia terapêutica de grupo familiar onde à primeira indicação seria
a Musicoterapia, e, depois, abrir as possibilidades para a técnica da
psicoterapia. Muitas famílias que resistiam a ingressar numa psico-
terapia grupal, a têm aceitado depois da experiência grupal em
Musicoterapia.
Surgem também no grupo de Musicoterapia algumas variantes
interessantes, como a gratificação da técnica em si mesma. Isto é
não só se descobrem situações e conflitos inconscientes e se fazem
visíveis mediante técnicas não-verbajs, mas, que estas mesmas téc-
nicas não-verbais são inerentes a um processo de gratificação, seja
pelo nível evolutivo a que pertencem, como também pela via de
canalização das ansiedades persecutórias que são mais fáceis de se-
rem descarregadas através dos objetos intermediários.

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CAPÍTULO 14

HISTÓRIA DA MUSICOTERAPIA

O uso da música como agente para combater enfermidades é


quase tão antigo como a música em si; porém os primeiros escritos
onde se faz referência à sua influência sobre o corpo humano são
provavelmente os papiros médicos egípcios descobertos em Kahum,
por Petrie, em 1899 e que datam por volta do ano 1500 antes de
Cristo. Estes se referem ao encantamento pela música, a que atri-
bu fam uma influência favorável sobre a fertilidade da mulher.
Todavia, todos os autores parecem coincidir no primeiro rela-
to sobre Musicoterapia ou música curativa, que é a efetuada por
David com sua harpa frente ao rei Saul.
Esta citação aparece na Bíblia (|, Samuel, 16:23) onde diz:
"Quando o mau espírito de Deus se apoderava de Saul, David to-
mava a harpa, a tocava, e Saul acalmava-se e se sentia melhor, e o
espírito mau afastava-se dele. ..” A partir daqui, cada um dos escri-
tores se divide em distintos relatos e fábulas, que como nos diz
Markoff em sua tese ”... são tantas a fábulas que se contam e é tão
difícil de descobrir o fundo de verdade que há nelas, que não nos
provam grande coisa, porém são tão agradáveis de ler que não resis-
timos ao desejo de contá-las...”
Apesar disto creio que se podem extrair importantes conceitos
que tenho exposto neste manual e que já eram intuídos pelas ma-
nifestações do homem em seu decurso histórico.
Devo destacar o poder onipotente, mágico, todo-poderoso e
de sugestão que possui a música e que, possivelmente, fique em
cada um de nós como indício de nosso ser primitivo. O homem
acreditou que o som era uma força cósmica presente no começo
do mundo, e que tomou forma verbal. São João começa o primei-
ro capítulo de seu Evangelho com estas palavras: “No começo foi

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166 R. O BENENZON

o verbo e a palavra estava em Deus e o verbo era Deus”. Existem


infinidades de lendas sobre a criação do mundo nas quais o som
tem um papel muito importante. Os egípcios acreditavam que o
deus Tote criou o mundo, não com o pensamento ou a ação, mas
somente com sua voz. Com o som de sua boca produziu o nasci-
mento de quatro deuses, os quais dotados de poderes similares, po-
voaram e organizaram o mundo.
Marius Schneider afirma que, na concepção filosófica proce-
dente dos persas e hindus sobre a origem do Cosmo, o universo foi
criado por uma substância acústica. Supõe-se haver sido originado,
em princípio, pelo som emergido das profundezas do abismo, con-
vertendo-se em luz, e que pouco a pouco essa luz se transformou
em matéria. Porém esta materialização nunca foi total porque cada
matéria ou objeto continua retendo, em maior ou menor medida,
parte dessa matéria sonora originária. Este é um dos conceitos bá-
sicos que se deve extrair desta concepção, por ser o ponto de par-
tida que explica uma série de fenômenos observados durante a
Musicoterapia com enfermos muito regressivos, como tenho expli-
cado em temas anteriores.
Para o homem primitivo; o som foi um meio de comunicação
com ele, e desde o infinito, que tem surgido identidades errôneas e
fantasias ameaçantes. Depois, estes fenômenos foram-se deslocan-
do, como diz Margaret Mead, que explica que em certas tribos da
Nova Guiné se acredita que as vozes dos espíritos podem ser ouvi-
das através das flautas, dos tambores e dos bufados do touro. Nas
civilizações totêmicas existe a crença de que cada um dos espí-
ritos que habita o mundo possui seu próprio som específico e in-
dividual. Didi
O totem ancestral, por exemplo, parecia possuir uma existên-
cia acústica e respondia a certos sons. A imitação ou simulação dos
sons ou canções que provinham do totem permitiam ao homem
identificar-se com ele e, dessa maneira, manter sua vida através
do contato. De outra forma poderia morrer.
Os homens primitivos acreditavam frequentemente que cada
ser vivo ou morto tinha seu próprio som ou canção secreta à qual
devia responder, e que o tornava vulnerável à magia. Por esta razão,
nos ritos mágicos da saúde, os médicos bruxos tratavam de desco-
brir o som ou canção à qual responderia o homem enfermo ou O
espírito que habitava nele. O som pessoal podia relacionar-se com
o timbre da voz do homem, que ainda hoje sabemos é um fator

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
167

individual universal.E certa a existência, inconsciente, de um som


secreto pessoal (similar ao que está presente em alguns psicóticos),
que confirma a velha crença de que cada homem nasce com seu
som interno próprio ao qual responde, Portanto, vemos como já
existia a concepção de um princípio de ISO. Considero interessan-
te relatar alguns exemplos ocorridos em algumas tribos, sobretudo
porque também são base de antecedentes primitivos da terra de
ninguém que se dá entre o psicodrama, a dançaterapia, a musico-
terapia etc, que tenho relatado em um dos esquemas deste livro.
Um destes exemplos é o que relata o doutor Neumann sobre
uma informação do missionário inglês James Sibree, que observou
no ano de 1870 uma cura de duas moças enfermas, realizada em
Madagascar com a ajuda da música e dança.
Todos os habitantes da cidade formaram um circulo ao redor
das enfermas, estendidas sobre uma esteira e estranhamente ador-
nadas. Acompanhando-se com contínuas palmadas, as mulheres
cantaram primeiramente uma canção monótona, enquanto os ho-
mens batiam rústicos tambores de madeira.
Na continuação, uma mulher de classe distinta, especialmente
escolhida para a cerimônia, começou a dançar no centro de tal cir-
culo, enquanto que outra mulher que estava sentada imediatamen-
te atrás das enfermas provocava um ruído ensurdecedor, fazendo
chocar pedaços de metal.
Esta cerimônia devia expulsar os espíritos malignos das en-
fermas e atraí-los até o corpo da bailarina, que graças à sua alta ca-
tegoria, estava preservada da influência dos demônios. Outro exem-
plo é o dos médicos feiticeiros da Ilha Ceram, das Molucas, que en-
toavam um soso (canto de conjuro pronunciado na língua primiti-
va) acompanhados pelo ritmo de tambores batidos por mulheres.
Stumpf nos relata, com respeito aos índios bellacula, da Co-
lômbia Britânica, um “canto do doutor”, entoado em ação de gra-
ças depois de uma feliz cura conseguida pelo médico da tribo. Este
canto era acompanhado com uma representação pantomímica da
enfermidade e da cura. O curado jazia na posição que havia ficado
durante sua doença, rodeado por seus amigos. Outros integrantes
da tribo, sentados ao fundo, cantavam e tocavam o tambor. Depois
aparecia o médico feiticeiro, pronunciava alguns conjuros e realiza-

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168 R. O. BENENZON

va outras ações mágicas ao mesmo tempo que passava sua mão di-
reita pelo enfermo, e com a esquerda agitava um guizo; por último,
com um gesto extático, olhava para O céu e se inclinava sobre o
paciente para chupar-lhe os sucos malignos. Os circundantes repre-
sentavam com pantomimas a expectativa com que seguiam a ceri-
mônia do médico feiticeiro. Para terminar a ação de graças, o enfer-
mo curado bailava com seus amigos, enquanto os demais entoavam
o “canto do doutor”. No culto badístico das Índias Meridionais,
também encontramos o costume de atar guizos na espalda dos
mascarados que executam uma dança das espadas para expulsar os
espíritos malígnos. Alguns investigadores suspeitam que Os sinos
das igrejas também puderam ter servido num princípio para fins
exorcísticos, isto é, que com seu som, estiveram destinados a ex-
pulsar do templo os espíritos do inferno. O mesmo caráter exor-
cístico da música se encontra em muitas cerimônias de enterro; as-
sim, por exemplo, na casta Sudra da India, quando morre um de
seus membros, costuma-se tocar com duas trompas dois sons (sol
sustenido e si-bemo!) mantidos continuamente, desde o momento
da morte, até terminar a cerimônia mortuária. O sombrio som des-
tes dois tons não tem por objetivo, como se acreditava no princi-
pio, expressar um lamento fúnebre, mas o de afugentar os maus es-
píritos para que não se apoderem da alma do defunto.
Nas fontes medievais, tanto árabes como judias, narra-se com
frequência como se chamavam os músicos para aliviar as dores dos
enfermos no hospital; um antigo manuscrito hebreu contém uma
ilustração na qual aparece um tocador de alaúde sentado na sala de
espera de um médico, chamado, provavelmente, para expurgar a
mente do possesso ou para realizar sua parte na cura do enfermo.
As virtudes mágicas da música com frequência eram transmi-
tidas aos instrumentos musicais. Sempre se atribuíram forças espe-
ciais aos instrumentos de sopro, feitos com ossos humanos, que se
enterravam junto com os cadáveres, aos quais deviam assegurar à
vida além-túmulo. Com respeito, é interessante mencionar O livro
Magia Naturalis de Gianbattista della Porta, naturalista italiano,
publicado em meados do século XVI, onde o autor preconizava à
madeira de
fabricação de instrumentos musicais feitos da mesma
plantas medicinais, e afirmava que os sons que se obtinham produ-
ziam os mesmos efeitos terapêuticos que as plantas.
As plantas de madeira de álamo, por exemplo, seriam efica-
contra às
zes contra as dores de ciática, as de madeira de heléboro

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA
169

enfermidades nervosas, enquanto que os instrumentos feitos com


fibra da planta de rícino provocariam efeitos purgativos.
Assim chegamos aos gregos os quais empregaram a música de
modo razoável e lógico, e incrementaram notavelmente sua aplica-
ção para prevenir e curar as enfermidades físicas e mentais. Foi
tanta a importância que lhe outorgaram que chegaram a considerar
que o uso da música devia estar controlado pelo Estado. Platão e
Aristóteles bem podiam ser os precursores dos musicoterapeutas.
Aristóteles falava do verdadeiro valor médico da música ante as
emoções incontroláveis e atribuía seu efeito benfazejo para a catar-
se emocional. Platão receitava música e dança para os terrores e as
angústicas fóbicas: “... A música hão tem sido dada ao homem
com o objetivo de afagar seus sentidos, mas sim para acalmar os
transtornos de sua alma e os movimentos que experimenta um cor-
po cheio de imperfeições. ..''; Zoroastro recomendava a seus alu-
nos que começassem e terminassem as jornadas de estudos com
concertos, porque o movimento doce e medido da música fazia
com que a alma entrasse no silêncio dos sentidos, sendo esta igual-
dade e este equilíbrio necessários para as investigações aprimoradas.
Coelius Aurelianus conta que por influência dos sons, os an-
ciãos curavam-se das partes doloridas, sobretudo quando se canta-
va em cima delas de forma que o escalafrio resultante da percussão
do ar os aliviasse. Zenócrates e Celso, no tempo de Augusto, usa-
vam certos instrumentos, em particular o cimbalo, para a loucura.
Estes enfoques nos interessam à luz de nossos conhecimentos
atuais, pois demonstram os aspectos intuitivos de observação de
nossos antecessores.
O mais importante destas elocubrações é reconhecer, nos gre-
gos, o uso da música sem implicações mágicas nem religiosas, mas
exclusivamente atendo-se à situação clínica e à observação.
Assim chegamos ao ano de 1500, onde encontramos um docu-
mento interessante. Trata-se do pintor Hugo Van der Goes, de sú-
bito atacado pela loucura: “... ele acreditava estar perdido e con-
denado às penas do inferno, e queria suicidar-se””. Um caso de me-
lancolia. O conduziram a Bruxelas, onde se chamou o padre supe-
rior Tomás que, depois de examiná-lo, comprovou que o paciente
sofria do mesmo mal que Saul e, recordando como se havia acal-
mado este quando David tocava a harpa, mandou tanger vários ins-
trumentos diante do enfermo e ofereceu-lhe outros espetáculos re-
creativos, com os quais esperava expulsar essas fantasias mentais.

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170 R. 0. 8E NENZON

músi.
Por esta mesma época, o espanhol Ramos de dare, cuja ntais
ca prática aparece em 1482, associa os q undame
aos quatro temperamentos € seus planetas. o Janus profus corres-
ponde à fleuma e à Lua, O Tonus deutenus à bilise a Marte; o To-
nus tritus ao sangue e à Júpiter; o Tonus tertarus à melancolia e a

nda 1489 aparece Marsílio Ficino e seus discípulos, aos quais


se deve a mais audaz construção teórica, que unea uma doutrina
coerente, a filosofia, a medicina, a música, a magia e a astrologia,
Ficino se esforça por dar uma explicação física aos efeitos da muú-
sica. O ar se sutiliza pela vibração dos sons e se faz análogo ao Spi-
ritus, exercitando e aumentando assim o espirito que habita no ho-
mem. Segundo o parecer de Ficino, o homem melancólico execu-
tará, e às vezes inventará ele mesmo, os ares musicais. Isto vai nos
acercando da Musicoterapia ativa. Continua Ficino: ele cantará e
tangerá a lira. O enfermo e o músico, Saul e David, são agora o mes-
mo individuo. A música não é, pois, uma medicação externa que
um jovem administra a um velho melancólico. É uma operação in-
terna pela qual o melancólico trata de acalmar e equilibrar sua pró-
pria natureza atormentada. De certo modo, é uma operação refle-
xiva e narcisista, que tem sua fonte de gênio melancólico, e que se
propõe temperar uma constituição frágil, cuja desgraça se deve em
grande parte aos êxtases contemplativos provocados pela arte ou
a poesia.
A influência de Ficino será duradoura. Suas idéias sobre a
música as encontraremos, depois, em poetas como Ronsard e até
em um mago e cabalista como Agripa de Nettesheim. Em 1650 em
sua Musurgia universalis, O padre Atanásio Kircher dedica todo um
longo capítulo à magia musúrgico — iátrica: "'se a música não pode
curar todas as enfermidades, pelos menos influi favoravelmente nas
que provêm da bílis amarela e da atrabilis””. Kircher está convenci-
do de que existe uma arte de fascinar os homens com os sons e de
que com estes meios até se pode invocar os demônios. Burton em
sua gigantesca Anatomy of Melancholy, teria reunido todos os
exemplos disponíveis de cura pela música. Inclusive havia acrescen-
tado alguns próprios, que denotam um sentido poético bastante
aguçado: “, :« Uma trombeta que toca de improviso, os sinos lança:
dos ao vôo, a modinha que assobia um carreteiro, uma criança que
cantarola uma
forma, vivifica canção pela rua ao amanhecer; está aí o que trans
e distrai um paciente agitado que não tenha prega
do o olho na noite... | o

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 171

No século XVII, uma grande quantidade de teses doutorais,


dissertações e tratados, se esforçam por provar que as vibrações
musicais dividem, sutilizam, atenuam as espessas matérias da atra-
bilis. É interessante analisar que hoje em dia com o emprego dos
ultra-sons se podem dividir as partículas do RNA e DNA, elemen-
tos fundamentais das células.
No século XVIII, preferiu-se falar dos efeitos da música sobre
as fibras do organismo. Lorry, a quem se deve a noção de melanco-
lia nervosa, dedica um extenso capitulo às virtudes da música.
Atribui-lhe um efeito tríplice: excitante, calmante e harmonizante.
Por um efeito mecânico, facilmente compreensível, as vibrações
musicais regulares restabelecem a homotonia das fibras. Chegou-se,
inclusive, a precisões técnicas muito avançadas. Um médico de
Nancy, F. Marquet, escreveu um livro intitulado Nouvelle métho-
de facile et curieuse pour connaitre le pouls par les notes de la
musique, onde descreve um engenhoso procedimento utilizado
para conhecer a regularidade e irregularidade da pulsação. O prin-
cípio é que a pulsação pode ser transcrita exatamente como qual-
quer minueto, utilizando a notação musical.
Outro livro, chamado Memoire sur la maniêére de guérir la me-
lancolie par la musique de Pierre Buchoz, precursor de um dos
princípios de ISO, nos diz: ”... a música que deve empregar -se
para curar os temperamentos melancólicos secos, tem que começar
com os tons baixos e elevar-se depois, insensivelmente, até os mais
altos; graças a esta gradação harmônica, as fibras tensas, acostu-
madas aos diferentes graus de vibração, se afrouxam paulatinamen-
te”. Em outro parágrafo diz: “Há que recorrer à música simples,
sonora e agradável; esta música que faz cócegas agradavelmente,
estimula a linfa espirituosa, dissolve os líquidos e os faz mais ade-
quados para os movimentos”. Este texto nos mostra de modo mui-
to ingênuo o desejo "científico" de dar uma imagem clara e preci-
sa do mecanismo, segundo o qual o físico da audição influi sobre o
moral. Joseph Mason Cox coloca a música entre as distrações que
afastarão o ânimo do paciente dos tristes objetos que o agitam.
Trata-se de fixar a atenção do enfermo, de obrigá-lo a que se inte-
resse por algo diferente das penosas idéias que continuamente está
ruminando. Pode-se pedir que faça nós, ou que teça, ou também
incitá-lo a escutar música.
Para terminar com esta primeira etapa empírica, mescla de
magia, sugestão e racionalização, referir-me-ei a Esquirol, psiquia-

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172 R. O. BENENZON

e
tra francês, célebre discípulo de Pinel, por volta do ano de 1800,
ao médico suíço, André Tissot. Esquirol comenta: “. tive que
provar a música como meio de curar os alienados; a provei de todas
as classes e maneiras e nas circunstâncias mais apropriadas para o
êxito. As vezes, chegoua irritar atéo furor, com frequência, parecia
distrair, porém não posso dizer que tenha contribuído para curar.
Tem resultado propício aos convalescentes. ...” Tissot distinguia
entre “música incitativa”” e “música calmante” e considerava como
uma vantagem da terapêutica musical o que sem causar a menor
“pudes ia suprim
moléstse ir mo o fazia esquecer a doença, ainda quando não
ao enfer
a causa do mal. Tissot estimava que unicamente
na epilepsia estava contra-indicada a música, pois com frequência
podia provocar diretamente o ataque. Profundo conceito de obser-
vação, que é confirmado mais tarde com os casos descritos com o
nome de epilepsias musicogênicas, que tratei no tema de contra-
indicações.
Creio que todos estes elementos históricos referidos são um.
subsídio histórico aos fundamentos que sobrevêm ulteriormente,
como uma disciplina científica da Musicoterapia.

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CAPITULO 15

DESENVOLVIMENTO E EVOLUÇÃO
DA MUSICOTERAPIA

Devemos começar por distinguir quais são 06 limites entre


educação musical e Musicoterapia. Para isto recorremos a um dos
precursores da Musicoterapia, que não a exerceu, porém foi um ex-
traordinário educador. Refiro-me a Jacques Emile Dalcroze, nas-
cido em Viena em 1865, falecido em Genebra em 1950, chamado
o criador da rítmica. Dalcroze dizia que ''a música deve desempe-
nhar um papel importante na educação em geral, pois ela responde
aos desejos mais diversos do homem; o estudo da música é o estu-
do de si mesmo”. O organismo humano é susceptível de ser educa-
do eficazmente, conforme a ordem e impulso da música; porque o
ritmo musical e o corporal são o resultado de movimentos sucessi-
vos, ordenados, modificados e estilizados que formam uma verda-
deira identidade. Seus alunos impregnados de seus princípios foram
os pioneiros da terapia educativa musical.
Um deles, A. Porta, deu em Genebra, em 1917, o primeiro
curso de rítmica para crianças anormais; Llongueras, sobre ritmi-
ca para cegos, em Barcelona em 1918; Scheiflauer, para crianças
surdas, em Zurique em 1926. Dalcroz: abriu as portas à terapia mu-
sical porque rompeu com o esquema rígido da escoléstica musical,
permitindo o descobrimento e contato direto com os ritmos do
ser humano, único ponto de partida para a comunicação com o
enfermo.
Hoje, Edgard Willems, em Genebra, mantém ainda integrado
dentro dele mesmo essa dualidade de educador e terapeuta, sem
definir-se, introduzindo-se em problemas metafísicos, muitos deles
difíceis de enfocar. Nos Estados Unidos, desde a Primeira Guerra
Mundial, os hospitais de veteranos contratavam músicos profissio-
nais como “ajuda musical"; prepararam, assim, o caminho para a

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174 RO
| BENENZON

Musicoterapia. Os resultados positivos de algumas desaas experiên-


esn eu, cada vez
cias atraíram o interesse dos médicos € se compr para fazer do
mais, a necessidade de um treinamento especifico
de profissionais
músico um terapeuta. Assim, em 1950 , UM grupo
iação
fundou a National Association for Music Therapy. Esta assoc
edita uma revista, realiza todos os anos um CongressoanosNacio nal,
que dura quatro e outor-
dita um curso de musicoterapeutas
ga o diploma de R.M.T. (Registers Music Therapy) de nível uni-
versitário. .
Os egressados prestam serviço em todos os centr os importan-
tes de enfermidades mentais, hospitais, institutos, escolas diferen-
ciais e universidades. Na atualidade, existe grande demanda de mu
sicoterapeutas que aumenta dia a dia pelos êxitos dos já existentes.
Em 1958 fundou-se na Inglaterra a Society for Music Thera-
py and Remedia! Music cuja principal promotora é a musicotera-
peuta Juliette Alvin.
Atualmente seu nome foi mudado para o de British Society
for Music Therapy, cuja função principal é reunir informação dis-
ponível, procedente de distintas partes do mundo, e desempenhar-
se como consultora ou assessora nos múltiplos aspectos que interes-
sam ao empreqo terapêutico da música. Dita um curso para pós-
graduados, que tem o reconhecimento oficial e que lhe permite
estender um diploma de musicoterapeuta. Também edita um bo-
letim.
Na Academia de Música de Viena, a partir de 1958, criaram-
se cursos especializados para jovens musicoterapeutas. Estes cursos
têm uma duração de seis semestres, quatro deles dedicados à teo-
ria e dois à prática, a qual realiza-se em hospitais e clínicas sobre
psiquiatria e neurologia. Um dos principais promotores na Áustria
é o professor Alfred Schmolz.
Na França funda-se a Association de Recherches et d'applica-
tions des techniques psychomusicales, cujos promotores têm sido
J. Joste E. Lecourt, e atualmente tem centros regionais como o de
Bordeaux que promove o professor G. Ducourneau. Na Alemanha,
um dos principais condutores do movimento em Musicoterapia,
que inclusive realiza congressos nacionais, é o Dr. Harm Willms.
Na Espanha criou-se a Associacion Espafiola de Musicoterapia
que a senhora Serafina Poch dirige.
Na Itália funda-se em Bolonha a Associazione Italiana Studi
di Musicoterapia.

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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 175

Na América Latina se produziu um importante movimento


Cedinas Jd8s Primeiras jornadas latino-americanas de Musicoterapia,
de raid a uenos Aires, Argentina, em 1968, que tive a honra
GAS Idir. A partir desse ano colaboro na fundação da Associação
ul. asileira de Musicoterapia de Porto Alegre, Brasil; a Associa-
ção Brasileira de Musicoterapia no Rio de Janeiro, Brasil;
a Asso-
Ciação de Musicoterapia do Paraná, Curitiba, Brasil; e Associação
Paulista de Musicoterapia, São Paulo, Brasil. Promotoras destas as-
sociações têm sido Di Pancaro, Cecília Conde, Doris Hoyer de Car-
valho, Clotilde Espínola Leinig e Clementina Nastari.
Também colaborei, em 1969 para fundar a Asociación Uru-
guaya de Musicoterapia, presidida pela professora Lyda Flores; no
Perú a Asociación Peruana de Musicoterapia, que é presidida pelo
Dr. David Jauregui Camasca.A Asociación Venezoelana de Músico-
terapia, presidida por um egressado da Universidade del Salvador
da Argentina; o M.T. Pablo Golstein; a Asociación Mexicana de
Musicoterapia, presidida pela licenciada Lilian Mitrani; a Asocia-
ción Ecuatoriana de Musicoterapia, a Asociación Colombiana de
Musicoterapia, presidida pelo licenciado Bernardo Benjumea
Munôz; a Asociación Antioquefia de Musicoterapia de Medellin,
Colombia; a Asociación Puertorriquenia dé Musicoterapia presidida
pelo Dr. Rafael Rivera Colón.
Existem também no resto do mundo a South African Asso-
ciation of Music Therapy, a Association Suisse de Musicotherapie.
Na Argentina fundei junto com outros especialistas, a Asocia-
ción Argentina de Musicoterapia. Em 1968 realizaram-se as primei-
ras jornadas latino-americanas de Musicoterapia. Nesse mesmo ano
fundo o curso de Musicoterapia no Instituto de Otoneurofoniatria
da Faculdade de Medicina da Universidad del Salvador em Buenos
Aires, que hoje chama-se Escuela de Disciplinas Paramédicas, cujo
programa e curriculum detalhei no tema respectivo da formação
do musicoterapeuta. Em 1969, realiza-se o Primer Simposium
Argentino de Musicoterapia, que teve como objetivo fundamental
informar as equipes científicas argentinas sobre o alcance da Musi-
coterapia como auxiliar da Medicina.
A partir desse momento vislumbrou-se a necessidade de esta-
belecer-se os limites precisos entre a educação musical e a Musico-
terapia, para evitar que se desvirtuasse o trabalho do musicotera-
peuta. Foi assim que surgiu a fundação da Asociación Médica de
Musicoterapia.

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176 R. O. BENENZON

Finalmente, no ano 1977, funda-se a Asociación de Musico.


terapeutas Graduados da República Argentina, formada pelos gra.
duados do curso de Musicoterapia, que tem objetivos definidos na
proteção do profissional e de seu trabalho. Em 1971, realiza-se o
Primer Congreso Interamericano de Musicoterapia, onde se faz
notório o estudo do som como elemento científico do trabalho do
musicoterapeuta. A nível internacional, realiza-se em Paris o Pri.
mier Congrês Mondial de Musicotherapie no ano de 1974, e em
1976 realiza-ze o Segundo Congresso Mundial de Musicoterapia,
em Buenos Aires.
Indubitavelmente, o movimento e o desenvolvimento da Mu-
sicoterapia nestes últimos anos tem crescido rapidamente, fato que
se vislumbra não só pelos acontecimentos de ordem científica que
se sucedem mas também pela bibliografia que começa a aparecer,
cada vez mais profunda, sobre o tema; porém, mais ainda, porque
a Musicoterapia começa a estar em mãos dos musicoterapeutas.

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INDICE ANAL ÍTICO

serófono 59, 92
aquecimento e catarse 84
autismo 140
batimento cardíaco 27, 29, 33, 35, 36, 47, 102, 144
canais de comunicação 11, 19, 149
caracterologia musical 6%
complexo não-verbal 18, 60
complexo som/ser humano 11, 21
complexo K 26
cocleografia 159
co-terapeuta 88
criança autista 19, 140
diálogo sonoro 80 —
dislexia 30
disritmias latentes 13
DNA 26
efeitos regressivos 11, 17
endocultura 50
ergógrafo de Mosso 12, 24
epilepsia musicogênica 13, 107, 113
esquizofrenia 143
estereotipias 149
estímulos estereotipados 152
estímulos estereotipados anômalos 153
estocástica 34
etnocentrismo 50
expressão corporal 64
fenômenos acústicos 34
ficha musicoterapêutica 72, 141, 142
gestalt 44
hiperestimulação 151
hiperestimulação indiscriminada 162
iatrogenia 9
idiófonos 57, 59, 92
identidade sonora 45
imprinting 31, 46
infra-sons 12
instrumentos líderes 56
instrumentos primitivos 42
ISO 32, 43, 47, 60, 63, 71, 83, 87, 135

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182 R. O. BENENZON

85,87
ISO complementário 44, 51,
ISO cultural 45, 49, 51,57
ISO do terapeuta 44, 85
ISO gestalt 44, 46, 51, 85, 87,131
ISO grupal 44, 45, 49,51
ISO universal 44, 46, 47
mãe-substituta 146
marimba 58
membranofones 49, 57, 59, 92
metalofones 58
música concreta 33, 120
música de fundo 106
música eletrônica 115
música funcional 102, 105
núcleos regressivos 62
objeto intermediário 47, 49, 84, 145
objeto integrador 49, 51, 58, 84
par terapêutico 155
pensamento não-verbal 34
psicodrama 47, 65
psicodança 64
quistos de comunicação 149, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 163
reflexo de Moro 37
reflexo psicogalvânico da pele 24, 25
- regressão 17
região umbilical 32
sala de Musicoterapia 53
sessão de Musicoterapia 84
silêncio funcional 106
sintetizador eletrônico 54
simbiose 143
sonoterapia 13
sons caracteropáticos 117
sons corporais 73
sons eletrônicos 116, 117, 144, 146
sons regressivogenéticos 18
tálamo 22
tambor de fenda 42
tempo verbal 59
terapia não-verbal 10
terapia ocupacional 60
teste projetivo sonoro 15, 119
testificação do enquadre não-verbal 71,81
tumbadoras 56
ultra-sons 13, 14
xilofones 58

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A Musicoterapia se ocupa do estudo

do complexo som/ser humano. Do ponto


PT Ce) ATA RC
e)
uma disciplina paramédica que PES
para pro
som, a música € O movimento,
a a ARA Leia LA de
NELAS TIO
comunicacã o, com o objeti vo de em:
Aa ZA ado através deles, o processo de
treinamento e recuperação do paciente,
Tc E Ie
e OE
DO ToDei AR Te RA idos THOR
de paramédica jovem, porém com sufi-
cientes fundamentos cientificos de or-
dem clínico-terapéutica que permitem
estabelecer uma metodologia de trabalho
e uma série de técnicas capazes de ser de-
senvolvidas.
O objetivo do autor deste manual
consiste em “brindar o profissional inte-
grante de uma equipe de saúde, qualquer
que seja sua especialidade, com um co-
nhecimento amplo do campo que abarca
a Musicoterapia e ao especialista, um
aprofundamento de estruturas metodoló-
gicas de trabalho terapêutico e de inves-
tigação.

No
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