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AULA DE FONÉTICA E FONOLOGIA

UNIDADE I – A FONÉTICA
TEMA: ACTIVDADE FONATORIA: PROCESSO E PRODUTO

1.2. A actividade fonatória: processo e produto


Actividade de produção da fala pode ser entendida como o processo pelo qual são produzidos
os sons, que organizados, conforme o sistema fonológico de uma língua, funcionam no processo
de comunicação. Na língua portuguesa, este processo dá lugar a dois tipos de sons,
nomeadamente, as consoantes e as vogais. O conhecimento destes sons pressupõe o
conhecimento do conjunto de órgãos que participam directamente do processo de produção da
fala. Portanto, a caracterização dos sons será precedida da descrição do aparelho fonador, seja
a nível da sua estrutura seja do funcionamento, na medida em que os rótulos lhes são atribuídos
estão directamente associados a órgãos deste aparelho ou a um tipo de comportamento do
mesmo.

1.2.1. Aparelho fonador: conceito e estrutura


A noção de aparelho fonador, de natureza estritamente linguística, tem conotação com o
conceito de aparelho usado em Anatomia e Fisiologia, aludindo a um conjunto de órgãos cujo
funcionamento regulado e coeso concorre para uma tarefa do organismo. No contexto das
ciências da linguagem, é entendido como o conjunto integrado de órgãos a partir do qual o
homem realiza, através de um contínuo sonoro, a fala. Podemos sustentar a noção a partir das
seguintes definições: “conjunto de órgãos através dos quais o homem produz os sons da fala
(Seara, Nunes, & Lazzarotto-Volcão, 2011, p. 17); “parte específica do corpo humano que usamos
para produzir som de qualquer língua” (Silva, 2003, p. 24).
Silva (2003) divide este aparelho em três sistemas, nomeadamente o respiratório, o fonatório
e o articulatório, que correspondem, em termos estruturais, às seguintes regiões: região sub-
glótica, constituída pelos pulmões, brônquios e traqueia; região laríngea, constituída pelas
cordas vocais, separadas por um espaço denominado glote; e região supra-glótica, constituída
pela faringe, tracto bucal e fossas nasais.
Figura 1- Representação das três regiões do aparelho fonador (adaptada).

No tracto bucal, que funciona como caixa de ressonância, por ocorrerem nele modulações do
ar que resultam nas principais distinções dos sons, encontramos a úvula, o véu palatino (palato
mole), o palato duro, os alvéolos, os dentes, os lábios e a língua, dividida em ápice, coroa, dorso
e raiz (Andrade & Viana, 1996).

1.2.2. Funcionamento do aparelho fonador e caracterização das consoantes


No acto de produção de um som consonântico, uma corrente de ar é expelida dos pulmões.
Esta percorre os brônquios e a traqueia, e, na sua passagem pela laringe, dependendo do estado
da glote (fechada ou aberta), sofre ou não o processo de fonação. A corrente de ar continua o
seu percurso, passando pela faringe, encontrando duas passagens, a do tracto bucal e a das
fossas nasais. Se parte do ar passar pelas fossas nasais, em consequência da abertura desta
passagem devido ao abaixamento do véu palatino, o som produzido será nasal. Se,
contrariamente, o véu palatino estiver levantado, fechando a passagem das fossas nasais, o ar
necessário à produção do som passará na sua totalidade pelo tracto bucal. Neste sentido, a
consoante produzida será oral. No tracto bucal, pela característica que possui de caixa de
ressonância, devido aos diferentes órgãos que modulam o ar, ocorrem a maior parte das
particularidades articulatórias das consoantes.
Desta breve explicação sobre o percurso do ar no processo de produção de uma consoante,
ressaltamos três aspectos importantes para um conhecimento fácil e significativo dos sons
consonânticos:
1. A cavidade sub-glótica, apesar de ser um elemento importante para a produção da fala,
não tem qualquer relevância para a caracterização das consoantes, ou seja, não há, em termos
de particularidades articulatórias, qualquer critério (para a definição/identificação do som
consonântico) cuja referência seja um órgão ou uma acção que ocorre na referida região. Neste
sentido, somente nas regiões laríngea e supra-glótica podem ser encontrados elementos que
constituem critérios de descrição das consoantes.
2. Na região laríngea, as cordas-vocais são os elementos que constituem o único critério de
caracterização das consoantes, distinguindo-se dois tipos, nomeadamente, as sonoras, também
denominadas vozeadas e as surdas ou desvozeadas.

Figura 2- Glote nos seus dois estados (adaptada) (Silva, 2021).

3. Na região supra-glótica, há dois critérios de caracterização das consoantes, um ligado ao


tipo de modulação do ar (modo de articulação) e outro ligado ao ponto de contacto entre órgãos
intervenientes em tal modulação (ponto de articulação).
Na primeira figura, foi apresentada uma imagem permitindo uma visão geral do aparelho
fonador; a figura a seguir espelha apenas a parte com relevância para a caracterização dos sons,
em geral, e das consoantes, em particular. Com efeito, toda a região sub-glótica fica, obviamente,
dispensada de qualquer ênfase na relação aparelho fonador/caracterização das consoantes.
Figura 3 - Parte do aparelho fonador relevante para a caracterização das consoantes
(adaptada). Fonte: (Silva, 2021).

1.2.3. Caracterização fisiológico-articulatória das consoantes


As consoantes apresentam características que estão associadas ao aparelho fonador,
podendo ser comuns a umas e distintas de outras. A totalidade das características de uma
consoante torna-a distinta de todas as outras. Nesta ordem de ideias, conceituamos
caracterização fisiológico-articulatória das consoantes como a análise e descrição das suas
características. Para o efeito, consideram-se três critérios: papel das cordas vocais (vozeamento),
modo de articulação e ponto de articulação. Silva aponta nos seus estudos mais um critério, a
oralidade e nasalidade (Silva, Fonética e Fonologia, 2021). Nesta proposta, porém, limitar-nos-
emos aos três, na medida em que a nasalidade, no quadro das consoantes do Alfabeto Fonético
Internacional, constitui um parâmetro do modo de articulação.
Papel das cordas vocais: critério referente ao funcionamento das cordas vocais, podendo ou
estarem afastadas, deixando a glote aberta, ou aproximadas, fechando-a. Este critério permite
classificar as consoantes em surdas (desvozeadas) e sonoras (vozeada).
Modo de articulação: critério referente à maneira como ocorre a modulação do ar na
cavidade supra-glótica. A partir deste, as consoantes são classificadas em oclusivas, nasais,
fricativas, vibrantes, batimentos (tepes), fricativas laterais, aproximantes e aproximantes
laterais.
Ponto de articulação: critério referente ao ponto em que ocorre o contacto entre os
articuladores. Nos casos em que a língua tem intervenção directa, geralmente a referência é o
articulador passivo, ou seja, o lugar ao encontro do qual vai a língua. A partir deste critério, as
consoantes são classificadas em bilabiais, labiodentais, dentais, alveolares, pós-alveolares,
retroflexas, palatais, velares, uvulares, faringais e glotais.

1.2.3.1. Caracterização das consoantes quanto ao papel das cordas vocais


Na região laríngea, as cordas vocais podem estar aproximadas ou afastadas. Estando
aproximadas, o espaço situado entre as mesmas, denominado glote, é fechado, levando o ar, na
sua passagem, a forçar as cordas vocais. Esta passagem forçada produz a fonação. Estando
afastadas, há uma abertura da glote, permitindo a passagem livre do ar, sem fonação. Assim,
deste processo, são distinguidos dois tipos de consoantes:1
Consoantes sonoras: também denominadas vozeadas, são aquelas produzidas com a glote
fechada, provocando vibração nas cordas vocais em decorrência da sua passagem forçada
(Andrade & Viana, 1996). São sonoras as seguintes consoantes: [b], [v], [d], [z], [ʒ], [g], [m] [n],
[ɲ], [ɾ], [R], [l] e [ʎ].
Consoantes surdas: também denominadas desvozeadas, são aquelas produzidas através da
passagem livre do ar pela glote, por esta se encontrar aberta, devido ao afastamento das cordas
vocais (Andrade & Viana, 1996). São surdas as consoantes [p], [f], [t], [s], [ʃ] e [k].

1.2.3.2. Caracterização das consoantes quanto ao modo de articulação


Conforme aludido, o modo de articulação refere-se à maneira como o ar é modulado pelos
articuladores, conferindo a característica correspondente a um determinado som. Nesta
descrição, serão seleccionados apenas os parâmetros correspondentes às consoantes usadas no
português padrão, ficando de fora, por isso, os parâmetros das fricativas laterais e aproximantes.
Oclusivas: são as consoantes produzidas com obstrução total do ar no tracto bucal, seguido
da sua desobstrução. O som consonântico resultante deste processo, produz um ruído
semelhante ao de uma explosão. (Silva, 2003) São oclusivas as consoantes: [p], [b], [t], [d], [k] e
[g].
Nasais: são consoantes em cuja produção, parte do ar vindo dos pulmões passa pelas fossas
nasais. Neste processo, há um abaixamento do véu palatino, permitindo a abertura da via nasal
por onde passa parte do ar. (Silva, 2003). São nasais as consoantes: [m], [n] e [ɲ].
Fricativas: são consoantes produzidas com obstrução parcial do ar no tracto bucal, devido a
um pequeno espaço entre os articuladores em que o ar ocorre de forma arrastada, produzindo
um som semelhante ao de uma fricção. (Silva, 2003). São fricativas as seguintes consoantes: [f],
[v], [s], [z], [ʃ] e [ʒ].
Batimentos (tepe ou vibrante simples): são as consoantes produzidas com vários batimentos
ligeiros de um articulador no outro, provocando vibração. (Silva, 2003). É batimento a consoante
[ɾ].

1
Em todos os critérios, serão apresentadas apenas consoantes do padrão do Português Europeu.
Vibrantes: são consoantes produzidas com um ligeiro batimento de um articulador no outro.
(Silva, 2003). É vibrante a consoante [R].
Laterais: são consoantes produzidas com constrição do ar pela língua na zona central da boca,
passando o mesmo pela zona lateral, isto é, na zona das bochechas. (Silva, 2003). São laterais as
consoantes: [l], [ʎ].

1.2.3.3. Caracterização das consoantes quanto ao ponto de articulação


Bilabiais: são consoantes produzidas através do contacto entre os dois lábios, sendo, neste
caso, articulador activo o lábio inferior. (Seara, Nunes, & Lazzarotto-Volcão, 2011). São
consoantes bilabiais: [p], [b] e [m].
Lábio dentais: são consoantes produzidas através do contacto entre o lábio inferior
(articulador activo) e os dentes dos maxilares superiores (articulador passivo). (Seara, Nunes, &
Lazzarotto-Volcão, 2011). São labiodentais as consoantes [f] e [v].
Dentais: são consoantes produzidas através do contacto entre a língua (articulador activo) e
os dentes (articulador passivo). (Seara, Nunes, & Lazzarotto-Volcão, 2011). São dentais as
consoantes [t], [d], [s] e [z].
Alveolares: são consoantes produzidas através do contacto entre a língua (articulador activo)
e os alvéolos (articulador passivo). (Seara, Nunes, & Lazzarotto-Volcão, 2011). São alveolares as
seguintes consoantes: [ɾ], [l] e [n].
Pós-alveolares ou Álveo-palatais: são consoantes produzidas pelo contacto entre a língua
(articulador activo) e a zona intermédia do palato duro (articulador passivo). (Seara, Nunes, &
Lazzarotto-Volcão, 2011). São pós-alveolares as seguintes consoantes: [ʃ] e [ʒ].
Palatais: são consoantes produzidas através do contacto entre a língua (articulador activo) e
o palato duro (articulador passivo). (Seara, Nunes, & Lazzarotto-Volcão, 2011). São palatais as
consoantes [ʎ] e [ɲ].
Velares: são consoantes produzidas através do contacto entre a língua (articulador activo) e
o véu palatino (articulador passivo). (Seara, Nunes, & Lazzarotto-Volcão, 2011). São consoantes
velares as seguintes: [k] e [g].
Uvular: são consoantes produzidas através do contacto entre a língua (articulador activo) e a
úvula (articulador passivo). (Seara, Nunes, & Lazzarotto-Volcão, 2011). É uvular a consoante [R].

1.2.4. Ilustração do funcionamento do aparelho fonador na produção de uma consoante


Com base nos pressupostos apresentados, é possível explicitar como uma determinada
consoante é realizada, considerando os diferentes aspectos que constituem critério de
caracterização:
De acordo com Silva (2003), na língua portuguesa, todas as consoantes são produzidas através
de mecanismo de ar pulmonar, isto é, em sentido egressivo. Nesta ordem de ideias, tomando a
consoante [p] como caso para ilustração do funcionamento do aparelho fonador no processo de
produção de uma consoante, partimos da seguinte consideração: uma corrente de ar egressa
dos pulmões percorre os brônquios e a traqueia. Ao passar pela região laríngea, encontra a glote
aberta, devido ao afastamento das cordas vocais, passando, por isso, livremente, isto é, sem
ocorrência de fonação. Continuando o seu percurso, ao passar pela cavidade supraglótica, a
passagem das fossas nasais é fechada, devido ao estado levantado do véu palatino, passando
toda pela boca. No tracto bucal, a modulação do ar é caracterizada por uma obstrução total,
breve, provocada pelos dois lábios, que em seguida libertam a sua passagem.
Na descrição acerca do funcionamento do aparelho fonador no processo de produção de
consoantes, encontram-se reflectidos os três critérios a partir dos quais são caracterizadas as
consoantes, nomeadamente, o papel das cordas vocais, o modo de articulação e o ponto de
articulação. Assim sendo, a consoante [p], anteriormente aludida, seguindo a trajectória do ar, é
caracterizada como surda, quanto ao papel das cordas vocais, oclusiva, quanto ao modo de
articulação; bilabial, quanto ao ponto de articulação.
QUADRO DAS CONSOANTES DO IPA (INTERNATIONAL PHONTETIC ALPHABET)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bibliografia
Andrade, A., & Viana, M. d. (1996). Fonética. Em I. H. Faria, I. D. Emília Ribeiro Pedro, & C. A.
Gouveia, Introdução à Linguística Geral e Portuguesa (2ª ed., pp. 115-170). Lisboa:
Caminho.

Seara, I. C., Nunes, V. G., & Lazzarotto-Volcão, C. (2011). Fonética e Fonologia do Português
Brasileiro: 2º período. Florianópolis: UFSC.

Silva, T. C. (2003). Fonética e Fonologia do Português : Roteiro de Estudos e Guia de Exercicios (7ª
ed.). São Paulo: Contexto.

Silva, T. C. (2021). Fonética e Fonologia. Obtido em 11 de Julho de 2023, de fonologia.org:


http://fonologia.org

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