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SEMÂNTICA E

PRAGMÁTICA

Mariana Corallo Mello de Azevedo Kuhlmann


Pragmática: definição
e situação no campo
da linguística
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar as bases e interfaces da pragmática com a linguística e com


a análise do discurso.
 Identificar os conceitos de coerência pragmática e de regras
conversacionais.
 Descrever a corrente funcionalista na pragmática.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar a constituição teórico-metodológica
da pragmática no âmbito dos estudos linguísticos. Para isso, você vai
conhecer os fundamentos que sustentam a pragmática enquanto abor-
dagem da linguagem humana, com vistas a ampliar a sua compreensão
sobre o objeto de análise dessa área de estudos. Paralelamente, você
vai ver quais são as possíveis interfaces entre pragmática, educação e
análise do discurso.
Em seguida, você vai se familiarizar com os princípios básicos postu-
lados pela pragmática, o que inclui o conceito de coerência pragmática,
que se relaciona às regras conversacionais. Por fim, você vai estudar a
abordagem funcionalista da pragmática e ver as possibilidades de análise
linguística pautadas por essa orientação.
2 Pragmática: definição e situação no campo da linguística

1 O espaço da pragmática nos estudos


linguísticos
A comunicação humana propicia um espectro de análise muito amplo, com
abordagens teórico-metodológicas que enfocam diversos objetos de estudo.
Para você compreender o espaço da pragmática nos estudos linguísticos, é
interessante partir de um exemplo:

Eu já assumi um projeto.

Em princípio, o teor informacional dessa sentença é restrito. É possível


depreender que o sujeito elabora uma afirmação acerca de um projeto que foi
assumido. Há também um elemento temporal expresso pelo advérbio “já”,
que reforça que o espaço de tempo vinculado à ação de assumir um projeto
se encontra no passado. No entanto, a análise acerca da sentença é meramente
descritiva. Não há indícios ou recursos que permitam investigar de modo
pormenorizado o contexto da situação em que esse enunciado foi emitido.
Analise agora o mesmo exemplo, mas apresentado em outro formato:

Interlocutor 1: Estou procurando com urgência colaboradores


para o meu projeto. Você teria disponibilidade para participar?
Interlocutor 2: Eu já assumi um projeto.
Interlocutor 1: Entendi. Tudo bem.

Em relação ao contexto em que esse diálogo acontece, considere o seguinte:

 os interlocutores trabalham juntos em uma empresa;


 recentemente houve a atribuição de projetos na empresa, que variam
em termos de responsabilidade e complexidade.

Como você viu, a mesma frase do primeiro exemplo aparece posteriormente


em meio a informações adicionais: há um outro interlocutor, o Interlocutor
1, que elabora uma pergunta direcionada ao Interlocutor 2. Também há in-
formações que não estão diretamente expressas na interação presente nesse
curto diálogo: sabe-se que ambos os interlocutores trabalham juntos em uma
empresa que distribuiu diferentes projetos a seus funcionários e que tais
projetos possuem níveis de complexidade diversos. A partir desses dados, é
possível propor uma análise mais pormenorizada, baseada no contexto de fala
e no que foi linguisticamente formulado pelos interlocutores.
Pragmática: definição e situação no campo da linguística 3

Você pode concluir que o Interlocutor 1 está sobrecarregado em relação ao


projeto sob a sua responsabilidade, uma vez que ele emprega a expressão “com
urgência”. Ao perceber que o Interlocutor 2 pode ter mais disponibilidade,
talvez por ter assumido um projeto mais simples, ele pergunta se haveria a
possibilidade de colaboração entre ambos. Tal solicitação não é atendida pelo
Interlocutor 2, que expressa uma resposta nem explicitamente afirmativa,
nem negativa — ele afirma que já assumiu outro projeto, sinalizando falta de
interesse em estabelecer uma parceria de colaboração. O diálogo se encerra com
o Interlocutor 1, que sinaliza a compreensão da resposta que lhe foi fornecida.
Essa breve análise exemplifica o escopo dos estudos situados na pragmática:
o uso da linguagem. A análise do uso da linguagem, por estar contextualizada,
revela informações que podem não estar expressamente ditas nos enunciados.
Segundo Fiorin (2008a, 2008b), a pragmática é o campo da linguística dedicado
a estudar a relação entre a estrutura da linguagem e a sua utilização propria-
mente dita. Para o autor, a pragmática é absolutamente necessária “[...] pois
há palavras e frases cuja interpretação só pode ocorrer na situação concreta
da fala [...]”, uma vez que “[...] comunicamos muito mais do que as palavras
significam [...]” (FIORIN, 2008a, 2008b, p. 166).
Ao retomar os exemplos apresentados no início desta seção, você pode
perceber a pertinência das considerações tecidas por Fiorin (2008a, 2008b).
O enunciado “Eu já assumi um projeto”, quando descontextualizado, é co-
municativamente restrito. O teor informacional da sentença fica limitado ao
significado das palavras. No entanto, quando a sentença é contextualizada,
torna-se viável analisar o processo interacional em que ela foi enunciada. Ao
afirmar que um outro projeto já foi assumido, o interlocutor não apenas define
algo sobre a sua situação particular: ele situa o seu papel social em relação ao
interlocutor. A falta de disposição para colaborar com o seu colega, expressa
na afirmação sobre a sua situação de trabalho, constitui, na realidade, uma
resposta indireta, porém negativa, para a pergunta feita.
No campo da pragmática, há uma gama de regras e estratégias linguísticas
por meio das quais as funções gerais da linguagem podem ser realizadas com
o propósito de atender às intenções comunicativas dos falantes. No exemplo
apresentado, o Interlocutor 2 provavelmente optou por não responder negati-
vamente para evitar uma situação de conflito e manter a polidez. Sobre tais
regras, Bates (1976, p. 81) afirma:

A Pragmática é talvez melhor definida como sendo um conjunto de regras


que regem o uso da língua no contexto. Como tal, não define um tipo distinto
de estrutura linguística ou “objeto”. Pelo contrário, tudo na linguagem é
4 Pragmática: definição e situação no campo da linguística

pragmática, para começar. Nós escolhemos nossos sentidos para se adequar


aos contextos e construir nossos sentidos para esses contextos, de tal forma
que os dois são inseparáveis, da mesma maneira que a figura é definível de
acordo com o fundo. Segundo essa visão, todo ato envolvido na construção
de sentido é um ato pragmático.

Isso significa que a pragmática situada na linguística contempla as carac-


terísticas de utilização da língua, como a intencionalidade dos falantes, os
papéis sociais exercidos por eles, os tipos socializados de fala e o conhecimento
de mundo, aqui entendido como as referências socioculturais que os falantes
possuem. Por isso, é razoável considerar que a pragmática se encontra na
intersecção entre três elementos da linguagem, também compreendidos como
aspectos pragmáticos da linguagem: o contexto, os usuários e o conhecimento
sociocultural (Figura 1).

Figura 1. Elementos da linguagem constituintes da pragmática.

A relação entre usuários (falantes ou interlocutores), contexto (situação


interativa) e conhecimento (referências socioculturais) constitui as condições
de uso da língua. Isso significa que, nesse âmbito teórico-metodológico, os
interlocutores são sujeitos intencionais que selecionam estratégias discursivas,
Pragmática: definição e situação no campo da linguística 5

a partir do seu repertório de referências, para expressar atos de fala que se


concretizam em determinado contexto.
O marco inicial da pragmática se deu por meio das contribuições dos
filósofos da linguagem Austin (1990) e Grice (1982). Ainda recorrendo às
considerações de Fiorin (2008a, 2008b, p. 166), é possível sintetizar tais con-
tribuições e o processo de consolidação da pragmática da seguinte forma:

O ponto de partida da Pragmática foram os trabalhos dos filósofos da linguagem


John Austin e Paul Grice. O primeiro diz que a linguagem não tem uma função
descritiva, mas uma função de agir. Ao falar o homem realiza atos. Por exemplo,
ao dizer Eu lhe prometo vir, o ato da promessa é realizado quando se diz Eu lhe
prometo. Grice mostra que a linguagem natural comunica mais do que aquilo
que se significa num enunciado, pois quando se fala, comunicam-se também
conteúdos implícitos. Quando alguém diz ao outro, que está se aprontando para
sair, São oito horas, ele não está fazendo uma simples constatação sobre o que
marca o relógio, mas dizendo Apresse-se; Vamos chegar atrasados.

Assim, a perspectiva lançada pela pragmática reconhece que, ao articular


sentenças, o falante não está limitado a constatar passivamente aquilo que é
informado; ele efetivamente age em determinado contexto. Quanto ao conteúdo
da linguagem, a pragmática assume que há informações que são comunicadas
nos processos interativos sem serem explicitamente mencionadas. Rajagopalan
(2016, p. 198) também contempla essas constatações:

A Pragmática é um modo peculiar de olhar para a linguagem e estudá-la. Ela


encara a linguagem como ação, acima de qualquer coisa ou produzir certos
vocábulos. Em verdade, nós agimos de uma forma ou de outra ao optar por
falar alguma coisa para alguém. Ou, até mesmo ao optarmos por calar ao invés
de falar. A fala e mesmo a ausência de fala fazem parte de um ato bem mais
complexo. Ao falar, nós nos posicionamos no mundo diante das situações
nas quais nos encontramos e diante das questões que surgem. E isso tem
desdobramentos políticos, entre outros.

Nesse ponto, percebe-se que há uma interface entre a pragmática e a análise


do discurso. Para demonstrar tal interface, cabe definir, mesmo que brevemente,
o que se afirma sobre a análise do discurso:

Em resumo, o que a Análise do Discurso se propõe é não reduzir a função da


linguagem apenas a informar, a comunicar ou a persuadir. Trabalhando com
as condições de sentido, a Análise do Discurso busca pontuar o confronto
político-ideológico que historicamente se materializa no discursivo (SOUZA,
2016, p. 126).
6 Pragmática: definição e situação no campo da linguística

Assim, a partir dessas considerações analíticas e definicionais, é possível


apreender que as condições de sentido consistem em aspectos pragmáticos
que veiculam processos discursivos de cunho político-ideológico. Em outras
palavras, os aspectos pragmáticos são traços que podem ser resgatados no
discurso de modo a evidenciar referências socioculturais que se materializam
historicamente na fala por meio de convenções e estratégias linguísticas.
Em termos práticos, tal interface entre pragmática e análise do discurso se
concretiza no setor da educação. A partir do referencial teórico composto por
essas duas áreas, é possível propor diversos encaminhamentos para investigar
a materialidade da linguagem — seja na língua oral, seja na língua escrita —,
bem como as suas variadas formas de significação e interpretação.
Capperucci (2010, p. 60) discorre sobre essa relação no campo da educação
ao reconhecer que as práticas pedagógicas no Brasil tendem a não estimular
os alunos a se constituírem com leitores ativos da linguagem e dos processos
de ensino e aprendizagem:

Considerada a importância da linguagem, dentro da educação pretendemos


ampliar a discussão sobre a necessidade de analisar os discursos implícitos
e explícitos no contexto educativo com o objetivo de ascendermos linguis-
ticamente na capacidade de verificarmos nas ideologias subjacentes nos
documentos que regem a educação brasileira, seus reais objetivos, e assim,
partindo de uma visão sem estereótipos discutirmos possibilidades de rupturas
para novas direções.

Assim, se a análise do discurso se propõe a recuperar os processos de cons-


trução e socialização do conhecimento, a pragmática investiga os mecanismos
linguísticos e os aspectos contextuais que os sustentam. Veja o que Fiorin
(2008a, 2008b, p. 181) afirma sobre essa relação entre discurso e pragmática:

Todos esses mecanismos produzem efeitos de sentido no discurso. Não é


indiferente o narrador projetar-se no enunciado ou alhear-se a ele; simular
uma concomitância dos fatos narrados com o momento da enunciação ou
apresentá-los como anteriores ou posteriores a ele; presentificar o pretérito;
enunciar um eu sob a forma de um ele.

Alinhar ambas as áreas do setor da educação parece ser uma estratégia


certeira para o processo de renovação da educação brasileira. A ideia é
propor atividades e práticas pedagógicas que questionem as mensagens
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explícitas e implícitas implicadas nos discursos que circulam na sociedade


e nos documentos escolares — documentos pedagógicos, planos de aula,
avaliações, etc.

2 A noção de coerência pragmática e as regras


conversacionais
Fiorin (2008a, 2008b, p. 176) destaca que, no bojo da pragmática, há a ten-
dência, por parte de alguns estudiosos, de assumir que os comportamentos
linguísticos são determinados por regras ou princípios gerais de natureza
racional: “A maneira de utilizar a linguagem na comunicação é regida por
princípios gerais assentados em inferências pragmáticas [...]”.
Essa orientação teórico-metodológica conduziu Grice (1982) a propor
estudos dedicados a analisar tais princípios gerais. Como resultado de
seus esforços de análise, Grice (1982) propôs a noção de implicatura,
relacionada ao princípio da cooperação. Sinteticamente, Grice (1982)
afirma que esse princípio pode ser formulado do seguinte modo: que as
intervenções e contribuições do falante às interações ocorram conforme o
requerido pelo objetivo ou pela direção acordados durante a troca verbal
em que se está engajado.
O princípio da cooperação pode ser definido como um dispositivo geral
da comunicação que permite que os falantes deduzam e façam inferências,
também chamadas de “implicaturas conversacionais”, preenchendo lacunas
de sentido que se verificam, proposital ou inadvertidamente, em certos enun-
ciados. Considere o seguinte:

Segundo inúmeros estudiosos da Pragmática, ela é governada por um


Princípio de Cooperação, que exige que cada enunciado tenha um objeto
ou uma finalidade. Muitas vezes, os atos de fala não são manifestados
explícita, mas implicitamente e, portanto, só se percebe o objeto ou o
propósito de um enunciado quando se entendem esses implícitos (FIORIN,
2008b, p. 176).

Esse dispositivo está fundamentado em regras conversacionais, também


chamadas de “máximas conversacionais”. Essas regras são compartilhadas
pelos falantes por meio de um repertório de conhecimento. Tal repertório
8 Pragmática: definição e situação no campo da linguística

os conduz a reconhecer e recuperar o teor motivacional e intencional que


sustenta os enunciados de modo a preservar a coerência pragmática em
dada situação.
A coerência pragmática é um conceito central na organização da comunica-
ção. Basicamente, a coerência pragmática consiste numa esquematização linear
que supõe que uma resposta seja elaborada quando uma pergunta é enunciada.
É por meio da coerência pragmática que os atos de fala se organizam, sendo
orientados pelas regras ou máximas conversacionais de Grice (1982).
A seguir, veja uma síntese das regras ou máximas conversacionais de
Grice (1982).

 Regra da quantidade: a contribuição deve conter o tanto de informação


exigida; ela não deve conter mais informações do que é exigido.
 Regra da qualidade: a contribuição deve ser verídica; não se deve
afirmar o que se pensa que é falso e não se deve afirmar coisa de que
não se tem provas.
 Regra da relação (da pertinência): a colaboração não deve abordar o
que não é concernente ao assunto tratado (deve ser pertinente).
 Regra da maneira: a colaboração deve ser clara, não obscura; deve-se
evitar a ambiguidade, ser breve (evitar prolixidade inútil) e falar de
maneira ordenada.

Tais regras podem ser infringidas durante uma interação. É justamente


nessa ocasião que as implicaturas são ativadas com vistas a preservar o encami-
nhamento da conversação. No entanto, é importante ressaltar que as infrações
às regras conversacionais não devem ser assumidas nem como ocorrências
prejudicais à comunicação, nem como ocorrências favoráveis a ela.
Durante um enunciado, o falante mobiliza estratégias com base em referên-
cias socioculturais com vistas a expressar a sua intencionalidade no discurso.
Logo, as infrações podem ser cometidas de modo a atender à sua orientação
de expressão comunicativa.
Por essa razão, as infrações às regras conversacionais devem ser entendi-
das como componentes da competência comunicativa dos falantes. Elas são
provocadas quando os interlocutores enquadram a situação de fala conforme
as suas motivações e percepções. As infrações podem impossibilitar que o
processo comunicativo ocorra, mas não necessariamente. A seguir, no Quadro
1, veja alguns enunciados que exemplificam tais infrações.
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Quadro 1. Infrações às regras conversacionais

Tipo de violação Descrição Exemplos

Violação à regra da Nesse caso, viola-se a regra da — Você por aqui!


quantidade quantidade pois uma informação — Não, já fui embora.
evidente é verbalizada, comprome-
tendo a utilidade informacional.

Violação à regra da A regra da qualidade é infringida — Este é um exce-


qualidade quando o interlocutor demonstra lente carro!
desdém, exagero ou ironia, deixando — É, até que serve.
claro que o que é afirmado não con-
diz com o que ele realmente pensa.

Violação da regra A regra da relação é violada quando —Você tem um mi-


da relação (da um dos interlocutores não se engaja nuto para conhecer a
pertinência) no tópico proposto, expressando nossa organização?
uma informação que não é perti- — Desculpe, estou
nente e provocando uma interrup- com pressa. Preciso
ção ou mudança de tópico. trabalhar.

Violação da regra A regra da maneira é desrespeitada — Você trabalhou


da maneira quando os interlocutores optam por quanto tempo
por se manifestar de tal modo que a com ela?
informação solicitada não é direta- — O suficiente.
mente respondida, envolvendo, em
geral, ambiguidades, multiplicidade
de sentidos e obscuridades. Aqui, a
resposta dada pode consistir num
empecilho para o acesso à informa-
ção, ou pode revelar informações
implícitas que ultrapassam o que foi
indagado em princípio.

Alinhando os conceitos
Os conceitos discutidos até aqui não devem ser compreendidos como exclu-
dentes, e sim como complementares. Para compreender melhor, observe a
Figura 2, que esquematiza as definições abordadas.
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Figura 2. O domínio da pragmática e seus elementos interacionais.

A pragmática consiste num segmento da linguística cujo enfoque é o uso


da linguagem que se orienta pela coerência pragmática. Isso significa que as
interações se constituem de modo a serem pragmaticamente coerentes. Por
exemplo, para toda pergunta, se espera que haja uma resposta comunicati-
vamente compatível. A condição para que a coerência pragmática ocorra é o
princípio da cooperação.
Operante, o princípio da cooperação preconiza que as interações sejam
regidas por um propósito, objeto ou finalidade decodificado e reconhecido
pelos interlocutores sempre que eles intervêm. Como você viu na Figura 2,
tal princípio da cooperação se desdobra em quatro regras ou máximas con-
versacionais: a regra conversacional da quantidade, a regra conversacional
da qualidade, a regra conversacional da relação e a regra conversacional
da maneira.
Embora tais regras estejam implicadas no princípio da cooperação, é
importante considerar que nem sempre elas serão efetivamente empre-
gadas. Nesse caso, ocorrem infrações, propositais ou não. É importante
ressaltar que as infrações não são nem necessariamente negativas, nem
necessariamente positivas. Essas eventuais violações são componentes
da competência linguística do falante, que pode manipular os recursos da
linguagem conforme o seu entendimento dos enunciados e a sua intencio-
nalidade comunicativa.
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3 Funcionalismo e pragmática: um possível


alinhamento teórico-metodológico
A abordagem funcionalista da pragmática está vinculada ao que se entende
por abordagem funcional dos estudos da linguagem. Sobre o funcionalismo
e a pragmática, Halliday (1978, p. 126) argumenta:

Se podemos variar nosso nível de formalidade ao falar ou escrever, ou passar


livremente de um tipo de contexto para outro, usando a língua ora para planejar
uma atividade organizada, ora para pronunciar uma conferência, ora para
manter disciplinadas as crianças, é porque a natureza da língua é tal que tem
todas essas funções integradas em sua capacidade total.

O funcionalismo é uma vertente de análise das diferentes áreas da lin-


guística — entre as quais figura a pragmática. Ele se orienta pelo estudo da
língua em suas atribuições funcionais. A partir desse viés de análise, a função
comunicativa não é apenas uma particularidade da linguagem humana; ela
pressiona e molda o sistema linguístico como um todo. Veja o que Marques
(2006, p. 2) pontua:

A forma estrutural da língua é como é devido aos seus diferentes modos


de uso, às suas diferentes funções sociais. Essas funções se referem ao
fato de que quando nos comunicamos estamos inseridos em contextos
diversos e variados que requerem do falante a utilização de expressões
que sejam adequadas a cada situação. Sendo assim, o uso da língua de-
termina a sua estrutura.

O posicionamento do autor revela a pertinência de se avaliar a relação


existente entre as perspectivas funcionalistas. Se o funcionalismo está de-
dicado a investigar como o uso linguístico modela as estruturas formais da
língua, então a pragmática, por contemplar as condições que regem os usos
linguísticos, oferece um amplo respaldo teórico para que esse processo seja
investigado.
Complementarmente, Modesto (2006, p. 24) afirma que, a partir do con-
texto situacional, o falante elege o uso linguístico a ser empregado em sua
produção linguística:
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A partir do contexto situacional, o falante seleciona o registro a ser utilizado


em sua atuação linguística. Suas escolhas no ato comunicacional estão ligadas
ao papel que assume na interação verbal. A escolha depende, portanto, da
intenção do falante, da forma que ele considera adequada emitir sua informação
pragmática e de como ele deseja que o destinatário a receba e retorne a ele.

Assim, o falante e o ouvinte, os interlocutores, compartilham um conheci-


mento mútuo que, quando socializado durante uma interação, desencadeia dois
processos interativos: um de expressão de intenções e outro de interpretação
de intenções. Pragmaticamente, os interlocutores nesses processos recorrem
a certos usos linguísticos para que sejam sustentados comunicativamente.
A depender do contexto, um dos falantes pode optar por assumir uma
posição mais ambígua e não responder diretamente ao que lhe foi indagado.
Em outras ocasiões, o falante pode se mostrar mais cooperativo, com vistas
a demonstrar maior comprometimento em atender aos questionamentos que
lhe foram direcionados. Além disso, um dos falantes pode priorizar o caráter
informacional, oferecendo mais informações do que de fato foi requerido. Nes-
ses e em outros casos, a concretude da linguagem mobiliza usos linguísticos,
que são manipulados pelas intenções e estão subordinados às motivações dos
falantes engajados em uma situação interacional.
Com base no esquema denominado “Top-Down”, proposto por Levelt (1989)
com vistas a clarificar a relação entre funcionalismo, discurso e pragmática,
é possível verificar que o processo de produção da fala parte da intenção
em direção à expressão linguística. Inicialmente, o falante decide qual vai
ser o seu propósito comunicativo, por meio de informações contextuais e
pragmáticas. Depois, ele seleciona a informação que melhor se adéqua para
que o seu objetivo seja atingido. Tal informação é gramatical e foneticamente
codificada, de modo que ocorre articulação, resultando, por fim, na expressão
da intencionalidade que desencadeou todo esse processo.
Ao contrário do que se supõe em outras vertentes linguísticas, os falantes
não selecionam passiva e mecanicamente os usos linguísticos com base no que
a situação de fala demanda. Na realidade, há uma interação de forças linguís-
ticas que moldam e pressionam a função dos usos (funcionalismo) por meio de
recursos da linguagem que são agenciados (pragmática), consolidando, assim,
as intenções dos falantes engajados em determinada situação comunicativa.
Pragmática: definição e situação no campo da linguística 13

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Leituras recomendadas
CANÇADO, M. Atos de fala e implicaturas conversacionais. In: CANÇADO, M. Manual
de semântica: noções básicas e exercícios. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
MOURA, H. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e prag-
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