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Fonologia da Língua Portuguesa

MÓDULO UM – INTRODUÇÃO

Definições e aplicações
Para J. Catford, a fonética é o estudo sistemático dos sons da fala humana, oferecendo meios para a
descrição e a classificação virtual de todos os sons que o trato vocal humano é capaz de produzir.
Para M. Beckman, a fonética seria o estudo da fala, da produção pelo aparelho articulatório humano,
suas características como sinal acústico e seu processamento pelos sistemas auditivo e cognitivo
humanos.
Para D. Crystal, a fonologia é um ramo da linguística responsável por estudar sistemas de sons que são
usados de diferentes formas nas línguas. Esse estudo se dá pela organização dos sons em sistemas de
contraste, analisando como fonemas ou traços distintivos.
“A fonologia trata da distribuição, contraste e representação dos fonemas” (Trask 1995).

7 fases do processo fonatório (J. Catford)

1. Programação neurolinguística: decidir o que vai dizer


2. Fase neuromuscular: transmitir os impulsos nervosos para o músculo
3. Fase orgânica (fonética articulatória): órgãos do aparelho fonador assumem determinada forma com a
contração/relaxamento dos músculos
4. Fase aerodinâmica: movimentação do ar, saindo pelas cavidades oral e/ou nasal de uma determinada
maneira
5. Fase acústica: propagação da onda sonora no ar até o ouvinte. Dá pistas para a classificação dos sons
da fala.
6. Fase neuro receptiva: chegada da onda sonora aos tímpanos e transmissão de informações ao cérebro.
7. Identificação neurolinguística: o cérebro identifica o que foi dito.

A fonética articulatória data desde a antiguidade, enquanto a acústica por pouco mais de um século. Já a
fonologia é a mais recente, sendo vista como a fonética a partir de uma forma funcional, ou seja, sob a
perspectiva de os sons de uma determinada língua contrastarem, oporem significados. Os fenícios, inventores
do alfabeto, podem ser vistos como precursores da fonologia.

Aplicações da fonética

1. Ensino de línguas estrangeiras, diagnosticando e fornecendo meios para corrigir erros do aprendiz.
2. Ensino da língua materna, ajudando a compreender conflitos entre pronúncia e ortografia.
3. Ensino de sotaques regionais para atores e perda de sotaques estigmatizados.
4. Diagnóstico e tratamento de patologias da fala.
5. Engenharia da fala: síntese, reconhecimento e transmissão.
6. Fonética forense
7. Descrição de línguas e dialetos.
8. Linguística histórica – mudança fônica

Aparelho fonador

Produção do som

1. Iniciação
a) Processo mais básico. Estritamente necessário para a produção.
b) Ato de pôr em movimento a coluna de ar.
c) Seis possíveis iniciações: três pontos de iniciação (pulmonar, glotálica ou velar) x dois sentidos da
corrente de ar (egressiva ou ingressiva).
d) São quatro as utilizadas pelas línguas: pulmonar egressiva, gotálica egressiva e ingressiva ou velar
ingressiva.
2. Fonação
a) Embora não seja, estritamente falando, necessária, é usada por todas as línguas do mundo.
b) É a modulação da coluna de ar na laringe, segundo a posição adotada pelas cordas vocais. É a
função fonética da laringe.
c) Estados da glote e os seis tipos básicos de fonação:
3. Articulação
a) Modulação da coluna de ar nas cavidades supraglóticas.
b) Dá a forma final ao som (qualidade ou timbre) através de obstrução da corrente de ar.
c) É função de uma determinada forma que as referidas cavidades (oral/nasal) irão assumir.
d) A postura dos articuladores vai modificar, modular o ar (fonado ou não), gerando um som de
determinado tipo.

Consoantes
Quatro dimensões de classificação

1. Dimensão vertical (modo de articulação)


a) Grau de obstáculo.
b) Oclusivas: obstrução total; ex: [p]
c) Fricativa: impedimento parcial; ex: [v]
d) Aproximante: obstrução parcial; ex: [ʋ]
e) Ressoante: [a]
f) Vibrante: categoria híbrida, que alterna obstáculo e passagem livre. Bilabial: [B], apicoalveolar [r]
ou dorsouvular [R].
g) Quando a passagem o obstáculo acontece apenas uma vez, sem alternar com a passagem, é uma
oclusiva.
h) Enquanto as fricativas têm turbulência sejam surdas ou sonoras, as aproximantes só quando surdas
(as ressonantes nunca).

2. Dimensão Transversal (mediano x lateral)


a) Opõe sons cujo canal por onde o ar sai é mediano e os que apresentam saída lateral.
b) Apenas [l] e [ʎ] são laterais.

3. Dimensão Temporal (prolongáveis x momentâneos)


a) São momentâneas: tepe [ɾ] e as semivogais [j] e [w], que são momentâneas. As demais são
prolongáveis.

4. Dimensão Horizontal (pontos articulatórios)


a) Articuladores orais inferiores: labial, dental, apical, laminal (podendo ser dividida em lâmina e
sublâmina), dorsal e radical. No português: labial, apical, laminal e dorsal.
b) Articuladores orais superiores: labial, dental, alveolar, pós-alveolar, palatal, velar e uvular. No
português: labial, dentalveolar, pós-alveolar, palatal e velar.
c) Os pontos superiores se articulam com os interiores correspondentes ao posicionamento
(anteriores/posteriores).
Articuladores superiores Articuladores inferiores

Áreas da língua

d) Área nasal: a estrutura do véu palatino está abaixada, permitindo a passagem de ar até a cavidade
nasal.
e) As consoantes nasais podem ter os mesmos pontos de articulação das oclusivas orais, com exceção
da oclusiva glotal.
f) Diferença de consoantes e vogais nasais: do ponto de vista articulatório, nas consoantes, ocorre a
passagem de ar integralmente pelo nariz, enquanto nas vogais ocorre nas duas cavidades.
g) Véu palatino levantado = sons orais. Véu palatino abaixado = sons nasais.
h) Articuladores nasais: bilabial [m], laminalveolar [n]. dorso palatal [ɲ] e dorso velar [ɳ].
i) Na consoante [m] o ar chega aos lábios, encontra a obstrução e volta pelo nariz.

Alfabeto fonético internacional (IPA)


a) As linhas representam os modos de articulação, na ordem: oclusiva, nasal, vibrante, tepe, fricativa,
fricativa lateral, aproximante e aproximante lateral.
b) As colunas representam os pontos de articulação, na ordem: bilabial, labiodental, dental/alveolar e
pós-alveolar (separadas apenas nas fricativas, nas demais línguas são alveolares), retroflexa, palatal,
velar, uvular, faringal e glotal. São organizadas dos pontos mais anteriores aos mais posteriores.
c) Nos pares, o símbolo da direita representa uma consoante vozeada e o da esquerda uma consoante
surda. Uma representação gráfica possível é colocar uma bolinha abaixo do símbolo para representar
consoantes surdas e um v para representar consoantes sonoras. Ex: [ṃ] = <m> surdo.
d) As áreas sombreadas representam articulações impossíveis, enquanto as áreas brancas são
articulações possíveis que ainda não foram descritas em nenhuma língua.
e) Oclusiva palatal e uvular são raras, enquanto a velar é comum nas línguas.
f) Nasal palatal (português) = [ɲ] <nh>
g) Nasal velar = [ɳ] é comum no inglês, como em “doing” e na palavra “sunga” em português.
h) Nasal uvular [N] é um som extremamente raro.
i) Vibrante: vibração dos lábios (bilabial), da ponta da língua contra os alvéolos (alveolar) ou da úvula
(uvular).
j) Vibrante alveolar [r]: comum em línguas como o italiano e o latim. No português, é encontrado no
dialeto paulista como nas palavras marra e rata.
k) Tepe alveolar [ɾ]: extremamente comum no português, espanhol, inglês e outras línguas. Exemplo: o
r da palavra cara.
l) Tepe retroflexo [ɽ]: no inglês é chamado de vogal.
m) Aproximante retroflexa [ɻ]: no português é vista no sotaque caipira.

TEMA IMPORTANTE PARA A AVALIAÇÃO – A DIVISÃO DAS FRICATIVAS

a) As fricativas, ao invés de serem apenas alveolares como os outros modos de articulação, são
divididas em três pontos: dentais, alveolares e pós-alveolares.
b) Fricativa bilabial [β]: produzir os sons de p e b com passagem de ar (ex: pff...). É mais comum no
espanhol e português de Portugal.
c) Fricativa dental: som de <th> em inglês. Vozeado [ᶞ]: the book. Surdo [θ]: I think.
d) O falante de espanhol não produz o <s> sonoro.
e) Quase tudo que é articulado na parte anterior pode ser retroflexo.
f) Fricativa palatal [ç/j]: extremamente rara. Comum no alemão com som de <ich>.
g) Fricativa velar, uvular, faringal e glotal: “família do R”.
h) No holandês, todas as palavras escritas com <g> se pronunciam com fricativa velar ([X] surdo ou [ᵞ]
no lugar. O [ᵞ] também ocorre no dialeto carioca em palavras como “carga”.
i) Fricativa faringal: ocorre a contração da faringe. É extremamente rara.
j) Fricativa lateral: a parte posterior da língua se aproxima mais.

TEMA IMPORTANTE PARA A AVALIAÇÃO – CLASSIFICAÇÃO DOS SONS CONSONANTAIS NAS


4 DIMENSÕES

1. Primeiro estabelecer a dimensão vertical: oclusiva, nasal, vibrante, tepe, fricativa, fricativa lateral,
aproximante ou aproximante lateral.
2. Depois a dimensão horizontal, identificando os dois pontos de articulação (superior e inferior).
Exemplo: dorso-palatal, dorso-velar, lamino palatal, lâmina pós-alveolar, etc. Identificar apenas com
um articulador não é suficiente.
3. Observe: quando pedir a classificação articulatória, não indicar se o som é surdo ou vozeado, pois
esse aspecto se refere à fonação e não à articulação.
4. Em seguida, identificar a dimensão transversal, indicando se o som é mediano ou lateral. Lembrando
que os sons laterais são apenas: [l] e [ʎ].
5. Por último, indicar a dimensão temporal, atribuindo à consoante a característica de prolongável ou
momentânea. Lembrando que as momentâneas se resumem em: tepe [ɾ] e as semivogais [j] e [w].

VOGAIS
Dimensões articulatórias e descrição das vogais

1. Para descreverem as articulações das vogais, quatro parâmetros devem ser considerados para definir
o tamanho e a forma final das câmaras de ressonância (oral e nasal), responsáveis por sua qualidade,
sua especificidade (timbre).
2. A dimensão horizontal e a vertical são definidas pela posição da língua. Na horizontal, se a posição é
anterior ou posterior. Na vertical, se a língua está alta (vogal fechada) ou baixa (vogal aberta).
3. A terceira dimensão é a posição dos lábios (arredondados ou estirados).
4. A quarta é o comportamento do véu palatino (se está levantado ou abaixado), que vai atribuir um
timbre oral ou nasalizado a uma dada vogal.
5. As dimensões transversal e temporal, usadas na descrição das consoantes, não se aplicam à
caracterização das vogais, pois, ao contrário das consoantes, todas as vogais são prolongáveis e são
emitidas com o ar escapando pela parte central do canal oral.

Vogais cardeais

1. Ideia proposta por Daniel Jones (1917) e incorporada posteriormente ao IPA.


2. São pontos de referência para se descreverem quaisquer vogais concretas, particulares das línguas.
3. Essas vogais são localizadas nos limites em um diagrama com a forma de um trapézio.

4. Essas vogais cardeais primárias apresentam o comportamento dos lábios considerado “neutro”, no
sentido de ser o mais frequente.
5. Para as cardeais primárias, apenas as dimensões horizontal e vertical são consideradas.
6. Limítrofes: vogais que ficam nas extremidades do diagrama → [i] | [u] | [a] | [ɑ]
7. Como o comportamento dos lábios é independente do posicionamento da língua, pode-se criar as
vogais cardeais ditas como secundárias. Recebem esse nome por serem mais raras e inesperadas.
8. Uma língua, a princípio, só desenvolverá uma vogal secundária, se já tiver a primária
correspondente.

9. Nesse segundo diagrama:


a) [y] (9) é o [i] arredondado c) [œ] (11) é o [ɛ] arredondado
b) [ɵ] (10) é o [e] arredondado d) [ɶ] (12) é o [a] arredondado
e) [ɯ] (16) é o [u] não arredondado g) [ʌ] (14) é o [ɔ] não arredondado
f) [ɤ] (15) é o [o] não arredondado h) [ɑ] (5) é o [ɒ] não arredondado
10. As vogais centrais [ɨ] e [u] não existem no português. Contudo, existem em línguas tupis e seria o []
não arredondado. No período colonial, os portugueses estranhavam o som da vogal e faziam a
assimilação com as vogais <i> ou <u>, o que interferiu em nomes de lugares do Brasil, como
Guaratiba.
11. Na vogal [ɔ] a língua está na posição totalmente central.
12. Existe um número infinito de vogais possíveis, por mais que cada língua tenha um número limitado.
13. A representação dos ditongos no diagrama é feita com setas que vão de uma vogal a outra.

Vogais nasais

1. Além das dimensões horizontal, vertical e do comportamento dos lábios, as vogais potencialmente se
diferenciam pelo comportamento do véu palatino.
2. Essa dimensão determina se a vogal é oral ou nasal.
3. Embora a expressão vogal nasal tenha seu uso do ponto de vista fonético, o termo mais adequado
seria vogal nasalizada. Isso porque, em sua produção, ocorre escape de ar simultaneamente pelo
nariz e pela boca.
4. Nas línguas indo-europeias, faladas na Europa, além do português, apenas o francês e o polonês
apresentam nasalidade vocálica distintiva, mas o fenômeno é relativamente comum em línguas
africanas, asiáticas e americanas.
5. Em princípio, qualquer vogal oral pode ter sua contraparte nasal. Porém, as línguas que desenvolvem
vogais nasais contrastivas apresentam menos nasais do que de orais. Raras apresentam o mesmo
número das duas.

Fonética Acústica
Definição

1. É o estudo da fala, sua produção pelo aparelho articulatório humano, suas características como sinal
acústico e seu processamento pelos sistemas auditivo e cognitivo humanos (M. Beckman 1988).
As sete fases do processo fonatório

1. Programação neurolinguística 5. Fase acústica (fonética acústica)


2. Fase neuromuscular 6. Fase neuro receptiva (fonética auditiva)
3. Fase orgânica (fonética articulatória) 7. Identificação neurolinguística
4. Fase aerodinâmica

Objeto de estudo

1. Vai estudar as características físicas da onda sonora, isto é, as frequências que a compõem, sua
intensidade e duração.

Frequência (laranja) | Intensidade (vermelho) | Duração (Azul)

Fonte x filtro

Sons distintos

1. As imagens abaixo mostram a distinção de pares de sons por sua duração (primeira), por sua
intensidade/volume (segunda) e por sua frequência fundamental/tom/melodia (terceira).
2. Já nessa imagem, os sons são distinguidos por sua forma de onda (timbre).

Elementos de Prosódia
Fala

1. Fenômenos segmentais: vogais e consoantes


2. Fenômenos suprassegmentais (prosódicos): acento, tom lexical, entoação, manifestados por três
parâmetros: F0, intensidade e duração.

Segmentos x Suprassegmentais

1. Fenômenos segmentais se sucedem na cadeia da fala, e podem ser delimitados, segmentados; são
moldados pela forma sobretudo que a cavidade oral assume, gerando uma série de ruídos e sons
musicais (ressonâncias).
2. Fenômenos prosódicos se espalham sobre mais de um segmento, mais difíceis de delimitar. São
basicamente oriundos do comportamento das PV.

Tom lexical (eixo paradigmático)


Acento lexical (eixo sintagmático)

Entoação

1. Universal linguístico que se realiza basicamente por variações da altura melódica.


2. Tem funções linguísticas e funções expressivas (ou paralinguísticas).
3. Funções linguísticas (sintáticas como ou semântico-pragmáticas):
a) Organizar e hierarquizar o enunciado em porções menores
b) Veicular o tipo de frase, a intenção do locutor, seu valor como asserção, interrogação, ordem,
pedido, sugestão etc. (função modal ou elocutória)
c) Informacional: marcar o foco do enunciado (sua porção mais relevante) e a informação
secundária

Entoação modal
4. Funções expressivas (paralinguísticas):
a) As funções paralinguísticas têm a ver com a expressão de emoções (raiva, medo, alegria, tristeza
etc.), de atitudes como sarcasmo, polidez, dúvida, descrédito, autoridade...), ou ainda revelar a
origem geográfica do falante, por exemplo.

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