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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Letras – Linguística e Língua Portuguesa


Disciplina: TÓPICOS ESPECIAIS I: Sistemas perceptivos V: Enativismo,
Antirepresentacionismo, Corporificação e Representação Semântica.
Professor: Hugo Mari
Aluno: Jair Alcindo Lobo de Melo

O PRINCÍPIO DA COMPOSICIONALIDADE SEMÂNTICA

Entender o princípio da composicionalidade, seja por meio da filosofia da


linguagem, por meio da filosofia da lógica, da linguística etc., é importante para
se investigar a linguagem, não apenas porque os autores geralmente assumem
a hipótese de que a linguagem é composicional (essa é uma crença
amplamente aceita hoje), mas também porque a composicionalidade da
linguagem é usada para explicar um conjunto de fenômenos, como, por
exemplo, o fenômeno da produtividade da linguagem.
Se pensarmos em termos como cachorro e gato, em tese nos é possível
atribuir sentido a eles. Partimos do pressuposto de que, no passado, nós, como
falantes da língua, já tivemos contato com esses signos linguísticos, para os
quais nos foi apresentado um significado, animal, doméstico, mamífero etc. A
hipótese é a de que, primeiramente nos temos contato com as palavras e
alguém nos introduz seu significado, e a partir daí somos capazes de
compreender enunciados envolvendo-as.
O mesmo princípio não pode ser aplicado a sentenças completas, pois a
razão pela qual entendemos sentenças como, por exemplo, Gatos são
mamíferos, cachorros são animais, deve-se ao fato de que, em algum
momento, no passado, já tivemos contato com essas estruturas, e já nos foram
introduzidos os significados dessas sentenças, portanto só precisaríamos nos
basear nesses encontros prévios para compreender os enunciados hoje. Essa
explicação, por mais intuitiva que se apresente, é falha, pois nosso domínio da
linguagem é inventivo. Ao dominarmos uma linguagem, não nos limitamos ao
material já adquirido, somos capazes de entender e produzir sentenças
inteiramente novas, sentenças com as quais nunca tivemos contato
anteriormente.
Como falantes da língua, somos capazes de produzir e entender novas
sentenças sem necessariamente as termos conhecido, trata-se do fenômeno
da produtividade da linguagem (CHOMSKY, 1959). Em tese, a melhor
explicação para esse fenômeno é o princípio da composicionalidade.
Consideremos as seguintes sentenças:

1- Neomízio é honesto.
2- Epaminondas é honesto.
Estamos seguros de que as sentenças 1 e 2 significam coisas distintas.
A primeira indagação pertinente é: por que as sentenças apresentam
significados diferentes? Qual a explicação para diferença de significados entre
elas? Uma resposta plausível é a de que as duas sentenças apresentam, pelo
menos, um elemento diferente, especificamente na posição de sujeito (os
nomes próprios Neomízio e Epaminondas) e seria essa a explicação para o
fato de as duas sentenças apresentarem significados diferentes.
Esse mesmo raciocínio se aplicaria aos seguintes exemplos:

1- Neomízio é honesto.
3- Neomízio é obeso.
4-
Do mesmo modo como ocorreu nos exemplos 1 e 3, a explicação para a
diferença de significado desse segundo par contém um termo diferente na
posição de predicativo, por isso, apresentariam sentidos distintos. Conclui-se,
desse modo, que o significado de uma sentença é, parcialmente, determinado
por seus elementos constitutivos, porém essa conclusão não está correta.
Podemos apontar dois contrapontos em relação à perspectiva anterior.
Primeiramente, é possível se pensar em duas sentenças que, apesar de
apresentarem o mesmo significado, possuem estruturas composicionais
distintas.

5- Em Deus nós confiamos.


6- In God we trust.
Os exemplos 4 e 5 significam a mesma coisa. 4 é tradução de 5 e 5 é
tradução de 4, apesar disso, ambas as sentenças apresentam estruturas
diferentes, pois nenhum termo presente em 4 aparece em 5 e vice-versa.
Podemos concluir que conter termos diferentes na sentença não é condição
suficiente para que duas sentenças apresentem significados distintos. No caso
dos exemplos 4 e 5, as sentenças apresentam termos distintos, porém com o
mesmo significado.
Em segundo lugar, é possível se pensar em um par de sentenças que,
embora apresentem a mesma estrutura composicional, podem conter
significados distintos, como nos exemplos a seguir.

7- Neomízio chegou ao banco. (assento)


8- Neomízio chegou ao banco. (instituição financeira)
9-
O exemplo 6 indica que Neomízio chegou ao assento, já em 7, ele
chegou à instituição financeira. Os termos que aparecem em 6 também
aparecem em 7, logo a diferença de significados entre eles não pode ser
explicada em relação aos elementos que os compõem.
Com base nas análises das sentenças, pode-se compreender que é
necessário se buscar outro modo de explicarmos as semelhanças e diferenças
de significados das sentenças. Uma possibilidade é observar não os termos
que constituem a sentença, mas o que cada termo significa.
Temos então o primeiro princípio da composicionalidade, em que o
significado do todo depende de modo previsível do significado das partes e do
modo pelo qual elas estão combinadas.
Podemos avançar na análise, observando mais duas sentenças:

10-Neomízio ama Gesualda.


11-Gesualda ama Neomízio.

É ponto pacífico que 8 e 9 significam coisas distintas, no entanto, os


mesmos termos que aparecem em 8, também aparecem em 9 e cada um dos
termos que aparecem nas duas sentenças apresentam o mesmo significado,
porém a justificativa para que 8 e 9 contenham significados diferentes não
reside no sentido das partes da sentença, mas pelo modo como essas partes
estão organizadas, ou seja, pela estrutura da sentença.
Este é o princípio da composicionalidade: o sentido de uma expressão
complexa é uma função dos sentidos das suas partes e da forma como estão
combinadas. O significado de uma frase é determinado pelos significados dos
seus constituintes e pelo modo como estes estão combinados. Portanto, um
sistema de representação é composicional no caso de os valores semânticos
das representações complexas serem determinados pelos valores semânticos
das partes.
Há uma interessante discussão filosófica e histórica sobre a origem e a
exata formulação desse princípio, mas podemos dizer que suas raízes
modernas e a inspiração para seu uso atual são encontradas nos trabalhos do
filósofo, lógico e matemático alemão Gottlob Frege (1848-1925). Para Porto
(2005), o princípio de composicionalidade é atribuído a Frege (1892) e postula
que os significados de sentenças (e quaisquer outras expressões com mais de
um termo) seriam funções do significado das suas partes e da relação que as
estrutura. Ou seja, o significado de uma sentença seria uma espécie de “soma”
dos significados de seus componentes.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CHOMSKY, N. (1959). A review of B. F. Skinner’s Verbal Behavior, Language,


35, 26-58

FREGE, G. Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cultrix Editora da


Universidade de São Paulo, [1892] 1978.

GEURTS, B. Compositionality: the real problem. In: GARTNER, H.-M.;


BECK, S.; ECKARDT, R.; MUSAN, R.; STIEBELS, B. (Orgs.). Between 40 and
60 puzzles for Krifka. Berlin: Zentrum für Allgemeine Sprachwissenschaft, 2006.
Disponível em: <http://www.zas.gwz-berlin.de/fileadmin/material/40-60-puzzles-
for-krifka/pdf/geurts.pdf>. Acesso em: 12 março de 2021.
PORTO, André. Composicionalismo Semântico, predicação e automorfismo
de Quine. Philósophos 10 (2): 11-56, ago./dez. 2005.

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