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CONCURSO UFRN – CERES - LÍNGUA PORTUGUESA


NOTAS DE ESTUDOS

1. Fonética e fonologia da língua portuguesa: análise e ensino.

Falar é tocar um instrumento de música, o mais perfeito de quanto


harmônios têm sido inventados.
(Carvalho, 1910).

No presente texto, discuto alguns aspectos das áreas de fonética e de fonologia e, para isso,
primeiramente, apresento algumas características dessas áreas, explicitando seus conceitos-
chave. Em seguida, reflito sobre a interface entre fonética e fonologia e teço considerações sobre
estas e o ensino de língua materna.
São notórios o interesse e a curiosidade do homem a respeito de sua capacidade de falar.
Comumente, é motivo de discussão as variações fonético-fonológicas que se estabelecem entre os
indivíduos, sobretudo, quando se trata do “sotaque” empreendido pelas pessoas, apenas para citar
um exemplo.
Podemos dizer que a fala humana é uma atividade natural, intrínseca à espécie e anterior
ao sistema de escrita. Sua organização se dá por meio de unidades sonoras que se combinam para
expressar diferentes ideias. Assim, se quisermos compreender o que ocorre quando expressamos
os sons, podemos seguir dois caminhos: o primeiro, observando as atividades fisiológicas que nos
fazem falar, o segundo, observando os elementos sonoros que, diferentes uns dos outros, se
combinam para formar as diferentes palavras que compõem o nosso léxico. Ou seja, é essencial a
observação de aspectos fonéticos e fonológicos. Mas, o que é isso?
Para compreendermos como se articulam as unidades sonoras é necessária uma
investigação ancorada na fonética, uma área dos estudos da linguagem que examina os sons como
entidades físico- articulatórias, isto é, a partir da descrição de suas particularidades articulatórias,
acústicas e perceptivas. Por exemplo, a palavra tia pode ser pronunciada como [tia] no falar
nordestino e [tʃia] no falar carioca, na qual a diferença entre as duas pronúncias se distingue em
relação aos dois sons vocais diferentes, de modo que essa variação sonora não impede que os
falantes de português reconheçam a palavra como sendo a mesma e pertencente a sua língua.
Os sons são regulados por um sistema abstrato inerente às línguas naturais, de maneira
que há regras gerais e particulares para a organização desses sons. À fonética cabe os métodos
para descrever, classificar e transcrever os sons da fala, operando, assim, com a substância da
expressão.
O exame dos sons perpassa compreender sua produção pelo aparelho fonador, um
conjunto de órgão que, atuando harmoniosamente, permite a manifestação sonora a partir de
vibrações com frequências, intensidades e durações específicas geradas por uma corrente de ar
que sai dos pulmões e percorre esse aparelho. Cabe elucidar que os seres humanos não possuem
um órgão específico e primário para a fala, mas tomam “emprestado” para a produção dos sons as
partes do corpo utilizadas para mastigar, engolir, respirar ou cheirar. O ramo da fonética que
examina as propriedades fisiológicas e articulatórias dos sons é denominada de fonética
articulatória.
O aparelho fonador é formado por três sistemas: o sistema articulatório (composto por
faringe, língua, nariz, mandíbula, palato, dentes e lábios), o sistema fonatório (que engloba
laringe, onde estão as cordas vocais e a glote) e sistema respiratório (constituído de pulmões,
músculos pulmonares, brônquios e traqueia). Tomados juntos, esses sistemas são responsáveis
pela produção dos sons da fala. Por exemplo, o pulmão funciona como uma câmara iniciadora da
corrente de ar; por sua vez, a cavidade nasal atua como uma câmara de ressonância; a língua
trabalha como um articulador que modifica a corrente de ar que vem dos pulmões. Desse modo,
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cada um desses órgãos possui funções específicas na elaboração sonora, cuja corrente de ar inicia
no pulmão e percorre o aparelho fonador provocando as vibrações que geram os sons.
É importante frisar que existe um número limitado de sons possíveis de serem produzidos,
assim é impossível produzir um som em que a língua toque na ponta do nariz, mas é possível
produzir um em que a língua toque no palato. Em linhas gerais, estima-se que um conjunto de 120
símbolos seja suficiente para representar os sons das línguas naturais.
A unidade de estudo da fonética denomina-se fone (ou segmento), isto é, os sons
produzidos na linguagem humana. Em termos linguísticos, o fone é uma unidade da parole. Em
português, a pronúncia da segunda consoante em março é bastante variável, a depender da região
do país, e pode ser representada pelos fones [r], [x], [ʀ], [ɹ], [ʁ], [h], [ɪ]. O fone configura-se como
um conjunto de traços que se combinam, os quais podem ser divididos em três grupos: consoantes,
vogais e glides (semivogais).
Na produção dos fones, o uso do sistema laríngeo, ou fonação, é um aspecto fulcral. As
cordas vocais presentes na laringe abrem-se e se tensionam, em maior ou menor medida, a
depender do som produzido; além disso, a glote pode assumir diferentes estados, ficando mais
fechada, como ocorre na oclusão glotal, ou menos fechada, como nos sons murmurados e
tremulados. Esses elementos, juntos, são responsáveis pela produção do som no processo
fonatório.
Em português, do ponto de vista articulatório, os sons são produzidos por uma corrente
de ar que advém sempre dos pulmões e se dirige para fora (egressiva), podendo fazer vibrar as
cordas vocais (som vozeado ou sonoro) ou não (som desvozeado ou surdo). Essa corrente pode
sair pela boca (como os fones orais [b], [s], e [a]), pela cavidade nasal (por exemplo, os fones nasais
[n], [m] e [ñ]) ou pelos dois ao mesmo tempo (como os fones nasalizados [ã], [õ]).
Os segmentos consonantais são vibrações aperiódicas produzidas a partir de algum tipo
de obstrução no trato vocal, impedindo parcial ou totalmente a passagem de ar. A classificação
das consoantes depende de certos critérios que serão assinalados sumariamente aqui. Levando
em conta o articulador, isto é, qualquer unidade da área orofaríngea que participa da
manifestação do som, podemos classificá-los como ativos (dotados de movimento, como lábios,
língua, úvula etc.) ou passivos (arcada dentária, alvéolos, abóbada palatina). Quando dois
articuladores entram em contato é assinalado o ponto ou área de articulação onde ocorre esse
encontro. A partir disso, pode-se observar, ainda, o modo de articulação, compreendido como a
estritura ou graus de fechamento da cavidade orofaríngea durante a passagem da corrente de ar.
Por oportuno, cabe acentuar que o trato vocal é um continuum, de modo que não há
fronteiras rígidas entre os pontos para a produção de sons, o que permite diversos processos
fonético-fonológicos que culminam em variação e mudança linguística.
De acordo com Callou e Leite (1994), o critério ponto de articulação configura os
segmentos em: bilabial, labiodental, dental, alveolar, pós-alveolar, retroflexo, palatal, velar, uvular,
faringal, epiglotal e glotal. Já o critério modo de articulação forma sons de acordo com dimensão
de abertura/fechamento da cavidade orofaríngea, os quais são categorizados como oclusivo,
africado, fricativo, laterai, vibrante (simples – uma batida no articulador – e múltipla – várias
batidas), flepe, tepe, flepe lateral, aproximante e aproximante lateral. É possível que um
articulador secundário atue no modo de articulação provocando a labialização, a palatalização,
a velarização e a faringalização.
As consoantes também são classificadas quanto ao critério de nasalidade, isto é, sons que
escoam pela cavidade bucal (som oral) e aqueles que passam pela cavidade nasal (som nasal),
além do critério correspondente ao vozeamento (sons vozeados e desvozeados).
Esclarecidos esses pontos, vale ressaltar que, numa descrição do segmento consonantal,
obedece-se a seguinte ordem: modo de articulação, ponto de articulação, grau de vozeamento e
nasalidade/oralidade. Assim, em português, [p] é uma consoante oclusiva bilabial surda. Para
transcrever os sons de uma língua, são usados símbolos convencionalizados pela Associação
Internacional de Fonética.
Os segmentos vocálicos são sons produzidos sem a obstrução no trato vocal, o que
permite a passagem livre de ar, sem interrupções. A variação entre os sons vocálicos se dá quanto
à forma e ao tamanho do trato vocal. Em oposição aos sons consonantais, as vogais são sons
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periódicos complexos, constituem o núcleo de sílaba e podem receber acento de tom e/ou
intensidade.
Os sons vocálicos são classificados de acordo com o modo como a língua avança ou recua
em relação à abóbada palatina (vogais anteriores, centrais e posteriores), bem como a altura do
corpo da língua (vogais altas, médias e baixas) e ausência ou presença de protrusão labial (vogais
arredondadas ou não arredondadas). Considerando esses aspectos, a vogal “u” de rua é
classificada como vogal posterior, alta, arredondada e “a” uma vogal central, baixa, não arredonda.
Como a produção dos sons vocálicos é bastante variável, costuma-se representá-los por
meio de um diagrama em formato de trapézio cujos sons vocálicos estão localizados idealmente,
a fim de delimitar uma certa referência para a localização das vogais reais existentes nas línguas.
Essas vogais idealizadas são tachadas de cardeais.
É necessário evidenciar a existência de glides (ou semivogais), isto é, fones que se
caracterizam por permitir a passagem do ar sem que haja obstrução ou fricção, os quais ressoam
no centro do trato vocal. Além disso, os glides possuem um espaço vertical para a passagem de ar
mais estreito do que as vogais a que são associadas (como em xixi e urubu).
Do ponto de vista articulatório, quando o jato de ar se configura sucessivamente, há a
formação de sílabas. Explicam Callou e Leite (1994) que a definição da unidade silábica é de difícil
definição, embora, os falantes nativos intuitivamente percebam tal unidade. Em termos de
percepção, a sílaba constitui-se de aclives, ápices e declives de sonoridade. Os aclives e declives
configuram-se como as margens da sílaba e determinam suas fronteiras, lugares preferidos das
consoantes, ao passo que o ápice é o seu núcleo ou centro, ocupado por sons de alta sonoridade
(vogais, por exemplo). As consoantes ocupam, preferencialmente, as margens da sílaba, na mesma
linha, os glides não preenchem núcleo de sílaba, nem são acentuados. Sílabas cujo declive possui
consoante são tomadas como travadas (mar), por outro lado, a ausência de consoante classifica a
sílaba como aberta (má).
Embora um indivíduo tenha características específicas em sua fala, seu idioleto, há
aspectos que são compartilhados com outros indivíduos. Essas porções compartilhadas permitem
que esses indivíduos se reconheçam como falantes de uma determinada variante (dialeto) e se
comuniquem por meio dela.
Na investigação dos sons, nem sempre fica nítida a fronteira entre fonética e fonologia,
de modo que esses dois campos podem ser tomados com interdependentes. Como vimos, a
primeira trabalha com os sons propriamente ditos e opera com a substância da expressão, já a
segunda lida com o modo em que esses sons são expressos em contexto de uso, ou seja, com a
função, a organização, as diferenças e contrastes desses sons, por exemplo, as diferenças sonoras
combinatórias entre uma língua e outra.
No que tange à fonologia, podemos afirmar que os fonólogos lidam com a organização
mental da linguagem, com as distinções sonoras concernentes às línguas, ou seja, estabelecem
quais são os sons que servem para distinguir uma palavra de outra, as regularidades de
distribuição dos sons captadas a partir daquilo que o falante produz, ou ainda, quais são os
princípios que determinam a pronúncia das palavras, frases e elocuções de uma língua.
A fonologia torna-se um campo de estudos distinto da fonética na primeira metade do
século XX, a partir do interesse pela função linguística dos sons da fala e da investigação feita pelo
Círculo Linguístico de Praga. Desde então, são estabelecidos os sons de fala pertinentes à descrição
linguística, pois esses trazem distinções que afetam o sentido. Por exemplo, em português, a
diferença entre as palavras chato [ʃ a t u] e jato [Ʒ a t u] é a realização dos sons /ʃ/ e /Ʒ/,
respectivamente, que são consoantes distintas do português. Nesse caso, embora o som não tenha
um significado subjacente, coopera para que se distingam os elementos do paradigma, nesse caso,
os conceitos de chato e jato.
Dado o caráter da dupla articulação intrínseco à língua, é possível verificar que há
unidades linguísticas que são desmembráveis, por exemplo, o vocábulo garotas pode ser
desmembrado em termos morfológicos em garot-a-s, bem como a partir de uma divisão em
unidades sonoras [ɡ a ɾ o t a S]. Estas unidades menores, linearmente segmentáveis, não dotadas
de significado, mas que permitem a distinção de significado, são os fonemas.
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O conceito de fonema é ampliado a partir da década de 1920, visto que, num primeiro
momento, antes dessa data, foi considerado uma unidade de som (o que hoje conhecemos como
fone). Mais tarde, passou a ser tomado como (a) uma entidade psíquica e (b) uma entidade
funcional e abstrata. Para esclarecer, explicamos: no estudo de Courtenay, o fonema é apontado
como o som ideal, uma espécie de protótipo psíquico em que o falante se espelhava para tentar
alcançar. No entanto, essa ideia foi reformulada pelo Círculo Linguístico de Praga a partir da
dicotomia saussureana langue-parole. Desse modo, o fonema é uma unidade da língua (langue) e
os sons ou fones uma unidade da fala (parole).
Na esteira das ideias saussureanas, podemos afirmar que os fonemas, assim como as
unidades da língua, são entidades opositivas, isso significa que os fonemas se caracterizam por
não serem confundidos uns com os outros. Trubetzkoy assinalou o fonema como a unidade
mínima distintiva do sistema de som, a menor unidade fonológica da língua, com caráter funcional
abstrato. O estudo de Bloomfield assentou o fonema como uma unidade mínima de traço fônico
distintivo, indivisível (Callou; Leite, 1994).
Dada essa configuração, o fonema pode ser visto como um feixe de traços distintivos, isto
é, os fonemas possuem propriedades que os distinguem uns dos outros, bem como se configura
como uma unidade não suscetível de dissociação em unidades inferiores ou mais simples (traços
fônicos). Essa visão do fonema evidencia o papel funcional que o elemento fônico desempenha
numa língua. Para exemplificar, podemos verificar características do fonema /p/ na palavra
/’pata/, tomamo-nos como uma unidade, pois observamos apenas esse singular elemento; logo,
essa unidade é mínima, porque não pode ser reduzida a um elemento menor do que ela, bem como
consideramo-la distintiva, uma vez que, assim como outros fonemas, tem por propriedade formar
palavras diferente e proporcionar diferentes sentidos.
Ainda a título de exemplo, consideremos /f/ e /v/, que se diferenciam pela propriedade
do vozeamento, uma vez que o primeiro é surdo, e o segundo é sonoro. Esses traços são avaliados
do ponto de vista articulatório, acústico ou perceptual. À medida em que os elementos agrupam
um conjunto de traços distintivos em comum, delineia-se uma classe natural. Um exemplo de
classe natural do português é / p, f , t, s, ʃ, k /, pois compartilham o traço [- sonoro]. Segundo Callou
e Leite (1994, p. 37), “a gramática de uma língua informa quais as unidades fonológicas,
distintivas, de uma língua, quais traços fonéticos são fonológicos e quais são não fonológicos ou
predizíveis”. Cabe à fonologia o exame dos traços distintivos, à fonética, todos os traços.
Desse modo, dois sons diferentes, mas materialmente semelhantes podem funcionar como
se fossem o mesmo elemento ou como elementos diferentes. Quer dizer, o mesmo som encontrado
em sistemas linguísticos distintos pode apresentar valores diferentes, a depender de suas relações
com os demais elementos existentes.
Os traços distintivos (funcionais, pertinentes ou relevantes, na literatura especializada)
são as unidades mínimas, contrastivas, que cooperam na distinção dos elementos lexicais. Esses
traços permitem o reconhecimento de um som, ainda que suas realizações sejam diferentes, já que
o indivíduo não realiza identicamente duas vezes o mesmo som. Nesse viés, uma diferença mínima
entre duas unidades da língua configura-se como um traço distintivo.
É válido explicar que certos elementos constantes numa unidade não resultam
necessariamente em oposição. É o caso das consoantes [t] e [d] diante de [i] na língua portuguesa,
sobre as quais frequentemente incide o fenômeno da palatalização sem que nenhum par de
palavras se oponha e, mesmo assim, o significado da palavra será sempre o mesmo. O que se
considera como oposto é o fato de que duas unidades comungam certo(s) traço(s), mas se
distinguem em outro. Por exemplo, [t] e [d] compartilham os traços oclusivo e alveolar e se
distinguem quanto ao vozeamento, pois a primeira é [- sonora] e a segunda [+ sonora].
Em síntese, a língua portuguesa comporta 26 fonemas segmentais (19 sons consonantais
e 7 sons vocálicos – dentre esses, 3 arquifonemas) e um fonema suprassegmental, o acento tônico,
que equivale a uma qualidade superposta em certos segmentos. A fim de identificar os fonemas
numa língua natural, é comum o teste de comutação, em que há a substituição de uma parte
fônica por outra com o intuito de se identificar a formação de um outro vocábulo, como em pala:
bala: mala: sala: fala: vala, entre outros.
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O fonema está sujeito à variação, de forma que são variantes os sons que realizam um
mesmo fonema. Tendo em vista que a variação é inerente à língua e está condicionada a fatores
extra e intralinguísticos de forma predizível até no nível do idioleto, não é surpresa que o fonema,
como parte do sistema linguístico, também esteja submetido à variação.
As variantes de um fonema, também chamadas de alofones, podem ser de várias espécies,
como posicionais, regionais, estilísticas, livres ou facultativas. As primeiras são o principal interesse
dos foneticistas, uma vez que decorrem do contexto fônico em que se realizam, como é o caso já
citado aqui da palatalização de [t] e [d] diante de [i]. Outra amostra pode ser notada na palavra
tosco (cujo significado remete a algo grosseiro, não lapidado), em que é observada sua realização
como [t o s k u] e [t o ʃ k u], a critério da região do país. Apesar dos sons [ s ] e [ ʃ ] estarem presentes
nessas produções, as duas palavras não possuem sentidos distintos, são, portanto, variantes. Para
representar as variantes de fonema na transcrição fonológica, é geralmente usado o alofone mais
comum.
Numa língua particular, para que sejam estabelecidos seus fonemas e alofones, recorre-se
à noção de pares mínimos: duas sequências fônicas que se distinguem apenas por um fonema
como em pato e bato, em que a distinção é vista somente pelo traço do vozeamento. No entanto,
se o par mínimo for composto por tato e bato, a diferença se observará no traço vozeamento e no
ponto de articulação, uma vez que t é [- sonoro] e alveolar (produzido com a ponta da língua na
arcada alveolar) e b é [+ sonoro] sonoro e bilabial (produzido pelo estreitamento do espaço entre
os lábios).
Para se chegar à noção de par mínimo, são analisados, via teste de comutação, ocorrências
em que há pares suspeitos de serem mínimos. O significante em um único ponto é alterado, a fim
de que se verifique se ocorre mudança de significado. Se a mudança for confirmada, trata-se de
pares mínimos, como o caso do som vozeado e seu correspondente não-vozeado em cato e gato.
Na impossibilidade de se estabelecer um par mínimo para um par suspeito (ou um par “quase
mínimo”), cuja diferença reside em dois pontos distintos, pode-se empregar pares de palavras que
exibem ambientes idênticos, a fim de se indicar a ocorrência de dois fonemas distintos, ou pares
análogos, como ocorre em oro (ação de orar) e coro (conjunto de cantores).
Outra ideia importante na fonologia diz respeito às noções de arquifonema e
neutralização. Para a compreensão destes, considere as palavras tipo [t ʃ i p u] ou [t i p u] e terra
[t ɛ x a] e [t ɛ h a]. As realizações de cada palavra do par preservam o mesmo significado. No
entanto, se na palavra tipo ocorrer uma troca de i por a, não há possibilidade de sua realização
com [t ʃ ], pois esse som ocorre diante de vogal alta anterior, é um caso de alofone posicional. Em
uma palavra como torre, a pronúncia pode ser como [t o x I] ou [t o h I], ou seja as realizações [x]
e [ h ] independem de ambientes fonológicos, pois são alofones livres. Ainda, quando um fonema
pode ocorrer em qualquer contexto, diz-se que possui variação livre, como em dor [d o h], [d o ɾ]
e [d o x], em que o “r” em posição final de sílaba pode se realizar de vários modos.
Se um ou mais fonemas perdem a distinção entre si em um determinado contexto ocorre
neutralização fonêmica. Para registrar esses casos numa transcrição, é utilizado um símbolo
representativo denominado arquifonema. Este expressa a perda de contraste fonêmico, ou seja, a
neutralização de um ou mais fonemas em dado contexto. No exemplo de r, para sinalizá-lo em
posição final de sílaba ou palavra, podemos utilizar o arquifonema /R/.
Enquanto a fonética descreve isoladamente os fones, os sons da fala, a fonologia aproveita
esses conhecimentos descritivos para analisar esses sons em contexto, formando palavras com
sentidos diferentes (como /’pata/ versus /’bata/). Callou e Leite advogam a integração entre
fenômenos fonético-fonológicos, visto que destacam a necessidade de se levar em consideração
tanto os processos fônicos que ocorrem nas palavras isoladamente quanto as modificações que
sofrem as palavras por influência de outras com que estão em contato no enunciado. Observe o
quadro sinóptico comparativo entre as áreas:
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Fonética Fonologia
Ocupa-se dos sons da fala Ocupa-se das unidades mínimas distintivas
Tem como objeto de estudo o fone Tem como objeto de estudo o fonema
Descreve os fones Analisa os fonemas
Descreve fones isoladamente Analisa fonemas pela diferença na significação
Baseia-se no ponto de vista físico-articulatório Baseia-se no ponto de vista funcional

No âmbito do ensino, é necessário o conhecimento formativo sobre o domínio fonético-


fonológico, o que permite um estudo conjunto das características fonéticas e fonológicas dos sons,
considerando sua constituição no plano articulatório, assim como no seu uso efetivo. Esse uso se
materializa em possibilidades de estratégias didático-pedagógicas das quais devem lançar mão o
professor de língua portuguesa e/ou pedagogia que realizam um trabalho com linguagem em sala
de aula. Por exemplo, na abordagem fonética, o ponto de partida para uma reflexão inicial simples
pode ser o próprio corpo humano na produção dos sons, de tal modo que o aluno pode observar
o modo como produz seus próprio som (os lábios se tocam, a posição da língua, o modo que lança
a corrente de ar para fora, entre outros).
Vale ressaltar que, o estudo do plano fonético-fonológico é, em certa medida,
marginalizado no âmbito da formação dos profissionais de Letras. Muitas vezes, os alunos não
trazem quase nenhuma formação de fonética e fonologia advinda da educação básica, o que
dificulta o processo de ensino e aprendizagem. Não é raro ouvirmos alunos comentarem que a
disciplina sequer deveria fazer parte do currículo, como se esta não fosse importante para o seu
futuro como professor. Há certo desconhecimento até do próprio aparelho fonador, pouco
explorado em sala de aula pelos alunos, como já mencionado. Fonética e fonologia acabam por ser
transmitidas como um saber que não se volta para as reais percepções que esse ensino deveria
direcionar. Uma alternativa é lançar mão de propostas interdisciplinares, uma vez que, de acordo
com Zabala (1998, p. 40), “qualquer conteúdo por mais específico que seja sempre está associado
e, portanto, será aprendido junto com conteúdos de outra natureza”.
O trabalho com fonética e fonologia em sala compreende algumas contribuições didático-
pedagógicas, por exemplo, a possibilidade de compreender melhor a diferença entre som e letra;
a percepção de que a propriedade distintiva do som perpassa pelo estudo dos processos de
articulação da fala; a compreensão de que a comunicação oral tem por base os processos físico-
articulatórios relativos à produção desses sons. Além disso, o domínio dos fatos e fenômenos do
plano fônico da língua subsidia o entendimento de outros planos da descrição linguística, como a
morfossintaxe, por exemplo.
Não se pode deixar de mencionar a importância que o estudo dos sons tem para a
compreensão do processo de alfabetização, sobretudo, para o entendimento da relação grafema-
som-fonema, muitas vezes, confundida e até mesmo esquecida. Esclarecem Callou e Leite, quando
falamos não realizamos fonemas (entidade abstrata), realizamos fones (entidade concreta), e ao
escrever, representamos tais sons através dos grafemas ou letras. A passagem som < > letra
demanda não somente intuição do falante, mas outros tipos de conhecimento, como o etimológico,
por exemplo.
Nesse sentido, é assente a necessidade de ensinar a escrita de acordo com a ortografia
oficial vigente no país, no entanto, não se pode criar uma língua falada artificial, reprovando como
erradas e feias as pronúncias que são resultado natural das forças internas que governam a língua
(Bagno, 2006).

Processos fonológicos

O sistema linguístico, em todos os seus domínios, está em contínua mutação, fato essencial
para a sobrevivência da língua, uma vez que, assim, o sistema pode acomodar-se às exigências
surgidas no âmbito das mudanças socioculturais.
No que concerne ao domínio fonológico, há processos de mudanças investigados tanto de
um ponto de vista diacrônico, como, por exemplo, os metaplasmos, como de um ponto de vista
sincrônico, como o estudo comparativo das variantes prosódicas dialetais, por exemplo. Desse
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modo, o pesquisador pode averiguar o que mudou do passado para o presente, sejam mudanças
emergentes ou aquelas que caíram em desuso, e prever as possibilidades de mudança, a partir da
observação da variação.
As mudanças nos sons podem ser condicionadas e independentes: a primeira está
conectada ao ambiente sonoro em que o som se manifesta (posição silábica, vizinhança fonêmica,
intensidade etc.), como ocorre na transformação das consoantes surdas nas respectivas
homorgânicas sonoras, quando situadas em ambiente intervocálico (lupu > lobo, site > sede, amicu
> amigo). Especificamente, sustenta-se que, nesse caso, a vibração sonora em ambas as fronteiras
da consoante acaba por impregnar sua própria articulação, de que resulta uma sonorização do
som surdo. Já as mudanças independentes surgem sem uma motivação definida, sendo
considerada do próprio som, independentemente do ambiente sonoro em que se inscreve. No
entanto, há uma crítica a essa possibilidade de mudança incondicionada, pois, cada vez mais,
acredita-se que se trata de mudanças condicionadas cujas causas não são ainda conhecidas.
A analogia é um tipo de mudança sonora que ocorre, subitamente, quando a pronúncia de
uma palavra é diretamente influenciada pela pronúncia de outra palavra com a qual mantenha um
certo vínculo morfológico ou semântico. Por exemplo, a forma esteje: como estar pertence à
primeira conjugação verbal, ainda que seja irregular, a tendência do falante é “regularizá-lo”
analogicamente no presente como em cantar – cante; logo, estar – esteje. Nesse caso, a analogia se
dá por motivação morfológica.
Outra mutação súbita, porque não decorre da lenta ação dos processos fonológicos no
decurso do tempo, é o caso das abreviações, em que há brusca modificação da cadeia fônica, como
em cinema > cine ou fotografia > foto.
As mudanças linguísticas são encaradas, muitas vezes, com acentuada resistência. Para
exemplificar, podemos citar o exemplo do rotacismo, no qual o /l/ é substituído por /ɾ/, em
especial, nos grupos consonantais como é “fragrante” por flagrante e “probrema” por problema.
Esse processo remonta à passagem do latim vulgar para o português, como se pode ver na
evolução de plicare > pregar em textos escritos a partir do século XII (cramar, fragelo, concruir são
amostras encontradas nesses dados seculares). Se considerarmos que os sons /l/ e /ɾ/ são
produzidos pelo nosso aparelho fonador de modo semelhante e em pontos próximos dentro da
boca, podemos supor que, pelo fato de estarem tão próximos, além de serem consoantes líquidas,
possíveis de serem combinados com outros sons consonantais, esses sons se influenciam de algum
modo. O rotacismo é um dos fenômenos que ilustra a resistência à mudança, a julgar pela severa
rejeição sofrida pelos falantes que realizam semelhante modalidade prosódica.
Os processos fonológicos podem ser divididos em quatro tipos: adição, supressão,
transposição e transformação.
A adição é a incorporação de um som na palavra, seja no início da palavra (prótese) como
em mostrar > amostrar, levantar > alevantar, este último com registro desde o século XIII; no
interior da palavra (epêntese), como ocorre na obstrução do grupo consonantal como na
pronúncia de “decepição” para decepção, ou “rítimo” para ritmo, ou “adevogado” para advogado;
e no fim da palavra (paragoge), note-se o caso de estrangeirismos incorporados ao português,
como em club > clube, stand > estande, stress > estresse, nesses dois últimos ocorre prótese e
paragoge ao mesmo tempo.
A supressão ocorre quando determinado som é eliminado no início, interior ou fim de
palavra. No caso da pronúncia de “tá” em lugar de estar, ocorre a elisão dos sons iniciais (aférese),
já em “xicra” no lugar de xícara, o som é elidido no interior da palavra (síncope), fato comumente
observado no encurtamento de polissílabos, sobretudo, quando proparoxítono, como na
manifestação de diminutivos, por exemplo, “principinho” por principezinho, “facinho” por
facilzinho, mas em outros casos também, como “painho” por paizinho. Outro caso de supressão é
a apócope, resultado da queda de um fonema final como em “mandá”, “dizê”, “senhô”, por mandar,
dizer e senhor, respectivamente. Um processo de supressão muito comum na atualidade é a crase:
uma de duas vogais idênticas é suprimida, como em “alcol”, por álcool. Note-se que, em palavras
menos comuns, o hiato de homológas resiste, como em preempção e xiita.
Os processos por transposição dizem respeito aos casos em que há mudança de
disposição do som na cadeia fônica. O hiperbibasmo é um exemplo disso, pois consiste no avanço
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ou recuo do acento de intensidade, possível de ser notado em casos como “monolito” ou “biotipo”
no lugar de monólito e biótipo, respectivamente. Na metátese, um fonema troca de posição para
melhor acomodação eufônica, como se pode ver em “mulçumano” (muçulmano), “estrupo”
(estupro), “aeroporto” (aeroporto). Muitas vezes, seguida a metátese, ocorre ação assimilatória,
como em “atazanar” (atenazar – apertar com tenaz), em que além da metátese recíproca entre /z/
e /n/, ocorreu assimilação do /e/ pelo /a/ tônico.
Dentre os processos de transformação, é notório que a assimilação é o mais frequente,
uma vez que compreende a ação assimilatória de um fonema sobre o outro, de que resulta uma
modificação deste a ponto de ele aproximar-se (assimilação parcial) ou igualar-se (assimilação
total), por exemplo, em “pidido” por “pedido”, a harmonização da vogal pretônica com a alta tônica
resulta de um caso de assimilação total regressiva, visto que a vogal modificada iguala-se à
modificadora e está em posição anterior a essa. Já em surrupiar, forma variante de surripiar, a
assimilação é total progressiva, dado que o fonema modificado é posterior ao modificador. O
processo assimilatório pode nasalizar uma vogal, como em “indentidade” por identidade ou o
inverso como a desnasalização (caso de “home” por homem, “Gilsu” por Gilson).
A diferenciação também é outro processo de transformação. Denomina-se diferenciação
criada, casos como o da ditongação, que consiste no alongamento de uma dada vogal, em posição
inicial de um hiato, além do tempo normal, o que parece criar uma semivogal em decorrência da
variação de timbre. Por exemplo, o nome Andrea, possui um /ɛ/ tônico, em posição inicial do hiato,
que se alonga (traço suprassegmental da quantidade), o que provoca alteração do timbre no
segmento final de sua articulação. Isso pode explicar o fato de esse nome ser representado
graficamente pela letra i “Andréia”. O mesmo movimento ocorre com “freiado” por freado. Um
caso de diferenciação, denominada aprofundada, ocorre nos hiatos átonos do português, como
mágoa e entreabrir, que muitas vezes são pronunciados como ditongos.
A dissimilação também denomina uma alteração fonêmica que diferencia a articulação
de fonemas contíguos, por eufonia, como é o caso de bêbedo (do latim bïbitum), que se difundiu
no Brasil como bêbado, em que a dissimilação parece evitar a sequência de vogais análogas em
favor de uma pronúncia mais clara.

Variação fonológica

Uma língua natural não se constitui de um sistema único e homogêneo, mas apresenta
constante variação e mudança. Nos domínios fonético e fonológico, é útil ter em mente que nem
todas as mudanças fônicas produzidas na fala conduzem necessariamente a uma transformação
fonológica. A mudança pode chegar – ou não - a alterar o sistema linguístico.
A variação linguística não é aleatória, uma vez que ocorre de maneira ordenada,
condicionada por fatores que regulam o uso de uma ou outra variante. Quando certa variação se
estabiliza, dizemos que ocorreu uma mudança. Diante disso, no campo da fonologia, podemos
dizer que o português possui um sistema fonológico que comporta variações diversas,
impulsionadas por fatores internos e externos à língua.
Das variações fonológicas, podemos notar que há aquelas variantes menos “rejeitadas”,
passíveis de serem encontradas em diferentes grupos sociais e outras mais estereotipadas. O fato
é que a variação, em todos os níveis, é inerente à língua e o que parece condicionar a
marginalização ou não de determinada variante são as condições sociais dos falantes que usam
essas variedades menos prestigiadas e não algum aspecto do sistema linguístico per si.
Um fenômeno curioso de variação fonológica no português é a monotongação, que ocorre
quando um ditongo como ai, ei e ou se transforma no som de uma única vogal, como em beijo >
/beju/. A monotongação pode estar vinculada ao contexto, por exemplo, o ditongo “ai” tende à
monotongação em sílabas iniciais ou mediais, mas não em sílabas finais. Esse fenômeno é bastante
comum na oralidade, de tal modo que aparece na expressão sonora dos versos de A banda, de
Chico Buarque (Estava à toa na vida /o meu amor me chamou [chamô]).
Outro exemplo de variação é a deslateralização em mulher > muié, falhar > faiá, em que
o som “lh” /λ/, consoante lateral palatal é elidida. Essa consoante lateral não existia no latim, tendo
surgido no português a partir de alguns processos de transformação tégula > tegla > teyla > telya
9

> telha. Outro caso é o apagamento de /d/ no morfema (-ndo) que marca o gerúndio como em
gostando > gostano. Esses dois fenômenos são mais salientes fonicamente e estigmatizados do que
a monotongação, o que aponta que a variação fonológica é alvo de avaliação subjetiva no seio da
sociedade. A depender dos grupos que apresentam tais variações, essa avaliação tende a ser mais
ou menos positiva.

Notas sobre prosódia


Desde as primeiras gramáticas do português, como a de João de Barros, em 1540, a prosódia
começa a ocupar área de destaque nos estudos sobre a língua. Sua etimologia (do grego pros >
junto e odé > canto) remete, em linhas gerais, à melodia que acompanha o discurso, no sentido de
compreender os sons fundamentais e as modificações musicais suscetíveis a esses.
Em outras palavras, ela é responsável pela melodia da fala, que é formada linearmente por
elementos que se articulam para produzir os sons, mas também por outros elementos
relacionados à ação dos músculos respiratórios. Estes aumentam ou diminuem a energia do fluxo
de ar, acarretando durações, frequência fundamental e diferente intensidade das vibrações
sonoras. Cabe à prosódia, ainda, unidades como inflexões, medida de tempo da pronúncia e o
acento que tonaliza a voz.
No curso das investigações linguísticas, a prosódia não ocupou lugar especial nos estudos
formalistas. Apenas com o surgimento da teoria autossegmental, que trata como níveis
autônomos o acento, o tom, a sílaba e o segmento, a prosódia ocupa lugar de destaque. Nessa linha,
duração, frequência fundamental e intensidade podem ser tomados como termos acústicos para
os correlatos perceptivos quantidade, altura e volume, aos quais se dá o nome de
suprassegmentos.
Do ponto de vista prosódico, o som carrega propriedades intrínsecas, relacionadas às
características acústicas das ondas sonoras. O tom (também chamado pitch) está correlacionado à
frequência da onda sonora, isto é, ao número de vezes que um ciclo completo de vibração das
partículas se repete durante um segundo. Isso significa que a altura do som e, por conseguinte, do
tom, está ligada a um maior número de ciclos de vibração das partículas. Desse modo, a frequência
fundamental está atrelada, do ponto de vista articulatório, às cordas vocais que, sendo mais
delgadas, provocarão maior número de vibrações e maior altura do som.
Por sua vez, a intensidade é decorrente da amplitude da onda sonora (o valor da distância
entre a pressão zero e a pressão máxima da onda). Se a amplitude de vibração das partículas for
maior, consequentemente, a energia desprendida por essas também é maior; logo, maior é a
sensação auditiva de intensidade.
Quando se trata de duração, pode-se tomar o tempo de articulação de um som, sílaba ou
enunciado. Nesse viés, a duração de cada unidade é variável, isto é, ancora-se na velocidade de
elocução. Em linhas gerais, se a velocidade de produção for maior, a duração de cada elemento é
menor.
Em português, o acento de intensidade tem um papel distintivo, como ocorre em palavras
como sábia, sabia e sabiá. Do mesmo modo, as variações de tom fornecem distinções no nível da
frase, por exemplo, na distinção entre frases declarativas (você está feliz) e frases interrogativas
(você está feliz?).
A construção do ritmo das línguas depende da articulação entre duração, intensidade e
frequência. Pode-se dizer que há línguas de ritmo silábico e ritmo acentual. Neste, a duração do
intervalo das sílabas é isocrônico, como ocorre em português em que as sílabas inacentuadas
reduzem sua duração segundo a ocorrência de número delas entre duas sílabas acentuadas; já
naquele todas as sílabas têm duração aproximadamente igual (por exemplo, o francês).
Em linhas gerais, essas propriedades são utilizadas pelas línguas para criar oposições
distintivas (como ocorre nas línguas tonais em que a altura pode sinalizar diferenças de
significado, como no tikuna e no piranhã); para marcar os limites de unidades (o início e o fim de
uma palavra podem ser marcados pelo acento; os limites das unidades prosódicas podem ser
assinalados pela curva de entoação) e para distinguir significados globais de construções frásicas
(como é o caso da entoação de declarativas e negativas).
10

Os traços prosódicos são fundamentais para o funcionamento das línguas, eles agrupam
segmentos nos níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico. Assim, existem constituintes
prosódicos hierarquicamente relacionados que permitem estabelecer padrões prosódicos das
línguas, compará-las e objetivamente analisá-las. São os constituintes: enunciado, sintagma
entonacional, sintagma fonológico, palavra prosódica, grupo clítico, pé e sílaba.
A sílaba, constituinte de nível mais baixo, é uma construção perceptual com propriedades
específicas que não decorrem da simples segmentação fonética das sequências de segmentos. Sua
estrutura interna é hierarquicamente organizada, constituída de ataque (consoante que a inicia)
e a rima, responsável por integrar o restante dos segmentos. A rima possui um núcleo (sua vogal
ou ditongo) e pode possuir uma coda (consoante final). Os segmentos podem seguir o princípio
de sonoridade, o qual assinala uma curva sonora crescente (do início até o núcleo) e decrescente
(do núcleo até o fim).
Acima da sílaba, a palavra prosódica está alinhada à palavra morfológica, esta configura-
se como uma estrutura que envolve radical e, frequentemente, afixos. A palavra prosódica integra
os traços prosódicos, como o acento e possui atributos que a aproximam da palavra morfológica,
porém nem sempre coincide com ela. Por exemplo, a palavra prosódica tem um único acento
principal, ao passo que a palavra morfológica pode ter até dois.
Em português, a posição das sílabas acentuadas está atrelada à estrutura morfológica da
palavra, desse modo, nos nomes e adjetivos com acentuação regular, as sílabas acentuadas
contêm, geralmente, a última vogal do radical (como em mesa, leite, lindo). Há casos excepcionais
em que o acento recai na penúltima vogal do radical (como em júbilo e órfão), além do caso das
formas verbais em que o acento pode recair na última, penúltima ou antepenúltima sílaba a
depender da estrutura morfológica.
O sintagma fonológico constitui a integração de uma ou mais palavras prosódicas, sua
identificação está baseada em noções sintáticas muito gerais como cabeça lexical de sintagma
sintático (uma categoria lexical que pode ter complementos e um especificador), a projeção
máxima da cabeça lexical e o seu lado recursivo (o lado em que se encontram os complementos da
cabeça lexical). Já o sintagma entonacional é caracterizado pela junção de um ou mais sintagmas
sintáticos, além de um contorno identificável. O sintagma entonacional pode ser mais longo,
característica de uma fala mais rápida, ou menor, correspondente a uma fala mais pausada. Além
do que a noção de sintagma entonacional encontra eco na interface entre a fonologia e outros
domínios da linguagem, como sintaxe e semântica.
Cabe evidenciar que o estudo dos segmentos prosódicos apresenta certas dificuldades,
uma vez que, além de sujeitos à grande variação, dependem do registro de fala e, sobretudo, da
velocidade da fala. Os segmentos e fatos prosódicos caracterizam a língua tal como ela é,
organizando-a em um contínuo sonoro. Desse modo, a identificação das características prosódicas
(rítmicas, entonacionais e acentuais) exige uma pesquisa experimental de múltiplos dados, a qual
considere a interface entre todos os fatos prosódicos. Dado esse desafio de pesquisa, os estudos em
prosódia se apresentam, ainda, com lacunas e diversas interrogações.

Referências
CAGLIARI, L. C. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática com especial atenção para o
modelo fonêmico. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2002.
CALLOU, D.; LEITE, Y. Iniciação à fonética e à fonologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
CÂMARA Jr, Joaquim M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis/RJ: Vozes, 1979.
CRISTÓFARO SILVA, Thaís. Fonética e Fonologia do Português: Roteiro de Estudos e Guia de
Exercícios. São Paulo: Contexto, 2002.
SEARA, I. C. Fonética e fonologia do português brasileiro. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011.
SOUZA, P. C.; SANTOS, R. S. Fonologia. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística II:
princípios de análise. São Paulo: Contexto, 2011.
11

2. Morfologia da língua portuguesa: análise e ensino

Neologismo1
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.
(Manuel Bandeira)

O termo morfologia, originalmente empregado para se referir às ciências da natureza,


como a botânica e a geologia, diz respeito ao estudo da forma, da configuração, da aparência
externa da matéria. Em termos linguísticos, a morfologia, de acordo com sua etimologia (do grego
morphé = forma e logía = estudo), refere-se à descrição da forma das palavras, mais precisamente,
da estruturação interna das palavras.
Nesse viés, a forma é tomada de modo análogo à estrutura, cujas partes são os morfemas.
Essa estrutura contém elementos que se relacionam intimamente e, combinados, produzem um
significado (por exemplo, legal > i + legal > i + legal + idade). Essas unidades de sentido são
conectadas de um certo modo para exercer determinadas funções na estrutura formal da qual
fazem parte. Em outras palavras, forma, função e sentido são elementos solidários e
interdependentes, cuja existência em separado só é possível no plano abstrato.
Pode-se dizer que o objeto de estudo da morfologia está circunscrito nas seguintes
possibilidades, a depender da perspectiva teórica adotada: o estudo da palavra e seu paradigma
de variações de forma; a investigação da palavra enquanto item lexical estruturado por padrões
ou produto de regras de formação de objetos morfológicos; os elementos concretos e abstratos
constituintes da palavra, dentre outros.
Embora sejam usados regularmente como sinônimos, os termos “palavra” e “vocábulo”
apresentam nuances. Em linhas gerais, a palavra pode ser tomada como “uma unidade formal da
linguagem que, sozinha, ou associada a outras, pode constituir um enunciado” (Petter, 2003, p.
59), a qual é utilizada para se referir a vocábulos que possuem significação lexical ou
extralinguística, de modo que toda palavra é um vocábulo. Este, por sua vez, nem sempre é uma
palavra, pois existem vocábulos, como as preposições e conjunções, por exemplo, que não são
palavras, mas instrumentos gramaticais cujos sentidos só se observam na relação com outros
vocábulos.
Assim, os vocábulos, que mesmo isoladamente expressam ideias e funcionam como
comunicação suficiente, são tomados como formas livres (ex. menino, flor, ré), ao passo que
aqueles que funcionam ou tem valor apenas quando combinados com outros são formas presas
(por exemplo, em meninos, a forma [s], indicadora de plural, só produz esse sentido na relação que
esta tem com a forma [menino]). Na esteira desse raciocínio, uma palavra como incerteza contém,
portanto, duas formas livres ([incerteza] e [certeza]) e quatro formas presas ([in], [cert], [ez] e
[a]). Nessa linha, a denominação forma dependente também é usada para se referir aos
vocábulos formais que não se segmentam em outras unidades de sentido e não podem, por si sós,
constituir um enunciado, como é o caso de artigos, preposições, algumas conjunções e pronomes
oblíquos átonos (o, em, te, se, embora etc.).
As palavras são formadas por unidades menores, os morfemas, que, combinadas,
produzem significado. Essas unidades de sentido associam-se de acordo com certas regras
gramaticais, por exemplo: as unidades que assinalam o número (singular e plural) ocorrem
sempre na posição final das palavras (menino – meninos); já nos verbos, as unidades seguem uma
distribuição fixa (unidade básica de sentido + vogal temática + desinência modo-temporal +

1
BANDEIRA, M. Meus poemas preferidos. São Paulo: Ediouro, 2002.
12

desinência número-pessoal), dentre outros casos. Quando tal associação é feita de acordo com a
gramática da língua, essas unidades ganham o estatuto de formas, com função e sentido na
estrutura de que fazem parte.
Um morfema pode carregar significado lexical (morfema lexical) ou informação
gramatical (morfema gramatical). Assim, em palavras como “chego”, “chega”, “chegamos”, o
morfema básico [cheg-] é portador do significado de “chegar” (movimento de se apresentar em
algum lugar), já os demais constituintes mórficos transmitem a significação modo-temporal do
verbo (presente do indicativo) e a pessoa gramatical e o número, isto é, a informação gramatical.
Vale acentuar que, entendemos como significado lexical o sentido básico que se repete
em todos os membros de um paradigma, como em belo, bela, embelezar, embelezamento, beleza,
beldade etc. que se concretiza na forma [bel] e cujo sentido pode ser modificado pelos prefixos e
sufixos. O significado gramatical distingue os diversos membros de um paradigma, como o
singular e o plural, o masculino e o feminino, as pessoas e os tempos verbais. Em relação à
terminologia, pode haver variação: para alguns linguistas, é morfema apenas a unidade que porta
significado gramatical. O elemento que carrega informação lexical é denominado lexema. Neste
texto, adoto morfema para ambos os casos.
A classificação de uma determinada palavra pode ancorar-se, a princípio, na forma, ou seja,
nas diferenças formais ou mórficas que a palavra pode assumir para certas categorias gramaticais
(flexão) ou para criação de novas formas (derivação). Assim, as classes de palavras
fundamentam-se nas formas que assumem, nas funções que desempenham e, eventualmente, no
sentido que expressam. Quando os indícios formais não são suficientes para a classificação dos
vocábulos, usa-se o critério sintático de avaliação desse vocábulo no plano sintagmático. Por
exemplo, a diferença entre de (preposição) e dê (verbo) só é observável se levarmos em conta a
relação sintática.
De modo geral, a morfologia se divide em dois subcampos que se complementam: a
morfologia lexical e a morfologia flexional. Esta é voltada para a análise dos mecanismos
morfológicos que apresentam informações gramaticais, enquanto aquela investiga os mecanismos
morfológicos por meio do qual se formam novas palavras.
Em termos morfológicos, as línguas naturais são altamente variáveis. O morfema é
rigorosamente entendido como uma unidade abstrata mínima que contém um significado
individual. Ao mesmo tempo, pode ter diferentes configurações para expressar um mesmo
significado. Um exemplo disso é o caso do valor negativo dos segmentos iniciais em “inadequado”,
“ilegal” e “infeliz”, os quais se realizam como [in], [i] e [ĩ], respectivamente. A diferença no nível
do som é previsível: [in] ocorre antes de vogal, [i] acontece antes de sons como [/l/, /r/, /m/, /n/]
e [ĩ] ocorre antes de qualquer outra consoante. Essas formas são variantes de um mesmo
morfema. Nas palavras dizer, disse, digo e direi, há um mesmo morfema que se realiza nas formas
[diz], [diss], [dig] e [di]. A realização concreta de um mesmo morfema é denominada morfe. Por
sua vez, o conjunto de morfes que representam um morfema são seus alomorfes.
Os alomorfes são, portanto, diversas realizações de um único morfema ou vários morfes.
O verbo caber, por exemplo, apresenta um morfema básico ou nuclear que se realiza
concretamente nos alomorfes [cab], [caib] e [coub]. Vale ressaltar que a alomorfia não é restrita
aos morfemas básicos (também chamados de raiz). Observe-se que no verbo “nascer”
predominam as formas que terminam em [m], como “nascem”, “nasceriam”, “nasceram”,
“nascessem”, “nascerem” e “nasçam”. No entanto, há a forma “nascerão”. Logo, o morfema de
terceira pessoa do plural desse verbo é realizado concretamente por meio dos morfes [m] e [ão],
ocorrendo, assim, alomorfia na flexão. Em resumo, no português, é possível observar alomorfia no
morfema raiz (lei/legal – [le] ~ [leg]), no prefixo (ilegal/infeliz - [i] ~ [in]), no sufixo
(livrinho/pauzinho – [inho] ~ [zinho]), na vogal temática (corremos/corrido – [e] ~ [i]), na
desinência nominal de gênero (menina/avó [a] ~ [ó]) e na desinência verbal
(cantarás/cantaremos – [ra] ~ [re]).
Como se pode verificar, todo morfema apresenta uma forma e um significado. Em
determinados ambientes morfológicos acontecem variações na forma sem que haja diferença no
significado como em “vinho” e “vinícola”, cujas raízes são [vinh] e [vin], respectivamente, ou seja,
são variações mórficas de um mesmo morfema (portanto, alomorfes). Em alguns casos, um
13

morfema pode ter alomorfes bem distintos, como as formais verbais sou, era e foste do paradigma
flexional do verbo ser. Se considerarmos que as formas são componentes do mesmo paradigma
verbal, é válido dizer que os morfes [s], [er], e [fo] são alomorfes do mesmo morfema.
Outra noção importante na morfologia diz respeito ao morfema zero que corresponde às
ocorrências em que o morfema se realiza por meio da ausência do morfe. Não existir um morfe
não significa dizer que não exista morfema, isso porque, quando a ausência do morfe corresponde
a um significado, diz-se que o morfema é zero. Por exemplo, em “falávamos”, o morfema [-mos]
expressa a primeira pessoa do plural, já em “falavaØ” não se identifica nenhum segmento que
indique as noções de primeira ou terceira pessoa do singular, todavia e essa ausência que sinaliza
o significado, isto é, a ausência de marca que expressa a pessoa e o número. Essa ausência marca
o morfema zero [Ø]. Um exemplo é a oposição de gênero em português, em que o feminino é
marcado pela desinência [a], enquanto o morfema zero assinala o masculino (português[Ø] –
português[a], guri[Ø] – guri[a]). O mesmo ocorre em relação ao número, visto que o plural é
marcado pelo [s] e o singular pelo morfema zero (caneta[s] - caneta[Ø], carro[s] - carro[Ø]).
O português contempla morfes que representam a fusão de dois morfemas, são os
denominados morfes cumulativos, como as desinências modo-temporais e as desinências
número-pessoais, que acumulam informação sobre as noções de modo e tempo e de número e
pessoa, respectivamente. Por exemplo, no vocábulo cantássemos, a desinência [-sse] indica que o
verbo está no tempo imperfeito do modo subjuntivo e, dado isso, se opõe a outros tempos verbais
como canta[va], canta[ria], canta[ra] etc.
O português dispõe, ainda, de morfes alternantes, que apontam uma oposição
morfológica que se faz pela permuta de dois sons (fones), seja de natureza vocálica (sinto – sentes,
tudo – todo, porco – porca), consonantal (ouço – ouves, trago - trazes) ou suprassegmental
(exército – exercito, avô – avó). Os morfes alternantes podem ser redundantes ou
submorfêmicos, na medida em que reforçam uma oposição por morfes afixados ao vocábulo, por
exemplo, em poço – poços, a alternância de /ô/ fechado para /ó/ aberto reforça a oposição entre
singular e plural, já marcada pelo morfema contrastivo.
É digno de nota que um mesmo segmento pode representar diferentes morfemas, como é
o caso de [s] que pode designar o plural nos nomes (carro[s], casa[s]) e a segunda pessoa do
singular nos verbos (tu) escreve[s], canta[s]. Pode-se dizer que o mesmo ocorre com [a], na
medida em que pode corresponder à vogal temática de nomes (cas[a]) e de verbos (and[a]r) e
também pode indicar gênero feminino (menin[a]). Nesses casos, os morfes são homônimos, pois
existe uma coincidência na forma, mas o sentido é diferente. Em (tu) amas, observam-se a raiz
[am-], a vogal temática [-a] e a desinência de segunda pessoa do singular [-s]. Já em (as) amas,
notam-se a raiz [am-], a desinência de gênero feminino [-a] e a desinência de plural [-s].
Os morfemas podem ser examinados quanto à taxonomia: o morfema raiz é aquele em
que repousa a significação lexical básica, por exemplo, no conjunto terra, terreno, terrestre,
aterrar, aterrisagem e aterramento, o elemento comum [terr] é o morfema básico/raiz, cujo
significado aparenta os vocábulos. Já no grupo terror, terrível, aterrorizar e terrífico, o morfema
básico também é [terr], no entanto este não carrega a mesma significação do caso anterior. Isso
quer dizer que o significado é essencial para o conhecimento de raiz.
Em resumo, a raiz é a parte de onde se origina a primeira operação morfológica, é,
geralmente, uma forma presa, que comporta significação nuclear. Apresenta forma e significado,
de maneira que pode agregar elementos diversos para a flexão e formação de vocábulos. Apesar
de ser irredutível, pode sofrer variações em outros vocábulos (alomorfia). Não se pode confundir
a raiz com o radical, pois este abarca a raiz e os elementos afixais que se incorporam na formação
dos vocábulos. O conjunto mar, marinho e marinheiro compreendem a raiz [mar], radical de
primeiro grau; [marinh], radical de segundo grau; e [marinheir], radical de terceiro grau. Assim,
ao examinar a descrição das partes, consideramos sua solidariedade sincrônica.
Em certos ambientes morfológicos, o radical é acompanhado de uma vogal átona, chamada
de vogal temática. A junção entre radical e vogal temática é denominada tema. No português, os
temas ocorrem em nomes, como em conversa, alma, certo, cavalo, alicate, mestre e verbos, como
em falar, passear, esconder, ceder, corrigir e descobrir. Os vocábulos terminados em vogal tônica
ou consoante são atemáticos, como café, abacaxi, convés, lençol. Em processos de flexão,
14

derivação e composição, a vogal temática pode sofrer elisão ou crase, devido à proximidade com
elementos mórficos iniciados por vogal, como casa + ebre = casaebre > casebre e pedra + ada =
pedraada > pedrada, respectivamente.
Existem morfemas que se juntam a outros e permitem a criação, via derivação, de novos
elementos, é o caso dos morfemas derivacionais. Estes são afixos que se posicionam antes da
raiz (prefixos) ou após a raiz (sufixos). Esse processo de adição de afixos pode ser visto em
aprofundar (a-profund-ar), em que [a-] e [-ar] são morfemas derivacionais que se acrescentaram
à raiz [profund-].
Os prefixos normalmente se destacam da forma primitiva ([in]capaz), alteram o
significado proposto pela raiz ([des]leal), não funcionam para indicação de categorias gramaticais
(gênero, número, tempo, modo e pessoa), tendem a se agregar a verbos e adjetivos e, no geral, não
mudam a classe gramatical dos vocábulos. Note-se que alguns prefixos podem ser empregados
como formas livres (contra, extra, sobre), com certa autonomia morfológica (conhecidos como
construções braquiológicas). Já os sufixos, nem sempre se desgrudam com facilidade da raiz, isso
porque é uma forma essencialmente presa, excetuando-se os casos de derivação imprópria nos
quais o morfema aditivo perde seu caráter de sufixo (os ismos do imperialismo), além do mais, não
alteram consubstancialmente a significação da raiz (sapat[o], sapat[eiro], sapat[inho]), nem se
aplicam a todas as formas primitivas. É oportuno salientar que o sufixo serve ao mecanismo da
derivação, quando formam novas palavras, como também da flexão, quando permitem que o
vocábulo varie em gênero e número (nomes) ou em modo, tempo, número e pessoa (verbos).
Os morfemas que expressam estritamente categorias gramaticais são denominados
categóricos e incluem todos os sufixos flexionais e as desinências nominais e verbais. Servem
para expressar noções gramaticais de gênero (velh[a]), número (carta[s]), pessoa (vi[Ø]), tempo
e modo (fize[sse]). Caracterizam-se por não criar vocábulos, ser um grupo reduzido, fechado,
obrigatório e sistemático, podendo serem aplicados a todos os vocábulos de uma classe; estão
sujeitos à concordância, por exemplo, um substantivo feminino plural impõe aos determinantes a
concordância no feminino e no plural. Além disso, são morfes arbitrários cujo sentido só se revela
no contexto morfossintático em que aparecem.
Destaque-se, ainda, os morfemas relacionais, que não possuem autonomia mórfica, são
dependentes da relação existente com outras formas, como é o caso das preposições (Gosto de
ler), conjunções (Levantei e saí) e pronomes relativos (A casa que morei); e os morfemas
classificatórios, que situam os vocábulos num determinado paradigma, como ocorre com as
vogais temáticas nominais (garot[o], canet[a]) e as vogais temáticas verbais (cant[a]r, vend[er],
part[i]r).
Quando fazemos uma análise mórfica, adotamos certos princípios, como a comutação, ou
seja, a permuta de uma parte do vocábulo por outra e a verificação da alteração ou não do
significado mediante a permuta, como em (tu) cantas = [canta] + [Ø] + [s] em oposição a (tu)
canta [canta] + [va] + [s].
A ordem dos constituintes mórficos se dá de modo hierárquico, de forma que há modos
de constituição das palavras, por exemplo, o prefixo [in], com valor negativo, somente se
acrescenta a bases adjetivais e não a bases verbais, como em [in]suportável, daí a impossibilidade
de suportar formar *insuportar. Isso significa que o acréscimo de dois ou mais morfemas
derivacionais não acontece simultaneamente, existe uma ordem a ser seguida, exceto em raros
casos, a qual pode ser descrita pela lei dos constituintes imediatos, que preconiza a combinação
binária na estrutura. Para elucidar sinteticamente: portinholazinha não é derivado de porta, mas
de portinhola, que deriva de portinha, que deriva de porta; desrespeitosamente é derivado de
desrespeitoso, que é derivado de respeitoso, que é derivado de respeitar. Sendo assim, um vocábulo
com mais de um sufixo ou prefixo não deriva diretamente do núcleo/raiz, mas de formas
secundárias.
Na morfologia flexional, o olhar do pesquisador recai, principalmente, nos morfemas que
indicam relações gramaticais, como as categorias de gênero, número e caso em relação aos nomes,
bem como nas categorias aspecto, tempo, modo e pessoa relacionadas aos verbos. Dito de outra
maneira, compete a essa área estudar a variação de palavras que pertencem a um mesmo
paradigma, que se constitui de um grupo de formas que se conectam flexionalmente a partir de
15

um radical comum, como em belo, bela, belos e belas. Os vocábulos que se submetem à flexão são
tomados como variáveis.
A flexão dos nomes (a princípio, substantivos e adjetivos, mas também pronomes, artigos
e numerais) está atrelada à flexão de gênero (masculino e feminino) e de número (singular e
plural), marcada pelas desinências. É interessante observar que a flexão impõe normas que se
refletem no nível sintático, como é o caso da concordância: os vocábulos subordinados a um
substantivo, a priori, devem concordar com ele em gênero e número (por exemplo, as casas
amarelas). Ao mesmo tempo, há restrições gramaticais que não permitem a opção de inovação ou
criação livre, como acontece na derivação.
No caso dos nomes, muitas vezes, a formação é dada por um único morfema (a raiz ou
radical primário), que se amplia por meio de morfemas derivacionais (prefixos e sufixos) e
morfemas flexionais (desinências de gênero e de número), além de vogais temáticas e vogais de
ligação. É pertinente destacar que só existe flexão se uma categoria se opuser a outras, assim um
nome só pode apresentar uma marca de feminino se existir uma forma masculina correspondente.
É digno de nota que a Gramática Tradicional aponta o grau como um tipo de flexão, no
entanto, tal visão é equivocada, pois quando se utiliza sufixos para apontar a intensidade pelo
grau, esse processo morfológico é derivacional (carr[inho], bol[inha], bol[ão], espert[inho],
espert[alhão]).
Em relação à flexão de gênero, é válido esclarecer que esta é uma noção gramatical que
se atribui a todos os substantivos, que são masculinos ou femininos, independentemente de se
referirem a seres sexuados ou não, o que não interfere necessariamente na significação. Por
exemplo, os nomes neutros latinos passaram ao português ora como masculinos, ora como
femininos. Assim, cor e honra que, em latim, eram masculinos, no português atual pertencem ao
gênero feminino. No português também há nomes com gênero vacilante, como o/a cólera, o/a
diabete e aqueles que são indiferentes quanto ao gênero, como o/a analista, o/a estudante, o/a
sentinela, em que a oposição se manifesta pela concordância, bem como casos de gênero único,
como a onça, o jacaré.
A flexão de gênero se atribui a substantivos que apresentam oposição de gênero com base
em motivações de ordem sexual, pois se referem a seres do reino animal, como lobo/loba e
gato/gata. Quando os indivíduos de sexos diferentes são representados por heterônimos, como
homem/mulher e boi/vaca, não ocorre flexão. Isso significa que mulher não é o feminino de
homem, e sim, um substantivo que tem a propriedade de se referir às pessoas do sexo feminino.
Logo, todos os nomes têm gênero, todavia nem todos se flexionam em gênero.
Em linhas gerais, os nomes se distribuem em nomes substantivos de gênero único (a flor,
o livro, o carro, a lua), nomes substantivos de dois gêneros sem flexão (o/a artista, o/a diplomata,
o/a aprendiz) e nomes substantivos de dois gêneros com flexão (o menino/a menina, o doutor/a
doutora). Somente para este último caso, a determinação do gênero se faz pela adição da
desinência [a] para o feminino, nos demais casos é a concordância entre nome e determinantes
que vai sinalizar o gênero. Para além disso, o gênero dos nomes pode ser determinado pela
heteronímia (pai/mãe, carneiro/ovelha), pela derivação sufixal (cônsul/consulesa, galo/galinha,
czar/czarina) e pela alomorfia no radical (teu/tua, judeu/judia, europeu/europeia). Desse modo,
na descrição do gênero, as formas masculinas são tomadas como não marcadas, ao passo que os
nomes em que se acrescenta a desinência [a] para o feminino são marcados.
Em síntese, a flexão dos nomes pode ser esquematizada em:

(a) radical + desinência de gênero (juiz/juiz[a], peru/peru[a]);


(b) radical com supressão da vogal temática + desinência de gênero (aluno/alun[a],
mestre/mestr[a]), podendo ser acrescida de alternância vocálica (novo/nov[a]);
(c) radical com supressão da vogal temática + alternância da vogal do radical /ê/ por /é/
+ ditongação /é/ > /éy/ + desinência de gênero (ateu/ateia);
(d) radical sem vogal temática + alomorfia na raiz + desinência de gênero (judeu/judi[a],
frade/freir[a]);
(e) radical sem vogal temática + sufixo derivacional + desinência de gênero
(poeta/poetis[a], herói/heroína[a]);
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(f) radical + sufixo derivacional + desinência de gênero (prior/priores[a]);


(g) radical sem vogal temática + desinência de gênero + crase (anão > anão[a] > anã[a] >
anã);
(h) radical sem vogal temática + alternância da vogal nasal /ã/>/õ/ + desnasalização da
vogal /õ/ + desinência de gênero (leão > *leon > leona > leõa > leoa);
(i) radical sem vogal temática + alternância da vogal nasal /ã/ > /õ/ + desinência de
gênero (valentão/valenton[a], chorão/choron[a]);
(j) radical + troca de uma sufixo derivacional por outro (at[or]/at[riz],
imper[a][dor]/imper[a][triz]).

Os nomes também se flexionam em número, uma noção que distingue um elemento


(singular) de mais de um elemento (plural). Nem sempre a noção de número é cristalina, na
medida em que há certos substantivos no plural que não significam mais de uma unidade referida
da espécie, como é o caso de os óculos, assim como outros que mudam de sentido quando se
flexionam no plural como o bem/os bens, a honra/as honras, e, ainda, aqueles que, embora
morfologicamente no singular, expressam a ideia de mais de um elemento, como manada, bando
e multidão.
De forma geral, a flexão de número nos nomes variáveis é condicionada pela oposição
entre a ausência de um morfema [Ø] que assinala o singular e a presença de um morfema [s] que
aponta o plural. Esse morfema de plural possui, na manifestação fonética, diversos alofones /s/,
/z/ e /ʃ/, por exemplo, em casas, casas amarelas e casas coloridas a depender da pronúncia do
falante.
Há casos em que o /s/ final de alguns nomes não corresponde a morfema indicativo de
plural, como em o lápis/os lápis, o pires/os pires. Nesses casos, o plural é marcado por estratégias
sintáticas, como a pluralização dos determinantes.
A descrição do número pode ser esquematizada por:

(a) radical + desinência de número (guri[s], peru[s], em casos que se inclui o tema sapo[s],
dente[s]);
(b) radical sem vogal temática + desinência de gênero + desinência de número (garota[s],
aquela[s]);
(c) radical + vogal temática + desinência de número (mal/male[s], mês/mese[s], nomes
terminados por /l/m /s/, /r/, /z/);
(d) tema + desinência de número + alomorfia da raiz + alomorfia da vogal temática,
ocorrendo nos nomes terminados em /al/, /el/, /ol/ e /ul/ (*animale > animales > animaes
> animais) ou com nomes terminados /il/, sendo /i/ uma vogal átona (útil/úteis,
fóssil/fósseis) ou ainda em casos da troca de /ã/ por /õ/ (fogão/fogões, feijão/feijões).
(e) Tema + desinência de número + alomorfia da raiz + crase (funil/funis – a lógica é
*barrile > barriles > barries > barriis> barris);
(f) Tema + desinência de número + alomorfia da vogal temática (/o/ para /e/), como
pão/pães, cão/cães.

É importante observar que os pronomes seguem a mesma tendência que os nomes, de


modo que os esquemas assinalados para gênero e número também ocorrem no caso dessa
categoria como ele > elea > el[a] e ele/ele[s]. Note-se que há certos pronomes que não apresentam
flexão, como é o caso de outrem, que, quem, se, alguém e ninguém, por exemplo, assim como outros
que o plural se faz por meio de formas supletivas (eu/nós, tu/vós). Isso não significa que
pronomes e nomes são análogos, aquele não se submete aos processos derivacionais como estes,
bem como não representam essencialmente coisas e ideias. Outrossim, pronomes atrelam-se a
características que não aparecem para os nomes, como é o caso do gênero neutro (isto, isso,
aquilo, tudo); do caso reto, quando exercem a função de sujeito ou predicativo (eu, ele etc.), e
oblíquo, quando exercem outras funções, como complemento verbal e adjunto adnominal (me, o,
mim, comigo etc.); e da pessoa (primeira, segunda e terceira pessoa), cuja oposição se faz por meio
17

de radicais distintos. Cabe dizer que os pronomes podem funcionar como substantivos (eu) ou
adjetivos (meu), com formas que se opõem.
Além dos nomes, os verbos se flexionam, por meio das desinências, o que permite um
largo espectro de formas para expressar os variados tempos verbais, em modos distintos, com
referência a número e pessoa. A estrutura básica da formação verbal é radical + vogal temática
+ desinência modo-temporal + desinência número-pessoal, regularmente nessa ordem (falávamos
[fal][a][va][mos] e levemos [lev][Ø][e][mos]). Para isso, os morfes acumulam informação
gramatical, como [-mos] que agrega pessoa (primeira) e número (plural). Todos os tempos e
modos apresentam desinências modo-temporais e desinências número-pessoais, exceto os
tempos de infinitivo impessoal, particípio e gerúndio, nos quais não existem desinências número-
pessoais.
As desinências número-pessoais são as mesmas para cada pessoa, nas três conjugações.
Em alguns tempos, é possível observar alomorfia, como, no futuro do presente nas desinências
[re], [rá] e [rã], no futuro do pretérito com os morfes [ría] e [ríe], no pretérito imperfeito, os verbos
de primeiro conjugação podem apresentar o alomorfe [ve] de [va]. As formas são arrizotônicas,
pois o acento de tonicidade está fora do radical.
As desinências modo-temporais designam os modos indicativo, subjuntivo e imperativo,
além das nuances dos tempos pretérito, presente e futuro. Assim, uma forma verbal como
canta[rei] possui uma desinência que combina a informação de modo indicativo junto à
informação de tempo futuro. No caso das formas nominais dos verbos, as desinências modo-
temporais são marcadas pelos morfes [r], [do] e [ndo] para o infinitivo, particípio e gerúndio,
respectivamente.
Existe um largo interesse nos processos morfológicos da língua, isto é, modos de
combinação de elementos mórficos que se juntam produzindo um novo signo linguístico, o que
acontece quase todo o tempo na língua, visto a incorporação de novos vocábulos no léxico.
Sabemos que o acervo lexical do português é, em grande medida, oriundo de palavras latinas,
para o qual se emprestaram e se emprestam palavras advindas de outros grupos culturais.
No que se refere à constituição desses novos signos, a derivação é um dos processos mais
produtivos na formação de novos itens lexicais. Como já visto, por exemplo, à raiz mar- foi
acrescentado o sufixo [-inha], formando marinha. Nesta, ao ser acrescentado o sufixo [-eiro],
formou-se marinheiro. Esses casos são, pois, amostras desse processo.
A derivação constitui-se do acréscimo de afixos a um radical, como em panela[aço], [re]ter
e facil[mente]. Essa combinação pode ocorrer de diversos modos, como a adição de um prefixo
([in]certo – derivação prefixal) ou sufixo (cert[eza] – derivação sufixal) e dos dois ao mesmo
tempo [[in]cert[eza] – derivação parassintética), mudando o tema (estudar > estudo) e até
mesmo alterando a classe gramatical (dizer > o dizer).
No caso da derivação prefixal, é necessário considerar que, quando os prefixos se tornam
formas livres (extra, contra), estes devem ser considerados raízes e não mais morfemas
derivacionais, visto que assumem a condição de raiz, admitindo, muitas vezes, a flexão e a
derivação (contras, contrário, extras).
Já na derivação sufixal, é útil destacar a presença do sufixo zero, uma forma derivada
sem a presença do morfema aditivo, como em fuzilar (fuzil[a][r]), de modo que [a] corresponde à
vogal temática e [r] à desinência modo-temporal de infinitivo, o que nos permite afirmar que
existe um sufixo [Ø] que assinala o processo derivativo. O sufixo zero poder visto na diferença
entre os verbos florescer ([flor][esc][er]) e florir ([flor][ Ø][ir]), na medida em que este é formado
sem a marca mórfica. Desse modo, o morfema zero é útil para explicar formas derivadas de nomes,
como verbos denominais (anel > anelar) e formas derivadas de verbos, como nomes deverbais
(saltar > salto).
É assente que se o substantivo denota ação, é derivado do verbo; no caso contrário, o
substantivo denotando algum objeto ou substância, o verbo deriva deste. Por exemplo, o vocábulo
dança é derivado de dançar, já azeitar é derivado de azeite. Destaque-se que isso nem sempre é
transparente, uma vez que há substantivos abstratos que se transformam em concretos, como o
almoço, o salto (do sapato), o alimento.
18

Em alguns casos de nomes deverbais, a forma derivada apresenta perda fonética em


relação à forma primitiva (derivação regressiva), como em cortar > corte (cort[Ø][e]) e rodear >
rodeio (rodei[Ø][o]). Considere-se, também, casos em que há abreviação, isto é, o emprego de
uma parte da palavra pelo todo como extraordinário > extra, telefone > fone e fotografia > foto,
nesse caso não há mudança de classe gramatical, como ocorre comumente na derivação
regressiva.
Outro caso de derivação é a parassintética, que ocorre quando da adjunção simultânea
de prefixo e sufixo a um radical, como em [en]velh[ecer], de maneira que a supressão de um ou de
outro resulta em uma forma inexistente na língua (*velhecer, *envelho). Alguns autores, como
Khedi (1992) e Monteiro (2002) consideram que a parassíntese se aplica apenas aos verbos,
contrariando algumas gramáticas tradicionais, que afirmam, por exemplo, que desalmado tem
formação parassintética. Para eles, o fato de o prefixo ter valor semântico é indício de que se trata
de um derivado prefixal, não de parassíntese. Em suma, os vocábulos parassintéticos possuem
prefixo assemântico, que, se retirado, não resulta numa forma livre da língua.
É necessário salientar que existe a formação de vocábulos por mudança de classe
gramatical (também chamada de derivação imprópria (GT), conversão (Bechara), hipóstase
(Charles Bally) e translação (Tesnière)), sem qualquer alteração no perfil mórfico, como ocorre
na substantivação (o contra, o não, o fazer), na adjetivação (aula relâmpago), na adverbialização
(anda rápido). Esses casos são apontados como mais atrelados à estrutura sintática do que a
mecanismos derivacionais em si, como, para elucidar, ocorre na substantivação em que a inserção
do artigo marca a função substantiva no eixo sintagmático extravocabular, daí a necessidade de
se considerar a interface entre morfologia e outros domínios.
Também se evidencia o processo de composição, no qual, para a formação de itens
lexicais, ocorre a junção de vocábulos já existentes (beija-flor, porco-espinho) ou a junção de dois
ou mais morfemas básicos, com ou sem modificação de estrutura fônica, como em aguardente
[água + ardente], pentacampeão [penta + campeão]. Nesse processo, os elementos primitivos
perdem a significação própria e cooperam para a emergência de um novo conceito. Em termos
gráficos, as unidades podem estar estreitamente conectadas (pernalta), hifenizadas (pé-de-
moleque) ou soltas (fim de semana).
Os elementos compostos, de modo geral, seguem algumas propriedades morfossintáticas:
a ordem dos elementos é rígida, de maneira que entre eles não se pode introduzir nenhum outro
elemento (ganha-pão – não aceita inversão e o adjetivo deve estar antes ou depois do composto),
excetuando-se poucos casos como planalto/altiplano e franco-italiano/ítalo-francês. Além disso,
as unidades não podem ser substituídas ou suprimidas (mão-de-vaca e *de-vaca), afora em casos
de metonímia em que o elemento determinante assume o lugar do todo, como em circular para
ônibus circular. O fato de os compostos funcionarem sintaticamente como se fosse uma única
palavra permite que sejam substituídos por um vocábulo simples, como O beija-flor/pardal é
pequeno.
Os vocábulos formados pelo processo de composição podem se apresentar
estruturalmente diversos, como peixe-boi (dois substantivos), pé-de-vento (dois substantivos
intercalados por preposição), amor-perfeito, belas-artes (substantivo e adjetivo anteposto ou
posposto), surdo-mudo (adjetivos), terça-feira (numeral e substantivo), meu-bem (pronome e
substantivo), guarda-roupa (verbo e substantivo), corre-corre (verbos), bem-querer (advérbio e
substantivo), ganha-pouco (verbo e advérbio) e Maria-vai-com-as-outras (construção oracional).
Os compostos se flexionam, de maneira geral, em número, seguindo princípios de
concordância oracional: guarda-civil/guardas-civis, navio-escola/navios-escola, guarda-
chuva/guarda-chuvas, entre outros, com regras específicas.
Vale destacar que o vocábulo composto é tomado como primitivo, do ponto de vista
sincrônico, quando não é possível rastrear seu processo de fusão diacronicamente, como em
fidalgo ([filho][de][algo]). Os compostos também podem derivar outros, como em fidalguia ou Rio
Grande do Norte > norte-rio-grandense. Há casos de elementos compostos formados por unidades
greco-latinas, como crucifixo (cruz) e ambidestro (ambos) de raízes latinas, hexacampeão (seis)
e oftalmologia (olho).
19

Derivação e composição podem combinar-se, como é o clássico exemplo do verso de Mário


de Andrade “do lado do oriente o horizonte se cartãopostalizava clássico”, em que o verbo é
derivado por sufixação (cart[ão]post[al][iz]ava) sobre um substantivo composto (cartão-postal).
É fulcral mencionar que, em muitos materiais didáticos, derivação e composição são
tratadas como distintas e, de certo modo, até opostas. Essa visão tem sido amplamente discutida,
na medida em que a categorização das unidades morfológicas é tema de debate na literatura
recente (Gonçalves, 2016). Nessa linha, é discutido se há limites precisos entre os processos de
derivação e composição, propondo, assim que as unidades envolvidas na formação de palavras
podem ser organizadas em termos de um continuum morfológico que abarca tanto propriedades
estruturais quanto semânticas. Em face desse continuum, as unidades podem ser pensadas em
termos de protótipos o que, segundo essa vertente teórica, é mais condizente com a
heterogeneidade tipológica do sistema de formação de palavras do português. Isso permite
compreender que as categorias não têm fronteiras claramente demarcadas e, por isso, podem
mudar com o decorrer do tempo (como formas presas que se tonam livres = extra, super)
Outros processos morfológicos que podemos assinalar são: a recomposição, a
braquissemia, a acrossemia, a fonossemia e os empréstimos ou estrangeirismos. Esses processos
são produtivos, frequentes e rica fonte de formação de palavras em português, embora quase
nunca abordados pelos compêndios gramaticais e pelos livros didáticos.
A recomposição diz respeito à formação de vocábulos que tomam uma parte de uma
unidade vocabular acrescida de outra base, como em fotografia > foto > fotocópia e televisão >
telejornal. Já o emprego de parte de um vocábulo pelo vocábulo inteiro é denominado
braquissemia (ou truncação, abreviação), como em motocicleta > moto, quilograma > quilo, bilhão
> bi, muito frequente na oralidade, como se vê nos casos professor > profe > fessô e obrigado >
brigado, por exemplo.
No caso da acrossemia, acontece uma combinação de sílabas extraídas de compostos ou
expressões, muito comum na formação de siglas, como ONU > Organização das Nações Unidas e
CERES > Centro de Ensino Superior do Seridó. Alguns amálgamas também são acrossêmicos, como
portunhol (português e espanhol) e namorido (namorado e marido). Os acrônimos possuem
autonomia de significante, pois são lidos e pronunciados como forma simples, além disso se
organizam em padrões silábicos próprios do português, em oposição a certas siglas que não se
constituem como vocábulos autônomos (por exemplo, TSE se pronuncia tê-esse-e – Tribunal
Superior Eleitoral).
A abreviatura ou (acrografia) não se configura como processo de formação de vocábulos,
se tiver feição de ideograma, pois a letra não vale pelo fonema que costuma representar, mas como
símbolo da palavra que evoca (Km > quilômetro).
A fonossemia consiste na imitação de ruídos naturais, a partir da combinação de fonemas,
são as conhecidas onomatopeias (au-au, tique-taque, blá-blá-blá), formadas, geralmente, por
duplicação silábica. Os vocábulos fonossêmicos podem servir de base para formas derivadas,
como pipiar e miar.
Já os empréstimos são rica fonte para ampliação do léxico de uma língua, por exemplo, os
contatos entre falantes do português como as línguas indígenas, os dialetos africanos e com as
línguas de imigrantes forjaram o português hodierno. É notória a influência, ainda, dos meios de
comunicação, sobretudo, através dos empréstimos advindos de línguas de nações com prestígio
econômico, como o inglês na atualidade (blog, chip, mouse, delete, internet, shopping). Muitos dos
vocábulos são adaptados à fonética, à grafia e aos paradigmas flexionais da língua, como acontece
em delete > deletar e chef > chefe, chefa, chefiar, chefia. Ocorre também certos decalques, isto é, a
tradução literal de determinados termos como high society > alta sociedade.
Quando o vocábulo é formado por elementos de línguas distintas, via composição ou
derivação, o processo denomina-se hibridismo, por exemplo, televisão (tele, do grego e visão
oriundo do latim visione).
Outro recurso utilizado pelos falantes da língua são os hipocorísticos, ou seja, processos
de alteração morfofonêmicas de nomes (prenomes e sobrenomes) para expressar sentimentos de
afetividade, como Antônio > Tonho, Tonico, Totonho e Francisco > Chico, Chiquinho, Chicão. Esses
20

hipocorísticos podem ser formados por braquissemia (Fernanda > Nanda), acrossemia (Maria
Luiza > Malu), duplicação silábica (Eduardo > Dudu) e até sufixação (Manoel > Maneco).
Alguns vocábulos que designam nomes referentes a produtos industriais podem ser
criados, seguindo processos de formação de nomes comuns, são os casos de oniônimos. Estes
podem ser criados via derivação sufixal (Melhor[al]), derivação imprópria (Elefante – extrato de
tomate e Sonho de Valsa - chocolate), braquissemia (Fanta – de fantasia), acrossemia (Nescau – de
Nestlé e cacau). Certos oniônimos são empréstimos que se mantem na grafia original (Phillips,
Yamaha).
No caso das classes morfológicas, já existe um extenso estudo por parte da ciência
linguística que arrola incoerências relevantes em relação a classificação tradicional. Dentre essas
críticas, é possível citar: (a) a própria expressão classificação das palavras, quando se deveria
mencionar a classificação dos vocábulos, já que se inclui as formas dependentes; (b) a imprecisão
no tratamento de vocábulos como eis, também, somente, inclusive; (c) frases de situação
classificadas sob o rótulo de interjeição (socorro, valha-me Deus); (d) heterogeneidade de
critérios, pois classificam-se substantivos e adjetivos, opondo-os aos pronomes, que podem
também funcionar como aqueles (o mesmo ocorre com os numerais); (e) interpreta grau como
flexão, dentre tantas outras críticas, feitas por estudos consubstanciados no uso que os falantes
fazem da língua.
Assim, já é assente na linguística moderna que na classificação de palavras devem ser
considerados, além dos critérios formais de competência da morfologia, também critérios
sintáticos e semânticos. Isso porque nem sempre é possível classificar uma palavra examinando
exclusivamente a sua forma. Por exemplo, a palavra canto pode ser um substantivo ou um verbo,
dependendo da função e do sentido em que é empregada, o que vai contar, nesse caso, é a relação
sintagmática, isto é, a combinação com outros termos da sentença.
A título do exemplo, a clássica definição de substantivo como “palavra que designa os
seres em geral” é demasiado problemática, visto que, definido pelo critério semântico, em que
medida podemos identificar o ser? Uma questão que perpassa uma reflexão filosófica, inclusive,
até porque há nomes que não se referem a seres (doença, ideia, emoção, saudade, fé), além do fato
de que qualquer vocábulo pode ser substantivado (o sim, o viver, o aqui-e-agora).
O mesmo pode ser visto na definição de adjetivo como “palavra que expressa qualidade”,
quando o que se define como “qualidade” é fator discutível e subjetivo, sem mencionar o caso de
vocábulos que se comportam ora como substantivos, ora como adjetivos (aprecio o belo / que belo
casaco). Ademais, os adjetivos, pelo fato de existirem vinculados ao um substantivo, implicam que
sua natureza e relação se dá no plano sintagmático. Os adjetivos permitem uma expressão
ilimitada de conceitos sem a exigência de uma sobrecarga de memória com rótulos particulares.
Uma proposta interessante é feita por Mattoso Câmara quando da distinção entre classes
e funções, de modo que as classes pertencem ao domínio da morfologia, sendo identificadas por
critérios mórficos e semânticos; as funções pertencem ao domínio da sintaxe, sendo distinguidas
de acordo com a relação de interdependência que os termos estabelecem entre si. Nesse viés,
nome, pronome e verbo seriam classes, ao passo que substantivo, adjetivo e advérbio seriam
funções. De modo geral, uma palavra pode ser tomada como nome se for estática, sem ideia de
variação de temporalidade; será um verbo se sofrer variações temporais, ou seja, expressar a
representação dinâmica ou processual da realidade; será um pronome se apenas situar uma
representação no espaço e no tempo.
Advoga Monteiro (2002) que sob o enfoque estritamente morfológico, é impossível
explicar as classes de palavras. Em termos de paradigmas flexionais, há duas classes básicas que
se opõem, nomes e verbos, na medida em que estes traduzem representações dinâmicas e aqueles,
estáticas. Os pronomes são distintos dos nomes, na medida em que expressam um significado
dêitico ou anafórico. Os substantivos, adjetivos e advérbios não são classes gramaticais, mas
funções que os nomes e pronomes exercem em contextos de uso. Os numerais fazem parte da
classe dos nomes e, sendo assim, podem ser substantivos ou adjetivos. Os artigos são pronomes
que atuam em função adjetiva. Os conectivos subordinam palavras (preposições) ou orações
(conjunções subordinativas). Também pode relacionar elementos da mesma função (conjunções
coordenativas).
21

Dada a heterogeneidade da língua, variação e mudança são fenômenos intrínsecos à


manifestação linguística, em todos os níveis, bem como não operam em termos aleatórios, mas
são regidos por regras e passíveis de serem compreendidos e explicados. No domínio morfológico,
isso também se acentua. Ademais, este opera, em grande medida, na interface com outros
domínios, como o fonético-fonológico e o sintático. Em outras palavras, no jogo de interação
linguística, os diferentes domínios linguísticos se intercambiam e influenciam uns aos outros, a
fim de que sejam construídos os significados para atender aos propósitos comunicativos dos
usuários da língua. Por essa razão, na análise linguística, é fundamental que se leve em conta a
variação, atentando para o entendimento sobre o grau de estabilidade de uma dado fenômeno (se
está em seu início ou se completou uma trajetória que aponta para a mudança).
Para elucidar esse processo de variação e mudança, podemos observar as mudanças
morfofonêmicas, em que a alomorfia é condicionada por fatores fonológicos. Assim, uma
mudança no sistema fonêmico impacta os constituintes mórficos. Por exemplo, o prefixo [in-]
pode variar em [i-] de acordo com o ambiente fonético, como em infeliz e ilegal. Esses fatores
fonológicos interferem na produtividade de processos de formação de palavras, por exemplo, na
conjugação do verbo “amar” (ama, amamos, amei, amou), a vogal temática de primeira conjugação
não se realiza como /a/ em todas as pessoas, já que assimila a altura e a zona de articulação da
vogal seguinte, a marca morfológica de número/pessoa. Também não se pode deixar de citar os
morfes alternantes, provocados pela permuta de dois fones como avô e avó, cuja diferença no
plano morfológico resulta da mudança de som.
O fenômeno da variação no âmbito da morfologia e sua interface com outros domínios
tem implicações para o ensino de língua materna. Em grande medida, as variações circunscritas à
modalidade oral da língua apresentam reflexos na modalidade escrita. Considerando que, no
processo de aquisição linguística, os falantes usam o conhecimento metalinguístico da língua que
falam, isso é esperado. Além do mais, dependendo do contexto sociocomunicativo, o texto escrito
aproxima-se amplamente da modalidade falada, dado que fala e escrita são um contínuo.
Nesse sentido, o ensino de morfologia é, muitas vezes, pautado em sistemáticas
classificações, muitas vezes, descontextualizadas e distantes dos usos que os falantes fazem das
formas linguísticas. Sem contar que o diálogo com a fonologia, a sintaxe, a semântica e com o texto
quase sempre não é explorado.
Veja-se que manifestações de fenômenos morfossintáticos, isto é, situados nos domínios
morfológico e sintático, são comuns no português. Nos versos de Marisa Monte e Arnaldo Antunes
“Beija eu, beija eu, beija eu, me beija” podemos observar o reflexo de um caso que ocorre em vi ela,
pega ele, avisa nós. Embora a Gramática Tradicional distinga e prescreva o uso de pronomes na
função de sujeito e de objeto do verbo, verifica-se, no uso da língua, que os falantes usam os
pronomes (como, no exemplo, eu, ele, nós) em ambas as funções (Eu encontrei ele é mais uma
amostra disso). Duarte e Omena (2004) apontam que esse fenômeno tende a ter mais resistência
em contextos com verbos no infinitivo (levá-la e levar ela), em que tende a ocorrer a forma
considerada canônica. Isso demonstra que fatores de ordem morfológica influenciam a
manifestação no domínio sintático e vice-versa.
Desse modo, é fundamental que o ensino de morfologia, seja na educação básica, seja no
nível universitário, atente para o uso real da língua, focalize a variação e a mudança, bem como
contemple a criatividade do falante.
É interessante examinar que muitos usos agregam um valor semântico que só é
rastreável do ponto de vista do contexto sociocomunicativo. Por exemplo, existem certas formas
verbais utilizadas com significados e funções muito particulares, como babei, lacrou e formou, que
assumem um sentido interjectivo, e outras que servem para caracterizar um referente, como
roupa muito cheguei. Esses verbos flexionados situam-se distantes do uso comum dos verbos e
merecem uma reflexão em sala de aula. Acrescente-se, ainda, a necessidade de se examinar como
a configuração verbal, em termos de tempo e modo, contribuem para a organização de estratégias
argumentativas, de produção de sequências textuais diversas.
Outro ponto é que, ao se abordar processos de formação de palavras, é necessário ir além
da observação formal, averiguando também a contribuição semântica, que implica habilidades
cognitivas de categorização, em muitos casos, via metáfora e metonímia, como se pode ver nas
22

palavras formadas com os sufixos [-eiro] e [-ista]: pedreiro (agente habitual), banheiro (lugar),
chuveiro (instrumento), tecladista (agente), construtivista (atributo), dentre outros. A
categorização por metáfora e metonímia pode ser vista em outros casos, como o recente vocábulo
composto “maria-octógono”, cujo significado diz respeito à mulher que gosta de relacionar com
lutadores da modalidade UFC, nesse caso, o falante usa mão da metonímia, fazendo com que o
lugar em que se luta (o octógono) indique o esporte (MMA – Mixed Martial Arts).
Aliás, a composição tem sido amplamente estudada e, muitos desses estudos criticam a
aparente uniformidade com que esse processo de formação de palavras é tratado. Uma das críticas
reside na adoção única de critérios morfológicos e fonológicos para explicar a distinção entre
compostos justapostos e aglutinados. Defendem Vivas et. al. (2016) que o critério semântico
pode ser utilizado para explicar esses casos, visto que os compostos aglutinados se configuram
com maior integração entre os radicais que os formam, o que leva a uma alta probabilidade de
lexicalização através dos anos e do uso. Nessa linha, muitos compostos (como aguardente, vinagre
e embora) provavelmente já perderam sua composicionalidade para muitos falantes. O que dizer,
ainda, de compostos como língua-de-sogra cuja interpretação direta é impossível? Esse composto
exocêntrico remete ao brinquedo em que se assopra uma extremidade que se desenrola num
imagem que remete a uma grande língua, fazendo remissão à figura da sogra como aquela que fala
em demasia. Observe quantas inferências são necessárias para se atribuir sentido ao composto.
Vários compostos trazem em si a característica de nomear e descrever de forma simples e rápida
um conceito, assim, podem funcionar como um poderoso elemento de condensação descritiva e
retomada dentro de um texto, ou seja, pode se configurar como uma eficaz estratégia anafórica.
Ao lançar um olhar especificamente formal sobre os processos morfológicos, a Gramática
Tradicional e muitos livros didáticos que copiam seu modelo deixam de lado as contribuições que
a morfologia fornece para a leitura e produção de textos. Ao priorizar os processos de derivação
e composição, que já são pouco discutidos, marginaliza outros processos como a duplicação
silábica (pega-pega, pepeta), o hipocorismo, a acrossemia, entre outros. Vale destacar que esse
tipo de ensino possui um caráter tautológico, isto é, o estudo da morfologia pela morfologia,
apartando-se, dessa forma, da rica dinamicidade que envolve a formação de palavras do
português.
É útil observar que, mesmo a morfologia examinando a palavra/vocábulo, o estudo dos
morfes não precisa encerrar em si mesmo. A exploração de um contexto maior, a partir do
emprego em textos do cotidiano, permite a exploração do recurso morfológico em termos
semântico-discursivos.
Por fim, é importante ressaltar, mais uma vez, a dinamicidade da língua, que permite aos
seus usuários, por meio do uso linguístico, adaptarem-na para cumprir seus propósitos
comunicativos. É, pois, nesse jogo de interação linguística que os diferentes domínios linguísticos
se intercambiam e influenciam uns aos outros, a fim de que o mundo seja construído
linguisticamente.

Referências
BASÍLIO, M. M. P. Morfologia: uma entrevista com Margarida Basílio. ReVEL. Vol. 7, n. 12, 2009.
CÂMARA Jr, J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis/RJ: Vozes, 1979.
GONÇALVES, C. A. A instabilidade categorial dos constituintes morfológicos: evidência a favor do continuum
composição-derivação. DELTA, n. 32, n, 2. 2016, pp. 261-294.
KEHDI, V. Formação de vocábulos em português. São Paulo: Ática, 1992.
MARGOTTI, F. W. Morfologia do português. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2008.
MONTEIRO, J. L. Morfologia portuguesa. Campinas/SP: Pontes, 2002.
OMENA, N. P.; DUARTE, M. E. L. Variáveis morfossintáticas. In: MOLLICA, M.C; BRAGA, M. L. (Org.)
Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2004, p. 83-88.
PETTER, M. M. T. Morfologia. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística II: princípios de análise.
São Paulo: Contexto, 2011.
PRADO, N. C. Processos morfofonológicos na formação de nomes deverbais com os sufixos -çon/-ção
e -mento: um estudo comparativo entre português arcaico e português brasileiro. Dissertação (Mestrado
em Linguística e Língua Portuguesa). Universidade Estadual Paulista, 2010. 193f.
23

3. Sintaxe da língua portuguesa: análise e ensino

É no discurso atualizado em frases que a língua se forma e se


configura. Aí começa a linguagem. Poder-se-ia dizer decalcando
uma fórmula clássica: nihil est in lingua quod no prius fuerit in
oratione.2. (Émile Benveniste)

Sabemos que, na interação linguística, seja oral ou escrita, os interlocutores não se


comunicam por meio de unidades isoladas, como fonemas, morfemas ou palavras soltas, mas se
utilizam de porções, os enunciados, que constroem sentidos. O processo pelo qual se dá a interação
é o texto, lugar de manifestação linguística do discurso e por meio do qual se pode entender o seu
funcionamento.
Sendo o texto caracterizado pela textualidade3, suas unidades componentes (as frases)
permitem uma série de combinações de segmentos linguísticos4, que, ao mesmo tempo, se
configuram como uma condição da própria textualidade (a coesão reflete bem esse aspecto). Daí
que o(s) sentido(s) dessas unidades é o reflexo do arranjo formal que o usuário da língua faz. Com
efeito, ao fazer uso da língua seja para se expressar ou compreender, o indivíduo elege um
conjunto de palavras que se combinam e se relacionam de maneira particular (seja no plano da
fonética, da fonologia, da morfologia, da sintaxe ou da semântica). Neste texto, tratamos de
introduzir alguns aspectos básicos no campo da sintaxe, em especial, do que se ocupa essa área.
O interesse pela análise gramatical tem sua gênese no Ocidente, a partir da Antiguidade
Clássica grega. Os estudos gregos direcionaram a composição dos gramáticos alexandrinos, que,
dentre outras coisas, foram os responsáveis por definir os vocábulos nas conhecidas classes
morfológicas (nome, verbo, pronome, artigo, particípio, advérbio, preposição e conjunção). No
entanto, a investigação em sintaxe é considerada relativamente recente, ainda que
posicionamentos sobre o tema sejam vistos a partir da Idade Média, com as gramáticas modistas.
Quando comparada à fonologia e à morfologia, logo se percebe que a pesquisa em sintaxe ocupou
um lugar secundário. Um dos trabalhos prógonos na área foi realizado por John Ries (Was ist
Syntax? – O que é Sintaxe?), em 1894. Assim, seu desenvolvimento só ganha destaque no último
século. Em virtude da carência de interesse na área, boa parte das explicações que encontramos
nos compêndios gramaticais são adaptações das análises feitas, inicialmente, das línguas grega e
latina na Antiguidade Clássica e, por essa razão, muitas vezes, não refletem os fatos linguísticos
nessa área.
Podemos dizer que o termo sintaxe se origina da palavra grega sýntaxis, cujo significado é
ordem, combinação, relação. Esclarecemos: a sintaxe é uma área de estudos linguísticos em que se
investigam os padrões estruturais dos enunciados e suas relações, isto é, o modo como se
combinam/relacionam/ordenam as unidades linguísticas no eixo sintagmático5 (lembra disso?).
Em outras palavras, a maneira como os elementos se combinam para formar uma oração6.
Voltando o nosso olhar para temos mais recentes, recordemos que o século XX é marcado
por significativos avanços no campo da ciência linguística, sobretudo, a partir do trabalho de
Ferdinando Saussure. Na sintaxe, especificamente, a segunda metade desse século configura-se
como um terreno fértil de análise, na medida em que se desenvolvem ferramentas formais capazes
de contribuir para pesquisas linguísticas mais aprofundadas no âmbito da sintaxe. Cabe ressaltar

2 “Nada existe na língua que não tenha existido primeiro na oração”. Benveniste, E. Problemas de linguística
geral. São Paulo: Nacional/Edusp, 1976.
3 A textualidade é um componente do saber linguístico dos indivíduos, que compreendem o fato de que um

conjunto de palavras, para constituir um texto, deve parecer aos interlocutores um todo articulado e com
sentido, pertinente e adequado à situação de interação em que ocorre.
4 Esses segmentos são os constituintes linguísticos, que serão vistos posteriormente.
5 As relações sintagmáticas referem-se ao caráter linear da língua, implicando que os signos sejam expressos

uns após os outros. Os signos compõem os sintagmas (sýntagma – corpo de tropa constituídos de soldados
dispostos um após o outro).
6 Os termos sentença e cláusula podem ser encontrados na literatura especializada para se referir à oração.
24

que as pesquisas sobre o domínio sintático se ampliaram em diversas correntes teóricas, em


maior ou menor medida, com aproximações e divergências teórico-metodológicas entre elas.
Isso significa que o caminho para a investigação em sintaxe depende do modo como é
concebida a língua e, consequentemente, a gramática. A título de exemplo, se observarmos o
clássico embate teórico entre formalistas e funcionalistas, podemos notar, em linhas gerais, que a
sintaxe formal conceitualiza a língua nela mesma, ou seja, nas suas propriedades internas e nas
relações que podem ser estabelecidas entre os constituintes e seus significados. Sob a ótica da
sintaxe funcional, a língua é tomada a partir da situação de interação, assim as estruturas
gramaticais se correlacionam de acordo com os contextos sociocomunicativos e refletem as
categoriais sociais e cognitivas dos indivíduos.
As combinações no domínio da sintaxe podem ocorrer por meios imateriais (a posição das
classes na oração ou a ocorrência da categoria vazia - Maria comprou um vestido e Ø deu Ø à Kátia),
por meios gramaticais (como a semelhança das terminações no caso da concordância nós
falamos/nós andamos), ou pelo uso de preposições e conjunções (como ocorre na transitividade
Maria comeu a maçã e Maria gosta de maçã).
Em face disso, as classes gramaticais (artigo, substantivo, verbo, adjetivo, advérbio,
numeral, preposição, conjunção e interjeição) desempenham, na oração, certas funções
linguísticas em dois caminhos: na estrutura sintagmática (determinação, quantificação,
qualificação, etc.) e na estrutura argumental (sujeito, núcleo do predicado, argumentos, etc). Em
linhas gerais, essas funções estão sujeitas à variação pelo uso que os falantes empregam. Isso
significa que a gramática de qualquer língua natural possui regras categóricas e cristalizadas pelo
uso e regras variáveis, em que os falantes selecionam, de acordo com seus propósitos, a
combinação que desejam usar.
Ainda para ilustrar o aspecto histórico, a sintaxe, no século XX, pode ser resumida em três
grandes teorias, que, posteriormente, contribuem para a germinação de outros quadros teóricos7,
a saber: (i) a Sintaxe Psicológica, que busca compreender a natureza e composição da oração, isto
é, sua estrutura lógica, e, para isso, se apoia numa visão mentalista da linguagem, de modo que,
partindo da introspecção, busca compreender as intenções de comunicação do falante; (ii) a
Sintaxe Estrutural, que objetiva entender como se dão as relações sintáticas, a partir da estrutura
interna da oração, de maneira que, considerando o caráter sintagmático, focaliza os modos de
combinação dos morfemas para, assim, fornecer generalizações indutivas sobre a línguas; (iii) no
campo da Sintaxe Transformacional, o intuito é elaborar uma própria teoria da linguagem que
explique o comportamento linguístico dos falantes de uma língua, ou seja, explicar como os seres
humanos são capazes de associar uma significação a uma cadeia de sons. De modo geral, esses três
modelos comungam a ideia de que as unidades obedecem aos princípios de sucessão e de
linearidade na língua.
Em síntese, o estudo da sintaxe como parte da ciência linguística dependerá das escolhas
teóricas que o examinador faz do fenômeno a ser observado. Isso, certamente, remete a uma
famosa proposição de Saussure: “bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista,
diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto” (1975, p. 15). É evidente que tal afirmação não
é exclusiva das investigações em sintaxe, mas se aplica aos demais domínios que uma língua
possui (fonética, fonologia, morfologia, semântica). Grosso modo, esses domínios caracterizam a
estrutura interna de uma língua, o que permite a distinção entre uma dada língua e outras
existentes.
Vale ressaltar que, embora esses domínios possam ser estudados de forma isolada, eles
atuam em conjunto para permitir que os falantes expressem o que desejam comunicar a seus
pares. Por exemplo, no enunciado José gosta de doce, podemos perceber que há uma regra que
obriga que os sons sejam pronunciados uns após os outros (domínio fonético/fonológico),
podemos observar a composição interna das palavras (como gost + a, no domínio morfológico) e,
ainda, a maneira como as palavras se combinam (José está relacionado ao verbo gostar, se
substituirmos pelo pronome ele, a relação permanece a mesma, todavia se a substituição for por
eles, o verbo, a priori, será alterado – domínio sintático).

7 A própria Sintaxe Funcional germina em oposição a ideias formalistas.


25

É a sintaxe que permite ao falante distinguir entre um enunciado gramatical e


agramatical8 em sua língua, assim uma sentença como *bonitos tem muito Amapá rios o logo é
reconhecida como não pertencente ao português. Na mesma linha, certas combinações como (a)
Maria comprou um carro novo; (b) Um carro novo, Maria comprou; (c) Comprou um carro novo,
Maria; (d) Comprou Maria um carro novo são possíveis nessa língua. Nos casos (a)-(d)
identificamos que quem compra algo é Maria, ao passo de o que se compra é um carro novo. Por
que fazemos essa leitura? Simplesmente porque conhecemos as possibilidades e os limites de
combinação das regras da nossa língua. Logicamente, a inversão da ordem dos elementos não é
aleatória e nem sempre preserva o significado, como em O cachorro correu atrás do gato e O gato
correu atrás do cachorro. Como se pode ver brevemente nesses casos, as restrições são de ordem
sintática e não de outra natureza. É, pois, as possibilidades e limites de combinação dos segmentos
nas orações produzidas pelos falantes que constituem objeto de investigação nesse campo de
estudos.
É importante recordar que, dada a dinamicidade de uma língua, suas regras estão sempre
sujeitas a mudanças, inclusive no campo da sintaxe. O fato é que, concordando com Othero e
Kenedy (2015, p. 9), podemos dizer “sem a sintaxe, haveria severas limitações ao que um humano
poderia pensar, dizer e fazer”.

A descrição sintática: considerações de Perini

Tomando por base o texto de Perini (2008), pode-se afirmar, sucintamente, que o
estudo da língua visa compreender como certas imagens acústicas (formas) se associam a
determinados conceitos, em termos saussureanos. Em linhas gerais, o falante faz um processo
ativo de análise que permite abarcar formas e conceitos que se assemelham ou distinguem.
Por exemplo, pode-se dizer que casa e casas são formas distintas, ainda que haja um
relacionamento gramatical e semântico (ligado ao significado) entre elas. Ocorre que esse
processo não é uma consequência da simples semelhança formal refletida na
presença/ausência de “s”, pois, se assim o fosse, a relação seria a mesma para trabalha e
trabalhas ou Dante e dantes.
Uma pergunta que permeia ao texto de Perini é a seguinte: “de que é que o receptor
dispõe, em um primeiro momento, para decodificar uma sequência formal?” Ora, o receptor
utiliza a combinação entre uma sequência forma, acessível aos sentidos, mais seu conhecimento
de gramática e léxico. Assim, numa sequência como (1) [O fazendeiro] [[matou] [um patinho]], o
indivíduo lança mão automaticamente de alguns conhecimentos, tais como: a) o conhecimento
das unidades que formam o léxico; b) o entendimento de algumas regras que governam “o jogo
de xadrez”, por exemplo, o é tipicamente início de um Sintagma Nominal (SN), fazendeiro é
aceitável como continuação/núcleo do SN, matou é aceitável como a forma do verbo matar
(note-se a estrutura e a concordância), a sequência o fazendeiro matou é aceitável como o início
de uma oração que permite a junção de outro SN (o patinho). Todas essas colocações são
hipóteses sobre as regras do jogo, mas não são necessariamente as regras. Uma sequência como
(2) Os fazendeiros entravam a aplicação da nova lei é uma prova de que uma hipótese pode ou
não ser confirmada, pois o verbo pode ser interpretado, primeiramente, como entrar (mais
frequente) e não entravar.
Esse exemplo ilustra a preocupação em delimitar fenômenos com base na forma e/ou
no significado. Em outras palavras, atrelando as formas a noções semântico-pragmáticas (que
envolvem as relações contextuais). Se considerarmos os dois planos (forma e conteúdo), para
responder a pergunta de Perini, podemos dizer que o receptor dispõe dos seguintes
conhecimentos para decodificar uma sequência: (i) da sequência formal (acessível ao
sentidos); (ii) de seu conhecimento da gramática e do léxico; (iii) de seu conhecimento geral
do mundo (memória semântica); (iv) de sua percepção do contexto natural e/ou social em que

8 Uma sentença agramatical é aquela que, em geral, é impossível de ser produzida por um falante nativo,
independentemente do seu grau de escolaridade, pois se refere a aspectos da gramática internalizada. A
agramaticalidade é marcada por um asterisco (*).
26

a sequência é enunciada.
A partir dessa compreensão, o pesquisador pode delimitar de que maneira analisará
um determinado fenômeno. No entanto, certas opções são controversas, por exemplo, é
praticamente impossível que um pesquisador consiga dar conta de um fenômeno por
completo, isso porque se levar em conta um número excessivo de fatores, os dados se
mostrarão de modo complexo, de forma que a formulação de hipóteses poderá ser prejudicada.
Além disso, existe uma grande necessidade de que os procedimentos metodológicos de análise
levem em conta os dados reais de fala e de escrita, ou seja, dados empíricos coletados em
corpus/corpora linguístico.
Ao longo de seu texto, Perini tece críticas severas a posições teóricas que não
consideram os dados da língua para observação dos fenômenos. Ao mesmo tempo, admoesta
o posicionamento dos linguistas (sobretudo, dos gerativistas1) quanto à maneira de seleção e
análise dos dados. Isso confere um conjunto de problemas às análises: a falta de dados que
comprovem/refutem as hipóteses, as diferentes nomenclaturas sobre um mesmo fenômeno, a
dificuldade de acesso às evidências, entre outros. Em nota, o autor advoga que o trabalho de
pesquisa com base na gramática tradicional já não é adotado há mais de 50 anos, sendo apenas
utilizada nos ensinos fundamental e médio.
O texto de Perini, de certo modo, introduz algumas categorias em que há certo
consenso entre os linguistas, por exemplo, quanto aos níveis de análise. No âmbito da sintaxe,
as noções de constituinte, oração, período possuem anuência na maioria dos trabalhos
descritivos. Sabe-se, ainda, sobre o profundo interesse nas relações estruturais que se
estabelecem na concordância verbal, concordância nominal, regência/valência, coordenação e
subordinação (parataxe e hipotaxe), entre outras.
Nas linhas teóricas, os fenômenos sintáticos podem ser tomados a partir dos resultados
de regras puramente formais, como também como fenômenos complexos que envolvem a
parte formal e os componentes semântico e discursivo. É o domínio sintático que se configura
como o campo de maior divergência entre os estudiosos.
Como exemplo, Perini (2008) apresenta o caso do sujeito “oculto”. Retomando a
discussão sobre forma e conceito (significado) e, assumindo a forma como ortografia, o autor
apresenta o caso da sequência (3) Comi uma pizza. Para representar o campo da significação,
são elencados alguns pontos de estudo: “o agente sou eu”, “a ação é de comer”, “a ação ocorreu
no passado”, “o paciente é a pizza”, “a pizza é apenas uma”, “a pizza não foi mencionada
anteriormente no discurso”.
Como sabemos quem é o agente? Como sabemos que a pizza não foi mencionada antes?
Argumentando que o receptor processa frases a partir apenas de informação sensorialmente
perceptível, utilizando seu conhecimento sobre a língua e o mundo. Se a sequência for (4) Eu
comi uma pizza, podemos dizer que se trata da mesma sequência? A resposta depende do
ponto de vista. Sob uma ótica formal, existe uma diferença entre as orações, ou seja, a
ausência/presença de eu. Ainda que não acarrete diferença semântica (significado), não se
pode dizer que as orações são equivalentes. De certo modo, (4) possui duas fontes de
informação sobre “o agente sou eu”, enquanto que (3) apenas uma.
Se fizermos uma distinção entre sujeito (uma noção formal – sintagma presente e
integrado de certa forma na estrutura) e agente (uma noção semântica – elemento animado que
deliberadamente pratica uma ação), podemos dizer que (4) tem sujeito, mas (3) não tem, ainda
que esta sinalize adequadamente o agente como sendo eu. Ora, se tomarmos uma acepção
correntemente encontrada em livros didáticos de que o sujeito é o elemento com que o verbo
concorda, então, com que comi concorda em [10]?
O que se percebe é uma confusão entre critérios formais (morfológicos e sintáticos) e
semânticos para designar uma determinada categoria. A postulação de sujeitos ocultos é
advinda da imprecisão feita tradicionalmente entre sujeito e agente – elementos que, embora
tenham alguma relação, não são análogos. Sob o ponto de vista adotado por Perini, um sujeito
oculto não faz parte do nível formal, assim, o sujeito teria que ser “inferido” pelo receptor a
partir da desinência verbal (a pista morfológica). Ao se retirar essa pista, fica impossível em (3)
designar quem é o agente da ação (com- uma pizza).
27

Por essa razão, as pesquisas linguísticas mais recentes, principalmente a partir da


década de 1970 (“virada pragmática”) assumem um olhar que considera a interface sintaxe-
semântica na análise e interpretação dos fenômenos linguísticos, como é o caso das diversas
abordagens rotuladas como “funcionalistas”.

Notas sobre a Sintaxe Gerativa

Desde o seu surgimento, os estudos gerativistas impulsionaram muitas pesquisas no


âmbito da sintaxe, seja para desenvolvê-la ou criticá-la. Um indício desse sucesso pode ser
visto nas inúmeras contribuições que o gerativismo fez às ciências da computação. Talvez você
não saiba, mas seu computador e seu celular, provavelmente, possuem algum aplicativo que
utiliza dados da sintaxe gerativa em sua composição.
Uma característica do trabalho chomskiano é a tentativa de explicar o caráter gerativo
das línguas naturais (daí o nome da teoria), ou seja, desvendar como o falante consegue gerar
inúmeras combinações (frases) com elementos finitos (fonemas, morfemas, palavras e regras
de combinação – computacionais). Em síntese, o caráter gerativo das línguas revela-se, em
especial, no componente sintático da gramática.
As unidades infinitas (os sintagmas) são gerados na medida em que são engendrados
pela sintaxe, ou seja, não estão previamente prontos, por esse motivo, não podem ser
memorizados pelos falantes. É nesse ponto que entra a competência linguística, tornando o
indivíduo capaz de produzir e compreende rum número infinito de frases.
Um pressuposto gerativista é o de que, em nenhuma língua, é possível combinar
aleatoriamente itens lexicais, sintagmas ou orações e ter como resultado uma frase normal.
Dito de outro modo, apenas algumas combinações sintáticas são permitidas. Em português, por
exemplo, a regra de formação de um sintagma nominal restringe a posição do artigo à esquerda
do núcleo como em [o livro] e não *[livro o]. Esse exemplo parece óbvio, mas o fato é que certas
línguas sequer possuem artigos (como Libras) e outras o pospõem aos nomes (como o
romeno)
Assim, o objetivo de um sintaticista gerativista é elucidar como as regras de uma língua
geram estruturas sintáticas gramaticais e impedem certas estruturas agramaticais. Essas
regras aplicam-se a um conjunto de línguas, mas não a todas as línguas naturais. Na oração O
professor disse que o aluno não o reconheceu na festa, entendemos facilmente que o se refere a
professor e não a aluno, mas se substituirmos o pelo reflexivo se, automaticamente saberemos
que este se refere a aluno e não ao professor. Essa regra se aplica a outras línguas: pronomes
anafóricos ocupam uma oração diferente da de seu referente, ao passo que pronomes
reflexivos e referentes ocupam a mesma oração.
Em versão mais recente, o gerativismo postula princípios e parâmetros na organização
das línguas. Grosso modo, os princípios são regras invariáveis de combinações compartilhadas
por todas as línguas (a gramática universal), e os parâmetros que são variáveis de uma língua
por outra. Com base nisso, podemos dizer que português e japonês se aproximam, por exemplo,
compartilham o princípio da subordinação (uma oração [João é feliz] pode ser estruturada
numa dada frase como complemento de outra [Paulo acha que [João é feliz]]), mas codificam
essa regra, em termos de parâmetro, de maneiras diferentes.
Na perspectiva de Chomsky, a sintaxe é autônoma em relação à semântica, porque é
capaz de gerar formais gramaticais sem conteúdo semântico “normal”. Como se pode ver, essa
visão se afasta sobremaneira de outras teorias que apresentam o componente semântico-
discursivo como inerente à formação das estruturas.

Descrição linguística no viés funcionalista

O funcionalismo, de modo geral, rejeita a autonomia da sintaxe, advogando que os


domínios sintático-semânticos e discursivo-pragmáticos são inter-relacionados e
interdependentes, de maneira que fatores semânticos e pragmáticos devem ser levados em conta
na investigação linguística. Considera, ainda, que as categorias linguísticas não são discretas,
28

isto é, não há fronteiras estanques e nítidas entre as categorias, de forma que elas podem ser
tratadas numa ótica escalar ou gradiente, distribuídas num continuum a partir de um feixe de
atributos mais ou menos presentes (Taylor, 2003).
A linguística funcional centrada no uso defende que no estudo das formas linguísticas é
essencial levar em conta o papel que a forma desempenha, isto é, sua função. Nessa visão, a
gramática é tomada como a representação cognitiva da experiência dos indivíduos com a língua;
logo, o uso linguístico motiva sua estrutura (Bybee, 2010). A expressão linguística é, pois, uma
pista para rastrear o complexo mosaico cognitivo que subjaz a ela. Dessa maneira, falante e
ouvinte estão no centro da construção do significado e negociam esses significados nas situações
de interação; logo, o tratamento dado à estrutura linguística não pode estar dissociado do
significado, nem dos contextos de produção.

Alguns exemplos da sintaxe do português em oposição à gramática tradicional

1. O caso dos clíticos no PB (a rainha das questiúnculas gramaticais, segundo Faraco):


Perseguição purista ao fenômeno da próclise, tratada como incorreta do ponto de vista
tradicional. Elogia-se o uso obrigatório da ênclise como regra geral a suposta
obrigatoriedade da mesóclise. Pesquisas baseadas em uso identificam como regra geral do
PB: Os clíticos se posicionam sempre antes do verbo principal.

Ambiente sintático Exemplo


Início de frase Me empreste o livro.
Aux + Infinitivo Maria disse que pode te ajudar
Aux + Part. Passado Maria tem nos ajudado muito.
Aux + Gerúndio Maria estava te procurando.
Imperativo Se vire para eu ver como ficou a roupa.

Quando Perini (2008) critica a ausência de dados, de certo modo, critica a não
inclusão desses casos na descrição linguística. Ou seja, a seleção daquilo que é analisável ou
não pelo pesquisador.
No corpus do NURC-Brasil, das 160 ocorrências do clítico me, somente 5 não estavam
em próclise, ou seja 97% foi o uso da próclise. A ênclise ocorreu em expressões formulaicas
como parece-me (2), deixe-me ver (1), hipercorreção falta-me condições (1) e alguém que
me pudesse prestar informação (1)

2. Vários fenômenos linguísticos se modificam a partir do tempo, formas gramaticais


envelhecem e outras surgem como parte de (re)processamentos cognitivos, por parte dos
falantes, impostos aos recursos gramaticais já existentes. Um desses processos é a
metáfora (passagem de um item + concreto para +abstrato ou de espaço para tempo):

a) O uso metafórico de certos verbos (por exemplo, pegar): Peguei uma maçã / Peguei susto
/ Daí ele pega e diz isso
b) Deslocamento no espaço: Vou para Caicó amanhã – todo deslocamento espacial também
implica deslocamento no tempo (os falantes sempre enxergaram uma relação tempo-
espaço como uma única coisa, assim como Einstein afirmou no século XX). Essa relação
é vista no caso de ir como marcador de futuro: Não vou jogar bola amanhã / Hoje vou ficar
em casa descansando / vou dormir / vou voltar daqui a pouco > Implica mudança no
campo da morfologia (desinência de futuro) e no âmbito da sintaxe. E não é exclusivo
do PB. Em outras línguas como o inglês (I’m going to sleep/ she went mad)

3. Concordância: um princípio que opera na fonologia e na morfossintaxe é o da economia


linguística, por exemplo, “eliminação de redundâncias”. Pode ser expresso assim <se
29

determinada categoria sintática já vem expressa num elemento do sintagma, não precisa
ser expressa nos demais>. A concordância exemplifica bem esse fenômeno. Por exemplo,
as casa amarela.

4. Relativização (orações relativas): Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2014) apontam para o
fato de a gramática tradicional definir as orações relativas em restritivas e explicativas,
sendo esta sua configuração prototípica. Nessa linha, os compêndios caracterizam as
orações relativas como aquelas que apresentam “(a) um pronome relativo; (b) estrutura
oracional aparentemente incompleta, logo após o relativo; c) articulação de um elemento
nominal + relativo + estrutura oracional aparentemente incompleta” (p. 89), conforme pode
ser visto em O rio que corta a cidade transbordou. Os autores orientam que há casos que
extrapolam o que é predizível pelos compêndios gramaticais, como acontece em O rio que
ele corta a cidade transbordou, cujo antecedente do pronome relativo, por meio do
anafórico ele, é copiado na oração subordinada; e A declaração que eu preciso dela não está
pronta, em que se verifica a supressão da preposição de, após o verbo preciso. Os usos das
orações relativas não padrão, tratados como desvios na gramática tradicional, são
amplamente empregados pelos usuários da língua em diferentes contextos
sociodiscursivos. Desse modo, os pesquisadores destacam que tais estratégias podem ser
levadas ao debate em sala de aula, ao passo que evidenciam a necessidade de se
“reconsiderar o tratamento dado às formas não-padrão da construção relativa no ambiente
escolar” (Furtado da Cunha, Bispo e Silva, 2014, p. 90). A reflexão sobre as
semelhanças/diferenças do ponto de vista estrutural e semântico entre as orações
canônicas e as relativas não padrão permite investigar os contextos comunicativos em que
o falante prefere usar uma forma em detrimento da outra, assim como proporcionar a
discussão sobre as situações comunicativas em que uma estratégia seria mais adequada do
que a outra. Esse caminho oportuniza frisar para os alunos que a expressão linguística está
diretamente ligada às condições de produção e aos contextos sociodiscursivos.

Notas sobre a sentença

Quando nos expressamos por meio de sentenças (o que fazemos o tempo todo!),
selecionamos elementos que indicam nossa perspectiva sobre determinado evento. Cada evento
expressa uma atividade, um estado e até uma sucessão de eventos. Para que esses eventos sejam
expressos, levamos em conta o uso de verbos, que, por sua vez, envolvem (selecionando e
restringindo) certos participantes, isto é, determinados argumentos.
O modo como o verbo e seus argumentos se organiza é conhecido como estrutura
argumental, cujo estudo abarca questões relacionadas a própria estrutura gramatical
(morfossintática), bem como a estrutura semântico-discursiva.
A estrutura argumental pode ser compreendia a partir de parâmetros, reunidos na
expressão, que configuram os eventos, a saber:

Traços Tipo de evento Exemplo


[+ dinâmico] [+ controle] Ação Maria abriu a porta.
[+ dinâmico] [- controle] Processo A madeira secou.
[- dinâmico] [+ controle] Posição Maria deseja a vitória.
[- dinâmico] [- controle] Estado Maria tem um carro.

Os argumentos de um verbo podem ser centrais (também chamados de nucleares) ou


oblíquos (também conhecidos como satélites). Os primeiros são aqueles exigidos pelo verbo, já os
segundos insinuam uma informação complementar. “A estrutura sintática da sentença
fundamenta-se nos arranjos lexicais de que ela é formada, os sintagmas, bem como nas funções
30

que decorrem do relacionamento entre esses sintagmas” (Castilho, 2006, p. 249)9.


Um dos problemas relacionados à estrutura argumental da sentença está relacionado à
transitividade (conhecida também como regência verbal, valência verbal, predicação e outros
correlatos). Para exemplificar, a Gramática Tradicional define a transitividade como uma
propriedade do verbo, assim verbos transitivos são aqueles que passam sua ação ao complemento,
ao passo que os verbos intransitivos são aqueles que encerram a ação em si mesmos.
Sabemos que essa definição é amplamente questionada, na medida em que há a
transitividade é uma categoria fluida, dependente do contexto sintático e discursivo. Além disso,
a transitividade é uma propriedade da sentença, não do verbo que a constrói. “Não há verbos
exclusivamente transitivos, nem verbos exclusivamente intransitivos. É o uso na sentença que
explicita a decisão tomada pelo falante” (Castilho, 2006, p. 263), como se pode ver em:

(1) Vivi bem.


(2) Vivi uma vida legal.

Por ora, a nossa análise não aprofundará a análise da transitividade do ponto de vista
semântico, ou seja, observando os papéis temáticos desempenhados pelos argumentos (como
agente, paciente, objetivo, tema, meta etc.) e outros traços semântico-discursivos.
A organização da sentença é um fenômeno variável de língua para língua10. A título de
exemplo, podemos lembrar que há línguas que exigem o preenchimento dos lugares argumentais
(línguas “não-pro-drop”), enquanto outras permitem o preenchimento opcional (línguas “pro-
drop”). Examine:

(3) a. – Você viu quem passou por aí?


b. – Vi. → Observe que os argumentos foram omitidos,
preenchidos por uma categoria vazia: Ø vi Ø.
(4) *Saw. → Sendo obrigatório I saw him.
(5) *Ai vu. → Exigindo-se Je l’ai vu.

Outro ponto a ser considerado diz respeito à ordenação da sentença, isto é, ao modo como
se apresentam os constituintes no eixo sintagmático. O português possui uma ordem canônica11
que chamamos de SVO ou S (=Sujeito) – V (=Verbo) – O (=Objeto). Assim, em Maria comeu a maçã
é possível observar um exemplo dessa ordenação. Ocorre que em português, verificamos
sentenças como

(6) A maçã, Maria comeu. (OSV) Essas variações são os casos de ordem marcada
(7) Maria a maçã comeu. (SOV) (menos frequentes, mais específicos e assinalados
(8) Comeu Maria a ação. (VSO) comumente com pausas).

A investigação da ordenação da sentença é útil aos estudos comparativos da línguas,


enfatizando as similaridades entre as línguas (universais linguísticos), com o objetivo de (1)
rastrear pistas de como os seres humanos gravam dados em sua memória (e o estudo das línguas
é um traço importante nessa investigação) e (2) descrever as línguas, sobretudo, aquelas que não
possuem documentação (o Amapá tem muito trabalho a ser feito nesse aspecto).
As línguas podem apresentar ordem diferentes de configuração dos constituintes. Para ser
considerada básica/canônica/não marcada, a ordem deve atender a alguns critérios: “a maior
frequência de ocorrência, a menor marcação pragmática e morfológica, a maior produtividade

9 Sugiro a observação do item 6.1 (Propriedades gramaticais da sentença) do texto de Castilho. O autor vai
apresentar que a discussão sobre a sentença é muito antiga e demonstrar diferentes definições sobre o que
é a sentença.
10 O estudo comparativo entre línguas, denomina-se tipologia.
11 A palavra canônica diz respeito à ordem preferencial, considerada também não marcada. O elemento não

marcado geralmente é aquele mais frequente e representativo.


31

gramatical, o maior grau de harmonia intercategorial” (Oliveira, 2015, p. 88).


Existem seis ordens possíveis que podem ocorrer nas línguas: SVO, SOB, VSO, VOS, OSV e
OVS. Dessas, apenas três são consideradas ordem dominantes: SOV, SVO e VSO, como se vê em
japonês, inglês e tembé:

(9) Ida okashi kau (SOV) – Ida comprou o doce


(10) John ate cake (SVO) – João comeu bolo
(11) u?u teko upaw pira (VSO) – A gente comeu todo o peixe

O estudo de Dryer (1992) demonstrou que a ordem de maior ocorrência no mundo é a


SOV, seguida da ordem SVO. A língua índigena xavante é um caso de ordem SOV, como se pode ver
em:

(12) aibö tebe ma ti’re


homem peixe 3ª/pass. comer
O homem comeu peixe

Na sintaxe tipológica, a marcação de casos das línguas é bastante estudada. Dessa forma,
analisam-se as possibilidades de organização dos constituintes na oração, de maneira que se faz
uma distinção entre S (Sujeito intransitivo), A (Sujeito transitivo) e O (Objeto). Em síntese, as
línguas são classificadas em sistemas nominativo-acusativo, ergativo-absolutivo ou, ainda,
ativo/estativo.

Sistema Síntese Esquema Exemplo


Nominativo- O sujeito de uma oração transitiva possui ASO Eu (S) corri.
acusativo marcações idênticas ao sujeito de uma oração Eu (A) te (O) levei.
intransitiva
Ergativo- O sujeito de uma oração intransitiva recebe a ASO Me (S) corri.
absolutivo mesma marca que o objeto, estes se opondo ao Eu (A) te (O) levei.
sujeito de uma oração transitiva.
Ativo-estativo O sujeito pode se comportar de forma idêntica ao ASO Eu (S) corri.
sujeito da transitiva ou ao objeto. Me (S) corri.
Eu (A) te (O) levei.
Línguas que possuem características tanto do sistema acusativo quanto do sistema ergativo, são chamadas de
cindidas. A cisão pode ocorrer a partir de diversos mecanismos.

Essa marcação ocorre porque precisamos, de algum modo, distinguir as funções dos SNs
que compõem uma sentença. Nem sempre a função vai estar diretamente relacionada à relação
gramatical.

Referências:
ALMEIDA, M. J. A. Transitividade, ergatividade e a ordem verbo-sujeito no processo de aquisição do
português. Veredas: revista de estudos linguísticos. Juiz de Fora, 2009,v. 3, n. 2, pp. 21-30.
BORBA, F. S. Níveis de adequação teórica. In: _____. Teoria Sintática. São Paulo: Edusp, 1979, pp. 1-17.
CASTILHO, A. O que se entende por língua e por gramática. In: _____. Nova Gramática do Português
Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014, pp. 41-59; 243-252.
DRYER, M. S. Order of Subject, Object and Verb. In: DRYER, M. S.; HASPELMATH, M. (Eds.). The World Atlas
of Language Structures. Leipzig: Max Planck Institute. Disponível em < https://wals.info/chapter/81>
Acesso em 03 fev. 2019.
KENEDY, E. Sintaxe gerativa. In: OTHERO, G. A. Sintaxe, sintaxes. São Paulo: Contexto, 2015, pp. 11-26.
OLIVEIRA, R. C. Sintaxe Tipológica. In: OTHERO, G. A. Sintaxe, sintaxes. SãoPaulo: Contexto, 2015, pp. 86-
102.
OTHERO, G. A.; KENEDY, E. Sintaxe, sintaxes. São Paulo: Contexto, 2015.
PERINI, M. A. Por uma metodologia da descrição gramatical. In: Estudos de Gramática Descritiva: As
valências verbais. São Paulo: Parábola, 2009. pp. 13-36.
SAUSSURE, F. Princípios de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1975.
32

4. Semântica e pragmática da língua portuguesa: análise e ensino

O centro da gravidade da língua não reside na conformidade à norma


da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire
no contexto. (Mikhail Bakhtin12)

Semântica e pragmática constituem campos distintos que se relacionam intimamente.


Ambas são campos de limites movediços, pois o modo como cada uma é abordada é determinado
pelo lugar teórico-metodológico de quem as acuradamente observa. De antemão, salientamos que
não se tratam de campos dicotômicos nem excludentes, mas que se encontram em permanente e
profícuo diálogo. Desse modo, a escolha entre uma visão modular e uma visão não modular de
semântica e pragmática está diretamente ligada ao viés teórico de quem as analisa.
Nesse viés dialógico, apontamos, neste texto, aspectos relacionados de modo geral à
semântica e a pragmática sem a preocupação, a priori, de delimitar as linhas teóricas que
envolvem a reflexão sobre a significação e o uso linguístico. Assim, lançamos mão de diferentes
contribuições desses campos de estudo, diluídas ao longo deste texto, fazendo referências mais
ou menos claras aos escopos teóricos subjacentes a essas contribuições. Intentamos, aqui,
salientar que as conexões entre semântica e pragmática devem ser entendidas dentro de um
ângulo relacional, interativo e contextual. Advogamos, portanto, que semântica e pragmática
possuem uma relação simbiótica, na medida em que, no uso linguístico, esses domínios
caminham juntos, imbricam-se. A compreensão do dito (semântica) e a leitura do que é dito
(pragmática) a alguém, através de um ato de fala, são duas faces da mesma moeda, são
complementares e imprescindíveis para a significação e para a comunicação linguística.
A semântica é uma área do conhecimento que se preocupa, a priori, com a natureza da
significação. Para além do significado da sentença em si, a semântica se interessa pela capacidade
que um falante tem para interpretar qualquer sentença de sua língua. A pragmática é a parte do
estudo da língua que focaliza os falantes que se engajam em eventos comunicativos concretos e
colocam a língua em funcionamento. Em linhas gerais, ambas se interessam pelos processos de
significação, mas os investigam mobilizando olhares distintos.
Considerando que os sentidos não estão prontos nem dados, nem há uma relação direta
entre língua e mundo, essas disciplinas auxiliam na compreensão dos processos envolvidos na
construção dos sentidos produzidos a partir das práticas de interação verbal.
Embora o interesse pela significação remonte à Filosofia Clássica, a investigação semântica
tem seu marco fundador no final do século XIV, com o trabalho de M. Bréal. Seu desenvolvimento
é bastante profícuo no século passado, a partir das linhas teóricas que a desenvolvem, dentre as
quais, destacamos a semântica formal, a semântica argumentativa, a semântica lexical e a
semântica cognitiva.
Muito resumidamente, a semântica formal tem base na lógica aristotélica e descreve o
problema do significado a partir do postulado de que as sentenças se estruturam logicamente,
além disso, fundamentada em Gottlob Frege discute noções como sentido e referência, condições
de verdade das sentenças, entre outros; em síntese, considera como uma propriedade central das
línguas humanas o fato de que as línguas naturais são utilizadas para estabelecermos uma
referencialidade.
A semântica argumentativa ou enunciativa, pautada nos estudos de Oswald Ducrot,
afasta-se da semântica formal e reflete sobre língua, enunciação e os processos semânticos
envolvidos nos processos enunciativos. Interessada em temas como polifonia, pressuposição etc.
evidencia que usamos a linguagem não para falar algo sobre o mundo, mas para convencermos
nosso interlocutor a entrar no nosso jogo argumentativo. Dito de outra maneira, ela considera o
enunciado a fonte prioritária da informação a ser transmitida e entende que é a intencionalidade
do falante que denota a significação contida na mensagem.
A semântica lexical estuda o significado individualizado dos itens lexicais e as relações
semânticas que mantêm com outros itens lexicais (o léxico pode ser compreendido como um

12 BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 271.
33

componente das línguas, um conjunto aberto em constante atualização, que tem por função
produzir, armazenar, processar e transmitir signos que os falantes utilizam13), considerando,
numa perspectiva mais recente, o significado cognitivo, que envolve a relação entre a língua e os
construtos mentais, que de alguma maneira representam ou estão codificados no conhecimento
semântico do falante. Pode-se dizer que é o estudo do que itens lexicais individuais significam,
porque eles querem dizer o que dizem, e como podemos representar tudo isso. Essa área tem uma
grande afinidade com campos como a lexicologia (estudo científico do vocabulário de uma
língua) e a lexicografia (estudo que se ocupa da confecção de dicionários) e a estilística (estudo
dos efeitos de expressão da linguagem).
A semântica cognitiva, inspirada nos estudos de George Lakoff e Mark Johnson, postula
que o significado é central no tratamento sobre a linguagem, de modo que a forma linguística é
oriunda da significação, que, por sua vez, emerge da nossa relação sensório-corpórea com o
mundo e dos processos cognitivos subjacentes a essa relação. A semântica cognitiva trata a
comunicação como elemento resultante entre a interação do sujeito o seu contexto e
conhecimento de mundo. Interessa a essa linha, por exemplo, estudos relacionados aos processos
metafóricos e metonímicos que nos permitem realizar extensões semânticas.
No caso da pragmática, várias vertentes teórico-metodológicas advindas da filosofia e da
linguística suscitaram reflexões sobre a fala, o sujeito e os fatos contextuais (mediatos e
imediatos) no processo efetivo de comunicação verbal. O termo pragmática aparece pela
primeira vez no século XIX, no trabalho do filósofo Charles Peirce. Seu seguidor, Charles Morris,
ampliou a noção, ao afirmar que a pragmática é o estudo dos signos com os intérpretes, isto é, os
usuários dos signos. Morris parte do princípio de que expressões como olá e bom dia, só ganham
sentido quando referidas aos usuários da língua. De lá para cá, muitas acepções (Cf. Armengaud,
2006) foram evidenciadas para esse termo; todavia, em maior ou menor medida, a depender do
escopo teórico, uma ideia central percorre essas correntes: cabe à pragmática investigar os usos
linguísticos.
É essencial frisar que a pragmática surge num contexto de oposição às ideias linguísticas
formalistas, que incluem a abordagem estruturalista e gerativista, bem como algumas propostas
da semântica formal. O polo formalista exclui reflexões alusivas ao sentido e sua relação com os
aspectos extralinguísticos. Os estudos que refutam as ideias formalistas mobilizam um
movimento de guinada nos estudos linguísticos, conhecido popularmente como “virada
pragmática”. Em suma, o que esse movimento faz é germinar, em um terreno fértil de estudos,
uma visão de língua em seus usos concretos.
Dos quadros teóricos da pragmática, destacamos o pragmatismo americano, a teoria dos
atos de fala e alguns estudos no campo da comunicação. O pragmatismo americano incorpora a
ideia de uma tríade pragmática que envolve essencialmente o signo (o sinal), o objeto (aquilo a
que este sinal remete) e o interlocutor (a quem ele significa). Esse quadro incorpora a ideia de um
sujeito que se constitui na atividade linguística, de modo que ele não preexiste à atividade
linguística. É fruto do pragmatismo americano a concepção de que sintaxe, semântica e
pragmática são domínios igualmente importantes e interdependentes.
Por sua vez, a teoria dos atos de fala, defendida por John Austin e outros, a qual assinala
a linguagem como ação, ou seja, construída no ato de fala. Desse modo, é necessário olhar a
linguagem usada no cotidiano pelos falantes que mobilizam os enunciados em situações concretas
de enunciação. No que tange aos estudos da comunicação, esses recebem contribuições dos
quadros teóricos já mencionados alinhados a perspectiva filosófica historicista, o que resulta em
rico trabalho. É dessa fase que se aprofundam questões afetas à inclusão de aspectos
extralinguísticos, como a noção de que a classe social interfere na expressão linguística. De
maneira geral, a partir dos estudos pragmáticos, a reflexão sobre os processos de produção e
compreensão dos enunciados teve seus horizontes alargados e o contexto passou a figurar nessas
reflexões como constitutivo dos processos de significação, não ficando restrito à condição de
acessório, como se estivesse ao redor do enunciado.

13O léxico de uma língua é virtual. Quando uma palavra do léxico se materializa em um determinado texto,
passa a integrar o seu vocabulário.
34

A semântica lida com os sentidos que atribuímos às sentenças e expressões de uma língua
natural (uma a língua que aprendemos no berço, sem aprendizagem formal, sem ir para a escola).
Assim, é necessário distinguir o significado do significado não-linguístico, este compreende o
significado que atribuímos a objetos (ou fatos) no mundo e a símbolos que não são parte das
línguas naturais, já aquele diz respeito ao sentido veiculado por palavra ou expressão nas línguas
naturais.
É claro que a significação linguística está além das fronteiras da própria expressão, pois
depende do fundo conversacional em que se dá a interação linguística, ou seja, depende de outros
fatores vinculados à pragmática. Esta, por sua vez, lida com os significados a partir do cálculo
inferencial feito pelos usuários da língua, é uma área que se preocupa com o significado do falante,
com a reconstrução da sua intenção de dizer no ato em que profere uma expressão linguística.
Isso porque a pragmática considera que o falante mobiliza outras informações além daqueles
oriundas dos ignificado da sentença, como o conhecimento prévio dos interlocutores, as
intenções, o que já foi dito antes, entre outras.
Frege fez uma grande contribuição aos estudos sobre o significado. Classicamente, o
significado era entendido como o objeto em si no mundo, Frege propôs a distinção entre dois
aspectos do significado: a que objeto esse significado se refere e o sentido da expressão (ou
pensamento) que está atrelado a essa expressão. Por exemplo, na sentenças A mãe é a mãe e A
mãe é a Ana, pode ser entendido que elas assinalam sentidos diferentes (a característica da mãe
ser uma mãe singular e a informação de que a mãe é uma pessoa com nome Ana), ou seja, o
pensamento que elas veiculam não é o mesmo, embora elas denotem o mesmo objeto. Em outras
palavras, o significado comporta duas faces, a referência, que é o objeto no mundo, e o sentido,
o modo como conhecemos esse objeto, o caminho que nos leva até ele. Assim, um mesmo objeto
pode ser apresentado de diferentes modos por caminhos diversos.
Todavia, essa perspectiva de sentido e referência é puramente formal, na medida em que
a linguagem acaba por ser um meio para alcançarmos uma verdade que está fora da própria
linguagem. Advogam os semanticistas que sentido e referência são construídos no próprio
funcionamento da linguagem, de modo que não são objetos que se encontram foram dela, mas
ilusões criadas pelo próprio jogo linguajeiro a partir das percepções sensório-motoras dos
indivíduos com o mundo. Dado isso, a semântica argumentativa aponta que a significação está
para a frase (o nível gramatical), o sentido está para o enunciado, a realização histórica da frase.
Podemos afirmar, numa análise mais criteriosa, ao contrário do que, em geral, se diz, significado
e sentido não são a mesma coisa. O significado é direto, literal, explícito, enquanto o sentido
implica uma série de outros conhecimentos e visões que interferem na forma como entendemos
o mundo a nossa volta e o construímos linguisticamente. Compreendemos essa diferença e
frisamos que, neste texto, em prol da clareza, utilizamos as expressões significado e sentido como
sinônimas, pois entendemos que não se pode excluir o uso linguístico de qualquer análise.
A composição de uma sentença envolve e fornece uma significação para essa sentença,
estamos, assim, no plano da semântica. Isso não quer dizer que estamos resumindo a significação
da sentença aos significados de suas partes, interessa à semântica a capacidade de combinar essas
partes recursivamente e de, a partir disso, deduzir significados. No entanto, sem levarmos em
conta o contexto da interação, ou seja, as nuanças pragmáticas, não há como construir
plenamente a significação de uma dada sentença. Para elucidar, suponhamos que recebamos uma
mensagem no celular “está tudo bem aí?”, para construir a significação dessa sentença é
necessário considerar que a palavra aí é um dêitico, cuja interpretação é dependente da situação
de fala, ou seja, dependente do contexto, pois aí se refere ao lugar onde estamos (que pode ser
Currais Novos, São Paulo, Portugal ou outro).
Afirma Maingueneau (2005) que, se pensarmos uma concepção de atividade linguística
em que o sentido estaria, de algum modo, inscrito apenas no enunciado, sua compreensão
dependeria, basicamente, de um conhecimento do léxico e da gramática da língua e, nesse caso, o
contexto desempenharia papel periférico. Isso equivaleria a dizer que só existe um único sentido
para um dado enunciado, o que, de fato, não acontece, um enunciado permite uma pluralidade de
leituras. Para esse autor, “fora do contexto, não podemos falar realmente do sentido de um
enunciado” (p. 20).
35

Um dos conceitos mais importantes no domínio da pragmática é o de ato de fala, isto é,


ações que são realizadas quando falamos (descrever, prometer, criticar, sugerir, afirmar, ordenar,
perguntar, acusar, agradecer, inter alia). Assim, falar/escrever não é simplesmente produzir uma
sequência de fones/grafemas, mas agir sobre o mundo, é, portanto, um ato de fala. A título de
exemplo, quando alguém diz aposto dez reais que o ABC vai ganhar o campeonato potiguar, esse
dizer não é apenas uma declaração, mas a realização de uma ação, de um fazer (provoca-se uma
aposta). Em síntese, isso significa que a linguagem constitui o mundo e o molda ao mesmo tempo.
A teoria distingue enunciados performativos, aqueles que realizam uma ação pelo fato
de terem sido ditos (peço que você saia – ao enunciar peço, o falante realiza a ação de pedir), de
enunciados constativos, aqueles que realizam uma afirmação/declaração sobre alguma coisa (O
Brasil está em crise – o falante faz uma afirmação acerca da condição em que está o país). No caso
do enunciado performativo, a pessoa que realiza o ato deve ter condições para a sua realização
(desde posição social, hierárquica de quem produz até a situação de enunciação). Esses atos se
desdobram em atos locucionários (aqueles que dizem alguma coisa), atos ilocucionários
(refletem a posição do locutor em relação ao que ele diz) e atos perlocucionários (produzem
certos efeitos e consequências sobre os interlocutores), os quais atuam em conjunto sobre o
enunciado.
Nessa ótica, para elucidar, observe o exemplo da expressão por gentileza, sirva-se de mais
bolo! Nesse caso, distinguimos: o ato locucionário, que acentua o conjunto de sons que estão
organizados a fim de realizar uma significação; o ato ilocucionário, que corresponde a ação que
o enunciado produz (uma ordem com acentuada polidez); e o ato perlocucionário, que assinala
o efeito produzido no falante que ouve o enunciado. É válido destacar que, quando as condições
de realização de um ato não são atendidas, esse ato pode falhar, por exemplo, se uma criança se
dirige a um casal e profere eu vos declaro casados, esse enunciado não produzirá efeito de
casamento em si, visto que não atende às condições necessárias para que um casamento seja
realizado, no máximo, provocará manifestações de riso e apreço.
Acrescente-se a importância da noção de contexto, cuja acepção, num primeiro momento,
tem a ver com a situação imediata em que ocorrem os atos de fala, que envolvem interlocutores,
lugar e tempo. Esses criam condições para que um ato de fala seja legitimado, visto que
possibilitam a avaliação do que é dito. A realização do ato de fala em contexto é denominada
desempenho, noção fundamental para o entendimento da pragmática.
Voltando à semântica, existe uma preocupação com as condições de verdade das
sentenças. Nesse aspecto, não se trata de saber ou não se a sentença é efetivamente verdadeira,
mas de saber em que condições ela pode receber um ou outro valor de verdade (verdadeiro ou
falso), ou seja, o potencial de uso dessa sentença. A semântica não lida com o uso da sentença, mas
com a sentença em sua potencialidade de uso. O significado de uma sentença estabelece em que
condições no mundo ela é verdadeira, e, portanto, em que condições ela é falsa.
Além disso, o falante tem conhecimento semântico sobre a composicionalidade da
sentença, quer dizer, sobre suas unidades mínimas e como estas se combinam. Assim, uma
sentença como “estou indo”, o falante reconhece as partes estar + indo, ao mesmo tempo, ele sabe
que no contexto em que foi proferida, a sentença indica progressividade, pois reconhece o
significado da perífrase verbal (estar + [-ndo]). A composicionalidade explica a capacidade de, a
todo instante, estarmos construindo, de maneira criativa, e interpretando sentenças que nunca
ouvimos antes. Lyons (1981) esclarece que o significado de uma sentença é o produto tanto do
significado lexical quanto do gramatical. Os modos de combinação das unidades mínimas, por
meio das regras combinatórias da língua, se aplicam a diversas situações, isto é, são recursivos.
O falante também consegue estabelecer nexos semânticos, consegue deduzir sentenças
de outras sentenças. Por exemplo, se o falante sabe que “estou indo” é uma sentença verdadeira,
ele entende que “não estou indo” é falsa. Assim, conhecer uma sentença envolve reconhecer outras
que estão semanticamente conectadas. Se tomarmos ambas as sentenças como verdadeiras,
estabelece-se uma contradição. No entanto, numa situação em que alguém pergunta “você está
vindo?” e alguém responde “estou e não estou indo”, esta sentença pode designar uma
implicatura – um raciocínio pragmático – em que o falante intencionalmente cria a contradição
para depois explicitá-la (uma significação possível pode ser: estou porque vou chegar em algum
36

momento, mas não estou indo agora), ou seja, o falante implica algumas características de um
(estou) e de outro predicado (não estou).
Um caso interessante pode ser visto em comprei flores para você e comprei girassóis para
você. O elo de sentido entre as sentenças é fruto da relação de acarretamento ou consequência
que se estabelece por meio das palavras flores e girassóis. O acarretamento pode ser
compreendido assim: se uma proposição A implica uma proposição B, isso significa que se A é
verdadeira, então B é necessariamente verdadeira. Nesse caso, o elo de sentido é possível porque
flores e girassóis estão imersos num mesmo campo de significados. A relação de sentidos é
denominada hiponímia, dessa forma, palavras que pertencem ao mesmo campo semântico; logo,
sob esse viés, girassóis é hipônimo de flores, que é hiperônimo. Note-se que os elos de sentido
estabelecidos entre hiperônimos e hipônimos são essenciais para processos de leitura e de
produção de textos, essas formam operam, proporcionando retomadas e antecipações que são
úteis à construção da coesão e da coerência de um texto.
O falante faz uso de sinonímia, cuja característica é expressar o mesmo pensamento (o
mesmo conceito), o mesmo sentido, através de expressões distintas, assim em Pedro é o professor
de fonologia e Pedro é o docente de fonologia, temos um caso de sinonímia, pois ser professor de e
ser docente de veiculam o mesmo conceito através de palavras diferentes. Talvez alguém
questione que usar a expressão professor e docente é diferente, no entanto, essa diferença não se
dá no plano dos conceitos, isto é, na semântica; a diferença é, portanto, de ordem sociolinguística,
professor é menos formal do que docente, por exemplo. Se já é sabido que Pedro é o professor,
dizer que ele é docente não acrescenta informação sobre o mundo, no máximo, acrescenta-se uma
expressão, sem haver necessariamente acréscimo de sentido.
Ocorre que nem todas as palavras sinônimas têm o mesmo sentido (nem há sinonímia
perfeita) em todo e qualquer contexto comunicativo, mas que mantêm entre si uma relação de
sentido que não é determinada apenas pela forma linguística, visto que o contexto é fulcral
quando consideramos processos de significação. Isso significa que a descrição das relações de
sentido estabelecidas pela substituição de uma palavra/expressão por outra deve levar em conta
os links que se estabelecem no nível da forma/estrutura e da função/enunciação de uma língua
dada. Assentados nisso, podemos reconhecer relações de sentido entre as unidades gramaticais e
efeitos de sentido que emergem nos contextos enunciativos.
Na mesma linha, a paráfrase dá conta da relação entre duas sentenças, isto é, de sentidos
análogos veiculados por essas sentenças. Isso significa que as sentenças passam a mesma
informação, de modo que, se a sentença A é verdadeira, a sentença B também é verdadeira. A
paráfrase se apoia fortemente nas relações de sinonímia, nominalizações e até mesmo inversões
na ordem sintagmática.
No âmbito escolar, sobretudo, nas atividades que envolvem leitura e produção de textos,
conhecer os possíveis sentidos que uma palavra ou expressão pode assumir, quando mobilizada
em determinados contextos, é imprescindível para construção de um processo maior que envolve
a interpretação e produção textual. Para exemplificar, observe o uso do verbo lacrar em
conversações do cotidiano, não é raro ver que esse verbo pode assumir um significado
dicionarizado (selar ou fechar com lacre) em certos contextos e um novo significado (relacionado
a alguém que chega em determinado lugar com atitude e estilo que chamam a atenção) em outros
contextos. Nessa nova acepção de lacrar verifica-se um acentuado traço de intensidade, pois lacrar
é mais impactante, nesses contextos, do que outras expressões usadas para o mesmo fim, como
chegar, fechar e até mesmo chegar chegando. Esse deslizamento de sentido do verbo lacrar
permitiu a inovação morfológica por meio do derivado deverbal lacração, usado em expressões
como rainha da lacração, especialmente pelo jovens, e comum em memes e gêneros vinculados à
interação via internet.
O caso do verbo lacrar, que assume variadas extensões de sentido, pode ser apontado
como polissemia, um traço fundamental da comunicação humana, que permite que determinado
vocábulo assuma novos sentidos em contextos específicos. Nos casos de polissemia, é comum se
observar o papel crucial da frequência, parece que quanto mais frequente uma dada forma, ela
pode assumir sentidos novos sentidos, ou seja, a ampliação do uso de uma palavra e a
metaforização contínua da linguagem acarretam a frequência de muitas unidades lexicais,
37

gerando polissemia.
Polissemia não se confunde com campo semântico, que, grosseiramente, corresponde ao
conjunto de palavras ou expressões que se referem ao mesmo domínio da realidade e pertencem
ao léxico de uma língua. Isto é, o conjunto de palavras que tem em comum uma área conceptual,
por exemplo, livro, revista, jornal, boletim constituem o campo semântico das publicações, assim
como o conjunto de acepções de uma palavra, em que há associações de significação, como flor,
jardim, perfume, terra. Os vocábulos podem pertencer a diferentes campos semânticos, como
laranja, que pertence ao campo semântico das cores, das frutas, da corrupção.
As palavras estabelecem, ainda relações de holonímia e meronímia, que dizem respeito
à relação de hierarquia semântica que se estabelece entre as palavras, de modo que a primeira se
refere à unidade em sua totalidade e a segunda, a uma parte desse todo. Dada a palavra escritório
como holônimo, podem ser associadas a ela diversos merônimos, como mesa, pasta, arquivo,
papéis etc. que designam partes que compõem o escritório. Nesse caso, o usuário da língua lança
mão de processos metonímicos para estabelecer essas relações.
Nem tudo o que dizemos está expresso na estrutura linguística, isso porque, se fosse
necessário expressar tudo, talvez a comunicação verbal sequer fosse possível. Desse modo, é
assente que a construção do sentidos dos textos que produzimos em toda e qualquer situação de
comunicação depende de uma gama de implícitos que podem ser acessados por meio do
conhecimento de mundo, do contexto mediato e imediato, as representações que os falantes
constroem de sim e do outro etc. Em outras palavras, nem tudo está dito no dito, e, por isso, muitas
informações são inferidas orientadas pela sentença e seu contexto interacional.
Pressupostos e subentendidos são fenômenos ligados aos implícitos, por exemplo, em
João parou de fumar, é notável que compreendemos o sentido posto pela sentença: sabemos que
João parou de fumar e fazemos um cálculo inferencial, compreendendo que, antes, ele fumava. O
conteúdo posto é a informação literal da expressão, e o pressuposto compreende as informações
a serem inferidas com base na própria sentença. O conteúdo posto depende do pressuposto, ou
seja, aceitar a verdade de que João parou de fumar implica reconhecer a verdade contida no
pressuposto de que ele fumava antes.
No caso do subentendido, a inferência é de ordem pragmática, baseada não no sentido
literal das palavras (como o pressuposto), nas marcas linguísticas, mas naquilo que o locutor visou
transmitir ao interlocutor. Dito de outro modo, é o que acontece quando proferimos uma sentença
em que aquilo que é dito não tem aparentemente nada a ver com que deve ser entendido pelo
outro.
O modo como pressuposição e subentendido são vistos depende da abordagem teórica
metodológica adotada. Sobre isso, Ilari e Geraldi (2003) afirmam que as diferentes visões teóricas
iluminam aspectos diferentes do fenômeno da pressuposição. Cançado (2012) advoga que a
pressuposição se encontra em um nível intermediário do continuum de implicação, que vai
desde uma noção mais semântica (acarretamento) até uma noção mais pragmática (implicatura
conversacional).
Isso posto, vale destacar que os casos assinalados como ambiguidade, em que a sentença
admite interpretações alternativas, como em vi o incêndio do carro (sentidos possíveis: [a] estava
no carro e vi um incêndio e [b] estava em algum lugar e vi um carro incendiando), muitas vezes é
motivada pela estrutura sintática, o que exemplifica a estreita relação entre sintaxe e semântica.
No exemplo Maria foi à dentista porque seus dentes estavam amarelos, podemos notar certa
ambiguidade porque seus pode ser interpretado tanto em referência a Maria quanto em referência
a dentista. Essa ambiguidade é imediatamente desfeita pelo nosso conhecimento extralinguístico:
pessoas com dentes amarelos procuram o dentista; dentistas não costumam, por influência da
profissão, ter dentes amarelos; consequentemente, seus só pode se referir a Maria. Nesse caso,
vimos o elo entre semântica e pragmática, em que o significado é construído a partir de inferências
pragmáticas. Em muitos contextos, a ambiguidade é intencional e funciona como um recurso que
visa gerar efeitos de sentido, como em textos publicitários e piadas.
A negação, considerada por uma parcela de linguistas como um dos universais
linguísticos, é um fenômeno que envolve a exclusão de uma possibilidade, a qual se dá por meio
de palavras, expressões, prefixos etc. que carregam um sentido negativo ou são revestidos desse
38

sentido no uso. Isso significa que a negação, na língua portuguesa, está além do vocábulo não
(recursos como: jamais, nunca, nada, ninguém, é falso que, nem...nem, -sem [sem-terra], deixar de,
entre outros, são exemplos). Cada recurso selecionado pelo falante para negar produz certos
efeitos de sentido, assim, os vocábulos “não”, “jamais” e “nunca”, ao serem resposta de uma
pergunta como “Você pretende casar?”, suscitam matizes de sentido para a negação. Conhecer e
se apropriar das diferentes possibilidades de negar proporciona ao falante desenvolver sua
habilidade expressiva e dispor de novas estratégias linguísticas que poderão ser utilizadas em
diversas situações de comunicação.
No campo da pragmática, segundo Paul Grice, a comunicação é orientada por princípios
de cooperação (as implicaturas conversacionais) e interessa, a partir disso, entender como um
enunciado pode significar algo além daquilo que foi literalmente expresso. Para Grice, existe um
conjunto de suposições mais amplas que guiam a conduta da conversação, em outras palavras,
para construir uma significação, o co-enunciador supõem que o enunciador respeita certas regras
do jogo. Estas, por sua vez, têm subjacentes princípios que se desdobram em máximas
conversacionais:

(a) máxima da quantidade: diz respeito à quantidade de informação fornecida numa


mensagem, seguindo a ideia de fazer com que a mensagem seja tão informativa quanto
necessária para a conversação, não dando mais informação do que o necessário numa dada
situação. Por exemplo, os títulos de notícias de jornal tendem a ser concisos e fornecerem
o máximo de informação, seguindo esse princípio.
(b) máxima da qualidade: envolve a ideia de se afirmar coisas verdadeiras, de maneira
que não se diz o que acredita ser falso nem se afirma algo para o qual não se pode oferecer
evidência adequada. Assim, para afirmar algo, deve se estar em condições de garantir a
verdade do que se diz.
(c) máxima da relevância: pode ser traduzida no imperativo seja relevante, contribuindo
para o processo de comunicação.
(d) máxima do modo: está relacionada à clareza, de maneira a se evitar ambiguidade,
obscuridade de expressão, prolixidade e demonstrar ordenação do que se diz.

Na visão desse autor, as máximas estão implicadas no processo de comunicação, assim, se


uma máxima é violada, o sentido do enunciado se altera. Falante e ouvinte criam certas
expectativas e cooperam para o sucesso da comunicação.
Já sabemos a importância do contexto no âmbito da pragmática, uma evidência de como
língua e texto estão ligados pode ser vista no fenômeno da dêixis. Consideremos que um
enunciado é sempre produzido num determinado momento, lugar e por um locutor/enunciador
que o assume e dirige a um alocutário/co-enunciador. As línguas possuem recursos para codificar
esses elementos extralinguísticos, como pronomes, certos tempos verbais, demonstrativos,
advérbios de tempo e de lugar, assim como outras marcas linguísticas que apontam para a
situação enunciativa. Assim, existem dêiticos de pessoa, marcados por pronomes e
determinantes, como eu, você, meu, nosso, etc. (Você vai à festa? O elemento você aponta para o co-
enunciador); dêiticos referentes às marcas de tempo, como as desinências modo-temporais dos
verbos e palavras ou expressões com valor temporal, como fui, vou, irei, daqui a pouco etc.
(Amanhã, você vai à festa? – note-se a palavra amanhã e o tempo futuro do verbo – vai); dêiticos
de lugar, indicadores do lugar da enunciação, como alguns advérbios e demonstrativos assinalam
(Este livro é seu? – este remete à localização do livro na cena – perto do enunciador). Existem,
ainda, dêiticos que servem para fazer remissões no interior do texto ou para retomar elementos
ou parte do discurso, é o caso da dêixis de discurso ou de texto, como em João foi à Brasília em
25/12. No dia anterior, estava em São Paulo. A expressão em destaque tem como referência
25/12, isto é, um elemento do texto e não o momento da enunciação.
A pragmática contribui sobremaneira para o entendimento de como se dá o processo
comunicativo. Os estudos da análise da conversação são um exemplo, na medida em que
examina como se organiza e caracteriza a conversação, que pode ser tomada como a interação
face a face entre interlocutores por meio da língua(gem). Ela é a forma prógona de exposição ao
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fenômeno linguístico (a mãe conversa com o bebê desde a fase uterina) e, em face disso, é fonte
de investigação do ponto de vista da pragmática.
Nos termos de Marcuschi (1991), a conversação envolve a interação entre no mínimo dois
falantes, em que há a ocorrência de, pelo menos, uma troca entre eles. Essa experiência é
executada numa dada identidade temporal e envolve a presença de ações coordenadas numa
interação centrada. Os interlocutores circunscritos na conversação mobilizam certos saberes
partilhados, como o conhecimento linguístico, cultural e da situação social em que estão inseridos.
Cada falante estabelece turnos conversacionais, isto é, aquilo que o falante faz ou diz enquanto
tem a palavra, até mesmo, o silêncio. “É a vez de cada um”, podemos assim entender, o que torna
a conversação uma atividade disciplinada. Os turnos são conduzidos por normas pragmática que
orientam a realização das sequências linguísticas realizadas pelos falantes de maneira coordenada
e cooperativa em situações de fala, que envolvem certas configurações, em par, conversacionais,
como: pergunta-resposta, ordem-execução, convite-aceitação/recusa, cumprimento-
cumprimento, xingamento-defesa/revide, acusação-defesa/justificativa, pedido de desculpa-
perdão, entre outros.
Investigações sobre processos metafóricos e metonímicos também têm ocupado lugar
na pesquisa que relaciona semântica e pragmática. Nas palavras de Cançado (2012), as metáforas
são compreendidas, comumente, como uma comparação que envolve identificação de
semelhanças e transferência dessas semelhanças de um conceito para outro. Assim, numa
sentença como este problema está sem solução: não consigo achar o fio da meada, é feita uma
comparação entre meada enrolada e problema complicado. No caso da metonímia, existe uma
relação de contiguidade, que se explicita pela proximidade espacial, temporal, causal ou
conceitual. A metonímia é favorecida pela possibilidade que o ser humano tem de olhar as coisas
de outra perspectiva, de modo que podemos olhar mais para um aspecto que outro, assim, num
enunciado como estou estudando Chomsky se evidencia a associação entre as obras e o seu autor.
Metáfora e metonímia são dois processos que interatuam com frequência, podendo a
metonímia vir dentro da metáfora ou o contrário. Muitas vezes, a metonímia funciona como
motivação conceitual da extensão metafórica. Por exemplo, em não o provoque, ele é muito
esquentando, percebemos a emoção sendo conceitualizada como manifestação física do tipo raiva
é calor.
Um exemplo de modelo teórico que adota a não distinção entre semântica e pragmática,
concebendo-as como um continuum, é a gramática de construção (Goldberg, 1995; 2006).
Segundo esse modelo, uma construção é uma unidade da língua que une, em par, uma forma
linguística e um significado. A forma contempla as informações fonético-fonológicas e
morfossintáticas, o significado abarca a informação semântico-pragmática da construção. Para
essa corrente, a relação entre semântica e pragmática é tão estreita que se marca graficamente,
com a hifenização, a expressão semântica-pragmática.
Diante do exposto até aqui, a significação é construída pelos falantes em situações
contextuais específicas. Além dos componentes linguísticos que estruturam os textos que lemos
ou ouvimos, acionamos os componentes não linguísticos para construímos sentidos. E este é o
resultado de ações conjuntas que dependem diretamente dos contextos em que se inserem.
Na escola, é comum a abordagem da semântica se concentrar (e até mesmo se resumir!)
na distinção de antônimos e sinônimos. Pelo pouco assinalado aqui, já podemos notar que
semântica e pragmática são essenciais para o desenvolvimento da competência linguística. Uma a
leitura equivocada do movimento de questionamento da gramática tradicional levou a entender
que o estudo da gramática estava banido da escola, ou seja, certa aversão aos estudos gramaticais
se instaurou. Por esse motivo, as abordagens ditas “gramaticais”, como a investigação semântica,
em muito, ficou à margem.
Para elucidar, tomemos como exemplo a construção de um texto. Para que os elementos
sejam referenciados, lançamos mão de estratégias anafóricas e catafóricas, que estão
fundamentadas na interface semântica-pragmática. Para o estabelecimento dessas estratégias, é
comum utilizarmos os recursos de hiperonímia, hiponímia, sinonímia, entre outros. Essas
relações semântico-lexicais são ferramentas coesivas que auxiliam na construção textual, na
medida em que certos termos podem ser substituídos um pelo outro (ou por termos que
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estabelecem alguma relação semântica) para promover o encadeamento das partes do texto,
como acontece na coesão lexical ou reiteração. Dessa maneira, cooperam para a continuidade
semântica entre diferentes elementos da superfície textual. Note-se que substituir uma palavra
por outra supõe um ato de interpretação, de análise, com o objetivo e avaliar a adequação do
termo substituidor quanto ao que se pretende conseguir.
A pressuposição é também um fenômeno importante para melhor interpretar e produzir
textos, pois sendo um recurso argumentativo, visa a levar o leitor ou ouvinte a aceitar certas
ideias. Na medida em que se acrescenta um conteúdo sob a forma de pressuposto, o falante torna
o ouvinte cúmplice, pois a ideia implícita não é posta em discussão, é apresentada como se fosse
aceita por todos, e os argumentos explícitos só contribuem para confirma-la. O pressuposto, de
certo modo, encarcera o ouvinte ao sistema de pensamento montado pelo ouvinte. A aceitação do
pressuposto estabelecido pelo falante permite levar adiante o debate; sua negação compromete o
diálogo, uma vez que se destrói a base sobre a qual se constroem os argumentos e daí nenhuma
proposição tem mais importância ou razão de ser (FIORIN, SAVIOLI, 2007).

Nota
A frase é um fato linguístico que se caracteriza por uma estrutura sintática e uma significação
calculada com base na significação das palavras que a compõem, enquanto o enunciado é uma
frase a que se acrescem as informações retiradas da situação em que é enunciada, em que é
produzida. A mesma frase pode estar vinculada a diferentes enunciados (FIORIN, 2003, p. 168)

Referências
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AZEVEDO, L. T. Letras: semântica e pragmática. Recife: UPE/NEAD, 2011.
CANÇADO, M. Manual de semântica. São Paulo: Contexto, 2012.
FIORIN, J. L. Pragmática. In: FIORIN, J. (Org.). Introdução à linguística: princípios de análise. V. 2, São Paulo:
Contexto, 2003, p. 161-186.
______. A linguagem em uso. In: FIORIN, J. (Org.). Introdução à linguística: objetos teóricos. V. 1, São Paulo:
Contexto, 2003, p. 166-186.
ILARI, R.; GERALDI, J. W. Semântica. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1990.
LYONS, J. Lingua(gem) e linguística. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 1981.
MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.
MARCUSCHI, L. A. Análise da Conversação. 2ª ed. São Paulo, Ática, 1999.
OLIVEIRA, R.P. Pragmática. In: MUSSALIN, F.; BENTES, C. Introdução à linguística: domínios e fronteiras.
Vol.2. São Paulo: Cortez, 2006.
______. Semântica. In: MUSSALIN, F.; BENTES, C. Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Vol.2. São
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PINTO, D. C. M. Et al. Introdução a semântica. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2016.
SAVIOLI, F.; FIORIN, J. Para entender o texto: leitura e redação.
São Paulo: Ática, 2007.
TAMBA-MECZ, I. Semântica. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
41

5. Estilística da língua portuguesa: análise e ensino

Ninguém faz vários quadros, mas somente um, que se persegue


durante toda a vida através das diferentes telas.
(Salvador Dalí)

Uma palavra morre


Quando falada
Alguém dizia.
Eu digo que ela nasce
Exatamente
Nesse dia.
(Emily Dickinson14)

A estilística é uma disciplina linguística que volta seu olhar para aspectos da língua com
funções específicas não tratadas sistematicamente por outra disciplina. Ela examina os recursos
expressivos e impressivos da língua e da adequação de seu uso. Alguns veem a estilística como
uma área que não pertence aos estudos linguísticos, ou até mesmo, como uma disciplina do
passado. Outros a opõem à gramática, como se estilística e gramática não dialogassem. No nosso
entendimento, a estilística é um campo do conhecimento que conversa e se relaciona como outros
como a linguística textual, a análise do discurso, a sociolinguística etc.; isso porque a
expressividade é um domínio aberto (inter e transdisciplinar), com repercussões em variados
campos do saber.
Em linhas gerais, os recursos expressivos são aqueles que veiculam sentidos ligados à
afetividade, à emoção, aos traços psicológicos, ao julgamento sobre algo. Os recursos
impressivos sinalizam a afetação do outro ou a tentativa de mobilizar alguém a fazer algo,
influenciando para qualquer fim. Sendo assim, a estilística se interessa pelos mecanismos que a
língua nos fornece para exteriorizarmos nossas necessidades afetivas de toda ordem, ou seja, os
elementos emocionais que acompanham o enunciado. A impressividade abrange os recursos
estéticos da literatura, os recursos argumentativos.
A estilística pode se distinguir em dois grandes vieses: a estilística da língua e a
estilística literária. Cada um desses, com caminhos teóricos distintos, a depender da lupa do
pesquisador. No Brasil, a primeira obteve mais proeminência do que a segunda. Durante algum
tempo, um caloroso debate se instaurou na área sobre diversos temas, como: o texto literário ser
ou não o locus privilegiado dos fatos estilísticos; as ferramentas de análise utilizadas na área; o
delicado campo aberto do objeto da estilística; o limite impreciso entre a estilística e outras áreas
(como a semântica); dentre outros. Entendemos aqui que o estilo, centro do estudos linguísticos,
é um fato discursivo, que se apresenta em qualquer discurso, seja ele verbal ou não verbal,
literário ou não literário.
É pertinente esclarecer que o termo estilo (do latim = stillus) pode conotar uma série de
significações que se atrelam a diferentes situações da vida cotidiana e, historicamente, recobre
várias acepções, por exemplo: (a) instrumento pontiagudo próprio para escrever; (b) a própria
escrita; (c) o modo de escrever; (d) a representação de um conjunto de tendências e
características formais, estéticas, que identificam ou distinguem uma obra, artista, escritor ou
determinado período ou movimento, ou até mesmo um objeto; (e) genericamente, também aponta
maneira e elegância.
No campo de estudos linguísticos, são numerosas as definições e as possibilidades de
abordagem (conforme recorte teórico a que pertence o analista), por isso interessa-nos, aqui, a
compreensão de que estilo é um fenômeno humano complexo (nos termos de Georges Mounin),
e pode ser definido como o modo pelo qual um indivíduo usa os recursos fonológicos, morfológicos,
sintáticos, lexicais, semânticos e discursivos da língua para expressar, oralmente ou por escrito,
pensamentos, sentimentos, opiniões etc. e atuar sobre os outros.
Para elucidar, podemos dizer que estilo é a escolha linguística que se ancora na

14DICKINSON, E. The complete Poems of Emily Dickinson. Boston: Little, Brown & Co., 1986, p. 112.
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capacidade, na sensibilidade e nos recursos disponíveis que cada usuário da língua possui para
responder os seguintes questionamentos: o que dizer? Para quem dizer? Como dizer? Quando
dizer? De certo modo, o estilo revela, aberta ou veladamente, características do emissor diante de
seu interlocutor: tipos de atividade, visões de mundo e de grupos sociais etc. Mais precisamente,
o estilo revela o éthos do enunciador, ou seja, manifesta um caráter a partir do dizer, da
enunciação.
Em termos históricos, a estilística possui uma conexão com a Poética (enquanto teoria
geral das obras literárias) e com a Retórica (enquanto teoria geral do discurso), ocupando, nos
últimos tempos, em certa medida, parte do lugar desta última. É oportuno observar que certas
noções basilares da estilística já estavam presentes na Retórica, como a questão do desvio e da
escolha; das variedades de linguagem, conforme a situação ou o estado emotivo da falante; da
expressividade; e do efeito suscitado no leitor/ouvinte. Apesar da palavra estilística já ter seu uso
no século XIX, é no século XX que ela passa a designar um campo ligado à linguística.
Foi Charles Bally, discípulo de Ferdinand Saussure, um dos expoentes da área, que, a
princípio visou chamar a atenção para o lado afetivo da língua. Seu intuito foi observar a expressão
da linguagem, ou seja, a expressão dos fatos da sensibilidade pela linguagem. Dito de outra forma,
a língua como expressão de determinada afetividade, mostrando que um mesmo conteúdo pode
ser expresso de diferentes modos. Podemos afirmar que ele iniciou a investigação da estilística
da língua ou estilística linguística.
Bühler (1934) assinala que a estilística se baseia em três funções essenciais:
representação, ligada à linguagem referencial ou à transmissão de informações; expressão,
relacionada à exteriorização psíquica de nossos anseios e sentimentos; e apelo, atrelado ao
exercício de influência sobre os interlocutores. Tais funções correspondem às faculdades de
inteligência, sensibilidade e desejo, as quais se integram, em maior ou menor medida, no
diferentes textos que circulam na sociedade. Expressão e apelo seriam, portanto, o foco da
estilística.
Outros dois estudiosos, Karl Vossler e Leo Spitzer, optaram pelo exame das relações de
estilo que se dão no âmbito da literatura, interessando-se pela psicologia do escritor (a expressão
e o indivíduo) e pela gênese da obra literária. De certo modo, são duas concepções distintas, uma
centrada na langue (Bally) e outra, na parole (Vossler e Spitzer), o que vai desencadear perfis
teóricos que ora se aproximam, ora se afastam, a depender do olhar teórico de quem analisa.
Vossler e Spitzer optaram por tratar temas afetos à estilística literária ou idealista, no entanto,
o primeiro se filia mais aos aspectos estéticos, ao passo que o segundo, mais às nuanças
psicológicas do indivíduo. Em resumo, a estilística da língua (langue) focaliza mais
especificamente questões linguísticas e permite um corpus aberto; a estilística da fala (parole),
por usa vez, enfoca notadamente aspectos literários e autorais, sendo o texto literário o locus das
análises.
Roman Jakobson fornece grande contribuição à estilística linguística, pois assinala uma
estilística funcional, que dá conta das funções da linguagem, e uma estilística estrutural, que
se baseia nas relações dos elementos do texto. Escrito na década de 60, seu trabalho Linguística e
poética é basilar nos estudos da linguagem, no qual analisa as funções da linguagem e toma a
poética e a função poética como estilística e estilo, respectivamente. Jakobson ressalta que o efeito
poético repousa sobre uma combinação das estruturas sintagmática e paradigmática: a análise da
mensagem não deve dispensar a análise do sistema (código); desse modo, a estilística pode
evidenciar os meios expressivos em potencial na língua e os efeitos alcançados pelo seu uso no
texto. Ademais, Jakobson amplia as funções propostas por Bühler, classificando-as em emotiva
(centrada no emissor), conativa (centrada no destinatário), referencial (centrada no contexto),
poética (centrada na mensagem), fática (centrada no contato) e metalinguística (centrada no
código).
A proposta de Jakobson é, posteriormente, desdobrada por outros pesquisadores como
Lyons, Hymes e Halliday, que ampliam ou sintetizam sua concepção, distanciando-se mais ou
menos dele. Halliday, por exemplo, a princípio delimita sete funções que, em momento
subsequente, reduzem-se a três funções: (a) ideacional, que ocorre quando se organiza a
experiência e a interpretação da realidade, referindo-se ao que é chamado de “sentido cognitivo”
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ou “conteúdo proposicional” das orações; (b) interpessoal, que acontece quando a linguagem
serve para estabelecer relações com o interlocutor e diz respeito às distinções de modo ou
modalidade, por exemplo; e (c) textual, que ocorre quando a linguagem estabelece vínculos
consigo mesma e com as características da situação em que é usada, a partir das relações que a
estrutura gramatical e entonacional das orações promovem entre si em passagens encadeadas do
discurso (Henrique, 2011, p. 64.
Marouzeau dá um enfoque mais individual à estilística, deslocando-a da língua para o
discurso. Para ele, a língua é um “repertório de possibilidades que os usuários utilizam de acordo
com suas necessidades de expressão, praticando suas escolhas, ou seja, seu estilo, na medida em
que as leis da língua o permitem” (Fiorin, 2015, p. 94). Esse estudiosos advoga que a língua
literária é o lugar do uso mais rico e variado dos recursos expressivos e, consequentemente, o
domínio por excelência da estilística.
Em relação à estilística literária, parte-se da reflexão, de cunho psicológico, a respeito
dos desvios da linguagem em relação ao uso comum, de forma que a maneira pessoal de alguém
se expressar é seu estilo, que reflete o mundo interior e a experiência de vida de quem escreve.
Por voltar-se para a produção literária, considera que toda obra encerra um mistério cuja
compreensão depende basicamente da intuição de quem se investe do desejo de desvendar os
mistérios de criação de uma obra e dos efeitos dessa obra sobre os leitores. Essa linha da estilística
não é focalizada neste texto.
Para Mattoso Câmara, seguidor de Bally, a estilística é uma área complementar da
gramática, pois, enquanto esta examina a língua como meio de representação, aquela abrange o
exame da língua como meio de exprimir estados psíquicos (expressão) ou de atuar sobre o
interlocutor (apelo). Em outras palavras, o estilo é um traço da língua e é, ao mesmo tempo,
individual e coletivo, pois é a expressão, que se faz por meio da língua. Para Mattoso, a linguagem
tem a função de representar mentalmente a realidade, mas os falantes alteram o sistema
linguístico para exprimir emoções e influir sobre as pessoas. Dado isso, quando se trata de efeitos
emotivos, eles não são, em nenhum momento a expressão da emoção ou de estados d’alma do
autor especificamente. Trata-se de efeitos que decorrem de uma exploração da língua, de um “uso”
do sistema, para intensificar um efeito que o próprio texto produziria. O pesquisador investiga
aspectos fônicos, léxicos e sintáticos e salientando seus valores expressivos.
“A estilística lida com um dado concreto, o texto. É na realidade do texto que estão os
fatos estilísticos que o analista vai interpretar sob uma perspectiva interdisciplinar, já que há uma
complexidade de aspectos a considerar na interpretação da expressividade de um texto”
(Henriques, 2011, p. 51)
Nilce Sant’Anna Martins explicita fatos sobre os fenômenos de citação do discurso alheio,
a questão das formas de tratamento, a utilização de uma pessoa por outra, as figuras de retórica
consideradas à luz da enunciação, fazendo uma ponte com a linguística da enunciação e, assim,
evidenciado uma proposta de estilística da enunciação.
A estilística estreita-se com a análise do discurso de linha francesa e com a semiótica.
Nesse caminho, o estilo pode ser assinalado como o conjunto de traços recorrentes do plano do
conteúdo (formas discursivas) ou do plano da expressão (formas textuais), que produzem um
efeito de sentido de identidade e por meio dos quais se caracteriza um autor, uma época etc. Desse
modo, está presente no estilo, assim como em todos os fatos discursivos, um aspecto ligado à
produção do texto e um relacionado a sua interpretação, o que assinala que o estilo toma forma
na interação entre produção e interpretação, ou seja, numa práxis enunciativa. Isso significa que
o estilo é um fato da ordem do acontecimento e não da estrutura.
Um exemplo de atributo do plano do conteúdo é a reiteração de certos temas, como ocorre
na poesia árcade de Tomás Antônio Gonzaga, cuja vida pastoril é recorrente em seus escritos. Já
no plano da expressão, as formas de organizar as palavras no texto ou determinadas construções
são características desse plano, por exemplo, nos sermões de Pe. Antônio Viera é notável a
presença de antíteses como um recurso que imprime estilo. Dito isto, o que determina um estilo é
o conjunto de traços reiterados e não uma característica isolada.
Do ponto de vista dos estudos dialógicos, apoiados em Bakhtin, entendemos que a palavra
é sempre atravessada pela palavra do outro. Assim, na constituição de um discurso, o enunciador
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leva em conta o discurso de outrem que está presente no seu. Essa ideia ultrapassa as relações
lógico-semânticas, uma vez que “o diálogo no discurso são posições dos sujeitos sociais, pontos de
vista acerca da realidade” (Fiorin, 2015, p. 102). Nessa linha, a análise do discurso de linha
francesa, ao propor o conceito de heterogeneidade, que se configura pela ideia de que a
linguagem é heterogênea, isto é, o discurso é tecido a partir do discurso do outro (o exterior
constitutivo, o já dito). Seja a heterogeneidade constitutiva (que não se assinala no fio do
discurso) ou mostrada (em que se inscreve o outro na cadeia discursiva). Esta última pode se dar
de modo marcado ou não marcado, sendo o primeiro evidenciado pelas marcas linguísticas que
exibem traços do outro (discurso direto, indireto, aspas, entre outros), e o segundo quando a
presença do outro não está explícita (como na paródia, no discurso indireto livre, por exemplo).
Por ser um fato discursivo, o estilo constitui-se de heterogeneamente, na medida
em que se constrói por meio da oposição a outro estilo. Sendo assim, como todo discurso, ele
mostra o seu direito e seu avesso, pois exibe a si mesmo e ao outro em oposição ao qual se
construiu. Nessa linha, o estilo é apreensível numa totalidade, que engloba o outro, porque há um
conjunto de discursos pressupostos, mas, ao mesmo tempo, se diferencia numa unidade. O efeito
de individualidade permite a construção do ator da enunciação, assim, na contradição com o
outro, o estilo evidencia um éthos (um caráter que pressupõe um corpo e uma voz. O estilo
configura-se, portanto, heterogêneo, seja na forma real de sua constituição (heterogeneidade
constitutiva), seja na superfície textual (heterogeneidade marcada). Charaudeau e Maingueneau
(2004, p. 218) explicam que “é muito difícil definir a linha de separação entre a estilística e análise
do discurso”.
Não se pode deixar de mencionar que a proposta dialógica, inspirada em Mikhail Bakhtin,
evidencia o estilo como uma das etapas de produção de um gênero discursivo. Em outras palavras,
“o gênero constitui-se em instrumento para a construção do estilo, uma vez que projeta
expectativas a respeito de tipos de textos, adequados a situações sociocomunicativas.
Se num primeiro momento, a seleção do tema, do gênero e dos recursos linguísticos se
apresentam; num segundo, a composição e o estilo imprimem expressividade ao texto produzido.
Para ele, o estilo linguístico, de caráter mais coletivo do que individual, pertence a um gênero
peculiar numa dada esfera da atividade e da comunicação humana. Nessa linha, pode-se admitir
um continuum entre gêneros menos flexíveis, altamente institucionalizados (com estilo mais
padronizado) e gêneros mais maleáveis à variação estilística, como os do campo da publicidade e
do humor.
A estilística linguística tem como meta a sistematização dos meios que a língua nos oferece
para exteriorizarmos nossas necessidades afetivas, isto é, os elementos emocionais que
acompanham o enunciado. Na canção acalanto para Helena, de Chico Buarque, vê-se os versos:
Dorme, minha pequena/ não vale a pena despertar/ Eu vou sair / Por aí afora / Atrás da aurora /
Mais serena. Se nesse caso, a escolha fosse dorme, minha filha, não precisa acordar, eu vou sair para
o trabalho, teríamos o mesmo conteúdo informativo, porém o sentimento e a densidade da cena
seriam expressos de modo diferente. O modo de descrever a cena do cotidiano marca o estilo de
Chico Buarque.
Pode-se, ainda, mencionar o tratamento dado pela sociolinguística à estilística, quando
trata da variação estilística. Esta envolve variação na fala de falantes individuais mais do que
entre grupos de falantes, ou seja, ela está mais presente intrafalante do que entre falantes, muito
embora saibamos que, para termos a primeira, necessariamente, teremos que ter a segunda. Sob
essa ótica, cabe à estilística estudar as variedades, quer da língua falada, quer da língua escrita,
adequadas às diferentes situações e próprias de diferentes classes sociais.
Face ao exposto brevemente até aqui, compreendemos que estilística, discurso e texto
estão inter-relacionados. Na esteira disso, advogamos que o estilo pode ser objeto de ensino na
escola, desde que não se reduza a ideia de estilo à literatura. Conforme Possenti, “estilo tem mais
a ver com gêneros (que são sociais e históricos) e com formulações que revelem um conjunto, na
verdade não muito claro nem definido, de características: um certo jogo de sons, um certo ritmo,
uma ironia sutil, uma alusão, uma palavra não usual (técnica, estrangeira, popular, erudita etc.),
uma forma que inclua o leitor no texto, que apele para seu saber ou sua argúcia” (2007, p. 19).
Sobre o tratamento dado às investigações estilísticas no âmbito escolar, de modo geral,
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algumas gramáticas destinadas ao ensino básico contemplam um capítulo chamado de estilística,


que comporta o estudo das figuras de linguagem, no caminho do que se fazia a retórica
tradicional. Sobre esse aspecto, Monteiro (1991) esclarece “grande parte do descrédito da retórica
tradicional se deve ao acúmulo de figuras inventariadas, muitas delas tão semelhantes que as
diferenciações parecem sibilinas e desnecessárias” (p. 27). Ora, de fato, vale questionar até que
ponto o que chamamos zeugma ou elipse pode ter expressividade e servir para a ampliação da
competência comunicativa. Além disso, a mera identificação/reconhecimento das figuras não
contribui essencialmente para o seu potencial expressivo acaba por ser desperdiçado.
Se considerarmos que muita gente ainda acredita que escrever é um dom (o que não é
verdade), mais se evidencia a necessidade de abordar aspectos estilísticos em sala de aula.
Conforme defende Possenti e nós fazemos coro: estilo se aprende, como se aprende nado de costas
ou borboleta. Nesse sentido, não há fórmula mágica, a prática pedagógica nas aulas de língua
portuguesa supõe um trabalho constante de escrita e reescrita.
Compreendemos que o estilo pode ser observado nos processos de leitura e de produção
textual. Explicamos: ao evidenciar um éthos, o estilo permite que o auditório imprima mais ou
menos confiança no enunciador, isso porque este pode persuadir por seus argumentos ou por seu
éthos. Os textos ou estilos sejam mais objetivos, calmos, irritados, belicosos, irônicos, juvenis,
sérios, descolados, entre outros, dependem do crivo do auditório.
No plano da estilística linguística, é possível analisar diversos aspectos, do material
textual. Por exemplo, as relações de sentido que se estabelecem através de uma cadeia anafórica,
que funciona em boa medida como fator de coesão e de coerência textuais, apontando aspectos da
referenciação e da orientação argumentativa.
A título de exemplo, em certa reportagem sobre o grupo musical Mamonas Assassinas,
sucesso na década de 90, a revista Veja, através do mecanismo de retomada anafórica,
mencionou-os como “estelionatários da arte”. A expressão selecionada denota a construção
referencial que o autor escolhe fazer, conduzindo não apenas sua orientação argumentativa, mas
imprimindo acentuada força discursiva revelada pela expressão pejorativa escolhida. Ora, o
professor pode conduzir a reflexão sobre os elementos usados para a retomada do referente e o
efeito de leitura produzido a partir deles. Pode explorar, ainda, por meio de uma atividade de
reescrita (ou retextualização) as alternativas para correferir e os efeitos de sentidos a partir delas.
Se a expressão fosse reiterada por “jovens artistas” ou “a vanguarda da comédia musical” teria o
mesmo efeito de sentido? É um exemplo de questão que se pode pontuar. Esse tipo de atividade
tem tudo a ver com posicionamento, inscrição do autor, que imprime ao texto uma certa
perspectiva, recategorizando os referentes e, por consequência, tudo isso implica em estilo.
Ampara-se a estilística linguística em todos os componentes linguísticos do texto, desde
os fonemas, que a constroem os morfemas e as palavras, até os períodos e parágrafos, que
constroem a totalidade do texto, sempre levando em conta os valores semânticos, pragmáticos e
discursivos. As alternâncias das estruturas morfossintáticas e das seleções lexicais assumem
funções nas relações interlocutivas.
A partir disso, é possível pensar como se pode explorar o texto e suas possibilidades a
partir da reescrita? Que efeitos de sentido se constroem a partir da substituição das expressões
nominais, dos verbos, dos adjetivos, das conjunções? Que gêneros textuais/discursivos me
permitem escolher frases mais curtas, mais longas, parágrafos maiores, menores? Essas ações de
escrever e reescrever textos, avaliando-os quanto às possibilidades de efeitos de sentido é um
trabalho que envolve estilo e deve ser parte dos propósitos da aula de português.
Certos processos de produção de textos que envolvem a repetição, a imitação ou a paródia
de um estilo ou variedade linguística para atingir certo efeito lançam mão de diversos recursos
estilísticos na composição. Essa intertextualidade estilística pode estar mais próxima da forma
ou do conteúdo, no entanto, quem intenta imitar recorre ao conjunto de traços que caracterizam
aquele que é imitado, isto é, a presença do outro vai se evidenciar mais ou menos a depender do
estilo que o enunciador imprime para realizar a intertextualidade.
Quando se segue os traços superestruturais de gêneros mais institucionalizados
(intertextualidade intergenérica, nos termos de Marcuschi) com objetivos distintos do texto
fonte, como na construção de paródias, por exemplo, busca-se manter certa fidelidade ao estilo da
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estrutura composicional. O Hino Nacional é um caso interessante de ser explorado: são diversas
as possibilidades de paródias e imitações (facilmente encontradas na internet), que se utilizam de
fenômenos expressivos diversos a fim de atingir um determinado objetivo, seja voltado para o
humor (por exemplo, a versão com marcas publicitárias) ou para a crítica social (relacionado à
criminalidade no Rio de Janeiro, por exemplo). Ao se fazer uma intertextualidade intergenérica,
muitos aspectos, além da forma e do conteúdo, são evocados, desde o suporte, as tradições
discursivas de certos enunciados às crenças prévias que circundam o processo enunciativo.
Outro ponto diz respeito à construção de indícios de autoria em que se manifestam traços
de estilos nas produções textuais que sinalizam marcas da autoria, conforme esclarece Possenti
(2002). Essas marcas são da ordem do discurso, não exclusivas do texto ou da gramática, nessa
perspectiva, trata-se de fazer com que entidades e ações que aparecem num texto tenham
historicidade, isto é, façam sentido. Segundo ele, há indícios de autoria quando diversos recursos
da língua são agenciados mais ou menos pessoalmente.
Pontua Bakhtin que “a gramática e a estilística se juntam e se separam em qualquer fato
linguístico concreto” (1992, p. 286). Sob esse viés, a seleção que o locutor/enunciador efetua de
uma forma gramatical já é um ato estilístico, ao mesmo tempo, a análise estilística exige um
profundo entendimento da natureza do enunciado e das particularidades dos gêneros
textuais/discursivos.
Além das possibilidades aventadas aqui, observa-se a estilística como área essencial em
análises linguísticas forenses, sobretudo, nos casos de peritagem linguística para identificação
de autoria. A materialidade textual permite que sejam examinadas as escolhas linguísticas dos
enunciados e à filiação destes a uma dada variedade que reflete aspectos socioculturais de um
determinado grupo. Nos casos de perícia, buscam-se rastros que identifiquem marcadores/traços
de estilo que possam dar ou não indícios de um indivíduo. Para elucidar, na análise de textos que
circulam na internet sem autoria ou com autoria atribuída a escritores famosos, intenta-se
comparar a amostra examinada com outros exemplares de textos, a fim de averiguar as
estatísticas lexicais e a descrição qualitativa de aspectos linguísticos e extralinguísticos, que
caracterizam o estilo de um indivíduo.
Acrescentamos que, a exemplo do que deve acontecer em língua materna, no que tange ao
processo de aquisição de uma língua adicional (ou segunda língua), é necessário considerar as
dificuldades que o aluno vivencia no domínio da estilística. É uma necessidade do estudante ser
conscientizado das diferenças e aproximações entre os gêneros discursivos, das variedades mais
e menos comuns de comportamento linguístico, das alternativas que tem a seu dispor em
determinadas situações, ao mesmo tempo que precisa saber reagir adequadamente às diferentes
situações verbais. Em síntese, ele precisa desenvolver uma noção de estilo para selecionar, dentre
os recursos possíveis na língua, aquelas que, ao seu preferir, se adequam aos diversos contextos
sociocomunicativos. Para isso, o contato com a variedade de gêneros discursivos orais e escritos
disponíveis e as possibilidades de trabalhos de reescrita e retextualização desses gêneros é fulcral
para que se contribua para a compreensão como funciona a língua em relação aos seus diferentes
usos, fatores que determinam as distintas escolhas, os diferentes significados de uma mesma
forma, bem como suas as diferentes funções de uma mesma forma.
Por último, evidenciamos que a coocorrência das diversas abordagens estilísticas não é
um aspecto negativo desse campo de estudos. Ao contrário, dado que a linguagem humana é um
fenômeno bastante complexo, é possível tratar a estilística dando ênfase às questões sociais,
autorais, literárias, políticas, psicanalíticas, carnavalescas, ludopédicas, de modo que olhar esteja
mais aguçado para aspectos fônicos, morfológicos, lexicais, sintáticos, semântico-pragmáticos e
discursivos, a depender do escopo teórico selecionado pelo teorizador. Rememoramos Saussure
ao dizer “o ponto de vista é que cria o objeto”, pois, em se tratando de linguagem humana, são
necessários muitos olhares para dar conta desse elemento diferenciador das demais espécies.

Referências
CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. Contribuição à estilística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1978
DISCINI, Norma. O estilo nos textos. São Paulo: Contexto, 2003.
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DUARTE, P. M. T. Estilística ou estilísticas? Disponível em


http://www.filologia.org.br/revista/34/05.htm Acesso em 25 abr 2019.
HENRIQUES, C. C. Estilística e discurso: estudos produtivos sobre texto e expressividade. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2011.
MONTEIRO, J. L. Fundamentos da estilística. São Paulo: Ática, 1991.
POSSENTI, S. Ensinar estilo? In: Calidoscópio, v. 5, n. 1. 2007, p. 19-23.
_____. Indícios de autoria. Perspectiva, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 105-124, jan./ jun. 2002.
_____. Notas sobre a questão da autoria. Matraga, Rio de janeiro, v. 20, n. 32, p. 239-250, jan./jun. 2013
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6. História interna e externa da língua portuguesa

A reflexão sobre a língua portuguesa perpassa entender seu percurso histórico, uma vez
que este abre caminhos para o conhecimento de como a língua é usada nos dias atuais pelos seus
mais de duzentos milhões de usuários. Nessa linha, cabe compreender sua história externa, que
abrange os acontecimentos políticos, sociais e culturais que repercutem na língua, bem como sua
história interna, que aponta a evolução fonético-fonológica, morfossintática e semântica do
idioma, as quais se mesclam aqui.
No curso da história das línguas românicas (ou neolatinas), a língua portuguesa destaca-
se como a mais ocidental devido à posição geográfica, no noroeste peninsular, em que começou a
se delinear. Para os estudiosos, é considerada uma das línguas formadas pela continuação do
latim, levado à Península Ibérica durante as Guerras Púnicas, no Séc. III a.C. Dizer que o
português é uma língua latina significa dizer que encontramos no latim as palavras que deram
origem ao léxico do português (ou a parte dele), mas também que observamos certas
características estruturais (sintático-morfo-fonológicas) específicas do latim e das línguas
românicas presentes no português. Como ocorre em qualquer língua, o latim apresentava diversas
realizações, assim coexistiam uma variante culta (sermo nobilis – o latim clássico) e uma variante
dita popular (sermo vulgaris – o latim vulgar). Não há uma fonteira clara entre o latim clássico e o
latim vulgar, nem do ponto linguístico, nem do ponto de vista cronológico, mas é possível assinalar
algumas diferenças.
O latim clássico, regido pela disciplina gramatical, era a língua da escola, das letras, da
retórica, da política e das leis. Caracterizava-se pela riqueza flexional e pelo sintetismo
morfossintático. No campo sintático, o latim clássico possuia uma ordenação da sentença
relativamente livre, permitindo variações complexas, isso porque a sintaxe não dependia
necessariamente da ordem das palavras nas oração, embora saibamos que havia a preferência por
pela ordem sujeito–objeto–verbo (SOV), dependia em boa medida da característica morfológica
dos casos.
O latim vulgar compreendia a língua falada cotidianamente na sociedade romana, de
maneira que estava sujeito a toda sorte de alterações e influências (temporais, geográficas e
socioculturais), distanciando-se, aos poucos, da variante clássica, e forjando um arcabouço
fonológico e morfossintático que serviu de base para as línguas românicas. Por exemplo, são
traços do latim vulgar: a perda da oposição entre vogais longas e curtas (traço distintivo de
quantidade), desenvolvimento de determinantes (artigos), maior uso de prefixos e sufixos,
simplificação flexional, tendência ao analitismo com o uso de preposições, predomínio da ordem
direta (sujeito – verbo – objeto ou SVO, influenciando o português e as demais línguas românicas),
alterações lexicais, entre outros.
Assim, o latim vulgar possuia uma feição gramatical que pode ser sintetizada como:
oposição vocálica de qualidade (vogal aberta/fechada), três declinações (fusão da 4ª com a 2ª e
da 5ª com a 1ª em relação ao latim clássico), três conjugações (fusão da 3ª em - ĕre com a 2ª em -
ēre), dois gêneros (masculino e feminino, sendo o neutro eliminado), redução dos seis casos a dois
(nominativo e acusativo) e, posteriormente, a um (acusativo).
Mais especificamente, os casos do latim clássico desempenhavam funções sintáticas
especifícas, os quais podem ser representados por morfemas gramaticais chamados desinências
casuais: nominativo (sujeito e predicativo do sujeito), vocativo (vocativo), acusativo (objeto
direto e adjunto adverbial – de causa, lugar e tempo), genitivo (adjunto adnominal e
complemento nominal), dativo (objeto indireto e complemento nominal), ablativo (adjuntos
adverbiais e agente da passiva). Aos poucos esses casos foram se reduzindo, restando apenas o
acusativo no latim vulgar. Por exemplo, no latim é necessário que haja uma marca para o sujeito
da oração (nominativo) e para o objeto (acusativo), como em Petrus Paulum videt (Pedro vê
Paulo) e Paulus Petrum videt (Paulo vê Pedro). A consequência básica desse sistema é que a
ordem de palavras não determina sozinha a estrutura sintática da oração, de modo que esta
pode ser escrita de modos diversos (Paulum Petrus videt; Paulum videt Petrus; videt Paulum
Petrus).
Ainda, os falantes latinos passaram a utilizar dois expedientes sintáticos, a ordem direta,
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que não existia no latim clássico, e a ampliação do uso de preposições (que eram usadas em
alguns casos do acusativo e do ablativo). Esses expedientes marcam a construção das sentenças
românicas.
A língua portuguesa pode ser vista, mais precisamente, como uma extensão do dialeito
galega (ou romanço galego-português), que foi forjado pelo contato linguístico entre a variedade
popular do latim e as línguas faladas (céltica, ibérica, fenícia, por exemplo) na Ibéria antes da
chegada do Império Romano (chamadas de línguas de substrato). Acrescente-se a isso, fortes
influências das línguas dos povos que vieram a conquistar os territórios romanizados (falantes
das línguas de superestrato) e com os povos falantes de línguas como o grego, que conviveram
com os falantes de latim em várias regiões em situação de biliguismo por muito tempo (falantes
de línguas de adstrato). Um indício dessa fusão pode ser encontrado em diversos topônimos
(Coimbra, Évora) e potamônimos (Douro, Mondego) ibéricos. Fato é que, ao longo dos seus mil e
quinhentos anos de história, o português tem passado por diversas e profundas transformações.
No decurso de sua constituição, sofreu forte influência linguística das várias correntes
migratórias no âmbito peninsular. Nesse ponto, cabe acentuar que, uma das estratégias militares
mais eficazes de dominação do território conquistado é a imposição da língua do conquistador.
Dado o poderio do Império Romano, o latim foi levado a muitas regiões da Europa, incluindo a
Ibéria, do norte da África e da Ásia. Ocorre que ao adentrar num território conquistado, já
existe(m) variedade(s) linguística(s) utilizada(s) pela sociedade estabelecida.
Nesse viés, é significativa a interferência das invasões bárbaras germânicas (séc. V) e, em
seguida, da invasão moura na Ibéria (no ano 711). Os árabes permanecem do século VIII até o
século XV, de onde saíram após longas guerras instauradas pelo movimento da Reconquista. Da
influência dessas invasões, há vários usos que permanecem até os dias atuais, como, por exemplo,
as ocorrências lexicais arroz e alface (árabe), elmo e espora (germânico), bem como diversas
amostras onomásticas (como Bernardo, Fernandes, Henrique etc).
Os mouros não conseguiram dominar o extremo noroeste da Península, de onde vai partir
o longo movimento de Reconquista da região ibérica. É a partir desse movimento que se delineia
o mapa geopolítico e linguístico da península. Esse movimento permite que os dialetos românicos
para o sul, incluindo o dialeto galego-português, que vai marcar, tempos depois, a oficialização
da língua como português.
Após a Reconquista, a Ibéria foi dividida em sub- regiões administrativas, dentre as quais
o Condado da Galiza e o Condado Portucalense subordinados à coroa de Leão e Castela. Por
embates políticos e familiares, D. Afonso Henriques trava uma batalha (conhecida como São
Mamede) com o intuito do tornar independente o Condado Portucalense, que estava sob o
comando de sua mãe Tareja desde a morte de D. Henrique, que herdara a província. Logo em
seguida, a região foi reconhecida como tal e Afonso Henriques (agora D. Afonso I) foi proclamado
rei.
Vale esclarecer que, na esteira dos estudos que tratam da história da língua portuguesa,
há diversas tentativas de periodização histórica que dependem, em maior ou menor medida, dos
princípios que estão na base da classificação. Assim, não há um dado preciso que assinale o
“nascimento do português”, isso ocorre porque as línguas são dinâmicas, assim como seus falantes
e sua história. Em virtude da imprecisão de se delimitar características linguísticas referentes aos
períodos de transição da língua, costuma-se balizar suas fases por meio de acontecimentos
extralinguísticos sejam de ordem política, cultural ou outra.
A feição proto-histórica (o romanço galego-português) da língua portuguesa é apontada
a partir dos Séc. IX e XII, quando se detectam alguns de seus traços característicos em documentos
do latim bárbaro (variedade utilizada pelo tabelionato), uma vez que o idioma latino figurava nos
documentos oficiais, nos textos eclesiásticos, nas leis etc. Nessa configuração, a grafia era
essencialmente fonética, com raras escritas etimológicas, decorrendo, então, grafias diferentes
para as mesmas palavras.
Os primeiros documentos escritos em português datam do Séc. XIII, por exemplo, o
Testamento de Afonso II e a Notícia do Torto. Em face disso, os historiadores e filólogos costumam
situar seu início a partir desse recorte temporal em que há documentação escrita, identificando,
assim, o português arcaico. Nesse período, no reinado de D. Dinis, a chancelaria régia adota o
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português como língua oficial do Estado.


A partir da segunda metade do século XIII, algumas tradições gráficas começam a se
consolidar (são exemplos as passagens de nn > nh e de l > lh, o emprego arbitrário do y, dentre
outros). Já se apresentam sinalizações de mudanças na perspectiva fonético-fonológica (como o
surgimento de novos fonemas, por exemplo, /ts/ na época, hoje /s/), na morfologia (inúmeros
substantivos e adjetivos com a terminação -on que corresponde hoje a -ão, como em perdiçon,
coraçon), na sintaxe (o uso de certos tempos verbais, que não são utilizados no português
contemporâneo, por exemplo, como teve feita a petiçon), além de várias particularidades no léxico
(como empregos de muitos vocábulos em desuso posteriormente - dividos [parentes], aficar
[teimar] etc).
Nos estudos que envolvem o português arcaico, uma discussão corrente diz respeito à
possibilidade de, por meio da documentação escrita, ter indícios do português falado da época.
Mattos e Silva (2010) esclarece que, a princípio, a falta de um controle normativo gramatical
vigente permite que o texto medieval seja repleto de variação, o que pode sugerir indícios de usos
da fala. Em outras palavras, nesses documentos, a variação morfossintática e diferentes propostas
de ortografia estão constantemente presentes. Essa variação dá pistas de possibilidades
estruturais que estavam em uso na época, as quais foram, em sua maioria, excluídas
posteriormente no processo de normatização gramatical.
Grande parte das línguas europeias ganharam o estatuto de línguas oficiais, substituindo
o latim como língua do Estado, durante o movimento do Renascimento. Nesse contexto, essas
línguas passaram por um processo de normativização e também de relatinização, isto é, os
codificadores das línguas se voltaram para o latim clássico, a língua mais prestigiada durante
séculos, tomando como base essa variante para incrementar o léxico e a gramática das línguas
oficiais. No português, é possível observar características da relatinização a partir da criação de
termos alicerçados no étimo latino (letradura > literatura).
O período de transição entre a primeira metade do séc. XV e a primeira metade do século XVI
pode ser denominado de português arcaico-médio, fase em que o português arcaico começa a se
diluir, também comumente classificada como início do português clássico. Dito de outro modo, é
um estágio em que se acentuam as tendências de mudança, sobretudo, nas obras redigidas no fim
do século XV. Por exemplo, um fenômeno balizador desse período é a queda de -d intervocálico na
desinência de 2ª pessoa do plural (amades > amaes > amais) em certos contextos de uso.
Historicamente, esse momento é marcado pelo surgimento do livro impresso, pela
expansão imperialista portuguesa e pelo delineamento da normativização gramatical (gramática
de Fernão de Oliveira, em 1536, e gramática de João de Barros, em 1540).
As conquistas ultramarinas, nos séculos XV e XVI, permitem a expansão do português que,
atinge, assim, regiões mais remotas, como a América, a África e a Ásia. Os fatores extralinguísticos,
movidos pelo contato com novas culturas e novas línguas, são condições que favorecem processos
de variação e mudança (fônica, morfossintática e semântico-lexical). O contato com diferentes
realidades, povos, culturas e línguas impactou a língua portuguesa, sobretudo, no campo lexical,
que incorporou inúmeras palavras originárias dos lugares que mantinha contato, por exemplo,
zebra (etíope), chá (mandarim), manga (indonésio), entre outras. Assim, o português vai receber
influências das línguas locais para onde foi levado ao passo que também vai influenciar essas
línguas, por exemplo, do contato com o malaio, adotou-se a palavra jangada, por sua vez, a língua
malaia incorporou kadera (cadeira) ao seu léxico, apenas para citar um caso dentre vários.
Em geral, a versão moderna da língua portuguesa é apontada a partir da segunda metade
do séc. XVI estendendo-se até o período entre o fim do século XVII e o início do século XVIII. Nesse
momento, o português já figura na escola ao lado do latim, língua intrínseca do ambiente escolar
na Idade Média românica, o que confere um maior interesse a respeito da configuração normativa
da língua. Como Portugal havia se transformado em um dos mais prestigiados Estados europeus,
havia um interesse em divulgar a língua, valorizando-a como um instrumento de consolidação do
império. Desse modo, o foco na normativização da língua para ser ensinada reflete, de certa forma,
o interesse em representar o nacionalismo e o ideal unificador e expansionista que vigorava no
país. Com o status de língua oficial, a preocupação dos letrados da época estava em regular os
padrões morfossintáticos e lexicais que subjaziam a elaboração dos documentos oficiais no âmbito
51

legislativo, científico e educacional.


As mudanças socioculturais refletem-se na língua, cujos padrões linguísticos ora se
ritualizam, ora caem em desuso, ora emergem em virtude das pressões do uso. No português
moderno, isso se acentua, por exemplo, no domínio fonético, alguns encontros vocálicos são
eliminados (como em sardina > sardĩa > sardinha) ou incorporados (amades > amaes > amais)
como já apontado no decorrer deste texto.
Os autos, de Gil Vicente, e Os Lusíadas, de Camões, são exemplos de obras que caracterizam
a fase moderna no português. Dessa fase também datam os sermões do Pe. Antônio Vieira (a partir
do século XVII). Em especial, a obra camoniana confere a liberdade de alguns arcaísmos, utilizando
os recursos da língua de modo singular, o que vai influenciar a produção literária da época.
Em relação à forma, o perfil moderno já é bem próximo do português de hoje, de modo que
alguns fatos linguísticos podem ser arrolados nessa fase, por exemplo, a fixação do plural dos
nomes em –ão (mãos, cães, leões) e do feminino dos adjetivos em –ão (são/sã), bem como a
progressiva criação de novas formas de tratamento com verbo na 3ª pessoa do singular (mercê,
senhoria, graça, excelência), a realização “chiante” de /s/ e /z/ em finais de sílaba e de palavra,
que se mantem até hoje de modo bem generalizado no Rio de Janeiro, em Belém e outras cidade,
bem como outras mudanças.
Do século XVIII aos dias atuais, apresenta-se o português contemporâneo. Com o
espraiamento da língua em virtude do movimento náutico, as terras em que o português se insere
se tornam, por um lado, depositário da herança antiga e, por outro, campo aberto para as
novidades. Vários países e regiões que foram colonizadas por Portugal (por exemplo, Angola,
Moçambique, Cabo Verde etc.) possuem o português como língua oficial, juntamente com dialetos
locais. Nesse contexto, o português do Brasil não acompanha Portugal em várias tendências
linguísticas que se configuram.
No caso do português brasileiro, sua forma vai se desenhar na complexa interação entre
a língua do colonizador (considerada a de prestígio e poder), as línguas indígenas brasileiras
(em sua maioria do tronco Tupi e Macro-Jê), as línguas africanas (trazidas pelo tráfico negreiro
entre 1549-1830, sobretudo o banto) e as línguas dos imigrantes (final do século XIX).
No período colonial, a sociedade brasileira estava estratificada, de modo geral, em
senhores de engenho, intermediários, pequenos comerciantes, indígenas e escravos. A dinâmica
multicêntrica da ocupação territorial, com o estabelecimento de Capitanias Hereditárias foi
configurando o desenvolvimento de identidades regionais e socioeconômicas muito específicas. O
modo violento como os portugueses adentraram ao Brasil e os inúmeros conflitos territoriais com
os indígenas, geralmente com um final trágico para estes, é digno de nota. De modo geral, o fluxo
de exploração pelos portugues partia do litoral e se expandia para os rincões das terras brasileiras.
A igreja católica implementava missões jesuíticas para os povos conquistados, assim o
Brasil recebeu um grupo de jesuítas, cuja missa centrava-se no processo de implementação de
uma política linguística no país, por meio da catequização e escolarização.
O português era apenas uma das muitas línguas que compunham o complexo mosaico
linguístico no país. Aryon Rodrigues (1993) sustenta que, à época, existia em torno de mil línguas
indígenas diferentes, de fato, um retrato linguístico muito rico. Se considerarmos que,
atualmente, existem cerca de 180 línguas indígenas no país, podemos ter uma noção da violência
física e cultural sofrida pelos povos indígenas, causando a dizimação de muitos povos.
Como a diversidade linguística era evidente, nesse contexto, surgem as línguas gerais,
provenientes do grupo tupi, e usadas pelos jesuítas para se comunicar com os indígenas e
transmitir as crenças e os valores cristãos. Essas línguas serviam como língua franca, isto é, uma
língua de contato usada em contextos específicos e com funções tamabém específicas, como o
comércio e a catqeuização. Assim, duas línguas gerais se configuram no Brasil, a primeira, o
nheengatu, ou língua geral amazônica era empregada na porção amazônica da colônia e,
atualmente, pode ser vista em falares de São Miguel da Cachoeira (AM); a segunda, a língua geral
paulista, baseada na língua dos índios tupinambás, era usada inicialmente em São Paulo e se
espalhou para outras regiões, dessa não há mais vestígios. Logo, entre os séculos XVI e XVII o
português era minoritário no Brasil, utilizado, em especial, no nordeste açucareiro. Nas demais
regiões, predominava o uso da língua geral.
52

No século XVIII, a descoberta do ouro em Minas Gerais impulsionou um grande fluxo


migratório para aquela região, tanto de portugueses como de nordestinos, além do
estabelecimento de uma rede comercial para atender o contingente que se agrupava ali. Um fato
significativo nesse período é a assunção do Marquês de Pombal como primeiro-ministro de
Portugal, o que assinala uma ruptura na colônia: são expulsos os jesuítas e é proibido, via decreto,
o ensino de qualquer outra língua que não o português. Pombal estabelece que nas interações
cotidianas seja usado o português, língua da Coroa, proibindo o uso de outros dialetos.
A pressão econômica movida pela descoberta do ouro em Minas Gerais e a necessidade de
negociação desse produto favorecem o abandono da língua geral naquela região ao passo que o
português se torna progressivamente majoritário. Mais tarde, entre os sécs. XIX e XX, com o ciclo
da borracha na região amazônica e, consequentemente, o fluxo migratório para esta porção do
país, o português vai se tornando majoritário também no norte do país.
É assente que o contato linguístico acelera o ritmo das mudanças linguísticas, fato
observável no processo de formação da língua portuguesa desde sua configuração proto-histórica
aos dias atuais. Para exemplificar, note-se que o português brasileiro possui um vasto léxico
oriundo das línguas indígenas, sobretudo do tupi (por exemplo, caipira, capim, mingau, pipoca,
catapora etc). Uma amostra disso pode ser observada na expressão do r retroflexo (o “r caipira”)
na região do centro-sul do país, sobre a qual se afirma ser uma característica derivada da língua
geral. Esse mesmo r está presente no espanhol falado na fronteira do Paraguai, onde é empregado
o guarani, uma língua muito próxima do tupi.
É útil evidenciar que o processo de empréstimos e enriquecimento do léxico nunca para,
assim, além da influência das línguas índigenas, há influência do francês, do italiano e do espanhol,
pelo fato de o Brasil ter recebido muitos imigrantes e, mais recentemente, temos vários
empréstimos do inglês, língua que reflete o domínio socioeconômico americano.
Verificam-se, ainda, características advindas da aproximação com as línguas africanas
trazidas para o Brasil na época da escravidão, que perdurou durante bom tempo na história do
país. Muitas das características gramaticais do português brasileiro estão alicerçadas no elemento
africano, em especial, da família banta, o que torna o português brasileiro diferente do português
europeu e de outras línguas românicas.
Neste ponto, cabe ressaltar a ocorrência de um processo intitulado de transmissão
linguística irregular (termo proposto pelo linguista Dante Lucchesi), que se configura como um
efeito do contato maciço entre falantes de grupos diferentes em situação socioeconômica de
sujeição e marginalização. Uma de suas características é a simplificação de certas estruturas
gramaticais.
Em outras palavras, essa transmissão diz respeito ao aprendizado fragmentado e
assistemático da língua portuguesa como segunda língua pelos índios e escravos, ou seja, no
cotidiano das tarefas, eles aprendiam porções da língua para que pudessem interagir. Essa língua
era reestruturada e aprendida como língua materna pelos seus descendentes.
Esse fato é singular na formação do vernáculo brasileiro, uma vez que o português se
configurava em dois, de um lado, o português “culto” falado pela elite administrativa nos centros
urbanos, de outro, o português “popular”, aprendido irregularmente e usado, sobretudo, pela
população do campo e das margens urbanas, onde se concentravam esses grupos de índios e
escravos.
O léxico do português brasileiro é dotado de palavras bantas, como batuque, xingar,
samba, cochilar, zangar, entre outras. Além disso, a tendência do falante de variedades mais
populares do português em omitir consoantes finais de palavras ou transformá-las em vogais,
como acontece nos usos comê, falá, Brasiu, mulhé, pode estar atrelada à estrutura silábica banta,
na qual nunca se encerra uma sílaba com som consonantal.
No banto, o plural dos nomes é marcado por meio de prefixos, o que pode ter influenciado
usos em que a concordância de número está presente apenas no artigo ou determinante: as casa,
essas menina, dois picolé. Ressalte-se, ainda, a hipótese da pronúncia palatalizada das consoantes
[d] e [t] diante de [i], fato sonoro bem característico de alguns falares no Brasil ([tòia] ~ [tia]).
Essas pronúncias também ocorrem em regiões da África, como Angola e São Tomé.
Posteriormente, do contato com os falares dos imigrantes, é exemplar que, na variedade
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paulistana tradicional, existem alguns traços fonéticos típicos oriundos do contato com dialetos
italianos naquela região. Por exemplo, a pronúncia desnasalizada de vogais tônicas como em
homem, fome, Antônio e toma (do verbo tomar), enquanto a maioria dos brasileiros pronunciam
essas vogais bem nasalizadas. A desnasalização, nesse caso, deve-se à inexistência de vogais nasais
em italiano.
Em síntese, no Brasil, a construção do português como língua hegemônica foi um processo
de quase quatrocentos anos. Do início da colônia ao século XVIII é evidente uma faceta lusitana no
português falado minoritariamente no país. No século XIX, avultam-se claras rupturas com o
português europeu (sobretudo aspectos da prosódia e da fonética). Em sequência, no século XX,
acontecem vários fatos que delineiam o complexo panorama sociolinguístico do país, dentre os
quais se destacam: os movimentos populacionais internos, a crescente urbanização e a
multiplicação da rede escolar.
Delineados aspectos sócio-históricos e sociolinguísticos do processo de formação da
língua portuguesa, convém, ainda, assinalar algumas direções internas da língua ao longo dos
últimos séculos.
A língua portuguesa guarda íntima afinidade com suas matrizes latinas, sobretudo, no
campo fonético-fonológico e morfossintático. Uma das características mais acentuadas consiste
no âmbito no vocalismo, sobretudo, com a mudança de traço distintivo das vogais: da
quantidade, (longas/breves) > para a qualidade (timbre aberto/fechado). A oposição vocálica por
quantidade distinguia casos como o nominativo rosă do ablativo rosā, dentre outros. Em suma, o
quadro de 10 vogais no latim clássico reduz-se para 7 no latim vulgar e 7 em português.
Um caso de representativo na fonética, por meio do processo de assimilação, é a
monotongação do ditongo latino au que, a princípio, se transformou em ou no galego-português
e, posteriormente, alterou-se em o no português brasileiro. Nesse caso, o [ʊ] muito alto atraiu a
vogal [a] para mais próximo de si, fazendo-a se fechar em [o]. Sucedem, ainda, vários
metaplasmos, isto é, alterações na estrutura fonética da palavra, seja acréscimo (como na prótese
stare > estar e na epêntese humile > humilde), supressão (por exemplo, a síncope malu > mau e a
apócope mare > mar) ou deslocamento de sons (como o hiperbibasmo pantânu > pântano).
Ainda sobre as mudanças fonéticas, a vogal mais alta anterior no português é o [i] cuja
proximidade do palato provoca a palatalização, já sinalizada neste texto, a qual não existia no
latim. O caso de [ɲ] e [ʎ], como em tenha e telha, respectivamente, ilustra um fenômeno motivado
por essa vogal. Outrossim, processos de vocalização (nocte > noite), consonantização (Iesus > Jesus,
uida > vida) nasalização (nec > nem), desnasalização (luna > lua), entre outros são constantes na
trajetória do português.
No caso das consoantes, tenderam à conservação aquelas que iniciavam vocábulos latinos
(bucca > boca, male > mal > nocte > noite, caballu > cavalo), com poucas exceções (cattu > gato,
vessica > bexiga). As consoantes mediais surdas passam a sonoras (sapere > saber, vita > vida). No
caso das mediais sonoras, houve três caminhos, através da síncope (crudu > cruu > cru), da
permanência (amare > amar) e da alteração (dubitare > duvidar, com degeneração -b- > -v-). As
consoantes finais sofreram apócope, exceto o -s (deus > deus, debemus > devemos); o -r
permaneceu, mas sofreu metátese (semper > sempre, quattor > quatro); o -m final permaneceu na
escrita como grafema para indicar a ressonância nasal (cum > com).
Em relação aos grupos consonantais, os iniciais terminados em -r se conservam (cruce >
cruz); os terminados em -l sofrem palatalização (clave > chave) ou se modificam para -r (clavu >
cravo). Os grupos mediais homogêneos foram simplificados (bucca > boca, sabbatu > sábado),
outros sofreram diversos processos, tais como: palatalização (oculo > olho), conservação (membru
> membro) e alteração (lacrima > lágrima). Os grupos consonantais disjuntos (em sílabas
diferentes), como -ps- e -rs- sofreram assimilação da primeira consoante (ipse > esse, persicu >
pêssego), apenas para citar brevemente alguns casos.
O fato de terem ocorrido mudanças fonéticas ao longo da história significa dizer que os sons
não estão cristalizados para sempre na língua. No português brasileiro atual, constatam-se
diversas variações fonéticas como, por exemplo, a tendência à ditongação das vogais tônicas na
variedade carioca (alô [aloa], nove [noavi]); a ditongação das vogais tônicas finais quando seguidas
de [s], como em mas ([maɪs] ~ [maɪʃ]) tão característica de alguns falares brasileiros. Em relação
54

às átonas finais, é notório o caso de algumas variedades sulistas em que há a realização mais
marcada de -e final como [e], por exemplo em leite quente, e não como [i]. Na palavra banana, em
grande parte das variedades nordestinas, ocorre a nasalização da sílaba átona [bãnãna], diferente
da maior porção de falares do sudeste [banãna]. Isso significa que processos de mudança são
constituintes da língua, um exemplar disso é a prótese, ocorrida no decurso do latim para o
português, presente em algumas variedades do português atual (voar > avoar).
No campo morfossintático, o latim clássico expressava as funções sintáticas por meio de
desinências, configurando, assim, uma língua sintética. No latim vulgar e consequentemente nas
línguas românicas, de característica analítica, essas funções são expressas por meio da ordem dos
constituintes e pelo uso de unidades linguísticas como artigos e preposições (liber Petri > libru de
Petru > o livro de Pedro).
Quando se observa o Testamento de Afonso II, já é possível notar que a morfologia flexional
do nome, isto é, a marcação de número, gênero e função sintática (caso), singular ao latim, não
ocorre nesse documento escrito em português. As palavras molier e filios ocorrem semelhantes ao
português atual, embora desempenhem funções sintáticas diferentes nesse testamento, como se
pode ver nos trechos a proe de mia molier e de meus filios e mia molier e meus filios sten em paz,
nos quais se realizam como adjunto adverbial e sujeito, respectivamente. Um dos fatores
impulsionadores para essas transformações morfológicas pode estar relacionado às mudanças
fônicas (enfraquecimento da vogal final e perda do traço de quantidade da vogal latina, por
exemplo), que se refletem, ainda, na reestruturação da frase.
No processo de perda das marcas flexionais do latim, as línguas românicas adotaram
para as sentenças uma ordem básica gramaticalmente mais fixa, atrelada a restrições gramaticais,
funcionais ou estilísticas. No latim clássico, não havia um ordenamento fixo dos constituintes, que
eram livres, embora estilisticamente houvesse uma preferência pelo verbo em posição final. O
português adotou, assim, a ordem sujeito-verbo-complemento como preferida para a constituição
das sentenças. Alguns linguistas afirmam que um vestígio deixado por esse tipo de mudança se
assinala na variação dos pronomes segundo a função sintática, como em eu-sujeito e me-objeto.
Do decurso das transformações, em relação aos casos latinos, o acusativo é tomado como o
caso lexicogênico, isto é, gerador do léxico. Isso porque, como caso único, passou a desempenhar
todas as funções sintáticas nas sentenças do latim vulgar. A forma dos vocábulos nesse caso
sintático é a origem do léxico nas línguas românicas da Ibéria. Em português, a palavra homem
não procede do nominativo latino homo, mas da forma acusativa (homĭnem > homĭne) que sofreu
diversas mudanças até chegar a forma atual (homĭne > homẽẽ > homẽ > homem). No entanto, o
português conserva alguns vestígios dos demais casos, como é nos pronomes retos advindos do
caso nominativo (ego > eu, tu > tu, ĭlle > ele, nos > nós, > vos >vós), do único vestígio do vocativo na
famosa citação litúrgica Ave-Maria, do genitivo em nomes patronímicos (Fernandici > Fernandes)
e do dativo nos pronomes oblíquos tônicos (mihi > mi > mim, tibi, sibi > ti, si).
Consequência do acusativo em latim vulgar é a derivação, no domínio morfológico, das
três vogais temáticas nominais da língua portuguesa: -a, que correspondia ao feminino, 1ª
declinação (rosam> rosa); -o, que assinalava o masculino, 2ª declinação (lŭpum> lobo); e -e,
referente a 3ª declinação, para masculino e feminino (pontem > ponte).
No latim clássico, que compreendia cinco declinações, já havia a tendência de fusão entre
elas, o que se concretizou no latim vulgar, uma vez que com o aprofundamento do analitismo e a
consequente redução/eliminação dos casos, as declinações perderam o sentido.
Desse modo, outra mudança rastreável é a supressão do gênero neutro existente no latim
em decorrência das fusões entre as declinações.Tanto no latim como no português, o gênero é
motivado por um traço semântico inerente aos nomes substantivos, de modo que sua motivação
externa é relacionada apenas a um subgrupo do léxico. Alguns nomes latinos de gênero neutro
foram distribuídos entre feminino e masculino no português, geralmente, sendo o neutro singular
acolhido no masculino e o neutro plural incorporado ao feminino. É possível observar em
documentos do português arcaico, quando estão presentes oscilações de nomes como cometa, dor
e queixume, ora ocorrendo como masculino, ora como feminino. No português contemporâneo,
não existe o gênero neutro como categoria gramatical; todavia, há marcas do gênero neutro em
algumas palavras e expressões, tais como: isto, isso aquilo, tudo, nada, o útil, o belo, ferramenta,
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vestimenta, proibido, necessário etc.


No caso dos verbos, é notório que as as três conjugações verbais do português (-ar, -er, -
ir) são oriundas das quatro conjugações do latim clássico (-are, -ĕre, -ēre, ire) que, posteriormente,
se condensaram em três no latim vulgar (-are, -ēre, ire). Dessas, a 1ª conjugação era a mais
produtiva, pois recebeu verbos de outras conjugações (torrēre > *torrare > torrar), bem como
resistente, uma vez que não perdeu nenhum exemplar. A 2ª conjugação resulta da fusão da 2ª com
3ª do latim clássico, note-se em dicĕre > dicēre > dizer. A 3ª conjugação é um resultado da 4ª
conjugação da latina clássica (audire > ouvir, punire > punir).
Em relação à ordenação da sentença, o português apresenta como ordem canônica o
esquema sujeito-verbo-objeto, semelhantemente ao latim vulgar e, diferenciando-se do latim
clássico, cuja ordem era relativamente livre (com tendência a SOV). Outro ponto é a ordem de
palavras no sintagma nominal, cuja tendência no latim clássico seguia a direção determinante >
determinado (felix homo – feliz homem), no latim vulgar e nas línguas românicas, a ordem básica
é determinado > determinante (homo felix – homem feliz).

Como se pode observar ao longo deste texto, a língua portuguesa passou por significativas
mudanças cujos reflexos podem ser rastreados a partir do exame de sua história externa e
interna, que se mesclam. A continuação secular da língua de Portugal aliada à convivência com
outras línguas foi a mola propulsora para o desenvolvimento do português contemporâneo no
Brasil. Por último, cabe ratificar que o português, nem antes, nem agora, representa um conjunto
homogêneo e unívoco. A multiplicidade de fatores externos e internos permitem que essa língua
se desenhe em variedades linguísticas diversas que espelham a história do seu povo.

Notas

Latim clássico Latim vulgar Português


5 declinações 3 declinações Sem declinações
6 casos 2 casos > 1 caso Sem casos
4 conjugações 3 conjugações 3 conjugações
3 gêneros 2 gêneros 2 gêneros
Língua sintética Língua analítica Língua analítica
Oposição baseada na Perda da característica de Distinção vocálica feita pela
quantidade (vogais longas e oposição quantitativa. qualidade (timbre
breves) aberto/fechado)
Exemplo: distinguia-se as Com a intensificação do acento,
desinência -ā de ablativo e -ă de a quantidade perdeu lugar Ă e ā = reduzem-se a a
nominativo, para um mesmo como traço vocálico distintivo. Ĕ e ae = reduzem a é (aberto)
nome, e entre palavras havia O acento passou a distinguir as Ē, oe e ĭ = reduzem a ê (fechado)
oposições como mālum (maçã) vogais em tônicas, pretônicas Ī = reduz a i
e mălum (mau) ou átonas finais. Ŏ = reduz a ó (aberto)
O português arcaico herdou o Ō e ŭ = reduz a ô (fechado)
sistema vocálico do latim Ū = reduz a u
vulgar.

Referências
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CÂMARA JR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro, 2015 [1970].
CASTILHO, A, T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.
COUTINHO, I. L. Pontos de gramática histórica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1969.
FARACO, C. A. Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história da língua. São Paulo: Parábola, 2005.
ILARI, Rodolfo. Lingüística Românica. São Paulo: Ática, 1992.
LUCCHESI, D. Norma linguística e realidade social. In: BAGNO, M. Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002.
RODRIGUES, A. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas.
D.E.L.T.A., n. 9, p. 83-103, 1993.
SILVA, R. V. M. O português arcaico: fonologia, morfologia e sintaxe. São Paulo: Contexto, 2015.
TEYSSIER, P. História da língua portuguesa. Trad. De Celso Cunha. Lisboa: Sá da Costa, 1982.
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7. Ensino de gramática de língua portuguesa: metalinguagem, uso e reflexão

É assente nas discussões no âmbito da Linguística Aplicada e nas diretrizes norteadoras


da educação (como é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais e alguns documentos da
esfera estadual), que o processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa deve estar
alicerçado numa perspectiva que assinala a linguagem como atrelada às práticas sociais
cotidianas, de maneira que se preze uma formação crítica, democrática e cidadã dos alunos.
Ocorre que, por força da tradição, o ensino de língua é, muitas vezes, reduzido (e até
confundido) ao ensino de gramática (POSSENTI, 1996). Esta gramática, de tradição normativo-
prescritiva, pode ser entendida como um conjunto de leis preceituadas para “o bem falar e o bem
escrever”, cujos parâmetros estão ancorados, em geral, na ideia de língua pura, na classe social
de prestígio (de caráter econômico, político e cultural), na autoridade (de gramáticos e bons
escritores), na lógica e na tradição histórica.
No centro das atividades alicerçadas na gramática normativa está o conhecimento e
domínio operacional das suas normas constituintes. Essas normas estão atreladas à noção de
normatividade e são consideradas as prescrições, as leis de como deve ser a expressão
linguística. Exercícios metalinguísticos de identificação e classificação teórica das nomenclaturas
gramaticais, produção textos sem propósito e sem direção apenas para usar as palavras da regra
estudada (por exemplo em enunciados como “escreva um texto contendo uma palavra com ‘s’ e
uma com ‘ç’”) são amostras de atividades apoiadas nessa concepção gramatical.
Em linhas gerais, atividades metalinguísticas são aquelas cujo foco está em conceitos,
classificações e outras operações sistemáticas. Apenas para ilustrar, um emblemático estudo
realizado por Maria H. M. Neves, na década de 90, demonstrou que, em São Paulo, os exercícios de
reconhecimento e classificação de classes de palavras e de funções sintáticas ocupavam, à época,
75% das atividades de ensino de gramática. Excluídas as atividades que envolviam leitura e
produção de textos, o percentual crescia para quase 90%, se consideradas atividades de
ortografia, acentuação, fonética e fonologia e morfologia. Por hipótese, arriscamos que, quase
vinte anos depois, o cenário tem mudado, no entanto prevalecem, ainda, o ensino da
metalinguagem gramatical.
Um programa de estudo pautado majoritariamente na gramática de tradição normativo-
prescritiva, por estar distante da realidade linguística e social de grande parte dos alunos, torna-
se, ineficiente. Isso porque, em certa medida, os alunos não reconhecem, como língua materna, a
variedade ensinada na escola (uma norma “culta” idealizada e desvinculada das situações reais
de comunicação), considerando-a, muitas vezes, estranha e obscura. Diante desse contexto, desde
meados da década de 1980, no âmbito da linguística brasileira, discute-se que a consequência
desse tipo de trabalho é a saída da escola com uma visão de língua simplista, deturpada,
reduzida e, muitas vezes, falseada e distante das práticas sociais efetivas de uso da linguagem.
Um reflexo disso é a angústia dos alunos quanto às atividades de leitura e de produção de textos:
não é incomum na universidade ouvir os relatos e desabafos dos estudantes sobre as dificuldades
que encontram ao se deparar com gêneros discursivos do domínio acadêmico (resumo, resenha,
projeto de pesquisa, artigo científico, por exemplo).
Ora, um dos propósitos do ensino de língua portuguesa na escola é a ampliação de
todas as competências previstas pela atividade verbal. Isso significa aprimorar o repertório
linguístico e sociocultural dos alunos, preservando, respeitando e valorizando a diversidade
linguístico-cultural, bem como permitindo a leitura e a produção de textos orais e escritos de
qualquer dimensão, de maneira que ele possa interagir em situações mais ou menos formais, tanto
como falante/produtor como ouvinte/leitor de textos (ANTUNES, 2014).
Nessa linha, conforme preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), bem
como uma série de discussões realizadas por estudiosos (GERALDI, 1984; ANTUNES, 2003; 2007;
SOARES, 2002; ROJO, 2006, MARCUSCHI, 2008 inter alia), a ação didático-pedagógica deve se
fundamentar na visão de língua em seu efetivo uso pelos sujeitos engajados nas situações
sociocomunicativas. Esclarece os PCN que o ensino-aprendizagem de língua portuguesa deve se
configurar numa tríade que engloba aluno – conhecimento – professor. Essa proposta visa
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contribuir para um ensino que leve o aluno a desenvolver habilidades de reflexão, crítica,
produção de textos orais e escritos em gêneros textuais/discursivos diversos e com graus de
formalidade distintos.
Na esteira da proposta veiculada pelos PCN, o estudo das manifestações gramaticais não
deve figurar mais no centro do currículo de língua materna e, sim, servir de apoio para a discussão
dos aspectos da língua. Para isso, precisa estar vinculado à produção, leitura e escuta de textos,
servindo como mecanismo de aprimoramento das habilidades linguísticas, enunciativas e
discursivas do aluno.
Sendo assim, os fatos gramaticais devem ser questionados, investigados e atestados de
acordo com o uso que os falantes fazem nas diversas práticas discursivas. A maleabilidade das
regras gramaticais não significa que o usuário da língua seleciona seus usos arbitrariamente, ao
contrário, escolhe-os conforme o repertório disponível e adequado a cada gênero
textual/discurso, de acordo com os objetivos comunicativos num dado contexto sociointerativo.
As regras gramaticais são, portanto, decorrência natural dos usos, não são definidas à revelia
das atividades de interação.
A gramática, sendo uma consequência do uso, regula muito, mas não regula tudo, uma
vez que nem todas as prescrições cabem no seu domínio (ANTUNES, 2013). Não se pode
abandonar a investigação gramatical, mas é urgente mudar o seu caminho e endireitar suas
veredas. Isso só pode acontecer ao pensar essa investigação por meio de dados empíricos, ou
seja, através da análise de textos orais e escritos pertencentes a gêneros textuais/discursivos
diversos, uma vez que apenas no texto a gramática faz sentido.
Diante desse contexto, defendemos que o estudo dos recursos linguístico-gramaticais deve
ser mediado pelos gêneros textuais/discursivos. Nesse prisma, o tratamento de fenômenos
gramaticais em sala de aula deve se assentar na prática de análise linguística. Esse termo,
cunhado por Geraldi (1984) compreende um status teórico-metodológico que, apoiado em
alguma teoria linguística, remete a uma forma de observar dados da língua em uso, bem como a
um recurso para o ensino e aprendizagem de modo reflexivo. Diferencia-se do ensino de
gramática normativo-prescritiva na medida em que esta focaliza a palavra ou frase (muitas vezes
de modo artificial e descontextualizado), enquanto a análise linguística está centrada no texto.
Em outras palavras, a análise linguística fundamenta-se como ferramenta para as atividades de
leitura e de produção de textos, que se alinham à reflexão sobre os usos linguísticos e, sobretudo,
à consideração dos gêneros textuais/discursivos.
Apoiados no Círculo de Bakhtin, entendemos que os textos se manifestam em gêneros
textuais/discursivos, que podem ser entendidos como tipos relativamente estáveis de
enunciados, que se ritualizam histórica, cultural, social e ideologicamente. Esses gêneros,
tipicamente orais ou escritos ou produzidos na interface oral-escrito / escrito-oral emergem e
circulam em domínios discursivos diversos, isto é, os gêneros são cristalizações linguístico-
discursivas de práticas sociais (MARCUSCHI, 2001).
Os gêneros são dinâmicos e dotados de intencionalidade bem definida e relevante para
um determinado grupo social. Assim, são (re)modelados em processos interacionais, nas esferas
sociais das quais participam os sujeitos de uma determinada comunidade. Quando dominamos
um gênero, não dominamos uma forma linguística, mas uma maneira de realizar linguisticamente
objetivos específicos em situações sociais particulares, ao mesmo tempo, a nossa experiência
social e discursiva é moldada pelos gêneros textuais/discursivos.
Da ótica do falante, os gêneros orientam o processo discursivo, da ótica do ouvinte,
funcionam como um horizonte de expectativas. São relativamente estáveis, isto é, observamos
certas ritualizações, mas também verificamos certa instabilidade e plasticidade, uma vez que é
possível adaptá-los sem que se configurem em gêneros diferentes. Ora, essa relativa estabilidade,
atrelada a práticas sociais que se repetem e se ritualizam, permite que, de modo econômico,
reconheçamos os gêneros, de forma que não precisamos (re)inventá-los para cada situação de
interação, o que seria quase impossível.
De modo geral, os gêneros textuais/discursivos caracterizam-se por estilo (modo de
seleção e organização de palavras e expressões), conteúdo temático (o que é/pode ser dito ou
esperado naquele gênero) e estrutura ou composição (tipologias textuais e partes constitutivas).
58

Nesse sentido, a escolha do gênero deve considerar, em cada caso, os objetivos visados, o lugar
social, os papéis dos participantes e, ainda, a adaptação feita pelo produtor do texto de acordo com
seus valores particulares. Isso significa compreender que há lugar para certa instabilidade na
composição dos textos, vejamos: espera-se do gênero carta que ele contenha cabeçalho,
saudação inicial, mensagem, saudação final e assinatura. Todavia, pode ser produzida uma carta
anônima, sem assinatura e, ainda assim, ser uma carta.
Não se pode tratar os gêneros textuais/discursivos independentemente de sua
realidade social e de sua relação com as atividades humanas (Marcuschi, 2008, p. 155). Daí sua
centralidade como objeto no processo de ensino e aprendizagem de língua materna. Em síntese,
o trabalho didático-pedagógico alicerçado nos gêneros textuais/discursivos permite que o
aluno se constitua como sujeito que faz uso da linguagem (ROJO, 2002), diminuindo a distância
entre o que se faz na escola e o que se faz no seu entorno social, quer dizer, ressignificando as
práticas escolares.
Considerando que as práticas de leitura, produção textual, oralidade e análise
linguística são as unidades básicas de ensino e aprendizagem, é fulcral ampliar o domínio dessas
práticas no cotidiano escolar. Franchi (2006) defende que é essencial levar o aluno a saber operar
sobre a língua, de forma que ele consiga recuperar a dimensão de uso da linguagem em situações
interativas. Sua análise estabelece uma diferenciação entre atividade linguística, que
corresponde ao exercício pleno e situado da linguagem; atividade epilinguística, que resulta da
reflexão sobre o uso de recursos expressivos em situações de interlocução; e atividade
metalinguística, que tomam a linguagem como objeto de reflexão já não balizadas no processo
de interlocução por serem atividades que visam à construção de conceitos, classificações ou
categorias.
De acordo com Possenti (1996), o domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o
domínio de uma metalinguagem técnica, pois esta, sendo uma consequência do entendimento
dos usos, seria apreendida posteriormente. Percebemos a visão de Possenti ancorada no diálogo
com Franchi e Geraldi (1997), sobre o qual também fazemos coro, concordando que para que as
atividades metalinguísticas tenham alguma significância no processo de reflexão que toma a
língua como objeto, é necessário que as atividades epilinguísticas as tenham antecedido.
A reflexão contextualizada sobre a linguagem perpetrada pelo viés da análise linguística
só ocorre ancorada nas práticas de leitura e escrita mediadas pelos gêneros
textuais/discursivos. Na esteira disso, a análise prévia dos gêneros assiste o professor na
elaboração didática de atividades de análise linguística, isso porque os recursos linguísticos
agenciados são sempre balizados pelos gênero.
A prática análise linguística deve estar estreitamente vinculada às produções textuais
dos alunos, permitindo-lhes a observação e o exame de sua própria produção, a fim de que
percebam seus equívocos e possam superá-los no processo de reescrita e/ou retextualização
do texto. Nestas, o exercício de acréscimos, deslocamentos, apagamentos, transformação de
porções de sequências textuais permitem aprimorar as estratégias de manipulação da estrutura
linguístico-discursiva, dos conteúdos veiculados e, consequentemente, da construção de
sentidos. Tal atividade desenvolvida individual ou coletivamente permite apreender e ampliar
recursos que todos nós estamos submetidos numa comunidade linguística.
Ainda, na análise linguística podem ser levados em conta: a compreensão de como os
recursos gramaticais, sejam de qualquer ordem, cooperam para a significação (macro e
microestrutural) do texto; os efeitos de sentido que podem assinalar; por que e como foram
selecionados para ocupar aquele espaço no texto; quais suas funções e que pretensões
comunicativas respondem, apenas para citar alguns caminhos. Em suma, a investigação dos
recursos linguístico-discursivos mobilizados nos diversos gêneros textuais/discursivos
permite o entendimento de como tais recursos suscitam inferências, emoções e efeitos de
sentido do texto. Isso porque análise linguística vai além dos aspectos morfossintáticos, posto
que é necessário levar em conta os aspectos semântico-discursivos das unidades linguísticas na
formação de enunciados.
A título de exemplo, se observarmos a construção de certos gêneros textuais/discursivos
de caráter argumentativo, podemos averiguar a função exercida pelas construções subjetivas
59

para gerar efeitos de sentido. Essas construções, quando se encontram em posição inicial,
expressam a atitude do falante/escritor sobre o enunciado (é possível, é conveniente, é certo),
isso significa que podem sinalizar movimentos de modalização, avaliação e sustentação de um
ponto de vista. Dada essa configuração, a fim de instaurar uma opinião e conseguir a adesão do
interlocutor/leitor, o aluno pode recorrer a várias formas de expressão (é bom, é importante, é
indispensável, é frutífero, é produtivo, é preciso, é necessário, é preferível, é óbvio) que contribuem
para uma dada orientação argumentativa ao texto. Desse modo, é essencial a mediação do
professor que pode perscrutar as relações gramaticais tecidas na materialidade textual, ao lado
das estratégias argumentativas, e sua funcionalidade nos gêneros textuais/discursivos de opinião.
Para um ensino de língua operacional e reflexivo, uma alternativa que vem sendo discutida
desde o trabalho de Schneuwly e Dolz (2004) diz respeito à proposta com sequências didáticas.
Sendo organizadas, sistematicamente, em torno de um gênero oral ou escrito, preferencialmente
que o aluno ainda não tenha domínio, permitem a apropriação do gênero no que diz respeito à
configuração formal e sua função comunicativa, ao mesmo tempo, que permite a execução de
diversos módulos que contemplam atividades de leitura, de produção textual e de análise
linguística. Nesse caminho, o gênero textual/discursivo é o ponto de partida e de chegada do
fazer didático-pedagógico.
Por último, reiteramos que, para compreender a variedade de possibilidades que a língua
fornece, é necessário olhar para o fenômeno linguístico em suas manifestações interacionais, isto
é, atrelado às esferas sociais da atividade humana, o que só é possível por meio dos gêneros
textuais/discursivos. Essa visão teórico-metodológica encontra respaldo nos documentos
norteadores da educação e nas pesquisas da ciência linguística dos últimos anos, quando, ao tratar
da análise linguística, preconizam sua reflexão a partir das práticas de leitura e de produção de
textos em variados contextos de produção.

Referências
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históricos. Letrônica, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 494-520, jul./dez., 2013.
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POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das Letras, 1996.
60

8. Variação e mudança linguística em língua portuguesa: norma, uso e implicações para a


prática pedagógica

O letramento de hoje
Mais que alfabetização
Considera o contexto
E não faz a divisão
Entre o sabido doutor
E o mestre do povão

Todos têm a sabença


E outras podem dominar
Pois saber ler e escrever
É como um bom caminhar
Descobrem-se outras vias
Por onde poder passar.
(João Bosco B. Bonfim)15

As línguas mudam sem cessar e não podem funcionar senão


mudando.
(Charles Bally)

Ao longo dos últimos anos, o ensino de língua portuguesa no Brasil tem sofrido profundas
mudanças. Ainda que lentas, estas são resultado de esforços empreendidos por profissionais da
educação preocupados com a realidade escolar brasileira e impulsionados pelas descobertas e
contribuições das ciências da linguagem. Esse esforço está assinalado nos documentos
norteadores da educação no país, como Parâmetros Curriculares Nacionais e, mais
recentemente, Base Nacional Comum Curricular, nos quais, por ora, ressalvadas as críticas já se
evidencia uma mudança na concepção de linguagem e de ensino de língua, refletida por meio da
incorporação de temas como letramentos, gêneros textuais/discursivos, multimodalidade,
variação linguística, preconceito linguístico, entre outros.
Por força da tradição, o ensino de língua portuguesa, nos termos do que se pode chamar
um “ensino tradicional”, é muitas vezes, reduzido (e até confundido) ao ensino de gramática
(POSSENTI, 1996). Esta gramática, de tradição normativo-prescritiva, herança de uma tradição
classe greco-romana, pode ser entendida como um conjunto de leis preceituadas para “o bem falar
e o bem escrever”, cujos parâmetros estão ancorados, em geral, na ideia de língua pura, na classe
social de prestígio (de caráter econômico, político e cultural), na autoridade (de gramáticos e bons
escritores), na lógica e na tradição histórica. Nesse viés, a norma repousa numa concepção de
língua homogênea, logo histórica e socialmente descontextualizada já que desvinculada de seus
usuários, que se configura como um padrão abstrato que existe independente dos indivíduos que
a falam.
No rastro dessa visão normativo-prescritiva, as as atividades didáticas costumam ser
basicamente classificatórias, apartadas do uso real da língua, conduzidas pelas noções de certo e
de errado, de modo que certo é o que esta em consonância com as regras dos compêndios
gramaticais, ao passo que tudo o que não se conformar a essas regras é taxado de erro e deve ser
corrigido. A consequência mais avassaladora disso pode ser a reprodução do modelo
sociocultural dominante, que enfatiza as desigualdades sociais, tratando as diferenças como
deficiências e, certamente, isso impacta sobre o fracasso escolar (Görski; Coelho, 2009).
Um dos propósitos do ensino de língua portuguesa na escola é a ampliação de todas as
competências previstas pela atividade verbal. Isso significa aprimorar o repertório linguístico
e sociocultural dos alunos, preservando, respeitando e valorizando a diversidade linguístico-
cultural, bem como permitindo instrumentalizando para a leitura e a produção de textos orais e
escritos de qualquer dimensão, de maneira que ele possa interagir em situações mais ou menos

15Versos escritos em homenagem a professora Stella Maris Bortoni-Ricardo, publicados em seu livro “Do
campo para a cidade: estudo sociolinguístico de migração e redes sociais” (2011).
61

formais, mais próximas ou não do seu universo imediato, tanto como falante/produtor como
ouvinte/leitor de textos e, além disso, promovendo a reflexão sobre o fenômeno da linguagem e
combatendo a estigmatização e os preconceitos relativos ao uso da língua (ANTUNES, 2014).
Nessa linha, conforme preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), bem
como uma série de discussões realizadas por estudiosos (GERALDI, 1984; ANTUNES, 2003; 2007;
SOARES, 2002; ROJO, 2006, MARCUSCHI, 2008 inter alia), a ação didático-pedagógica deve se
fundamentar na visão de língua em seu efetivo uso pelos sujeitos engajados nas situações
sociocomunicativas. Isso significa que a condição para que se dê o ensino da língua são as
situações reais de interação. Para isso, duas instâncias devem se articular: o uso da língua oral e
escrita, que integra práticas de escuta e de leitura e práticas de produção de textos orais e escritos;
e a reflexão sobre língua e linguagem, que agrega práticas de análise linguística.
Esclarece os PCNs que o ensino-aprendizagem de língua portuguesa deve se configurar
numa tríade que engloba aluno – conhecimento – professor. Essa proposta visa contribuir para
um ensino que leve o aluno a desenvolver habilidades de reflexão, crítica, produção de textos orais
e escritos em gêneros textuais/discursivos diversos e com graus de formalidade distintos.
A transformação dessa tradição escolar sugere uma demanda por políticas linguística e
por um planejamento linguístico que envolvem as reflexões teóricas dos documentos oficiais de
educação, ainda pouco assimilados e praticados; a formação dos professores e ações efetivas de
intervenção nas práticas pedagógicas. Tais políticas são assinaladas como “um conjunto de
escolhas conscientes referentes às relações entre língua(s) e vida social”, cuja implementação
prática configura planejamento linguístico (Calvet, 2002, p. 145).
No cerne das contribuições para o ensino de língua e da militância pela educação
linguística está a sociolinguística, uma corrente surgida nos Estados Unidos, na década de 1960,
que assume como princípio básico a necessidade de estudar a língua com base na sociedade
em que ela é falada, isto é, tomando língua e sociedade como elementos indissociáveis. No Brasil,
essa corrente alicerça o trabalho de muitos linguistas, tais como: Stella Bortoni-Ricardo, Cecília
Mollica, Marta Scherre, Marcos Bagno, Irandé Antunes, Edair Görski, para citar apenas alguns que
têm dedicado parte de suas vidas à relação língua e sociedade, bem como a questões afetas ao
ensino de língua materna.
À luz da sociolinguística, o fato de os seres humanos, em qualquer tempo e lugar, serem
diversificados, heterogêneos, sujeitos a mudanças e conflitos resulta numa heterogeneidade
social que se reflete na língua (heterogeneidade linguística). Nessa ótica, a língua é
historicamente situada, heterogênea, variável e está sempre em (des)construção no espaço e no
tempo. Ela é uma atividade social empreendida por todos os seus usuários que interagem por
meio da fala e da escrita para atingir propósitos sociocomunicativos.
Quando se compreende a língua como atividade social, situa-a, consoante Castilho (2000)
como “um conjunto de usos concretos, historicamente situados, que envolvem sempre um locutor
e um interlocutor, localizados num espaço particular, interagindo a propósito de um tópico
conversacional previamente negociado. [...] É um fenômeno funcionalmente heterogêneo,
representável por meio de regras variáveis socialmente motivadas” (p. 12).
Na ótica sociolinguística, a língua é um feixe de variedades, isso significa que variação e
mudança linguística são inerentes a todas as línguas naturais. Ou seja, o sistema linguístico está
longe de ser homogêneo, conforme preconiza a tradição gramatical, e sim é constituído de regras
variáveis (ao lado de regras categóricas), que atuam em todos os domínios linguísticos: fonético-
fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical e discursivo. Sabe-se que nem sempre
variação leva à mudança, mas toda mudança pressupõe variação.
“A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre
existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala
em língua ‘portuguesa’ está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades”
(Brasil, 1998, p. 29). Dito de outro modo, a variação é um fenômeno regular, sistemático, motivado
pelas regras do sistema linguístico e por fatores extralinguísticos.
A característica mutável observada no português brasileiro, a partir do exame das
variedades faladas por diversos grupos sociais, assinala nossa língua como uma entidade
heteróclita, de forma que podemos dizer que há vários “portugueses brasileiros” no país. Isso
62

significa dizer que o Brasil não é um país monolíngue, pois o plurilinguismo é observado não só
no sentido de diferentes línguas (português, tupi-guarani, palikur, wajãpi, entre outras), e sim no
âmbito da língua portuguesa também. Todas as línguas e suas variedades dialetais fornecem a
seus usuários meios adequados para a expressão de conceitos e proposições lógicas; assim,
nenhuma língua ou variedade dialetal impõe limitações cognitivas na percepção quanto na
produção de enunciados.
Se observarmos falantes de diferentes regiões de nosso país, não teremos dificuldade de
perceber diferenças em sua pronúncia (menino/minino), em seu vocabulário (abóbora/jerimum,
aipim/mandioca/macaxeira) e mesmo em sua sintaxe (casa do Ricardo/casa de Ricardo). Isso
aponta para a natureza adaptativa da linguagem, isto é, para um sistema de comunicação que
oferece opções de expressão aos seus falantes.
Cabe ressaltar que a variação na língua não é aleatória ou desordenada, ou seja, nem tudo
está em processo de variação ou mudança linguística e, quando está, essa variação obedece a
regras lógicas. Assim, na língua, convivem padrões linguísticos em variação, padrões linguísticos
emergentes e padrões sistematizados e ritualizados pelo uso. Isso permite dizer que a língua
possui uma heterogeneidade ordenada. A literatura sociolinguística descreve a variação em
variação regional ou geográfica, variação social e variação estilística. Essas variações refletem-se
em todos os domínios linguísticos.
A variação regional/geográfica ou diatópica configura-se como aquela que remete às
diferenças linguísticas observáveis entre falantes de regiões distintas de um mesmo país
(nordeste e sudeste, por exemplo) ou oriundos de diferentes países (como a diferenças entre os
países lusófonos).
A título de exemplo, um caso que ilustra a variação diatópica é, no domínio fonético, a
palatalização de /t/ e /d/ antes de i em falares do sudeste do país (como em [tʃia] e [dʒia]),
enquanto no nordeste se preserva a não palatalização[tia] e [dia]. Entre o português falado em
Portugal e o falado no Brasil uma diferença consiste na semivocalização do /l/ final se sílaba e de
palavra: enquanto na pronúncia portuguesa geralmente ocorre uma velarização do /l/ (anima[l]
e so[l]dado), na brasileira ocorre a semivocalização (anima[w] e so[w]dado). Uma diferença no
domínio morfossintático, na variedade europeia e na brasileira pode ser vista nas construções
aspectuais do tipo estava a dormir, em Portugal, e estava dormindo, no Brasil.
No campo do léxico, as diferenças se acentuam e, normalmente, chamam bastante atenção,
sobretudo, dos alunos. Assim, para designar a sobremesa gelada servida em saquinho, o nordeste
refere din-din, o sudeste menciona sacolé ou chupe-chupe e, o nortista refere chopp. No plano
discursivo, facilmente associamos o bah ao gaúcho, o trem ao mineiro, o ôrra meu ao paulista, o
mermão ao carioca e o pronto ao nordestino. Percebemos também diferenças entre a fala de
indivíduos provenientes de zona rural e a de indivíduos urbanos nas diferentes regiões, o r caipira
do interior paulista é um exemplo (po[ɹ]ta).
A variação social ou diastrática diz respeito a aspectos concernentes à organização
socioeconômica e cultural da comunidade, como classe social, sexo, idade, grau de escolaridade,
profissão do indivíduo são exemplos desses aspectos. Essa variação pode se refletir em casos,
como a assimilação de -nd > -n em verbos de gerúndio (cantando/cantano, dormindo/dormino/
comendo/comeno), no campo fonético; na concordância verbal e nominal, como em os homens
saíram cedo/ os home saiu cedo, no campo morfossintático. Sobre a concordância, algumas
pesquisa sociolinguísticas tem demonstrado que os informantes mais escolarizados,
independentemente da idade, tendem a preservar mais as marcas de concordância verbal.
Como se pode ver, as regras variáveis de uma língua podem ser motivadas
extralinguisticamente, ao se manifestar, um indivíduo, de certa forma, revela sua origem regional
e social, na medida em que ele se identifica como pertencente ou não a determinada comunidade
a determinado grupo social.
A variação estilística/contextual ou de registro manifesta-se nas diferentes situações
comunicativas do cotidiano e é regulada pelos domínios em que se se dão as práticas sociais
(escola, igreja, lar, trabalho etc.), pelos papéis sociais envolvidos (professor-aluno, pai-filho,
patrão-empregado etc.) e pelo tópico (religião, política, esporte, sexo, brincadeiras etc.). Em suma,
registramos, com maior ou menor formalidade, nossa expressão linguística a depender do
63

contexto sociocultural.
No dia a dia, nossas interações são permeadas por diferentes graus de formalidade, que se
refletem nas escolhas estilísticas. Por exemplo, numa sala de aula, a tendência é que os professores
usem uma variedade mais monitorada do que os alunos, isso mostra a influência do evento no que
tange ao maior ou menor monitoramento linguístico. Segundo Bortoni-Ricardo (2004), eventos
que são mediados pela língua escrita apresentam, geralmente, maior monitoramento, do que
aqueles mediados pela língua oral. Uma amostra pode ser assinalada pelos usos dos pronomes de
primeira pessoa do plural nós e a gente, enquanto o primeiro evidencia um maior monitoramento,
ligado a maior grau de formalidade, o segundo reflete menor grau de formalidade (normalmente
visando se aproximar do interlocutor).
Dito de outra maneira, cada indivíduo vai adaptar o modo como usa a língua a depender
da situação, pública ou privada, dos seus objetivos sociocomunicativos e dos seus interlocutores.
Esses papéis são um conjunto de obrigações e de direitos definidos por normas socioculturais e
são construídos no próprios processos interativos.
Como se pode observar, mudamos o nosso modo de expressar a língua para adaptarmo-
nos ao interlocutor e ao contexto sociocomunicativo. Isso demonstra a plasticidade da língua, que,
sujeita a constante adaptação, nos fornece os mecanismos linguísticos para dar conta das diversas
situações comunicativas.
É útil esclarecer que, no Brasil, existe a ideologia de uma língua estática, perfeita, correta,
acabada e fixada em bases sólidas, a qual corresponde à noção de “norma-padrão”. Esta é um
modelo artificial e abstrato ancorado na gramática normativo-prescritiva, que dita as regras
do que seria um “bem-falar” e um “bem-escrever” e inspirado numa elite letrada conservadora.
Aliada ao mito de monolinguismo, a ideia de norma-padrão é reforçada por um discurso
social (da mídia, de gramáticos, de pais, de professores, entre outros) que demarca a língua de
modo categórico e dogmático. Dessa maneira, toda manifestação linguística que está em
desacordo com essa norma é taxada de “erro” e, portanto, deve ser excluída.
Nos termos de Faraco (2002), com quem nos filiamos, a norma é relativa à língua em
funcionamento nas mais diferentes situações comunicativas. Desse modo, a norma é
compreendida como o conjunto de usos e atitudes (valores socioculturais agregados às formas)
comuns a determinados grupos sociais, que funciona como um elemento de identificação de cada
grupo. Isso quer dizer que, numa sociedade tão diversa como a nossa, não há uma única norma,
mas várias (chamadas de variedades ou dialetos). Assim, podemos falar da norma linguística dos
pescadores de uma dada região, a norma linguística dos moradores do morro e assim por diante.
A norma-padrão diferencia-se da norma-culta, pois, esta remete aos usos e atitudes
(valores) da classe social de prestígio, no caso, daquela parcela da população brasileira que é
plenamente escolarizada (com curso superior completo) e que está em contato com a cultura
escrita historicamente legitimada. Trata-se, assim, de regularidades concretamente observáveis
no comportamento linguístico de um certo grupo social, aquele dos indivíduos chamados “cultos”.
A norma culta não é homogênea, mas se sujeita à variação no seu interior, e não pode ser
confundida com língua escrita, pois todas as normas são expressas em ambas as modalidades.
Cabe acentuar, contudo, que variações e mudanças na fala prenunciam variações e mudanças que
podem vir a se fixar também na escrita. Além do mais, as diferentes normas se entrecruzam e se
influenciam mutuamente, como ocorre nos falares rurbanos, estudados por Bortoni-Ricardo
(2011).
Para exemplificar, observemos que há muitos casos de desacordo entre a prescrição
normativa e o uso. O caso da colocação pronominal é um dos mais salientes: segundo a norma-
padrão, a regra geral de colocação do pronome átono (clítico) é a ênclise (Ele deu-me o dinheiro);
no entanto, com exceção de alguns casos (lembremos das famigeradas ênclise e mesóclise do ex-
presidente Temer), a tendência de uso brasileiro é a próclise (Ele me deu o dinheiro). Outra
amostra de discrepância pode ser notada na marcação do tempo futuro verbal: enquanto na
norma-padrão a expressão do futuro do presente dos verbos é feita mediante a desinência [-rei]
(comerei), na norma-culta observamos o uso da perífrase ir + INF (vou comer, vou andar). Ressalte-
se que a norma-culta manifesta apenas uma das variedades da língua portuguesa, enquanto a
norma-padrão não passa de um ideal abstrato.
64

É interessante frisar que o país, historicamente marcado pela desigualdade social, gera
uma grande violência simbólica que está fortemente arraigada na nossa sociedade: são excluídos
os indivíduos que fazem parte dos grupos sociais menos favorecidos, os quais, consequentemente,
não dominam as variantes linguísticas de prestígio e, por isso, são deixados à margem. Em
outras palavras, a tradição gramatical “reforça o dialeto da elite, reforça padrões de uso que são
próprios a uma classe dominante, que o seu ensino (quer bem ou mal feito) faz silenciar os outros
usos” (Mattos e Silva, 1989). A violência simbólica expressa-se no que conhecemos como
preconceito linguístico.
Ora, não custa lembrar que todas a línguas são adequadas às necessidades e características
da cultura a que servem e igualmente válidas como instrumentos de comunicação social, sendo
inconcebível, portanto, afirmar que uma língua ou variedade linguística é superior ou inferior a
outra. Esclarece a sociolinguística que algumas variáveis se revelarão na sociedade como
estereótipos, como alvos de comentários sociais estigmatizados (por exemplo,
pobrema[problema], ponhar[puser], célebro[cérebro]). Outras variáveis se revelarão como
marcadores, por receberem uma consistente valoração social e estilística, como marca de
prestígio (nós e a gente). E outras variáveis se revelarão como indicadores apenas, com escassa
força avaliativa, não sendo reconhecidas nem comentadas pela sociedade (peixe/pexe,
feijão/fejão)
Os falares de pessoas de classes sociais menos prestigiadas e de pessoas menos
escolarizadas são, de modo geral, estigmatizados e desvalorizados. Uma rápida olhada nas piadas
e memes que circulam na internet revela o modo jocoso como certas características linguísticas
são estigmatizadas (como a expressão mim dizer ou a palavra brusinha).
Um mesmo fenômeno pode ser dotado de diferentes valores sociais, por exemplo, a
variação da concordância verbal, que recebe avaliações distintas em diferentes regiões. No sul do
Brasil, a forma nós vai é estigmatizada, considerada um estereótipo; todavia, a forma tu foi não é
alvo de críticas e de rejeição, mas pode ser estilisticamente marcada.
A proposta de Bortoni-Ricardo (2004) é a compreensão da variação linguística, em termos
de contínuo, superando uma polarização da variação, são estes: o contínuo de urbanização, o
contínuo oralidade-letramento e o contínuo de monitoração estilística. A noção de contínuo
permite o não estabelecimento de fronteiras rígidas entre uma variedade e outra, mas entender
que o comportamento linguístico é maleável e pode ser tomado de modo escalar, segundo os
contextos sociocomunicativos em que se manifesta discursivamente.
O contínuo da urbanização está relacionado aos antecedentes sociais e culturais do
indivíduo. Se ele nasceu e foi criado na zona rural ou na zona urbana, será influenciado pela visão
de mundo, crenças e valores desses lugares, incluindo, o modo de falar. Nessa linha, podemos
imaginar que, em um polo estão situados os falares rurais mais isolados; em outro polo, os
falares urbanos que sofreram maios influência da codificação linguística. Dado o fluxo
migratórios, as relações interpessoais e comerciais, falares do campo e da cidade cada vez mais se
interseccionam; logo, pode-se observar uma expressão linguística mais próxima do campo (+
rural) ou mais próxima da cidade (+ urbana).
É importante enfatizar que, nas periferias das metrópoles, há muitas pessoas que migraram
do campo para a cidade, as quais não se integraram completamente na cultura urbana ao passo
que também não abandonaram totalmente sua cultural rural. Seus falares caracterizam o que a
sociolinguística denominou rurbano. Daí, a possibilidade de o contínuo de urbanização dar conta
dessas variedades que estão entre um polo e outro.
No contínuo de oralidade-letramento, os eventos de comunicação são tomados de modo a
compreenderem a interrelação que existe entre eventos tipicamente orais e eventos tipicamente
escritos. Ora, sabemos que, nos estudos linguísticos, uma visão dicotômica de fala e escrita já está
amplamente separada. Cada vez mais, percebemos a influência de uma modalidade sobre outra
(os gêneros textuais/discursivos da esfera da tecnologia são um excelente exemplo disso). Desse
modo, esse contínuo coopera para a percepção sobre a atividade verbal mais próxima da oralidade
(+ oral) ou mais associada às práticas letradas (+ letrado). Por exemplo, a conversação espontânea
é considerada um exemplo de gênero predominantemente + oral. Assim, um indivíduo, numa
conversa com um amigo, num primeiro momento, pode estar mais à vontade contando uma
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história sobre si e, num segundo momento, ao explicar e argumentar sobre o tema do seminário
que vai apresentar na universidade, sua fala possuir traços que evocam os materiais escritos que
consultou.
O contínuo de monitoração estilística pode ser compreendido como aquele em que se
percebe um maior ou menor grau de monitoramento do comportamento verbal pelo indivíduo.
Por exemplo, uma situação pode ser mais ou menos formal, envolver tensões psicológicas maiores
ou menores, pode haver maior ou menor proximidade entre interlocutores, maior ou menor
pressão da parte do ambiente, maior ou menor intimidade com a tarefa comunicativa que se vai
enfrentar, tudo isso vai influenciar a expressão verbal do indivíduo para + monitorada ou -
monitorada. Uma situação de avaliação por meio de uma entrevista de emprego para um dado
cargo vai envolver um maior monitoramento.
Vale acentuar que esses contínuos atuam em conjunto e se cruzam nas manifestações
linguísticas dos indivíduos. Independentemente do grau de instrução, um falante monitora mais
ou menos o seu comportamento verbal. Os graus de formalidade que permeiam as situações
cotidianas de interação influenciam o tipo de registro e estilo linguístico de todos os indivíduos,
de maneira que não há qualquer indivíduo de estilo verbal único. Há contextos em que o indivíduo
está tão preocupado em monitorar a sua expressão que acaba, por excesso de cuidado,
escorregando para hipercorreção, o que demonstra uma clara tentativa de monitorar ainda mais
o seu dizer. Pensar que é possível que um indivíduo se expresse o tempo todo de acordo com a
norma-padrão, como preconizam os guardiões da língua, é uma falácia.
A perspectiva de língua(gem) adotada pela sociolinguística tem forte impacto na escola.
Salienta essa corrente que a educação linguística do indivíduo começa na infância, no seio da
família e dos amigos. Quando chega na escola, o indivíduo já domina as regras (internalizadas e
regularizadas) da gramática de sua língua. Por isso, dizemos que o aluno não vai à escola para
“aprender” sua língua, mas ampliar a competência comunicativa, que já possui, para usar essa
língua em toda sua gama de recursos. Essa competência engloba não só as regras que presidem a
formação das frases, mas também as normas sociais e culturais que definem a adequação da fala
e da escrita aos diferentes domínios discursivos.
Sob essa ótica, o aluno vai para escola para aprender uma determinada variedade da
língua, no caso, a norma culta, que é dever da escola ensinar. Esse ensino não tem o objetivo de
provocar no aluno a substituição de sua variedade vernacular, mas de capacitá-lo a dominar a
variedade culta. O acesso à essa variedade auxilia o processo de inserção do indivíduo na
sociedade letrada, afinal, é por meio da escrita que circulam os códigos, leis e tantas outras
informações.
A escola deve criar condições para que o aluno vivencie diferentes papéis, com o intuito
de ampliar sua competência sociocomunicativa, a fim de que ele possa usar seguramente os
recursos linguísticos mais formais e ter bom desempenho nos contextos sociais em que interagir.
No caso de contextos mais formais e públicos, é uma variedade mais monitorada que é requerida.
No caso de contextos menos formais e privados, uma variedade menos monitorada que é
adequada.
Em outras palavras, os alunos devem dispor de um repertório de recursos comunicativos
que lhe permitam transitar adequadamente por espaços sociais diversos que exigem, em maior
ou menor medida, domínio de certos usos especializados. A escola tem a obrigação de promover
o acesso dos alunos aos diversos usos linguísticos, sobretudo, às variedades mais prestigiadas,
isto é, as variedades produzidas pela comunidade encarregada da informação pública e formal,
não um padrão idealizado e irreal como se acha entendido por uma parcela da população. Para tal,
a prática pedagógica não pode fugir da dimensão interacional, discursiva e textual da língua, visto
que esses usos, principalmente os mais formais, estão disponíveis através de textos falados e
escritos em contextos que grande parte dos alunos só tem acesso na escola.
Talvez, uma das primeiras tarefas do professor é reconhecer a realidade sociolinguística
da sala de aula e da comunidade onde está atuando, observando, por exemplo, se há mescla de
dialetos evidente entre os alunos, seja dialetos regionais (rural/urbano; nortista/sulista), seja
sociais (maior ou menor domínio da norma culta em decorrência de fatores sociais como o nível
socioeconômico da família, por exemplo). Ao mesmo tempo, jamais deve considerar como erro a
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variedade linguística que o aluno traz de casa. É papel da escola reconhecer que os dialetos não-
padrão são sistemas linguísticos tão estruturados quanto o dialeto padrão e, assim, ter atitudes
positivas e não discriminatórias em relação à linguagem dos alunos. Ademais, é necessário que a
escola esteja fundamentada no princípio de que, independentemente do contexto social de
origem, toda criança é perfeitamente capaz de adquirir um sistema linguístico apropriado a todas
as funções comunicativas a que este se destina; logo, esse princípio deve revelar-se na prática
pedagógica.
Defendemos que o estudo dos recursos linguístico-gramaticais deve ser mediado pelos
gêneros textuais/discursivos. Os gêneros são dinâmicos e dotados de intencionalidade bem
definida e relevante para um determinado grupo social. Assim, são (re)modelados em processos
interacionais, nas esferas sociais das quais participam os sujeitos de uma determinada
comunidade. Quando dominamos um gênero, não dominamos uma forma linguística, mas uma
maneira de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares, ao
mesmo tempo, a nossa experiência social e discursiva é moldada pelos gêneros
textuais/discursivos.
É fulcral que o trabalho com a língua seja realizado com a unidade textual, em sua
diversidade de tipos e gêneros, nos diferentes registros, variedades e modalidades, de acordo com
as situações sociocomunicativas. O trabalho didático-pedagógico alicerçado nos gêneros
textuais/discursivos permite que o aluno se constitua como sujeito que faz uso da linguagem
(ROJO, 2002), diminuindo a distância entre o que se faz na escola e o que se faz no seu entorno
social, quer dizer, ressignificando as práticas escolares.
Uma possibilidade é verificar em diferentes gêneros textuais/discursivos como certos
fenômenos ocorrem, com o intuito de verificar os efeitos de sentido provocados pelo uso de uma
ou outra forma. A título de exemplo, como explorar o paradigma pronominal que incorpora as
formas você e a gente? Essas formas advindas de nomes (gente) ou expressões pronominais (vossa
mercê) passaram por um processo de gramaticalização, incorporando-se à categoria dos
pronomes. Ocorre que muitas gramáticas e livros didáticos não as reconhecem como parte do
sistema pronominal do português, mesmo que sejam amplamente usadas pelos falantes. Um
caminho didático pode ser a exploração de variados textos para que se possa verificar a
distribuição estilística dos pronomes: como aparecem nos gêneros mais argumentativos? E nos
mais narrativos? Quais gêneros tendem a preservar traços do paradigma pronominal mais antigo
ou do mais recente?; elaboração de entrevistas com familiares e amigos para que se observe e
reflita sobre o padrão de uso dos pronomes, apenas para citar um caminho.
Como se pode ver, as discussões e os pressupostos teóricos da sociolinguística, tratados
muito brevemente aqui, oportunizam a reflexão sobre um ensino de língua portuguesa que
valorize a inclusão social através do acesso e desenvolvimento das práticas letradas e do respeito
a todas as variedades linguísticas.
Com efeito, o professor de português deve estar preparado para se deparar com a
heterogeneidade social e linguística que enfrentará. Bons conteúdos e uma formação teórica e
crítica sólida são princípios que devem basear os currículos dos cursos de Letras no país.
Componentes curriculares que abordem a sociolinguística, a história da língua, políticas
linguísticas, variação e mudança linguísticas, entre outros, são amostras de terreno fértil para a
reflexão didático-pedagógica.
As práticas de leitura e de produção textuais são ações do indivíduo para o mundo, o que
configura sua cidadania, inclusão nas práticas letradas e no exercício autêntico e democrático da
construção humana. A escola, como instituição social que é, deve ser a primeira a promover tais
ações.
É tarefa, ainda, da escola respeitar todas as expressões sociolinguísticas, combatendo
todos os preconceitos e toda a violência simbólica que se pratica tendo a língua como pretexto
nas relações sociais. Esse respeito é um direito de todos os cidadãos, assinalado na Declaração
Universal dos Direitos Humanos que evidencia que “ninguém pode ser discriminado pela língua
que fala” (Artigo 2) e “todos têm direito à cultura da sociedade” (Artigo 27). Logo, a escola deve
assumir a postura política de combate ao preconceito linguístico e à discriminação, que
mascaram o preconceito social tão evidente, sobretudo, nos últimos tempos.
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Referências
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curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília,
DF: MEC/SEF, 1998.
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Parábola Editorial, 2004.
CALVET, L.J. Sociolinguística: uma introdução crítica. Trad. de Marcos Marciolino. São Paulo: Parábola
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CAMACHO, R. G. Sociolinguística (Parte II). In: MUSSALIM, F., BENTES, A. C. Introdução à linguística.
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FARACO, C. A. Norma-padrão brasileira: desembaraçando alguns nós. In: M. BAGNO (org.) Linguística da
norma. 2002. p. 37-61
GÖRSKI, E. M.; COELHO, I. L. Variação linguística e ensino de gramática. Work. Pap. Linguísti. V. 10, n. 1,
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MATTOS E SILVA, R. V. Tradição gramatical e gramática tradicional. São Paulo: Contexto, 1989.

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