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ATO JURÍDICO, CRÉDITO E TÍTULO EXECUTIVO

A distinção entre crédito e ato (ou fato) constitutivo do crédito parece ser, no
contexto da discussão sobre o conceito de título executivo, um tanto quanto artificial. O que
não quer dizer, todavia, que não seja de extrema importância a controvérsia, levantada por
Medina, que conduz à conclusão da artificialidade da mencionada distinção, nem a
utilidade de, em outros contextos, dessa distinção ser feita significativamente. Com efeito,
no contexto da discussão sobre o conceito de título, “crédito” há de ser entendido como
sinônimo de “direito subjetivo”. Assim, tanto “crédito” como “direito subjetivo” são termos
que devem ser compreendidos como expressão elíptica para designar uma situação
extremamente complexa, a qual, no contexto de um processo de execução, poderia ser
assim expressa: “posição de vantagem de um sujeito frente a outro decorrente do
enquadramento de um fato (sobretudo um ato) em uma hipótese legal de uma norma, cujo
comando prevê, precisamente, aquela posição de vantagem”. Na realidade, no discurso
jurídico em geral é comum esse modo “econômico” de expressão, dada a extrema
complexidade da realidade jurídica. Assim, é já assentado, em teoria do direito e da norma
jurídica, que a expressão “direito subjetivo”, da qual “crédito” é um sinônimo, repita-se,
representa uma “figura de linguagem”, uma mera “ferramenta lingüística”.

Dessa forma, não se pode considerar a existência isolada de uma “posição subjetiva
de vantagem”, com total abstração da norma e do fato de cujo encontro resulta tal posição.
Se é verdade que se possa perceber, nesse complexo fenômeno referido linguísticamente
com a expressão “direito subjetivo”, a norma, o fato e a posição de vantagem, esta posição
de vantagem só adquire sentido por referir-se, ainda que de modo implícito e meramente
pressuposto, aos outros dois aspectos mencionados. Mutatis mutandis é o mesmo que
ocorre com as duas faces de uma moeda, as quais, mesmo podendo ser percebidos como
distintas, pressupõem-se mutuamente de tal forma que só é significativo falar em “cara”
como a “outra face” da “coroa”. Por tudo isso, enfim, ao se empregar os termos “crédito”
ou “direito subjetivo” não se está referindo apenas a uma posição subjetiva de vantagem –
parte mais visível, em determinados contextos, do fenômeno referido por aqueles termos –
mas também, necessariamente, a fatos (sobretudo atos) e normas, ou seja à subsunção de
um fato (ou um ato) em uma norma (mais precisamente, em uma hipótese legal ou suporte
normativo, ou ainda, fattispecie abstrata), que em sua conseqüência jurídica (vale dizer, em
seu comando ou em sua estatuição), de modo direto (qualificando uma conduta como
permitida) ou de modo indireto (qualificando uma conduta como obrigatória ou proibida)
estabelece, precisamente, a mencionada posição de vantagem de alguém, na realização de
um interesse.

Estabelecida essa premissa é possível, agora, aquilatar as críticas dirigidas por


Medina à teoria do título como representação documental do crédito. Tais críticas, como se
vai demonstrar, são de extrema valia, na medida em que forçam uma exposição mais clara
da teoria e das implicações que dela se pode extrair. Não trazem, todavia, uma refutação a
nenhuma das proposições que compõem o núcleo da referida teoria.

As idéias nucleares da teoria da representação documental podem ser assim


enunciadas: (a) o título executivo, embora consista sempre em uma documentação, não é
prova do crédito a ser satisfeito in executivis; (b) o juiz, aferindo a existência do título
executivo, limita-se a examinar tal documentação, sem investigar sobre a real existência do
crédito, nem do ato que lhe é subjacente; (c) o título executivo é já um “fragmento do
processo de execução”.

Ora, deve-se esclarecer que “prova da existência do crédito” é expressão elíptica


utilizada para designar algo mais complexo, a saber: “prova da ocorrência dos fatos
(rectius: da veracidade de uma hipótese consistente na afirmação de ocorrência de
determinados fatos) constitutivos do crédito ou direito a ser satisfeito”. Do contrário, estar-
se-ia empregando o termo “prova” de forma (logicamente) carente de sentido, já que, como
mais do que sobejamente sabido, o que se prova são fatos (rectius: hipóteses sobre fatos).
[isto não é excepcionado nem mesmo pelo art. do CPC, que fala em “prova do direito”.
Aqui, o que se prova ainda são fatos, a saber: o fato de existir uma tal norma (municipal,
estrangeira ou costumeira) com tal conteúdo.]
Feitos esses esclarecimentos, é possível agora compreender de que modo e dentro
de que limites, segundo a teoria da representação do crédito, o juiz pode e deve,
determinando se existe ou não o título executivo, conhecer aspectos do crédito, mais
precisamente, do ato ou do constitutivo de tal crédito.

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