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6.

3 Estrutura da norma jurídica

Na estrutura-tipo de uma norma jurídica completa, distinguimos:

a) A previsão legal ou hipótese legal que consagra, de forma geral e abstrata, uma situação de
facto ao definir as condições que se devem verificar para que a norma seja aplicável. Podemos
assim afirmar que as normas versam sobre realidades verificáveis e empíricas transpostas em
lei.

b) A estatuição ou injunção legal que determina as consequências jurídicas que resultam da


verificação em concreto da situação de facto que se encontra descrito em abstrato na previsão
da norma, ou seja, quando estamos perante um “caso real”. Estas consequências jurídicas
como resultado do caso concreto que ocorreu, isto é, a estatuição, podem manifestar-se sob
vários aspetos: por exemplo, na aplicação de sanções jurídicas (como, por exemplo, a
obrigação de indemnizar o lesado [artigo 483.º], ou a nulidade de um contrato que não
observa a forma legal [artigo 220.º]); na atribuição de direitos ou imposição de obrigações (isto
significa num contrato de compra e venda [artigo 874.º] o direito de exigir o preço da coisa
vendida e a obrigação de entregar a coisa [artigo 879.º, alíneas b) e c)]); na consagração de
estatutos jurídicos (por exemplo, o estatuto da menoridade atribuído no artigo 122.º), em
orientações ou instruções de condutas a adotar (como vemos no artigo 1323.º que enumera as
múltiplas obrigações do achador de um animal perdido); entre outros mais;

Como exemplo do que acabamos de afirmar, vamos explicar a norma do artigo 483.º, n.º 1, do
Código Civil que consagra: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito
de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a
indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Aqui a previsão legal é “Aquele que,
com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal
destinada a proteger interesses alheios…”, sendo a consequência ou estatuição “fica obrigado
a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Cumpre ainda assinalar que a estatuição pode surgir antes da previsão, tal como sucede no
artigo 280º, do Código Civil cujos número 1 indica de imediato a estatuição ao dizer que é nulo
o negócio jurídico (n.º 1) cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou
indeterminável ou contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes (n.º 2, a
previsão) e o mesmo faz o artigo 892º. Algumas normas têm apenas a previsão, encontrando-
se a respetiva estatuição consagrada noutra norma, como é o caso do artigo 122º que
consagra a previsão “quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade”, constando a
estatuição no artigo 123º ao determinar “carece de capacidade para o exercício de direitos”.

6.4 Subsunção jurídica e silogismo judiciário

Deste modo as normas jurídicas, os artigos, preveem (ou descrevem), em abstrato, factos ou
comportamentos e seus efeitos ou consequências jurídicas. Sendo abstratos, contrapõem-se a
situações concretas (factos que efetivamente aconteceram na vida real). Estes factos ou casos
concretos são aferidos e subsumidos àquelas normas. As normas jurídicas funcionam agora
como instrumentos ou intermediários na aplicação do direito às situações concretas. As
situações concretas são agora analisadas para sabermos se são abrangidas ou não pela
previsão abstrata (pelo texto) da norma.

É difícil subsumir uma situação concreta à previsão abstrata da norma quando não é claro se o
seu texto inclui ou abrange a situação em causa; aqui devemos interpretar a norma e
apreender o seu sentido e alcance para decidir se ela é aplicável. Se as situações concretas não
cabem na previsão da norma a conclusão só pode ser que ela é inaplicável. Por outro lado, há
casos para os quais falta uma norma legal- a lei é omissa. Para estas situações a lei tem uma
ferramenta para preencher a lacuna, para superar a omissão, que é a integração das lacunas
na lei.

a) Desta maneira, confrontamos com a previsão ou hipótese legal abstrata da norma um caso
concreto, quer dizer, uma dada situação concreta ocorrida, e procedemos à subsunção desta
situação à norma- verifica-se se a situação concreta (o facto ocorrido) preenche os
pressupostos previstos e enunciados na previsão abstrata da norma legal, ou seja, se a
previsão legal está concebida para acolher a situação concreta.

Temos primeiro um facto, a situação verificada, a matéria de facto, e depois vamos procurar se
há uma norma que se pode aplicar ao facto que sucedeu. Há uma “dialética” entre o facto e a
norma. O facto deve ser apreendido e analisado tendo em vista uma norma que o pode
abranger; a norma, por seu lado, deve ser lida e aplicada ao facto que se lhe contrapõe,
apreendido nestes moldes:

subsumimos um facto (ou caso) concreto a uma norma redigida em abstrato. Tendo feito a
subsunção do caso concreto à previsão abstrata da norma, concluímos que existem os
pressupostos para as consequências jurídicas estatuídas na norma.

b) Recorremos aqui à figura do silogismo judiciário que apresenta as seguintes


particularidades: existe a premissa maior, que consiste na previsão da norma ou hipótese
legal, e a premissa menor, que corresponde à situação concreta a ser subsumida; por fim,
surge a conclusão da subsunção feita, ou seja, as consequências jurídicas enunciadas na
estatuição da norma.

No silogismo judiciário temos uma “atuação técnico-jurídica” que consiste na apreensão


rigorosa de todos os elementos relevantes da situação concreta ocorrida (do caso concreto) e
na subsunção do facto à norma pertinente ao proceder à verificação de se todos os
pressupostos enunciados em abstrato na sua previsão legal estão preenchidos ou não na
realidade do caso ou da situação concreta e, sendo a resposta afirmativa, por fim, na
conclusão quanto às consequências jurídicas.

Ao fazer esta operação nunca devemos perder o sentido da justiça ou da adequação quanto ao
resultado da subsunção, à conclusão a que chegámos. A subsunção, apesar de corresponder a
uma operação técnico-jurídica, não é um processo insensível, desligado da realidade social.

6.5 Os factos jurídicos e seus efeitos jurídicos

a) A previsão, a hipótese da norma, refere-se em abstrato a situações típicas da vida,


realidades empíricas, cuja verificação no caso concreto ocorrido desencadeia as consequências
jurídicas enunciadas na estatuição da norma. Os conceitos que a lei utiliza e com que descreve
os factos como situações típicas da vida são entendidos como elementos no sentido da lei.
Deste modo, os conteúdos dos conceitos legais podem afastar-se do significado naturalístico
ou originário das palavras usadas. Por exemplo, os conceitos de “arma” ou de “coisa” quando
utilizados pela lei são conceitos em sentido jurídico. Contudo, os conceitos jurídicos não
contrariam o significado originário das palavras, não se lhe opõem fundamentalmente, mas
adaptam-no à linguagem da lei.
Por isso, quando resolvemos um caso temos de aprender a ler já o próprio caso concreto, os
factos, a analisar e a subsumir à previsão normativa, a partir de uma perspetiva jurídica. A
“questão de facto” não é uma simples apreciação de dados, mas implica na sua “leitura” a
inclusão de uma perspetiva jurídica dentro da lógica do sistema: a verificação do alcance do
preceito legal para captar a relevância jurídica dos factos em análise, ou seja, quais são, entre
vários, os factos decisivos.

b) Os factos aqui em questão são unicamente os factos com relevância jurídica, factos de que
resultam efeitos jurídicos, isto é, efeitos quanto à constituição (e aquisição), modificação ou
extinção de direitos subjetivos ou relações jurídicas e os deveres correspondentes, mas não os
factos ajurídicos. Distinguimos assim entre factos ajurídicos e factos jurídicos.

Um facto jurídico afeta a situação jurídica de uma pessoa e os seus direitos. Deste modo é
facto jurídico todo o acontecimento – natural (involuntário) ou humano (voluntário) – que
produz efeitos jurídicos para alguém. Acontecimentos que não produzem efeitos jurídicos são
factos ajurídicos.

Portanto, factos jurídicos são atos humanos (voluntários) ou acontecimentos naturais,


independentes da vontade humana (involuntários) que produzem efeitos jurídicos, isto é,
efeitos juridicamente relevantes.

c) Neste contexto devemos distinguir o facto jurídico em si, que acontece sem a vontade
humana ou é provocado por ela, e os seus efeitos jurídicos ou consequências jurídicas que
resultem do facto.

Os efeitos jurídicos podem verificar-se de imediato, como sucede, por exemplo, com o efeito
da transferência imediata do direito da propriedade no momento da conclusão do contrato de
compra e venda (artigos 879.º, alínea a), e 408.º, n.º 1), ou pode haver um desfasamento entre
a ocorrência do facto e a produção dos seus efeitos. Podemos dar o exemplo do artigo 408.º,
n.º 2, que se refere a coisas futuras, no qual o efeito da transferência da propriedade fica
adiado ou diferido no tempo até ao momento em que a coisa futura venha a existir. Ainda
mais evidente, é o caso do testamento, um negócio jurídico unilateral cujos efeitos só se
produzem com a morte do testador, podendo acontecer que no momento da sua feitura o
testamento até seja nulo, mas no momento da produção dos seus efeitos já não o seja (artigo
2196.º, números 1 e 2). A distinção entre um facto jurídico e os efeitos que produz é crucial.

d) Entre os factos jurídicos involuntários (acontecimentos naturais) encontramos, por exemplo,


o nascimento, cujos efeitos jurídicos são a aquisição da personalidade (artigo 66.º, n.º 1), da
capacidade jurídica (artigo 67.º) ou o facto de a pessoa perfazer dezoito anos de idade com a
consequência da aquisição da maioridade (artigo 130.º); em muitos casos previstos na lei, o
simples decurso do tempo (artigos 296.º e seguintes) tem efeitos jurídicos como a prescrição,
a caducidade ou o não uso; o facto da acessão natural faz com que tudo o que acrescer “por
efeito da natureza” pertença ao proprietário (artigo 1327.º). Quer dizer, em relação aos factos
jurídicos involuntários é sempre a lei que determina os efeitos jurídicos, as consequências que
provêm de tais factos.

e) Quanto aos factos jurídicos voluntários, produzidos pela vontade humana, devemos
distinguir o próprio facto, que é sempre provocado pela vontade que está na sua origem dos
efeitos jurídicos produzidos pelo facto.
Enquanto o facto resulta sempre da vontade humana, os seus efeitos jurídicos são, tal como
acontece com os factos jurídicos involuntários, determinados pela lei, existindo apenas uma
única exceção: no caso do negócio jurídico os efeitos resultam da vontade de quem o celebrou
(efeitos jurídicos pretendidos).

f) Para percebermos o alcance desta afirmação devemos ter em conta que os factos jurídicos
voluntários respeitam a uma multiplicidade de situações. Assim, os factos jurídicos voluntários
subdividem-se em factos ilícitos e factos lícitos. Em conjunto, são designados por atos jurídicos
em sentido amplo. Estes, por sua vez, subdividem-se em atos jurídicos em sentido restrito e
negócios jurídicos. Os factos jurídicos voluntários são sistematizados do modo seguinte:

O esquema enunciado mostra-nos como os efeitos dos factos ilícitos e os efeitos dos vários
atos jurídicos em sentido restrito resultam sempre da lei. No caso dos factos ilícitos os efeitos
consistem numa sanção; sendo os factos lícitos, isto é, no caso dos atos jurídicos em sentido
estrito, os seus efeitos legais não têm carácter sancionatório, mas são bem aceites por quem
praticou o ato e muitas vezes até correspondem à sua vontade.

g) O Código Civil regula nos artigos 217º a 295.º os regimes dos factos jurídicos voluntários
lícitos- o regime do negócio jurídico nos artigos 217.º a 294.º e o regime dos atos jurídicos em
sentido estrito no artigo 295.º.

O artigo 295.º determina que aos atos jurídicos em sentido restrito, se aplicam as disposições
respeitantes aos negócios jurídicos na medida em que a analogia das situações o justifica.
Obviamente, a analogia não se refere às disposições que respeitam aos efeitos dos negócios
jurídicos. Estes efeitos decorrem da vontade; pelo contrário, os efeitos dos atos jurídicos em
sentido restrito são determinados pela lei; sendo assim, no que respeita aos efeitos, as
situações não são comparáveis e aqui não pode haver analogia. Apenas as disposições que
respeitam à vontade de produzir o facto voluntário, aos pressupostos do negócio jurídico, por
um lado, ou aos dos atos jurídicos em sentido restrito, por outro, podem, conforme a natureza
do ato jurídico em sentido restrito, ter relevância para a analogia.

7. Da relação jurídica e dos sujeitos da relação

7.1 Da relação jurídica e do estado da pessoa

Dos efeitos jurídicos produzidos pelo facto jurídico pode resultar uma relação jurídica que
estabelece um vínculo entre duas ou mais pessoas – pessoas em sentido jurídico – ou ainda
um estado da pessoa (status; o estado pessoal; o estado civil) que define a situação ou uma
qualidade da própria pessoa.

(1) Sendo o facto jurídico criador de uma relação jurídica entre duas ou mais pessoas estas
passam a ser os sujeitos desta relação com os seus direitos e deveres recíprocos, ou seja, fica
estabelecida uma vinculação jurídica mútua cujo conteúdo – no caso de ter sido celebrado um
negócio jurídico – é determinado pela vontade das próprias pessoas. Os efeitos jurídicos
produzidos pelo facto consistem, tal como referido anteriormente, na aquisição, modificação
ou extinção de um direito subjetivo (absoluto, relativo ou potestativo) por um dos sujeitos e a
imposição de um dever jurídico ao outro (que é uma obrigação ou uma sujeição).

Contudo, no caso de o direito adquirido envolver uma atribuição patrimonial (por exemplo, a
aquisição da propriedade) ou consistir no estabelecimento de um estado civil (por exemplo, o
estado de casado) o conteúdo do direito ou do estado civil é determinado em abstrato pela lei
e não pela vontade dos sujeitos da relação. Deste modo, o artigo 1305.º enuncia os poderes
que caracterizam a propriedade e o artigo 1577.º define o casamento como um contrato,
portanto um negócio jurídico (um facto jurídico voluntário), cujos efeitos resultam da lei.

Assim, o facto jurídico dá origem à constituição, aquisição, modificação ou extinção de direitos


subjetivos. Uma relação jurídica é por isso uma relação social juridicamente relevante. Trata-se
de um vínculo jurídico, um vínculo normativo.

À atribuição de um direito subjetivo (absoluto ou relativo) corresponde uma obrigação e o


respetivo direito de exigir o seu cumprimento.

De uma obrigação distingue-se um ónus. O cumprimento de um ónus não pode ser exigido
uma vez que não lhe corresponde um direito subjetivo de ninguém. O ónus é uma “obrigação”
que uma pessoa tem em relação a si mesma, de ser cuidadosa nos assuntos que lhe dizem
respeito para não sofrer desvantagens, mas não em relação a uma outra pessoa. Deste modo,
o ónus não é nenhuma obrigação no sentido próprio que se caracteriza pela situação em que
temos um devedor ao qual o credor pode exigir ou pretender o cumprimento da sua
obrigação. A observância de um ónus tem como consequência a obtenção de vantagens ou
o evitar de desvantagens na pessoa à qual incumbe o ónus. Como exemplo podemos referir o
ónus de proteger a casa antes de ir para férias, ou de promover o registo após a compra de um
objeto sujeito a registo. Não observando o ónus, o “obrigado” sofre os resultados negativos do
seu comportamento negligente. Por exemplo, o seguro não indemniza os prejuízos sofridos
por um furto se a casa não estava devidamente fechada ou o comprador que não regista o
contrato de aquisição de um bem sujeito a registo vê a sua propriedade perdida por ter sido
adquirida por um terceiro de boa-fé.
(2) O facto jurídico, para além do efeito de ser criador de uma relação jurídica, pode originar
ainda, e simultaneamente, a aquisição de uma qualidade jurídica para uma pessoa, um estado
(status) da pessoa, e esta qualidade condiciona o seu modo de estar no mundo jurídico. Por
exemplo, ter ou não a nacionalidade portuguesa, ser menor ou maior, ser solteiro, casado ou
divorciado. O conteúdo do estado civil ou pessoal é, como explicámos, determinado pela lei. É
do estado civil ou pessoal que depende se e como as pessoas podem estabelecer relações
jurídicas. Por exemplo, quem está casado no regime da comunhão de adquiridos só pode
dispor dos seus bens imóveis, se o outro cônjuge tiver prestado o seu consentimento (artigo
1682º A). E um menor não tem capacidade para participar no tráfico jurídico negocial (artigo
123.º).

7.2 Da personalidade e capacidade jurídicas das pessoas em sentido jurídico

(1) As relações jurídicas são estabelecidas entre pessoas, pessoas em sentido jurídico. Elas são
os sujeitos da relação jurídica, assumindo os seus efeitos. Pessoa em sentido jurídico é apenas
quem possuir personalidade jurídica.

As pessoas em sentido jurídico são:

1. as pessoas singulares, ou seja, os homens, as pessoas naturais;

2. as pessoas coletivas que são conjuntos de pessoas ou de bens devidamente organizados


cujo objetivo é a realização de um fim comum que ultrapassa as potencialidades individuais.
Temos por exemplo as associações que visam fins ideais ou culturais ou desportivos ou outros
benefícios dos associados, mas não têm como fim o lucro dos associados. As sociedades, por
seu lado, procuram o lucro.

As pessoas singulares adquirem a personalidade no momento do nascimento completo e com


vida (artigo 66.º, n.º 1), enquanto as pessoas coletivas adquirem a personalidade por meio de
um reconhecimento (artigo 158.º).

7.2.1 A aquisição de personalidade e capacidade jurídica das pessoas singulares

A norma do artigo 66., n.º 1, assenta na premissa jusnaturalista que a natureza do homem está
pré-fixada, restando ao direito positivo apenas aceitá-la. Por isso mesmo, a personalidade da
pessoa singular resulta do facto biológico do nascimento e, precisamente por causa disso, não
é atribuída pela lei e não está à disposição do legislador. O mesmo também sucede com o
termo da personalidade que se extingue com a morte (artigo 68.º, n.º 1).

Da personalidade flui a capacidade jurídica da pessoa, que é uma qualidade, mais


precisamente, de poder ser sujeito de relações jurídicas, de ser titular de direitos subjetivos e
de obrigações (artigo 67.º). Contudo, a este respeito devemos diferenciar:

Para as pessoas singulares ter a capacidade jurídica significa que, por regra, todas podem ser
sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário (artigo 67.º). As
disposições legais em contrário respeitam a situações em que a natureza do homem, ou seja, a
sua evolução física e mental impede objetivamente que ela por não ter a idade ou o
discernimento suficiente possa vir a ser sujeito de determinadas relações jurídicas sendo elas
estritamente pessoais, isto é, não lhe é possível casar, perfilhar e testar. Excetuadas estas
situações, ressalvadas nos artigos 1600.º, 1850.º, n.º 1, e 2188.º e em princípio temporárias, a
capacidade jurídica é ilimitada.
Juntamente com a personalidade, a pessoa singular adquire os direitos de personalidade
(artigos 70.º a 81.º) que são direitos inatos, originários (com a exceção do direito ao nome),
absolutos e inseparáveis da personalidade jurídica.

7.2.2 A aquisição de personalidade e capacidade jurídica das pessoas coletivas

Como referimos, as pessoas coletivas adquirem a personalidade por meio de um


reconhecimento (artigo 158.º), ou seja – ao contrário da personalidade jurídica das pessoas
singulares – a personalidade das pessoas coletivas é lhes conferida através de um ato
atributivo, o reconhecimento, por lei ou ato administrativo. A personalidade está à disposição
do legislador. Por isso, de modo semelhante como a lei atribui a personalidade, também a
pode retirar em casos justificados. Deste modo, as pessoas coletivas são criações da ordem
jurídica e por isso são também designadas por “pessoas jurídicas”. Elas têm na sua base, na
realidade social, como substrato um conjunto de pessoas e/ou de bens, organizado com vista à
realização de um fim comum, ao qual a lei em atenção aos fins relevantes que se pretendem
alcançar atribui a personalidade jurídica.

Simultaneamente, as pessoas coletivas adquirem também a capacidade jurídica (artigo 160.º)


que, ao contrário da capacidade ilimitada das pessoas singulares, abrange apenas todos os
direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins. Vale para a
capacidade jurídica da pessoa coletiva o princípio da especialidade do fim (do fim comum). O
artigo 160.º do Código Civil é, igualmente como o artigo 158.º, uma norma guia para todo o
direito privado.

As pessoas coletivas têm também direitos de personalidade, e entre eles, precisamente o


direito ao nome. É já por meio deste direito que fica patente que as pessoas coletivas têm uma
esfera jurídica própria que não se confunde com as esferas jurídicas das pessoas que formam o
seu substrato.

Existe uma separação rigorosa entre as esferas jurídicas das pessoas coletivas e das esferas
jurídicas das pessoas singulares que formam o seu substrato. Trata-se de pessoas conceitual e
juridicamente diferentes. Por conseguinte, tem de haver também uma estrita separação dos
patrimónios, nomeadamente a respeito da responsabilidade por dívidas, pois trata-se em
qualquer caso de pessoas com personalidades jurídicas autónomas próprias e mutuamente
independentes. Deste modo, a responsabilidade da pessoa coletiva fica circunscrita ao
património desta assim como a responsabilidade da pessoa singular que integra o seu
substrato pessoal fica delimitada pelo seu próprio património. O princípio da separação dos
patrimónios é um princípio elementar do direito das pessoas coletivas.

7.2.3 As capacidades negociais de exercício e de gozo; a capacidade delitual

Tendo as pessoas capacidade jurídica (artigos 67.º e 160.º), ou seja, a suscetibilidade de serem
titulares de direitos e obrigações, precisam, todavia, de mais uma capacidade que é a
capacidade para poder adquirir estes direitos e de assumir as suas obrigações. Para o efeito as
pessoas têm de agir, de participar no tráfico jurídico negocial, e é por isso que precisam da
necessária capacidade de agir. De novo vamos diferenciar entre pessoas singulares e pessoas
coletivas.

(1) As pessoas singulares adquirem a capacidade de agir e de participar no tráfico jurídico


negocial com a maioridade na medida em que o artigo 130.º proclama: “Aquele que perfizer
dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos (…).” Esta capacidade
permite aos maiores a participação no tráfico jurídico negocial.

a) A capacidade negocial de exercício é indispensável para uma pessoa poder participar


validamente, por atos próprios e com efeitos jurídicos, no tráfico jurídico negocial geral, ou
seja, celebrar negócios jurídicos ou praticar atos quase negociais. Os menores (artigo 122.º)
carecem da capacidade de exercício (artigo 123.º); sendo assim incapazes não podem praticar
validamente atos próprios com efeitos jurídicos válidos. Para evitar que fiquem excluídos do
tráfico jurídico geral a lei prevê que a sua incapacidade é suprida por um representante legal
que age em seu nome. O representante substitui o menor somente no agir, no simples praticar
do negócio, no adquirir, nada mais. Nunca o representante se torna titular dos direitos e
obrigações que negociou; estes cabem sempre ao menor como sujeito da relação jurídica pois
possui a capacidade jurídica para ser titular de direitos e obrigações.

Além de os incluir no tráfico jurídico negocial por meio da representação legal, a lei prevê em
atenção ao estado de maturidade dos menores as necessárias exceções à sua incapacidade
que lhes permitem a sua inclusão gradual no tráfico jurídico ao praticar determinados atos
negociais que já estão ao seu alcance, nomeadamente com base no artigo 127º.

Ainda devemos acrescentar que, além dos menores, há também maiores que – embora
tenham capacidade de exercício – não participam plenamente no tráfico jurídico negocial
quando são beneficiados pelo regime do maior acompanhado. As causas que tornam o
acompanhamento necessário estão referidas no artigo 138.º, ou seja, a impossibilidade de o
maior – ao contrário da situação normal prevista pelo artigo 130.º – poder exercer plenamente
os seus direitos. O âmbito do acompanhamento limita-se ao necessário e as medidas são
escolhidas pelo tribunal entre as previstas no artigo 145.º e uma delas pode ser a
representação legal.

b) Não se tratando da participação no tráfico jurídico negocial geral, mas da prática de


negócios de natureza estritamente pessoal, ou seja, negócios que só podem ser celebrados
pelo próprio (casamento, perfilhação e testamento) as pessoas necessitam da capacidade
negocial de gozo a que se referem os artigos 1600.º, 1865.º, n.º 1, e 2188.º. A falta da
capacidade negocial de gozo não é – ao contrário da falta da capacidade de exercício – suprível
em virtude da natureza estritamente pessoal do negócio e tem como consequência que este
não pode ser validamente celebrado por ninguém.

c) Quando a capacidade de agir respeitar à capacidade negocial de exercício e/ou à capacidade


negocial de gozo os atos praticados referem-se a negócios jurídicos e a atos jurídicos em
sentido estrito, ou seja, factos jurídicos voluntários lícitos (= atos jurídicos em sentido amplo).
Mas também podem ocorrer factos jurídicos ilícitos (ver artigo 483.º e seguintes). Para
cometer estes é necessário que quem os pratica tenha capacidade delitual (artigo 488.º, n.º 1),
quer dizer, seja imputável e, com isso, capaz de agir com culpa. A falta de imputabilidade
presume-se nos menores de sete anos (artigo 488.º, n.º 1).

(2) Finalmente, quanto à capacidade de agir das pessoas coletivas: As pessoas coletivas não
podem ser menores nem podem celebrar negócios estritamente pessoais e de modo igual
também não podem beneficiar do regime do acompanhamento. A sua capacidade de
participar no tráfico jurídico geral adquire-se, juntamente com o a aquisição da personalidade
e a capacidade jurídica correspondente, com o reconhecimento e está condicionada à partida
pelo princípio da especialidade do fim. A sua participação no tráfico jurídico geral é assegurada
na medida em que age por meio da representação orgânica ou voluntária (consagrada no
artigo 163.º) e daí pode incorrer em responsabilidade contratual, enquanto a sua
responsabilidade extracontratual (e delitual) decorre do artigo 165.º, ao assumir os efeitos de
determinados atos praticados por agentes ao serviço da pessoa coletiva.

7.3 Resumo

Em relação às pessoas em sentido jurídico podemos desenhar o esquema seguinte:

Ler: J. Baptista Machado, pp.79-82, 82-86, 86-88, 91-93.

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