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10.

3 Outros meios de tutela jurídica

Para além dos meios de tutela que acabam de ser referidos a ordem jurídica conhece outros
instrumentos para proteger ou defender direitos subjetivos ou assegurar o cumprimento de
obrigações. A este respeito distinguimos medidas protetoras anteriores ou posteriores a um
ato lesivo.

10.3.1 A tutela preventiva impeditiva

As medidas de tutela preventiva visam impedir, antes de elas se poderem concretizar,


violações de direitos ou da ordem jurídica e destinam-se a evitar que se verifiquem. Estas
medidas resultam de intervenções de entidades públicas. Como exemplos temos autorizações
prévias em certos casos (antes de se fazerem queimadas), providências policiais (para garantir
que manifestações se realizem pacificamente), medidas de segurança (colocar certas pessoas
consideradas perigosas numa situação que as impeça de cometer condutas ilícitas criminais-
internamento em estabelecimento para tratamento), decisões judiciais provenientes de
procedimentos cautelares (pertencem aqui as providências adequadas previstas no artigo 70.º,
n.º 2, com o fim de evitar a consumação da ameaça da violação de um direito de
personalidade).

Portanto, estas medidas da tutela preventiva surgem ainda antes da violação do direito ou da
ordem jurídica, tentando evitar que ela se concretize.

10.3.2 Meios de tutela preventiva compulsivos

a) As medidas compulsivas podem ser tomadas por entidades públicas para obter um
determinado comportamento. Para o efeito visam pressionar, compelir para a conduta
pretendida. Como exemplos, podemos apontar o artigo 101.º da antiga Organização Tutelar de
Menores que previa prisão para forçar o pagamento de alimentos devidos a menores. Outra
forma de compelir aquele que está obrigado a cumprir uma obrigação é a advertência ou
ameaça de que, caso não cumpra, incorrerá na obrigação de pagamento de juros, que é o que
sucede por exemplo quando não se procede ao pagamento dos impostos dentro do prazo.
Outro exemplo é a obrigatoriedade de fazer o registo sob pena, além da multa devida, da
inoponibilidade ou da inatendibilidade do facto jurídico não registado com as consequências
graves que daí resultam e que têm natureza punitiva.

As sanções pecuniárias compulsivas são outro exemplo de meio de tutela compulsiva e


consistem na determinação de certa quantia pecuniária a pagar por cada dia de atraso no
cumprimento de uma decisão judicial para efetuar uma prestação de facto não fungível,
positivo (por exemplo, terminar uma obra que exige conhecimentos específicos) ou negativo,
isto é, uma prestação que apenas pode ser realizada ou omitida pelo próprio devedor que é
insubstituível, conforme dispõe o artigo 829º-A. Contudo, as sanções pecuniárias compulsivas
perdem eficácia quando o devedor não dispõe de bens que se podem apreender.

b) Mas as medidas compulsivas podem também ser aplicadas entre privados. Como exemplos
temos, o direito de retenção (O titular do direito de retenção só pode reter a coisa se este tiver
conexão com o direito de crédito que visa garantir com tal retenção. Enquanto a coisa estiver
retida, o titular do direito de retenção é mero detentor da mesma, não existindo nem posse
nem propriedade sobre o bem, para efeitos legais), previsto de forma geral no artigo 754º e no
artigo 755º para casos especiais; ou a possibilidade de num contrato bilateral em que há
obrigações de prestar de ambas as partes, qualquer uma delas poder, na falta da prestação
que lhe é devida, invocar a exceção do não cumprimento do contrato e reter a sua
contraprestação; ou o estabelecimento de uma cláusula penal para garantir a pontualidade do
cumprimento sob pena do pagamento de um montante pecuniário por cada dia de atraso; ou
a faculdade – para o caso da impossibilidade culposa do devedor de cumprir o contrato – do
exercício do direito potestativo extintivo da resolução do contrato bilateral.

10.3.3 Os meios de tutela reconstitutivos

Os meios de tutela reconstitutivos são medidas protetoras posteriores a um ato lesivo e


constituem uma sanção típica do direito privado. O princípio e preferência do legislador é que
se reponha a situação do lesado tal e qual como ela existia antes da ocorrência da violação do
direito, tal como está previsto no artigo 562.º do Código Civil. Todavia, não sendo esta viável,
ou sendo insuficiente, a reconstituição natural cede lugar à fixação de uma indemnização por
equivalente em dinheiro (artigo 566º), que visa assegurar que o lesado não obtenha mais do
que corresponde ao dano que sofreu. Na fixação de uma indemnização, há que atender à
categoria dos danos conforme sejam patrimoniais ou não patrimoniais (morais).

Para os danos morais ou não patrimoniais (artigos 496.º e 493.º-A), ou seja, aqueles que não
são suscetíveis de avaliação pecuniária, mas que tenham gravidade e para os quais a
reconstituição natural é, logicamente, impossível a indemnização tem carácter de
compensação embora esta não apague o mal cometido e sofrido (semper aliquid haeret).

Já para os danos patrimoniais, em que é possível a sua avaliação pecuniária, ou seja, é possível
quantificá-los, para fixação do montante indemnizatório deve atender-se não só aos danos
emergentes, mas também aos lucros cessantes, conforme dispõe o artigo 564.º.

10.3.4 Os meios de tutela punitivos

a) Também os meios de tutela punitivas são medidas protetoras posteriores a um ato lesivo.
Temos aqui em primeiro lugar as sanções penais que punem a violação de bens fundamentais
das pessoas e da comunidade, infligindo um castigo, uma punição, ao infrator, mas sempre –
dentro do possível para não o excluir da vida social. Enquanto a responsabilidade penal pune a
violação de bens jurídicos da comunidade a responsabilidade civil sanciona a violação de bens
privados. Não obstante, responsabilidade penal e responsabilidade civil podem coincidir como
sucede, por exemplo, nos casos de violação de um direito de personalidade ou da destruição
de uma coisa.

b) Também no direito civil temos sanções com carácter punitivo, apesar de haver opiniões que
defendem que a lógica do direito civil é incompatível com este tipo de sanções.

Contudo, como exemplos típicos, podemos apontar a exclusão de um associado que falta
sistematicamente ao pagamento das quotas necessárias para a realização do fim da associação
ou que se recusa mesmo a contribuir para este fim, desde que os estatutos da associação
prevejam esta sanção e regulem o processo da sua aplicação; a punição com multas,
suspensão ou mesmo exclusão, de um praticante de desporto, amador ou profissional, por ter
assumido deliberadamente comportamentos antidesportivos tais como atos de violência ou
recurso ao doping; a fixação de indemnizações elevadas que vão para além do critério da
equivalência em casos de violação de direitos de personalidade (direitos à imagem ou
intimidade da vida privada) para dissuadir da repetição de atos semelhantes no futuro; a perda
do direito contratual adquirido a favor de um terceiro de boa fé por quem não observou o
ónus de o registar (aqui a intenção da lei é mesmo penalizar o prevaricador).
10.3.5 A negação de efeitos jurídicos como sanção

Finalmente, existem ainda sanções que apresentam características diferentes e que consistem
na negação dos efeitos pretendidos a factos voluntários lícitos, designadamente a negócios
jurídicos. Como sabemos no caso dos negócios jurídicos, celebrados por vontade das partes,
também os seus efeitos resultam da vontade de quem os realizou e estes efeitos produzem-se
por terem sido pretendidos pelas partes, como aliás já explicámos anteriormente.

Todavia, tudo isto pressupõe que a vontade que produziu os negócios jurídicos (e ainda atos
jurídicos em sentido estrito), esteja em conformidade com a lei, cujas regras foram observadas
porque é obrigatório agir dentro dos quadros da lei. Por outras palavras, tratando-se de factos
voluntários o processo da formação e da manifestação da vontade deve estar de acordo com a
lei. A não ser assim, a ordem jurídica não pode aceitar efeitos resultantes de uma vontade
“deficiente” como genuínos e por isso o negócio celebrado é inválido. A lógica é simples: se a
lei estabelece os pressupostos, ou condições, de validade para a celebração de um negócio é
evidente que apenas pode respeitar os efeitos pretendidos pelas partes se os pressupostos
legais estabelecidos para a validade deste negócio tiverem sido observados por elas. Não
sendo este o caso, a lei sanciona o negócio jurídico com a invalidade e, em resultado disso, os
efeitos pretendidos ficam inevitavelmente prejudicados.

Portanto, a invalidade dos negócios jurídicos (ou ainda de atos jurídicos que em princípio serão
atos jurídicos quase negociais) afeta os seus efeitos. Contudo, de acordo com a o grau de
gravidade da inobservância dos pressupostos legais, afeta-os efeitos com intensidades
diferentes.

Podemos, assim, distinguir entre:

a) a nulidade do negócio que significa, à partida, a não produção dos efeitos pretendidos por
quem o celebrou (as partes); todavia, isto não significa a total ausência de efeitos, uma vez que
no caso da nulidade de um negócio podem surgir efeitos negociais por determinação da lei;

b) a anulabilidade de um negócio, que leva à produção de efeitos provisórios, quer dizer, todos
os efeitos pretendidos produzem-se, mas sem qualquer estabilidade, de modo precário,
estando sujeitos à anulação que os destrói retroativamente como se tivesse havido nulidade;

[c) a determinação da falta de quaisquer efeitos negociais].

a) A nulidade do negócio

A nulidade do negócio é a consequência de terem sido desrespeitadas normas formais ou


materiais particularmente relevantes da lei que vão para além do mero interesse das partes e
afetam interesses públicos. Podemos referir, por exemplo, a necessidade de observar uma
forma legal (artigos 219.º, in fine, e 220.º), a obrigação de não ofender os bons costumes ou
violar a ordem pública (artigos 280.º, n.º 2, e 281.º), a exigência de respeitar disposições legais
de carácter imperativo (artigo 294.º) ou a condenação de negócios simulados (artigo 240.º, n.º
2), ou seja, o negócio jurídico viola normas jurídicas que protegem ou prosseguem o interesse
público.

Sendo o negócio jurídico nulo, a ordem jurídica não admite que possa produzir os efeitos
pretendidos pelas partes do negócio, sendo, todavia, possível que, por decisão da lei (e não
das partes) e em determinados casos por ela definidos, se atribuam ao negócio nulo ainda
efeitos com natureza negocial. Temos aqui o caso importante do artigo 892.º (e do artigo
939.º) que regula os efeitos da nulidade do contrato da venda de coisa alheia ou os casos da
conversão de um negócio nulo por lei (como, por exemplo, o artigo 1416.º, n.º 1, por efeito do
qual o título constitutivo nulo da propriedade horizontal importa a sujeição do prédio ao
regime da compropriedade).

A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (isto é, alguém que seja
afetado pelo negócio) e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artigo 286.º). A
declaração judicial de nulidade tem natureza declarativa (e não constitutiva) porque não é ela
que produz a nulidade, uma vez que a nulidade de um negócio nulo já existe desde o momento
da sua celebração e por conseguinte o negócio não produz os efeitos pretendidos. Sendo
assim, a sentença limita-se a constatar este facto e a declará-lo.

c) A anulabilidade do negócio

Nos casos em que se produzem os efeitos pretendidos pelas partes apenas de um modo
provisório, temos um negócio jurídico que é anulável. O negócio jurídico viola normas jurídicas
que protegem predominantemente interesses particulares, mas a sua não observância não
acarreta a sanção pesada da nulidade. Por exemplo, temos a violação das normas relativas à
incapacidade de exercício dos menores ou a celebração de negócios com vícios da vontade
como o erro, dolo, coação moral (ou a incapacidade acidental), ou a prática de negócios
usurários. Nestas circunstâncias, o negócio pode vir a ser anulado e, tendo sido anulado, perde
retroativamente todos os seus efeitos, os quais se produziram apenas de modo precário,
desde o início como se o negócio tivesse sido nulo, como se nunca tivesse sido celebrado.

Desta forma, e porque com a anulação do negócio jurídico se perdem efeitos que – apesar da
sua provisoriedade – sempre se produziram, diz-se que a anulação tem natureza constitutiva
na medida em que altera a realidade ao extinguir um direito ou uma relação. De acordo com o
artigo 287.º, n.º 1, 1.ª parte, têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo
interesse a lei a estabeleceu (que pode ser, por exemplo, a vítima de um dolo ou de uma
coação moral). O direito de pedir a anulação é um direito potestativo extintivo.

Por outro lado, uma vez que o negócio anulável produz os seus efeitos, embora apenas de
modo provisório, em vez de ser anulado, também pode ser confirmado por quem tinha
legitimidade para pedir a anulação (artigo 288.º, n. 2) com a consequência de o negócio se
tornar válido desde o início, ou seja, desde o momento da sua celebração, e os seus efeitos
passam a ser retroativamente estáveis. Além disso, o negócio anulável também se consolida
pela caducidade do direito de o anular se a anulabilidade do negócio não tiver sido arguida
pelas pessoas legitimadas dentro do prazo de um ano após a cessação do vício que lhe serve
de fundamento (artigo 287.º, n. º1, 2.ª parte).

[c) A falta de quaisquer efeitos]

Um caso à parte são as situações previstas nos artigos 245.º (declarações não sérias) e 246.º
(falta de consciência da declaração e coação física), onde não se pretende a produção de
efeitos jurídicos nenhuns porque nem existe vontade nenhuma para celebrar um negócio
jurídico por parte de quem aparece como declarante. Nestas situações a lei determina que as
“declarações” carecem de qualquer efeito ou que não produzem qualquer efeito. Em
consequência desta formulação fica também excluída a possibilidade de haver – ao contrário
do que pode suceder com um negócio nulo – efeitos negociais por determinação da lei. Não há
efeitos nenhuns! Por isso há quem afirme que nos casos dos artigos 245.º e 246.º um negócio
jurídico nem sequer existe.
10.3.6 Considerando todos os meios de tutela que explicámos, podemos observar que não é
sempre ou necessariamente uma execução forçada de uma decisão na sequência de um
processo de heterotutela judiciária ou administrativa ou por efeito do recurso residual aos
meios de autotutela que se protegem os direitos subjetivos, pois muitas vezes bastam as
medidas preventivas (impeditivas ou compulsivas) de tutela para obstar à violação de um
direito ou uma norma que ameaçam com a criação de consequências jurídicas desfavoráveis
para obter a proteção do direito em causa.

11. Das leis, sua vigência, interpretação e aplicação

A matéria a respeito das leis, sua vigência, interpretação e aplicação é regulada no Código Civil
nos artigos 1.º a 13.º e serão estes artigos cujo estudo nos vai ocupar daqui em diante.

11.1 As leis como fontes imediatas do direito

Quando falamos em fontes do direito, queremos referir-nos aos modos pelos quais o direito
surge. Neste contexto, podemos distinguir entre fontes imediatas e fontes mediatas. Por
imediatas entendemos todas as normas legais que têm uma força vinculativa por si e de que
emana diretamente o direito positivo. Em contrapartida, fontes mediatas são as que
necessitam primeiro de uma norma imediata que lhes determina, que lhes atribui, a sua
qualidade como lei.

Segundo o artigo 1.º, n.º 1, 1.ª parte, e n.º 2, 1.ª parte do Código Civil, as fontes imediatas do
direito são apenas as leis.

Embora a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 1.º ainda as refira não se podem considerar atualmente
as normas corporativas como fontes de direito imediatas, na medida em que as normas
corporativas (às quais se referem ainda o artigo 1.º, n.º 2, 2.ª parte, e o artigo 3.º, n.º 2)
perderam relevância para o futuro, uma vez que, na sequência imediata da Revolução de 1974,
os organismos corporativos foram dissolvidos e deixaram de existir de modo que já não
podiam ser criadas regras corporativas novas.

No Estado Novo (1928/1933-1974), e de acordo com a sua estrutura corporativa, nos


organismos corporativos estavam organicamente representadas todas as atividades da Nação
que representaram os variados interesses sociais, de ordem moral, cultural ou económica
como elementos estruturantes da Nação (designadamente os sindicatos, os grémios [os
dadores de trabalho], as ordens profissionais, a lavoura, as pescas e conservas, os transportes
e o turismo, etc.). Estranhamente, as associações desportivas, embora cuidadosamente
disciplinadas e controladas por leis, não estavam inseridas na organização corporativa do
Estado. O órgão de cúpula da estrutura corporativa (que, de resto, ficou incompleta) era a
Câmara Corporativa que existiu ao lado da Assembleia Nacional.

Apesar de as corporações terem perdido a sua natureza jurídica, as realidades sociais, que lhes
estavam subjacentes não desapareceram. Assim temos, por exemplo, as atuais ordens
profissionais que, não sendo corporações no sentido atrás referido, são associações públicas
no sentido do artigo 267.º, n.º 4, da Constituição e pertencem à administração mediata do
Estado.

No que respeita aos sindicatos e às associações patronais, elas são agora associações privadas
no sentido do artigo 157º e seguintes do Código Civil e dos artigos 46.º, 51.º e 55.º da
Constituição e independentes da estrutura organizatória do Estado como sucede, por exemplo,
com as associações desportivas. A lógica associativa, privada, das associações, que são pessoas
coletivas de direito privado, opõe-se à lógica pública, administrativa, das ordens profissionais.

11.2 As leis

Segundo o texto da primeira parte do n.º 1 do artigo 1.º do Código Civil, unicamente as leis são
fontes do direito. Por outras palavras, o significado é que não há direito que não conste de
uma lei. A afirmação feita pelo artigo 1.º, n.º 1, é problemática e um sinal de uma suposta
omnipotência do legislador. Segundo a primeira parte do n.º 2 do artigo 1.º, leis no sentido do
artigo 1.º do Código Civil são todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais
competentes. Trata-se de leis em sentido material.

Como órgãos estaduais com competência legislativa temos em primeiro lugar a Assembleia da
República e o Governo (artigo 161.º, alínea c), da Constituição) que tem competência
legislativa própria (artigos 164.º e 165.º).

O Governo possui competência legislativa própria na medida em que há matérias que lhe são
constitucionalmente reservadas (artigo 198.º, n.º 1, alínea a)), e n.º 2). Para além disso, pode
ser autorizado pela Assembleia da República de legislar ou ainda pode dar desenvolvimento a
leis de base.

Quanto às competências legislativas exclusivas da Assembleia da República, distinguimos a


reserva absoluta artigo 164.º) e a reserva relativa (artigo 165.º). Os atos legislativos da
Assembleia da República são as leis.

Nas matérias em que a Assembleia tem competência exclusiva relativa ela pode autorizar o
Governo de legislar – embora só nos estritos limites do artigo 165.º, números 2 a 5, da
Constituição (artigo 198.º, n.º 1, alínea b)). O Governo também pode legislar em
desenvolvimento de leis de base (artigo 198.º, n.º 1, alínea c)). Além disso, como já dissemos,
o Governo tem competência legislativa própria (artigo 198.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2). Os atos
legislativos do Governo são os decretos-leis. Tratando-se dos decretos-leis previstos nas
alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 198.º, eles devem invocar expressamente a autorização
legislativa ou a respetiva lei de bases ao abrigo da qual são aprovados. Vemos assim que as
competências legislativas do Governo são muito relevantes.

Finalmente, ainda temos como órgãos legislativos competentes as Regiões Autónomas e as


autarquias locais.

Assim, podemos distinguir:

a) leis em sentido formal;

b) leis em sentido formal e material, e;

c) leis em sentido material.

De uma lei puramente formal não resultam diretamente direitos e obrigações para os cidadãos
(exemplos são o Orçamento do Estado e as autorizações legislativas conferidas pela
Assembleia da República ao Governo). Em regra, as leis da Assembleia da República são leis em
sentido formal e material, enquanto os decretos-leis do Governo são leis em sentido material.

11.3 As fontes mediatas


Como fontes mediatas do direito, que apenas o são quando forem chamadas primeiro por uma
norma imediata que lhes determina, que lhes atribui, a sua qualidade jurídica temos os usos
(artigo 3.º) e a equidade (artigo 4.º). As fontes mediatas são chamadas ou indicadas pela lei
concretamente na medida em que as acolhe e lhes confere, caso a caso, qualidade de norma
jurídica.

O artigo 3.º determina que os usos só são juridicamente atendíveis quando a lei assim o
determinar. Como exemplos podemos referir os artigos 218.º, 1163.º e os artigos 1122.º e
1128.º e 1323.º, 1357.º e 1359.º do Código Civil, que se referem aos “usos da terra”. Os usos
correspondem a hábitos sociais em certos meios e em certas situações como as de vizinhança
onde há tradições locais e, embora a sua formação se lhes assemelhe, não devem ser
confundidos com o costume ou direito consuetudinário.

Também o valor da equidade é admitido pelo artigo 4.º, embora apenas em termos cautelosos
e limitados.

11.4 O costume

Não é fonte do direito o costume, isto é, o direito consuetudinário. Define-se costume como
uma prática social reiterada (corpus) com a convicção de obrigatoriedade como lei (animus). É
indispensável que a prática social, o modus agendi, se funde na convicção de que é
juridicamente obrigatório. Todavia, o costume não é fonte de direito nem quanto à sua criação
nem no que respeita à sua extinção. Embora em relação a este último aspeto possa haver
dúvidas na medida em que uma lei pode cair em desuso, o texto do artigo 7.º, n.º 1, é
peremptório ao afirmar que a lei “só” cessa a sua vigência pelas maneiras que descreve e que
são – a não ser que a lei apenas tenha vigência temporária - a revogação e a caducidade. Nem
como forma de integração de lacunas na lei o costume é admitido no ordenamento jurídico
português, considerando que as formas de integração de lacunas referidas no artigo 10.º
apenas fazem referência à analogia e à criação de uma norma ad hoc.

Como dissemos o direito consuetudinário ou costume consiste na aplicação generalizada de


regras na convicção firme dos seus seguidores de que se trata de normas jurídicas. Nas
sociedades primitivas o costume era o direito. Era o direito nascido da vida da sociedade aceite
pelo consentimento do homem livre (Lex consensu populi fit) e que estava em sintonia com as
convicções sociais de justiça que todos deviam conhecer.

Mas sobretudo a partir da fixação do direito em leis escritas, que no início ainda se limitaram a
dar conhecimento do costume, passou a haver “leis legisladas” que já não saíram da
convivência dos hábitos ou costumes das populações, mas de órgãos legislativos constituídos
para o efeito, e a partir daí o costume começou a perder a favor destes órgãos,
sucessivamente, e no fim por completo, a sua relevância antiga. A lei legislada acabou por se
apoderar da criação do direito. Antes disso, o costume, que era do conhecimento de todos, era
o direito e tinha uma grande relevância como fonte de direito. E, nesta perspetiva, pode
afirmar se que o direito é anterior à lei (= lei legislada).

Ainda pode fazer-se outra consideração. Enquanto o costume resultava da convicção e


aceitação de todos que o observavam a lei exprime as convicções de quem a faz, sendo certo,
todavia, que a aceitação das leis pelos seus destinatários pressupõe que não contrariem os
consensos socais. Temos aqui ainda alguma reminiscência do lex consensu populi fit. Já
referimos várias vezes que uma lei que contraria a realidade social está destinada ao fracasso.
Quem faz leis não pode impor, sem mais, os seus entendimentos ou ideologias à população a
que as leis se destinam.

Apenas para efeitos de prova o artigo 348.º admite o direito consuetudinário estrangeiro ou
local e a sua verificação incumbe ao tribunal. Por outro lado, quando as normas de conflito do
direito internacional privado ou as normas que regulam o casamento católico concordatário
determinam a aplicação de uma lei estrangeira, esta remissão inclui também o direito
consuetudinário que aí possa vigorar.

É no campo do direito internacional público, designadamente no que respeita o direito do mar,


onde o direito consuetudinário continua a ter grande relevância, aliás, encontra-se acolhido
pelos artigos 8.º, n.º 1, e 29.º, n.º 2, da Constituição.

11.5 Os assentos

Os assentos deixaram de ser fonte mediata de direito com a revogação do artigo 2.º, pois o
instituto foi considerado inconstitucional por violar o princípio da separação dos poderes.
Contudo, o desaparecimento dos assentos não fez com que desaparecessem também os
conflitos de jurisprudência. Estes são agora objetos de “acórdãos de uniformização de
jurisprudência” que, porém, já não possuem qualquer força vinculativa para além do caso
julgado e também não são precedentes formais que vinculam as instâncias. Não obstante, na
prática forense constituem referências relevantes e como tais são citados. De certa maneira
contribuem também para o desenvolvimento do direito judiciário.

11.6 Fontes voluntárias e fontes involuntárias

Podemos ainda distinguir entre as chamadas fontes voluntárias (artigo 1.º, n.º 2, 1.ª parte) e
não voluntárias (artigos 3.º e 4.º), podendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional
também ser considerada fonte voluntária quando declara a inconstitucionalidade de uma
norma com força obrigatória geral, nos termos do artigo 282.º, n.º 1, da Constituição, que tem
como efeito a repristinação (ou seja, a restauração da versão primitiva) da norma que a norma
declarada inconstitucional, eventualmente, haja revogado.

Nem a jurisprudência nem a doutrina jurídica, por mais erudita que seja, são fontes de direito.
No passado, a doutrina tinha esta qualidade, como fonte mediata do direito, quando as leis
mandavam seguir os seus ensinamentos (sobretudo a opinio communis doctorum). À
semelhança do costume também a doutrina veio perder este papel. Hoje, os tribunais estão
atentos à doutrina jurídica, desenvolvida pelos jurisconsultos em manuais, estudos ou
pareceres, que exercem a sua influência pela qualidade dos seus raciocínios e argumentos,
embora nunca vincule quem a consulte e decide.

11.7 Normas de primeiro e segundo grau

A partir do artigo 1.º podemos diferenciar entre normas de segundo grau e normas de
primeiro grau. As normas do segundo grau não estabelecem regras; limitam-se a indicar as
fontes imediatas e as fontes mediatas do direito e estas são então as normas de primeiro grau
ou normas primárias, isto é, as próprias leis, como direito aplicável.

12. O problema das fontes do direito em geral

Fontes do direito são as leis, as normas primárias, ou seja, os factos normativos através dos
quais determinadas regras são positivadas como lei vigente com a conclusão do respetivo
processo legislativo que decorreu nos órgãos estaduais competentes e a subsequente
publicação da lei. O direito só verdadeiramente o é enquanto direito positivo. Estamos perante
a positivação de certos conteúdos normativos como normas jurídicas, vigentes como direito.

a) Contudo, para estabelecer normas jurídicas como normas vinculantes, o legislador


democrático, ou seja, todos os órgãos estaduais competentes, não está inteiramente livre. Ele
está, logo à partida, condicionado pela realidade social que visa regular, inclusive pela
mentalidade dos destinatários das suas normas à qual há-de corresponder inversamente a
mentalidade do legislador. Mas o legislador, muito para além disso, e este aspecto é decisivo,
está vinculado ou condicionado também por determinados pressupostos preexistentes e não
positivados, um facto a que aludimos no contexto da aquisição da personalidade jurídica da
pessoa singular, que assenta em premissas jusnaturalistas que a lei se limita a aceitar.

Temos que ter a consciência clara que uma coisa é uma lei vigente (lei que, findo o processo
legislativo, entrou em vigor após a sua publicação), coisa diferente é uma lei válida. À
semelhança do que temos no caso de um negócio jurídico existente (que foi celebrado) que,
em virtude do simples facto de ter sido celebrado, não é logo um negócio jurídico válido, pois
para este efeito é preciso que tenham sido observados os respetivos pressupostos legais,
vamos distinguir entre a vigência (a existência) da lei e a sua validade. Esta depende (para além
dos pressupostos regulares a observar durante o processo legislativo, como é óbvio) de
pressupostos que lhe são pré-existentes. À semelhança do que sucede com um negócio
jurídico celebrado que pode ser inválido também uma lei vigente pode não ter validade.

b) A vigência da lei é o resultado de um processo legislativo e um facto normativo que


determina e fixa a sua entrada em vigor (cf. o artigo 5.º, n.º 1, que ainda vamos estudar). Mas
a validade da lei não se pode fundar num simples facto normativo, num simples facto
mediante o qual o legislador dita o que é lei. A validade última da lei funda-se em princípios
regulativos superiores de justiça que transcendem e antecedem os factos normativos. Por isso,
uma lei, uma norma, pode vigorar e ser inválida, pode haver leis injustas que não constituem
direito.

Neste contexto, podemos ler J. Baptista Machado: O legislador é limitado por princípios
fundamentais de direito (exigências fundamentais e irrenunciáveis de todo e qualquer direito e
que decorrem da própria “ideia de direito”) que estão fora do seu alcance e, como princípios
regulativos, predefinem o sentido possível das normas que ele estabelece ao delimitar a sua
liberdade de ação. O direito nunca está por inteiro na livre disponibilidade do poder político.
Kant fala da essência de leis que incondicionalmente se impõem. Deste modo, a lei está
subordinada ao direito, isto é, à “ideia do direito”: uma lei em contrário à ideia do direito é
uma manifestação de poder, alheia ao direito. Devemos saber distinguir direito e não direito.

Será aos princípios como designadamente a dignidade da pessoa humana, a ideia da justiça, os
princípios universais de direito, as convicções morais comuns, a legitimidade democrática,
sedimentados na esfera da cultura humana ao longo da história a que se tem de fazer
remontar o fundamento último da validade das normas jurídicas. É nas convicções morais dos
cidadãos que interiorizaram como essencial o respeito pela ideia do direito nos termos
indicados que assentam os pressupostos da garantia de justiça que o Estado de Direito
concede às pessoas.

Sendo assim, o próprio Estado de Direito assenta em premissas (pressupostos) que ele não
pode criar nem garantir. Há “fontes” do direito “superiores” que não são positivadas nem
podem, por natureza, ser positivadas. Por conseguinte é inviável a pretensão do legislador de
definir taxativamente as “fontes do direito”, como pretende o artigo 1.º do Código Civil. Isto
em sede de princípio.

Acrescenta-se, no entanto, que no que respeita às leis vigentes, sob o aspeto da observância
daqueles princípios fundamentais, elas são válidas – como num Estado de Direito não pode
deixar de ser: as questões da justiça são decididas em observância dos princípios fundamentais
do direito pelo legislador democraticamente legitimado. É este também o entendimento que
subjaz ao artigo 8.º, n.º 2, do Código Civil quando – ao dirigir-se aos tribunais – impõe que o
dever de obediência à lei não pode ser afastado sob o pretexto de ser injusto ou imoral o
conteúdo do preceito legislativo. De resto, é um pilar fundamental da legitimação democrática
das leis que elas são aceites pelos seus destinatários.

Portanto, há os princípios fundamentais que vinculam o legislador. Um legislador que coloca as


suas decisões legislativas sob o signo da justiça, para serem justas e válidas, tem que
submeter-se à lógica de princípios regulativos superiores, os princípios universais de direito
que impõem as suas exigências a todo e qualquer ordenamento jurídico, ou seja, ideias de
direito ou de justiça preexistentes ao direito escrito.

c) A afirmação do artigo 1.º, n.º 1, segundo o qual o direito é estabelecido pelas leis, inclusive a
Constituição, corresponde a certo entendimento das tradições europeias.

O entendimento jurídico norte-americano nunca foi este. A Declaração de Independência de


1776 fala de “certain inalienable rights”. Neste sentido, os direitos fundamentais não são
apenas inalienáveis, mas antecedem a própria legislação constitucional. Com isso, o direito
norte-americano segue em grande parte um entendimento jusnaturalista. Determinados
direitos existem antes do direito positivo; o direito positivo protege estes direitos, mas, em
última análise, não os cria. Este entendimento jusnaturalista encontra-se também subjacente
aos efeitos extraterritoriais do direito norte-americano. O que releva é o princípio de que os
valores universais devem ser realizados.

Ler: J. Baptista Machado, pp. 126-131, 153-157, 157-164.

Não pertencem àqueles princípios fundamentais as chamadas “cláusulas de eternidade” que


estabelecem perseverantes limites materiais a uma revisão constitucional (como os referidos
no artigo 288.º da Constituição). Aqui trata-se de uma “patética afirmação de força” como
refere J. Baptista Machado, e ilegítima por condicionar a liberdade democrática das gerações
futuras de decidir sobre as condições adequadas à sua vida. De resto, não é por meio destas
cláusulas que se pode obstaculizar ou parar o processo de evolução social e as necessárias
modificações legislativas que o acompanham com os seus efeitos dificilmente previsíveis.

13. Começo e cessação da vigência da lei

13.1 Como vimos, o direito tem que ser positivado em leis. E estas, para poderem ser
observadas, devem ser do conhecimento dos seus destinatários, ou seja, dos homens cuja vida
orientam e disciplinam. Para poderem ser conhecidas, as leis devem ser publicadas (artigo
119.º, n.º 1, da Constituição).
Sem a publicação a lei juridicamente não existe ou, como determina o n.º 2, do artigo 119.º da
Constituição, a falta de publicidade implica a ineficácia jurídica. A publicação dá publicidade e
por meio dela é estabelecida a presunção absoluta, iuris et de iure, ou – sendo o efeito o
mesmo – a ficção, do conhecimento da lei por parte de todos os destinatários. A lei só se torna
obrigatória depois de publicada no jornal oficial, que é o Diário da República (artigo 5.º, n.º 1,
do Código Civil).

Nestes termos, o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, a Lei Formulária ou
Lei dos Formulários determina em sintonia com o n.º 2 do artigo 119.º da Constituição: “A
eficácia jurídica dos atos a que se refere a presente lei depende da sua publicação no Diário da
República.” E o n.º 2 acrescenta que “a data do diploma é a da sua publicação, entendendo-se
como tal a data do dia em que o Diário da República se torna disponível no sítio (Diário da
República Eletrónico | DRE)”. O n.º 5 do artigo 1.º esclarece que “a edição eletrónica do Diário
da República faz fé plena e a publicação dos atos através dela realizada vale para todos os
efeitos legais (…).”

Com a mera publicação, a lei existe, mas ainda não entrou em vigor, não é lei vigente, não
confere direitos, nem obrigações. Porque, como diz o artigo 5.º, n.º 2, entre a publicação e a
vigência da lei decorrerá algum tempo. Este tempo chama-se vacatio legis. A vacatio legis
serve para tornar a lei conhecida e facultar o seu conhecimento antes de ela vir a ser aplicada.
Até pode suceder que uma lei, ainda durante a vacatio legis, venha a sofrer modificações.

13.2 Quanto ao momento da sua entrada em vigor, a lei pode, ela própria, fixar a data da sua
entrada em vigor, pode dizer que entra em vigor imediatamente ou pode não fixar data
nenhuma. E ainda pode dizer, sendo ela integralmente publicada, que a sua entrada em vigor
depende da publicação e posterior entrada em vigor de um Regulamento necessário para a
sua aplicação.

Na sequência do artigo 5.º, n.º 2, última parte, do Código Civil, os números 1 e 2 do artigo 2.º
da Lei dos Formulários dispõem: “1 - Os atos legislativos e os outros atos de conteúdo genérico
entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência
verificar-se no próprio dia da publicação. 2 - Na falta de fixação do dia, os diplomas referidos
no número anterior entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no 5.º dia
após a publicação.” Daí podemos concluir que no caso de a lei determinar a sua entrada em
vigor imediata a sua vigência começa no dia seguinte ao da publicação (Devemos ainda ter
presente que para a contagem do prazo referido no n.º 2 do artigo 2.º da Lei dos Formulários
não pode nunca considerar-se o próprio dia da publicação, por força do artigo 279.º, b) do
Código Civil. Assim, por exemplo, se a lei é publicada no dia 20, ela entrará em vigor no dia 25,
pois é no 5.º dia após a publicação que ela entra em vigor).

O lugar da publicação é o Diário da República (artigo 3.º da lei dos Formulários). Este
compreende a 1.ª e a 2.ª séries sendo objeto de publicação todos os atos e diplomas referidos
e enumerados no artigo 3.º que o devem ser nos precisos termos em que o prescreve o artigo
8.º da Lei dos Formulários. A enumeração do artigo 3.º coincide e, em parte, ainda excede a
enumeração do artigo 119.º, n.º 1, da Constituição a respeito da publicidade obrigatória dos
atos aí referidos.

13.3 No que respeita à cessação da vigência da lei, o artigo 7.º do Código Civil refere que a lei,
quando não se destina a ter vigência temporária, só (!) deixa de vigorar se for revogada por
outra lei. Por isso, o desuso generalizado (por exemplo, os direitos subjetivos que uma lei
atribui ao longo dos anos nunca são invocados) e o costume em sentido contrário à lei, o
costume contra legem, não são aceites como formas de derrogação como se conclui mediante
o argumentum ex artigo 7.º, n.º 1, 2.ª parte (“só”). Como já dissemos (cf. o Sumário anterior
das aulas de 24/25-11-2022, ponto 11.4), esta afirmação peremptória do artigo 7.º não está
isenta de dúvidas e é posto em causa por parte da doutrina.

Não sendo a lei temporária, deve ser revogada. Deste modo, distinguimos, em conformidade
com a duração da vigência das leis, entre as leis com vigência temporária e não temporária:

a) As leis com vigência temporária (leis temporárias), deixam de vigorar por caducidade (artigo
7.º, n.º 1, 1.ª alternativa), ou seja, a lei caduca quando termina o prazo de vigência fixado nela
própria. Apesar de o artigo 7.º não o prever expressamente, lei também caduca quando a
matéria que ela se destinava a regular tiver desaparecido, ficando a lei deste modo sem
objeto. E as leis ainda caducam quando o último dos destinatários a quem se dirigiam tiver
desaparecido, tendo assim perdido o seu campo de aplicação.

b) As outras leis têm que ser revogadas. Esta revogação (artigo 7.º, n.º 1, 2.ª alternativa) pode
ocorrer de várias maneiras: pode ser expressa (artigo 7.º, n.º 2, 1.ª alternativa) e pode ser
tácita, ou por incompatibilidade global (artigo 7.º, n.º 2, 3.ª alternativa) ou também por
incompatibilidade parcial ou limitada apenas a determinadas normas (artigo 7.º, n.º 2, 2.ª
alternativa).

c) No que concerne à revogação tácita, esta só pode ocorrer de acordo com os seguintes três
critérios:

i. Critério da posterioridade (lex posterior derogat legi priori), que dita que face a uma
incompatibilidade entre leis, a lei posterior, por princípio, revoga lei anterior, por corresponder
à vontade mais recente, mais atualizada do legislador;

ii. Critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali), previsto no artigo 7.º, nº 3, do
Código Civil, que refere que uma lei geral não revogará lei especial que consagra um regime
oposto ao regime da lei geral, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
Portanto, a lei especial prevalece sobre a lei geral. Uma lei geral posterior igualmente não
derroga uma lei especial anterior (lex posterior generalis non derogat legi priori speciali).

P4 da semana 11

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