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Apresentação
O paradigma da representação – conforme demonstraram as aulas passadas – foi hegemônico na Antiguidade, Idade
Média e Modernidade. Vico definitivamente foi um ponto fora da curva. Dando um grande salto secular nas abordagens
linguísticas que adotaram esse modelo, expressaremos nesta aula a Lógica do século XIX. Ao abordar os significados do
nome, essa ciência prosseguiu a tradição representacionista de uma maneira bem diferente das vistas até aqui em nosso
curso.
Pensadores como Frege, Tarski, Saeed e Fodor deram uma nova dinâmica à forma de se conceber linguagem, abordando-
a de maneira muito mais lógica e matemática e (talvez) menos filosófica que os seus antecessores. Suas preocupações
giravam em torno dos valores de verdade das frases emitidas. Eles, então, objetivavam uma fórmula em que as frases
ambíguas e errôneas fossem facilmente identificadas, trazendo à tona um modelo lógico em que as sentenças
verdadeiras seriam separadas das falsas por meio do cálculo. Registraremos nesta aula essa linha de pensamento ao
demarcar os conceitos inovadores trazidos por esses filósofos da linguagem, já que eles trabalharam com ideias bastante
incomuns em nosso meio.
Objetivos
Relacionar os pensamentos dos filósofos Frege e Tarski;
Identificar, nas ideias de Frege, Tarski, Saeed e Fodor, uma forte veia representacionista;
Registrar, nos estudos lógicos do século XIX, a preocupação desses filósofos com a questão da verdade, da
referência e do sentido.
Referência e sentido
Referência e sentido
Vamos falar sobre a Lógica do século XIX: o filósofo alemão Gottlob Frege (1848–1925) se notabilizou entre os lógicos
de seu tempo ao dizer, em seu célebre livro Sobre o sentido e a referência, ser plausível a existência, junto a um nome
ou a uma combinação de palavras, de algo chamado de:
"A conexão regular entre um sinal, seu sentido e sua referência é de tal modo que ao sinal
corresponde um sentido determinado e ao sentido, por sua vez, corresponde urna
referência determinada, enquanto uma referência (um objeto) pode receber mais de um
sinal. E ainda, um mesmo sentido tem em diferentes linguagens, ou até na mesma
linguagem, diferentes expressões. É verdade que exceções a essa regra ocorrem.
Certamente, a cada expressão que pertença a um sistema perfeito de sinais deveria
corresponder um sentido determinado; as linguagens naturais, porém, raramente
satisfazem a essa exigência, e deve-se ficar satisfeito se a mesma palavra, no mesmo
contexto, sempre tiver o mesmo sentido."
- (FREGE, 1978)
Frege considera plausível a existência, junto a um nome ou a uma combinação de palavras, de algo chamado de
referência (aquilo que é designado pelo nome ou pela frase). Como já frisamos antes, o modo de apresentação do
objeto está contido no que ele chama de sentido.
Representação
Representação
Em seguida, o filósofo alemão apresenta o problema da subjetividade contida na representação que temos das coisas,
que diferem de uma pessoa para outra. Para Frege, por mais que cada um possua uma experiência própria e, por isso,
associe diferentes representações mentais ao mesmo sinal, a referência de um nome não passa por essa
instabilidade, pois ela continua sendo o objeto que designamos por meio desse nome.
Além disso, mesmo admitindo que a representação que tivermos dele será inteiramente subjetiva, o sentido, para o
filósofo, não flutua da mesma forma: ele está entre a representação e a referência, porém não é tão subjetivo quanto
aquela nem tão exato quanto esta.
Comentário
Talvez você esteja achando tudo isso muito confuso! A preocupação de Frege era a seguinte: muitas vezes, um nome significa
coisas diferentes. Isso pode causar uma confusão, abalando, de certa forma, o ideário de língua como representação. Mas o
filósofo também considerava que, por mais que os nomes variem, essas variações são limitadas – e todos sabem que tal coisa
tem um mesmo significado.
Exemplo
Ainda que você chame aipim de mandioca e seu primo, de macaxeira, todos saberão, ao observarem o objeto, que se trata da
mesma coisa. E melhor: sabem que tanto o aipim quanto a mandioca ou a macaxeira podem dar aquele gosto maravilhoso em
um escondidinho de carne!
Citamos as ideias de Gottlob Frege por um motivo: elas confirmam a influência marcante que os filósofos antigos (abordados
nas aulas anteriores, especialmente os gregos) e seus ideários tiveram no pensamento filosófico e linguístico durante todos
esses séculos.
A menção ao filósofo alemão também nos serve para mostrar a ruptura que os discursos de Paulo de Tarso acerca da
efetividade da letra da lei geraram à estabilidade do sentido prévio e inabalável contra o qual ele se colocou, o que foi teorizado
séculos depois por Giambattista Vico em sua ciência nova.
Estudos lógicos
Estudos lógicos
Para os lógicos do séc. XIX, a verdade das frases poderia ser transcrita em uma fórmula lógica.
Você vai achar bem interessante este caso se já fez algum concurso público ou uma prova de interpretação de texto,
descobrindo, ao conferir o gabarito, ter errado questões que tinha certeza de que acertara. Um escritor chamado Mário
Prata disse, certa vez, em uma rede televisiva, que não entendeu nada quando, ao fazer as provas de interpretação dos
próprios textos, não passou em nenhum exame.
Isso expõe um problema que ronda a ciência humana há séculos: a diversidade de interpretações que as pessoas
atribuem a um mesmo objeto. Alguns estudiosos da lógica linguística, como Frege, já abordaram esse problema.
Sobre a questão levantada pelo escritor Mário Prata, observou o autor dos textos que, entre sua interpretação e a dos
organizadores do vestibular, havia diferenças consideráveis de sentido, tanto que ele mesmo não conseguiu responder
com certeza às questões levantadas sobre sua obra.
a) Pensamento da sentença
São as sentenças (frases ou orações) que, segundo o filósofo alemão, contêm um conteúdo objetivo próprio comum a
muitos.
b) Valor de verdade
Tomando essas assertivas de Frege como fundamento, Prata pode ter derrapado tanto na questão do sentido como
na da referência, pois se, ao responder a uma pergunta sobre sua obra, não obteve êxito, é porque o conteúdo objetivo
próprio daquela sentença, chamado de pensamento, o qual determina o sentido de um objeto, em verdade não era o
mesmo para os envolvidos no processo (no caso, ele e a banca examinadora). Isso, então, influiu diretamente no valor
de verdade das respostas dadas pelo autor.
Podemos afirmar que, de uma forma muito contundente, a representação que cada um possui das coisas influencia
diretamente tanto no sentido quanto na referência, seja de uma sentença ou de um nome.
"Se, em geral, julgamos que o valor cognitivo de “a=a” e “a=b” é diverso, isto se explica pelo
fato de que, para determinar o valor cognitivo, é tão relevante o sentido da sentença, isto é,
o pensamento por ela expresso, quanto sua referência, a saber, seu valor de verdade. Se
a=b, então realmente a referência de “b” é a mesma que a de “a”, e, portanto, também o
valor de verdade de “a=b” é o mesmo que o de “a=a”. Apesar disso, o sentido de “b” pode
diferir do de “a” e, portanto, o pensamento expresso por “a=b” pode diferir do expresso por
“a=a”; nesse caso, as duas sentenças não têm o mesmo valor cognitivo. Se, como
anteriormente, entendemos por “juízo” a trajetória do pensamento para seu valor de
verdade, podemos também dizer que os juízos são diferentes."
- Frege (1978).
Podemos, dessa forma, concluir que a trajetória traçada por Prata para, do pensamento, chegar ao valor de verdade de
sua sentença foi diversa daquela que traçaram os organizadores do exame. Isso influiu diretamente na interpretação
atribuída por um e outro ao mesmo objeto; logo, se os juízos que estabelecemos para “a=b” e “a=a” são diferentes,
fazendo com que “a” e “b” possuam sentidos diversos, entenderemos que, ao dizer que “a é igual a b” é verdadeiro,
também seria dizer que não o é.
Toda sentença ocorrida na linguagem-objeto também deve ocorrer na metalinguagem, já que esta contém aquela
como parte de seu sistema.
Voltemos ao caso ocorrido com o escritor Mário Prata para chamar a atenção de um ponto nos estudos de Tarski: o
filósofo chega a sugerir uma pacificação semântica para as sentenças.
Referência;
Sentido;
Concepção semântica de verdade.
As tabelas de verdade
As tabelas de verdade
A partir de John I. Saeed, os estudos lógicos desenvolverão uma teoria que, hipoteticamente, resolverá o problema da
deriva interpretativa e até mesmo da ambiguidade nas sentenças declarativas – as únicas passíveis de um juízo de
verdade. Aqui, as chamadas semânticas formais trabalham com a hipótese de que os instrumentos da lógica podem
capturar parcelas do significado das línguas naturais; no entanto, há um reconhecimento de que a lógica não dá conta
de todos os fenômenos.
Dessa forma, os fenômenos que a teoria semântica explica seriam certas relações semânticas entre sentenças, tais
como:
Sinonímia;
Contradição;
Pressuposição;
Acarretamento;
Certos aspectos de significação dentro das próprias frases (o que nos interessa particularmente para a nossa
análise textual, especialmente acerca da ambiguidade).
Nos casos propostos, talvez o escritor Mário Prata não tenha sido feliz ao tentar interpretar verdadeiramente os
próprios textos ou a banca organizadora das provas de vestibular não teve êxito em aferir o valor de verdade dos textos
mencionados. Estamos diante de um problema para o qual a Lógica nos parece dar a resolução, haja vista seu
interesse em dar conta da capacidade de aferirmos se uma sentença é verdadeira ou falsa.
a) Lógica proposicional
Base da teoria desenvolvida por este linguista, ela é o meio pelo qual ele tematiza as proposições moleculares graças a
fórmulas lógicas, dando referência visual do resultado do valor de um par de sentenças.
Exemplo
b) Lógica de predicados
Teoria por meio da qual podemos dar conta dos átomos das moléculas das frases. Ela investiga mais profundamente
os aspectos da sentença. As tabelas de verdades de Saeed são caracterizações formais e gerais para pares de
sentenças, atribuindo-lhes um efeito funcional e verdadeiro.
Para colocar em prática o exposto acima, caso quiséssemos conferir um valor de verdade aos textos de Prata,
teríamos de os submeter aos três estágios que este linguista nos mostra:
Exemplo
Sentenças ambíguas como “os convidados roubaram um candelabro”, “todas beberam um drinque” e “ninguém comeu um
docinho” seriam resolvidas por meio da lógica de predicados. O mesmo ocorreria naquelas que porventura fizeram com que
Mário Prata não respondesse de acordo com o gabarito das questões: caso fossem colocadas à prova pelas lógicas
proposicional e de predicados, talvez não houvesse derivas interpretativas de ambos os lados.
Podemos observar que os estudos lógicos do significado nos fornecem ferramentas a fim de que possamos verificar o
valor de verdade de sentenças declarativas, levando-nos a crer que, de uma forma geral, cada sinal, palavra,
combinação de palavras e texto possui o seu sentido e a sua referência – e, logo, um valor de verdade.
Atenção
Apesar de haver um reconhecimento de que a concepção clássica aristotélica da verdade – chamada por Tarski de Teoria da
Correspondência – não é suficientemente clara e precisa para resolver o problema do significado, ainda não há uma ruptura com
as ideias de Platão e Aristóteles.
A abordagem cognitivista sobre o significado nos remete a essa metáfora da mente tal qual um computador,
que, ao receber as informações (input) do mundo, as processa a fim de transformá-las em linguagem (output).
Jerry Fodor (1935-2017) oferece essa concepção como o sistema de representação próprio de nossa mente para a
constituição da linguagem. Esta tese fortalece o neorracionalismo.
Neorracionalismo
Concebe a mente humana como espelho do mundo devido ao nexo causal existente entre ambos. Isso será de suma
importância para a visão do problema do significado no caso específico desta aula.
A teoria computacional da mente não é uma simples analogia do cérebro com o computador, embora adote os mesmos
princípios de entrada de informações, processamento delas e tradução dessas representações do mundo para o mentalês.
Para Fodor, o pensamento é autônomo à linguagem, possuindo uma estrutura de sentidos própria.
"Acredito que o sistema de representações mentais constitua uma língua (“Mentalês”); assim, o entendimento proposto
sobre o que é semântica pretende, dentre outros aspectos, dar conta de representações mentais (em particular, de conceitos
e construções que são consideradas necessárias, e ambos são vistos, para esses propósitos, como fórmulas do Mentalês).
[...] As fórmulas das línguas naturais herdam suas propriedades semânticas daquelas das representações mentais que as
línguas naturais expressam. Por exemplo, “a neve é branca” significa que a neve é branca em inglês porque é a forma das
palavras que os falantes do inglês usam para expressar a crença da neve sendo branca.” (FODOR, 2007, p. 2)
Segundo o filósofo americano, o enigma sobre a conexão entre o significado etéreo e um pedaço físico de matéria, como o
cérebro, é resolvido por meio da teoria computacional da mente, em que bits de matérias componentes de um símbolo
(coisas do mundo) se conectam com aqueles de matéria que estejam ligados a um músculo.
Dessa forma, haveria uma estrutura universal da mente. A diferença entre as pessoas se configuraria como fator secundário
no que diz respeito ao funcionamento dela. Em resumo, a partir da visão de Fodor, a maneira como representamos o mundo
é o modo como ele é; entretanto, voltando ao caso de Mário Prata, a maneira como ele enxergou o mundo e o exprimiu em
suas obras diferiu da forma como os organizadores da banca do vestibular interpretaram a verdade presente nos textos.
A questão é: se para os cognitivistas da teoria computacional há uma semântica universal e a subjetividade é fator
secundário, o que ocasionou a deriva interpretativa neste caso? Segundo Fodor, o que pode ter ocorrido foi um “acidente”
causado por falsas crenças interpretativas, o que resultou em representações deturpadas da realidade. Se, de fato, existe
uma semântica universal em nossas mentes e a deriva interpretativa é consequência de um ‘‘acidente’’ causado por uma
deturpação em nossas crenças sobre o real, a questão é desvendar quem está com a verdade: os autores dos textos ou os
organizadores dos gabaritos?
A grande verdade é que não dispomos ainda de uma teoria do significado lexical, tampouco de uma teoria geral do conteúdo
linguístico que realmente dê conta de todos os problemas que a linguagem é capaz de gerar. Apesar de os estudos lógicos
serem muito bem elaborados e capazes de causar impacto, eles não são satisfatórios para responder a todas essas
perguntas.
Atividade
1. Nos estudos do filósofo Gottlob Frege, percebe-se uma preocupação muito grande, no que diz respeito à linguagem, com a:
I. Nos estudos de Tarski, há uma preocupação considerável com a verdade das sentenças, pois o objetivo é desvendar o
sentido verdadeiro que cada frase possui.
II. Ao buscar pela lógica as verdades das sentenças, Tarski quer resolver o problema da diversidade interpretativa de um
texto.
III. Tarski, em sua teoria da equivalência das formas, fornece uma solução para que se diferencie a verdade de um texto de
sua deriva interpretativa.
a) I e III
b) II e III
c) I e II
d) I, II e III
e) Apenas I
3. Uma sentença claramente verdadeira pode ser exposta logicamente pela fórmula p → q (em que “p” implica “q” se “p” é
verdadeiro e “q” também o é), de forma que uma proposição só pode ser irrefutavelmente verdadeira se as razões que a
compõem também o forem.
4. É o sistema de representação próprio de nossa mente para a constituição da linguagem. Estamos nos referindo a uma teoria
desenvolvida por Fodor. Ela é chamada de:
a) Teoria computacional
b) Teoria da mentalização
c) Mentol
d) Mente computacional
e) Mentalês
5. J. Fodor, em suas teorias sobre a linguagem, elabora, levando em conta os estudos cognitivos e a metáfora da mente
computacional, a teoria do neorracionalismo como:
a) Uma nova forma de Renascimento científico, misturando com as doutrinas inerentes ao Iluminismo.
b) Teoria que concebe a mente humana como espelho do mundo devido ao nexo causal existente entre ambos.
c) Teoria que adota os computadores como a inteligência artificial.
d) Um Racionalismo às avessas, como visto em Vico.
e) Uma fórmula matemática que acentua as ambiguidades, não resolvendo o problema do sentido e da referência.
Referências
Notas
TARSKI, A. A concepção semântica da verdade e os fundamentos da semântica. In: MORTARI, C. A.; DUTRA, L. H. de A. (Orgs.).
A concepção semântica da verdade. São Paulo: Unesp, 2006.
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