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PRAGMÁTICA
para o ensino superior
Tommaso Raso
1. Competências introdutórias
Mas a partir das observações dos filósofos da linguagem ordinária, tem-se observado que
o espaço que esse procedimento deixa por explicar é muito grande, e, como veremos, até
permite teorias que recusam a utilidade de se postular um significado proposicional do
código para alcançar o significado final, ou seja, aquilo que o falante quer comunicar e
que o ouvinte procura reconstruir utilizando diversas pistas.
Por proposição, entendemos aqui uma expressão que tem forma linguística sobre a qual
faz sentido se perguntar se é verdadeira ou falsa e que possa constituir a premissa ou a
conclusão de um raciocínio. As condições de verdade são as circunstâncias que devem
ocorrer em um dado mundo (real ou imaginário) para se poder dizer que uma asserção é
verdadeira ou que é falsa. Por exemplo, o enunciado Carlos comeu arroz com feijão será
verdadeiro se Carlos (que deve ser identificado com um indivíduo específico)
efetivamente comeu (em um tempo que também deve ser identificado) arroz com feijão.
Na lógica clássica, se distinguem apenas dois valores de verdade: o verdadeiro e o falso.
Esses são, portanto, os dois valores possíveis que podem ser atribuídos a uma proposição.
A proposição e a sentença são conceitos diferentes, mesmo se correlacionados. Apesar de
ter forma linguística, de modo que possa ser julgada, a proposição não deve ser entendida
como uma estrutura linguística específica e pode ser concebida em termos de estados
mentais, com um grau de abstração maior. Uma sentença como
(1) Eu acho que você deve admitir que ele tem razão quanto a este ponto
Por outro lado, diferentes sentenças podem expressar a mesma proposição como nos
exemplos seguintes (veja-se 8.2.1):
A expressão semântica deve ser melhor compreendida. Com essa palavra podemos fazer
referência a dois aspectos diferentes do significado: (i) as condições de verdade de uma
proposição e a contribuição que cada expressão fornece para estabelecer essas condições
de verdade; e (ii) o significado convencional de uma expressão linguística.
Tanto no caso de pangaré, quanto no caso de parar de, estamos lidando com um aspecto
do significado que não pode ser explicado em termos de contribuição às condições de
verdade, mas que deve ser considerado como convencionalizado, ou seja, colado em uma
determinada expressão, independentemente da sua contribuição às condições de verdade
da proposição. Em ambos os casos podemos falar de significado semântico, seja se
estivermos nos referindo à contribuição às condições de verdade por parte de uma
determinada expressão, seja se estivermos nos referindo ao que está convencionalmente
colado nessa expressão. Contudo, é importante distinguir estes dois sentidos diferentes
do conceito de semântica.
No termo pragmática se reconhece a raiz grega pragma, que significa ação. Como todas
as correntes que nascem dentro do pragmatismo filosófico, a Pragmática estuda a ação
humana e, no caso da Pragmática linguística, a ação por meio da linguagem. O que nós
fazemos quando falamos ou, mais extensivamente, quando comunicamos? Essa é a
pergunta de base da Pragmática.
o falante quer dar uma resposta, por exemplo à pergunta Para onde ele vai?, ou se está
dando uma ordem para alguém, ou se está expressando surpresa, pois todos sabem que
no lugar não tem água quente e o tempo está especialmente frio; ou ainda entendemos se
o falante está dirigindo ao interlocutor uma construção idiomática que caracteriza, neste
caso, um comentário irônico (ou irritado) sobre algo que o interlocutor falou ou fez.
Observe-se que é essa decisão que nos faz interpretar vai como presente do indicativo na
terceira pessoa com sujeito não expresso lexicalmente, ou como uma segunda pessoa do
imperativo; é essa decisão que nos faz entender o enunciado composicionalmente ou
idiomaticamente. Portanto, é só depois de ter tomado uma decisão de natureza acional,
que decidimos a semântica, a sintaxe e a morfologia. Nós somos inclusive capazes de
entender se a ação está sendo realizada com agressividade ou com humor e com tom
brincalhão, ou com atitudes diferentes. E isso é independente da sequência de palavras
pronunciadas.
Tudo isso significa que algo nos induz, a partir da mesma sequência sintático-semântica,
a gerar na nossa mente significados muito diferentes. O significado semântico pode ser o
mesmo, mas o significado pragmático não; pelo contrário, ele pode ser muito diferente
em cada realização concreta e até o oposto do significado semântico, como no caso da
ironia. Podemos dizer que a Semântica estuda o significado do código linguístico,
independentemente de como esse código é usado em um contexto específico, enquanto a
Pragmática, ao contrário, estuda como o código linguístico interage com a situação (ou
seja, o contexto extralinguístico), como o código interage com o contexto linguístico
(chamado também de cotexto), e ainda como interage com os conhecimentos que
compartilhamos com nossos interlocutores (chamados de common ground).
Fundamental para definir a Pragmática é a relação da língua com o mundo em que ela é
usada. Emergem, portanto, como fatores decisivos o conceito de uso da língua, o conceito
de relação da língua com as pessoas, os lugares, o tempo, os objetivos com que ela é
usada, que podem ser reconduzidos ao conceito de intencionalidade.
Além disso, a Pragmática pode ser aplicada a todos os níveis descritivos da linguagem,
enquanto cada um dele colabora para a construção do significado no uso real. Nesse
sentido, a Pragmática se configura mais como uma perspectiva de estudos aplicada a
qualquer nível descritivo, do significado às escolhas morfossintáticas, informacionais e
fonético-fonológicas, principalmente (mas não só) no âmbito prosódico. A disciplina,
como vimos, estuda também os processos cognitivos e neurológicos que governam a
elaboração do significado comunicativo.
A pragmática linguística possui suas raízes na "filosofia da linguagem ordinária" ou
“filosofia da linguagem comum” (ordinary language philosophy), influenciada pelo
trabalho da segunda fase de Wittgenstein, em polêmica com a "filosofia da linguagem
ideal". Para entender melhor a diferença entre a maneira de olhar para a linguagem nessas
duas escolas, e para nos prepararmos a enfrentar os temas em discussão neste volume, é
útil entender primeiro diferentes formas de raciocínio.
Uma maneira de explicar a diferença entre esses dois grandes tipos de raciocínio (o
lógico-dedutivo e o empírico-probabilístico) é dizer que o raciocínio lógico-dedutivo
parte do geral para chegar ao particular, enquanto o raciocínio empírico parte do particular
para chegar ao geral. Mas o que isso significa?
O raciocínio lógico-dedutivo é construído a partir de uma ou mais premissas que não são
obrigatoriamente fruto de observação e, portanto, não são necessariamente verdadeiras,
mas, por alguma razão, são consideradas válidas a priori, ou seja, são postuladas. Se
essas premissas são verdadeiras e o procedimento lógico é aplicado corretamente, então
as consequências do raciocínio são necessariamente verdadeiras. O raciocínio lógico,
partindo de premissas não demonstradas, mas aceitas, chega a conclusões cem por cento
válidas, mas que serão verdadeiras somente se as premissas forem verdadeiras (veja-se o
site@ no ponto 2 dos aprofundamentos ao cap. 1, para entender mais a fundo a estrutura
de um raciocínio lógico).
Observe-se que as premissas não são fruto de observação, mas são postuladas; se
aceitamos essas premissas, nós podemos colocar quantas outras premissas novas
quisermos sem conseguir tornar falsa a consequência. Outras premissas não teriam
nenhum efeito para modificar a conclusão. Isso significa que, se as premissas são
verdadeiras, a consequência (ou conclusão) é necessariamente verdadeira, pois não pode
ser destruída com novas premissas. Nos três exemplos acima o procedimento lógico é
igualmente apropriado, mas as premissas do primeiro caso parecem verdadeiras (tomando
como base o nosso conhecimento de mundo), e não temos dificuldade em aceitar como
verdadeira a conclusão; no segundo caso, ao contrário, pelo menos a segunda premissa
não parece verdadeira. A veracidade das premissas distingue uma conclusão verdadeira
de uma conclusão que é simplesmente válida, ou seja, que respeita o método lógico, mas
é baseada em uma ou mais premissas falsas. Nos exemplos acima, assim como será feito
nos exemplos dos outros tipos de raciocínio, estão presentes duas premissas; contudo um
raciocínio qualquer pode ser baseado em uma única premissa como em mais do que duas.
então é necessariamente verdade que Pedro morreu. Seria uma contradição dizer
Uma contradição é um conjunto de afirmações que não podem ser verdadeiras ao mesmo
tempo em um mesmo mundo. O asterisco, presente em (9) e em outros exemplos do livro,
indica que o enunciado é não gramatical (pode indicar também que uma forma não é
atestada).
Portanto, o fato de que Pedro morreu está já presente em (8). De fato, reconhecer o
significado de (8) significa saber que entre as condições para que (8) seja verdadeira deve
ser incluída a verdade de (10), e, em particular, deve ser incluída a verdade de que Pedro
morreu. Isso distingue o fenômeno do acarretamento lógico do fenômeno da
pressuposição. Um exemplo de pressuposição é
A partir desta afirmação pode-se inferir que João fumava. E essa conclusão parece
necessária. Contudo, qualquer coisa que João tenha parado de fazer (João parou de beber,
João parou de trabalhar, João parou de Xar – sendo X a base de um qualquer verbo.)
pressupõe que João antes fazia aquela coisa (bebia, trabalhava, Xava.). Isso mostra que a
pressuposição depende de uma forma linguística (seja uma estrutura morfossintática, seja
um elemento lexical), que, neste caso, é a expressão parou de, e não das condições de
verdade veiculadas pela(s) premissa(s).
Uma demonstração disso é que se nós negamos uma expressão como (7) com
a inferência de que João fumava continua sendo pressuposta. Isso mostra que a
pressuposição está colada na forma linguística (neste caso parou de) e não depende das
condições de verdade. Se ela resiste à negação, quer dizer que resiste a condições de
verdade opostas. Não podemos dizer que as condições de verdade de João fumava, ou
João bebia ou João Xava, estão implícitas em João não parou de Xar.
Um outro exemplo de raciocínio indutivo pode ser construído mudando a ordem das
proposições que constituem o raciocínio lógico em (7):
(16) Premissa 3: aquele outro aluno também é da UFMG e não quer aprender.
(17) A: Quem vai cozinhar hoje à noite? (ou, se preferirem a forma declarativa:
A pergunta para B quem vai cozinhar hoje à noite).
B: Eu estou cansada! (B responde que está cansada).
Conclusão: B não vai cozinhar hoje à noite.
No caso deste exemplo, que é corriqueiro na nossa comunicação do dia a dia, B poderia
acrescentar uma nova premissa, como
Parece sensato concluir que há altas probabilidades que Marek não fale italiano. Mas se
depois descobrimos que Marek é Marek Hamsik, jogador de futebol que jogou por quinze
anos em dois times da Itália, não estaremos mais dispostos a reconhecer a verdade da
conclusão. Se trata de outro tipo de raciocínio frequentemente usado no nosso dia a dia.
Observou-se como os primeiros três tipos de raciocínios podem ser realizados utilizando
as mesmas proposições, mas colocadas em ordens diferentes.
A partir dela nós podemos tirar duas conclusões, ou seja, podemos fazer duas inferências:
(22) Consequência 1: então, alguns alunos foram à aula.
(23) Consequência 2: então, alguns alunos faltaram à aula.
Mas não é possível dizer que é verdade que a maioria foi à aula e ao mesmo tempo que
não é verdade que alguns alunos foram à aula.
Contudo, quando alguém nos diz que a maioria dos alunos foi à aula, nós nos sentimos
autorizados a concluir que alguém faltou. Podemos até perguntar diretamente: quem
faltou? Isso acontece porque a nossa comunicação se baseia amplamente em inferências
de natureza probabilística e experiencial, e não lógica, como veremos mais a fundo no
cap. 6. De fato, a experiência nos ensina que quem usa a expressão a maioria geralmente
o faz quando não tem os elementos para usar a expressão todos. Isso nos parece tão normal
que não pensamos que, ao ouvir que a maioria agiu de uma certa maneira, não podemos
deduzir logicamente que alguém não agiu daquela certa maneira. Em outras palavras: as
condições de verdade de (21) estão contidas tanto em (24) quanto em
Por isso podemos dizer (24) sem gerar contradições. Mas as condições de verdade de (23)
não estão contidas em (21). Não podemos deduzir logicamente que se (21) for verdadeira,
então também (23) é verdadeira.
Desse jeito a uma forma gramatical ambígua corresponderiam duas formas lógicas não
ambíguas.
Nos enunciados acima, o verbo ser tem significados diferentes: inclusão (os filósofos são
incluídos no grupo dos mortais), pertencimento (Kant pertence ao grupo dos filósofos) e
identidade (Kant e o autor da Crítica da razão pura são o mesmo indivíduo). Eles têm
três formas lógicas diferentes:
(30b) Filósofo k
onde k = Kant.
(30c) k=a
onde k = Kant e a = autor da “Crítica da razão pura”.
Então, somente através da explicitação da forma lógica seria possível dar conta do
significado dos enunciados de maneira não ambígua. Quem segue essa visão, como os
semanticistas referencialistas, acha que o estudo da linguagem deve ser o estudo da sua
forma lógica.
(32a) O menor de idade pode sair do país se acompanhado pelo pai ou pela mãe.
(32b) O menu turístico prevê um prato principal, um acompanhamento e uma fruta ou
uma sobremesa.
(32c) A sua gravata está na primeira ou na segunda gaveta.
Em (32a), ou leva à interpretação de que o menor deve ser acompanhado por um dos pais
ou pelos dois (mas não podem faltar ambos); em (32b), ou leva à interpretação de que o
menu permite comer a fruta ou a sobremesa ou nenhum dos dois (mas não os dois juntos);
em (32c), ou leva à interpretação de que a gravata deve estar em uma (e apenas e
necessariamente uma) das duas gavetas.
O conector se... então do ponto de vista lógico significa que ambos os elementos são
verdadeiros. Portanto, do ponto de vista lógico, é perfeitamente correta uma sentença
como (33), que não parece ter um sentido comunicativo no nosso uso linguístico:
A conclusão dos filósofos da linguagem ordinária é que, já que a lógica não é capaz de
dar conta da complexidade da linguagem natural, o estudo desta não pode ser feito apenas
através da lógica. Por isso, Austin defende que o método para a análise da linguagem
natural não deve ser a busca da verdade ou falsidade lógica das expressões linguísticas,
mas que seu objetivo deva ser buscar se o que falamos é ou não é apropriado para a
situação em que o falamos. Analogamente, Grice busca entender os mecanismos que nos
levam a interpretar um enunciado de maneira sensata e apropriada aos objetivos
comunicativos, e individualiza esses mecanismos em inferências que não possuem uma
natureza lógica.
do ponto de vista lógico, ou seja, se nos baseamos apenas no código linguístico, essa
pessoa está afirmando algo de verdadeiro, pois se ela tem cinco filhos é automaticamente
verdade que tem três, já que três faz parte das condições de verdade de cinco. Mas na
comunicação real, nós, em ausência de um motivo em contrário, interpretamos o
enunciado no sentido de Eu tenho exatamente três filhos. Portanto, o que logicamente é
verdadeiro pode ser interpretado como uma mentira na comunicação normal (pelo menos
em muitos contextos).
Com esses exemplos, deve ter ficado claro que existe um significado do código e um
significado do falante. Isso quer dizer que é preciso distinguir entre o que é dito com uma
determinada sequência linguística e o que se pretende realmente significar com ela. Na
comunicação real, o significado do código interage sempre com o contexto, e essa
interação enriquece o sentido semântico ao ponto até de realizar um sentido comunicativo
oposto àquele que a sequência linguística teria no código. Como veremos, alguns autores
pós-griceanos chegam até a limitar fortemente o conceito de significado do código,
afirmando que nós não precisamos processar o significado semântico de uma proposição
antes de chegar ao significado do falante, mas processamos diretamente o significado do
falante. E se chega até a considerar subdeterminado, fora de contexto, o significado das
palavras. Por exemplo, o significado de uma palavra como rápido seria subdeterminado
tanto com relação a seu valor qualitativo (um carro que alcança uma velocidade muito
alta, um rio com muita correnteza, um ritmo com intervalos muito curtos entre elementos
fortes e fracos, uma pessoa com uma inteligência ágil, um atleta com reflexos
espetaculares, etc.), quanto do ponto de vista quantitativo (qual é o limiar que deve ser
alcançado para que algo possa ser definido como sendo rápido? Obviamente vai depender
de cada caso).
Uma outra possível definição de pragmática seria então: a disciplina que estuda os
mecanismos da competência comunicativa, entendendo como competência comunicativa
a habilidade por parte do falante em usar a língua de maneira apropriada em diferentes
contextos para atender a exigências comportamentais de vários tipos e a habilidade por
parte do ouvinte em compreender a intenção comunicativa que o falante quer transmitir.
O verbo do enunciado de B, neste caso, funciona como uma afirmação. Em outras línguas,
como o italiano ou o alemão, não é gramatical significar sim (ou não) através da retomada
do verbo usado pelo interlocutor. Um enunciado em que o verbo é presente, mas não
constitui o núcleo é o exemplo de enunciado nominal como o segundo enunciado do
diálogo em
A distinção entre sentença e enunciado nos permite notar que as mesmas sequências de
elementos do código podem, de fato, realizar significados acionais muito diferentes, ou
seja, devem ser tratadas como enunciados diferentes em cada proferimento concreto.
Além disso, nos diz que o enunciado não precisa ter a forma gramatical de uma sentença.
Até uma interjeição pode funcionar como enunciado, ou seja, como a menor unidade
comunicativa da linguagem. É o que acontece por exemplo quando nos damos conta de
algo que não estávamos entendendo e proferimos aahh!, pra significar “agora entendi!”.
Ou quando alguém nos pergunta se queremos algo e respondemos positivamente com
hum hum! ou negativamente com ahn ahn!, e em muitos outros casos. Mas observemos
agora como um simples SN pode constituir enunciados com significados diferentes:
(37) Um leão!
pode ser interpretado como Se prepare, está chegando um leão! em uma interação entre
dois caçadores na África, ou como Olha, tem um leão!, na interação entre duas crianças
em um jardim zoológico, ou ainda como Ele é realmente forte e guerreiro, em uma
interação entre dois espectadores de uma competição de luta, ou de outras maneiras ainda,
dependendo do contexto e de como o proferido concretamente.
(37) é por um lado um exemplo de uma sequência comunicativa constituída apenas por
um SN, e por outro lado um exemplo de como os mesmos elementos do código, na mesma
sequência, podem ser usados para realizar ações, e, portanto, significados comunicativos,
muito diferentes. Nas três interpretações apresentadas em (37) podemos dizer que os três
enunciados realizam respectivamente um aviso ou um alarme, uma expressão de
maravilha ou uma dêixis (a ação pela qual se dirige a atenção de alguém para algo), e uma
asserção, dessa vez utilizando leão com valor metafórico (veja 2.3.2).
Considerações desse tipo levaram alguns autores a concluir que as palavras não seriam as
portadoras de significados convencionalizados, mas poderiam se prestar a qualquer
significado, se colocadas no contexto apropriado. Somente os enunciados carregariam
realmente o significado. O código então seria um instrumento para potencializar um
aspecto prioritário da comunicação linguística, ou seja, mostrar melhor a própria intenção
comunicativa. É o reconhecimento da intencionalidade acional que governa a
comunicação. O código é um expediente para potencializar esse objetivo, e isso é possível
exatamente pela liberdade, flexibilidade e vagueza desse código (veja-se o cap. 6).
Segundo esse modelo, quem fala (ou escreve, ou sinaliza na língua de sinais) codifica os
próprios pensamentos nas expressões da língua, e quem escuta (ou lê, ou vê os sinais)
decodifica essas expressões tendo assim acesso aos pensamentos do falante. Dessa
maneira os falantes transmitem as próprias representações mentais aos interlocutores.
Portanto a comunicação pode falhar somente se o processo de codificação ou
decodificação der errado (por alguma falha superficial do falante ou do ouvinte), se algum
tipo de ruído no canal impedir que a mensagem chegue íntegra ao destinatário
(dependendo do canal, o ruído pode ser um barulho externo, a falta de luz, uma
interposição física entre sinalizador e destinatário), ou, naturalmente, se os interlocutores
não compartilham o mesmo código (a mesma língua).
Tudo isso significa que o sucesso da comunicação linguística, ruído à parte, depende
unicamente do conhecimento do significado convencional das expressões do código por
parte dos interlocutores. Esse modelo funciona perfeitamente dentro de um paradigma
cognitivista clássico (sobre os diversos modelos cognitivos veja-se o site@ no ponto 1).
O modelo do código, contudo, não consegue explicar os processos da comunicação
linguística. Imaginemos o enunciado
a) Carlos e Maria casaram entre eles. Isso não é dito. Seria possível, por exemplo,
que Carlos tivesse se casado com Ana e Maria com Luís.
b) Eles tiveram os filhos juntos. Com base no código seria possível que cada um
deles tivesse tido três filhos com outros parceiros, ou parte com um e parte com
outros ou que um tivesse tido um filho e outro dois.
c) Os filhos são somente três. Em princípio eles poderiam ser mais, porque se Carlos
e Maria tiveram quatro filhos seria verdadeiro que tiveram três.
d) A ordem dos acontecimentos é aquela apresentada. Em princípio seria
logicamente possível que eles primeiro tivessem tido três filhos (o parte deles) e
depois se tivessem se casado.
1.4.3 O contexto
Pelo que foi dito até aqui, já deve ter ficado claro que a Pragmática atribui ao conceito de
contexto uma forte centralidade no estudo do significado. Contudo, é extremamente
difícil, se não impossível, definir o que é o contexto. Na nossa comunicação cotidiana,
nós recorremos constantemente ao contexto, implícita ou explicitamente, quase sempre
dando por óbvia a atribuição de um determinado significado ao que falamos ou
escutamos; normalmente, nem percebemos que o que foi dito poderia ter muitos
significados e que é a interação com o contexto que nos permite desambiguar as
expressões linguísticas com tanta facilidade que nem nos damos conta de suas possíveis
ambiguidades.
A língua possui muitos elementos que, evidentemente, não podem ser interpretados sem
recorrer ao contexto: os elementos dêiticos (ou seja, elementos, como eu, que podem ser
decodificados somente através do acesso ao contexto extralinguístico; veja-se o cap. 3),
as metáforas (ou, em geral, os significados figurados), as repetições dialógicas, em que
os mesmos elementos, repetidos por outro falante, podem assumir significados que
variam do acordo ao desacordo, e até as formas verbais. Note-se o caso de
Normalmente, o falante pode acessar facilmente o CG com o ouvinte, e, com base nisso,
decidir o que é oportuno dizer, escolher suas palavras e como estruturar linguisticamente
a informação. Isso requer que o falante possa avaliar a capacidade do ouvinte de
compreender o enunciado o suficiente para entender a intenção comunicativa do próprio
falante. As suposições do falante são as avaliações que ele faz do que deve ser o CG entre
ele e o ouvinte com relação ao conteúdo do enunciado. Essas avaliações motivam
escolhas como a língua, o registro (se coloquial ou formal ou de algum setor específico,
como a linguagem médica ou jurídica), a apresentação de um referente como algo
conhecido ou não (veja-se o cap. 4), o que pode ficar pressuposto e o que deve se tornar
explícito (veja-se o cap. 5), as estratégias de organização das ações linguísticas (veja-se
os cap. 6 e 8), etc.
podemos estar dizendo que o time não conseguiu viajar porque o aeroporto estava fechado
ou que o jogo não aconteceu porque o aeroporto estava fechado. Para resolver a
ambiguidade, precisamos buscar no contexto extralinguístico os instrumentos para decidir
a interpretação. Ao contrário, em
Outras vezes ainda, os mal-entendidos podem ser devidos ao fato de que as relações
expressas são indeterminadas. A indeterminação, contrariamente à vagueza, não se dá
devido ao fato que não podemos estabelecer claramente as fronteiras entre os significados
das palavras (como acontece em careca), mas sim quando a expressão em si é insuficiente
para decidir com precisão qual dos seus possíveis significados deve ser escolhido. Somos
tão acostumados a utilizar o contexto que não percebemos quantas vezes o código não
nos fornece elementos suficientes para interpretar um enunciado: a minha casa pode
significar a casa que eu possuo, a casa em que eu moro ou a casa que eu (como arquiteto)
projetei ou (como engenheiro) construí ou até a casa imaginária dos meus sonhos. Não se
trata, portanto, de um caso de vagueza, onde o que é incerto é a fronteira entre diversos
significados; não há dúvida de que minha expresse uma relação entre o falante e o
referente; mas a natureza desta referência é ainda não suficientemente determinada. Já
vimos como a conjunção e pode adquirir significados diferentes que devem ser precisados
com base em outras informações de ordem extralinguística. Como no caso de minha,
também no caso das conjunções e e da conjunção ou, não dizemos que as expressões têm
vários sentidos ou que são vagas, mas que são expressões indeterminadas, insuficientes
para determinar o tipo exato de relação que sinalizam. Os seus significados devem ser
precisados com base em elementos que estão fora do código.
(43) Pelé, cuja fama alcançou todos os continentes, se tornou um ícone brasileiro.
O campeão, ciente disso, procurou preservar a sua imagem o melhor
possível.
Nesse exemplo entendemos a que se referem cuja, campeão, disso e sua graças ao
contexto, pois, essas mesmas palavras poderiam significar outros referentes, seja porque
há outros campeões, seja principalmente porque as outras expressões não fornecem
elementos suficientes para identificar um referente sozinhas, ou seja, não possuem
significado intensional (o conjunto dos traços semânticos que descrevem o referente;
veja-se 2.3.1) suficiente.