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Acórdão TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

Processo n.° 355/15.2 GAFLG.P1


Recurso penal Relator: Neto de Moura
A tutela punitiva abrange as medidas que visam infligir um castigo ao infrator que
desrespeitou a norma jurídica. Implicando, simultaneamente, a privação de um bem (ex:
liberdade, valores patrimoniais, etc.) e a reprovação da conduta. O que está em causa na
tutela punitiva não é reconstituir a situação eu existiria se o facto se não tivesse verificado,
mas antes aplicar um castigo ao infrator. Ainda que k Direito Penal seja o ramo por
excelência das sanções punitivas, existem exemplos de tutela punitiva também pelo direito
civil (ex: art. 2034) e também o direito administrativo (ex: penas disciplinares). Esta
modalidade de tutela assenta na maior gravidade das condutas lesivas. Exemplos do
acórdão: a condenação de X à pena de 1 ano e 3 meses de prisão. E a pena de 250 dias de
muita à taxa diária de 7€, num total de 1750€. A condenação de y a uma pena de um ano
de prisão e à pena de 580 dias de multa à taxa diária de 6€, num total de 3480€.
A tutela preventiva abrange as medidas destinadas a impedir (?) a relação da ordem
jurídica, a prevenir ou a evitar a inobservância das normas. Atua através da fiscalização, da
fixação de condições e da sujeitado a autorização de determinadas atividades dos
particulares com vista a evitar os danos sociais que delas poderiam evidentemente
resultar. Exemplo do nosso acórdão: sujeição da suspensão de execução da pena de prisão
ao cumprimento por ambos os arguidos X e Y, da regra de conduta de proibição de
qualquer contacto ou de qualquer aproximação com a vítima numa lógica de prevenção de
conflito e proteção da vítima do risco de reincidência.
Tutela reconstituição. Abrange as medidas que se destinam a reconstituir a situação que
existiria caso não tivesse ocorrido a inobservância da norma ou da conduta juridicamente
devida. Existem 3 tipos de reconstituição:
1. Reconstituição natural que é o modo de reconstituição regra, aplicando se, sempre
que possível e adequada a reparação dos danos. Desde que não seja
excessivamente onerosa para o devedor (art.°566). Neste tipo de reconstituição, a
parte lesada é colocado materialmente na situação em que estaria caso não tivesse
ocorrido a inobservância da norma.
2. Reintegração por equivalente: utiliza-se quando a reconstituição natural não é
possível, não é equitativa ou não é suficiente para dar resposta à violação havida.
Neste caso, não se procura chegar a uma solução idêntica à que haveria se a norma
não tivesse sido violada, mas antes se visa constituir uma situação que, embora
diferente, seja (valor igual … mente) equivalente à situação que existiria, em caso
de não violação da norma. Isto é, a parte lesada é indemnizada através da entrega
de uma soma pecuniária, que tem como o objetivo colocar o lesado na situação
patrimonial em que estaria caso não tivesse ocorrido a inobservância da norma.
Assim, diz se que existe uma desintegração, mas não uma reconstituição. Processa
se através de uma soma pecuniária pega pelo lesante ao lesado.
3. Compensação: corresponde a atribuição ao lesado de uma soma pecuniária a título
de reparação por danos morais. Não se trata de indemnização, pois não existe
possibilidade de ajuste pecuniário dos danos morais. Por exemplo, nenhum valor
torna indemne o sofrimento por uma deformação física ou falecimento de um ente
querido. Mas, a lógica subjacente a esta reparação é de que, o lesado, pode utilizar
o valor em causa para fazer coisas que lhe dão prazer, atenuando, assim, as
consequências nefastas do dano.
O facto que implica responsabilidade penal, implica também responsabilidade civil. Temos
pessoas que são condenadas, mas também tem de se compensar a vítima. A
responsabilidade civil reporta se aos danos acusados a vítima do crime e visa proceder à
reconstituição da situação anterior ao ato, na medida do possível.
O exemplo neste acórdão e a condenação de Y no pagamento da quantia de 3500€, a título
de danos não patrimoniais (compensação). Ou seja, o tribunal atribui à vítima uma
compensação. Neste caso, os danos resultantes dos delitos não têm natureza patrimonial,
isto e, não são suscetíveis de avaliação pecuniária são danos morais ou não patrimoniais.
Não é possível apagar o mal produzido, mas é possível conceder a lesada uma vantagem
material que, de algum modo, atenue aquele mal proporcionando lhe satisfações que, de
outro modo, não poderia obter. Não há aqui uma indemnização no sentido clássico, pois
indemnizar significa tornar indemne (remover o dano), o que não é possível,
proporcionado à vitima prazeres que, de outro modo, esta não poderia obter. O que se
pretende é atribuir a lesada uma compensação material que, em alguma medida,
contrabalance o prejuízo causado em bens de natureza imaterial. Atribui-se
conscientemente um bem de outra espécie por se considerar que, mais vale está
reparação, do que coisa nenhuma.
Art°1779 CC foi alterado pela lei 3/2023 - Temos que alterar no código

Nota: Nulidade - declaração de nulidade / Anulabilidade - anulação

Ficha de trabalho 10 - Recusa de efeitos jurídicos

1. (Temos que ver o art. 246° para resolver)

Estamos perante um caso de recusa de efeitos jurídicos, que se traduz na frustração dos
desígnios do sujeito que pretende obter um resultado jurídico omitindo os pressupostos que a
lei exige ou não satisfazendo os requisitos legais. Está aqui em causa um caso de coação física,
prevista no art.246º. A coação física é uma hipótese de coação absoluta porque não há
resistência possível, pelo que verdadeiramente nem se pode falar em declaração e em
declarante na medida em que o sujeito é instrumentalizado. Neste caso C tem a liberdade de
ação totalmente excluída, pelo que foi reduzida à condição de puro autómato.

A coação absoluta distingue-se da coação moral consagrada no art.255º, porque na coação


moral a liberdade do sujeito está circiada, mas não excluída. O coato pode optar por outro
comportamento, sujeitando-se a sofrer o mal. Nos termos do 246 esta declaração não produz
qualquer efeito, o que leva a doutrina a defender que esta é uma hipótese de inexistência
jurídica. Estamos perante um caso de inexistência jurídica quando nem sequer se verifica o
corpus do negócio jurídico, ou seja, a materialidade correspondente à noção de tal negócio, ao
passo que, se se tratar de um caso de nulidade ou Anulabilidade, o negócio existe. Isto é,
verificam-se os elementos necessários, embora haja alguma anormalidade nos seus
elementos. A este propósito importa ter em conta que a doutrina entende que as deliberações
dos administradores são declarações negociais. Não obstante, há autores, como o caso do Dr.
Meneses Cordeiro que entendem que a coação física é um caso de nulidade. Esta posição,
porém, não parece ser a mais acertada porque a nulidade pressupõe um corpus do negócio, e
numa situação como a que aqui temos, não se pode sequer afirmar que temos um negócio.
Por conseguinte a declaração de C é juridicamente inexistente. A inexistência jurídico de C
inquina a validade da declaração dos administradores, mas essa deliberação não deixa de
existir juridicamente. Não se pode aplicar a redução ou a conversão à inexistência, até porque
os art.292º e 293º nem se referem a essa hipótese.

2.

(Necessário ver o art.257º )

A incapacidade acidental é uma situação temporária em que alguém se encontra por razões
transitórias que lhe retiram a capacidade para entender o sentido das suas palavras ou que
afetam a sua autodeterminação. Esta situação só é relevante tornando a declaração anulável
se for notória ou conhecida do declaratório, o que deve ser apreciado tendo por base uma
pessoa de normal diligência. Estamos aqui perante um desvio no processo formativo da
vontade do indivíduo em relação às circunstâncias normais do seu processo deliberativo. A
hipótese está prevista no art.257º, onde se prescreve a Anulabilidade desde que se verifique o
requisito destinado à tutela da confiança do declaratório. Esse requisito é a notoriedade ou o
conhecimento da perturbação psíquica. O requisito da notoriedade significa a cognoscibilidade
de uma pessoa média colocada na posição concreta do declaratório. Parece que neste caso
estariam verificados os requisitos de que depende a aplicação do regime de incapacidade
acidental, pelo que o negócio seria anulável. O problema situa-se ao nível da declaração de
vontade válida, elemento interno do negócio. Resta apreciar quem tem legitimidade para
arguir a Anulabilidade e qual o caso de dispõe para o fazer. Em muitos casos a lei dá uma
indicação concreta do pessoal legitimado. Na falta dessa indicação concreta, há que aplicar o
critério geral do art.287º n°1 de acordo com o qual só têm legitimidade para arguir a
Anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece. Por aplicação desse critério
concluímos que na Anulabilidade estatuída pelo art.257º, tem legitimidade para requerer a
anulação do contrato Afonso, que era quem se encontrava em incapacidade acidente. Afonso
poderá fazê-lo no prazo de um ano a contar da cessação do vício. In caso, da cessação da
incapacidade acidental. A anulação tem efeitos retroativos pelo que haverá lugar à
repristinação das coisas no estado anterior ao negócio restituindo se tudo o que tivesse sido
prestado. Ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Assim
anulado o negócio, Afonso teria de restituir o quadro e Afonso o preço.

3.

(Ver os art.122º, 123º, 125º, 127º)

À data da celebração do negócio, Maria é menor não tendo por isso capacidade de exercício
de direitos, nos termos dos art.122º e 123º. O negócio jurídico por ela celebrado (compra de
mota a prestações) não parece encontrar-se previsto nas situações do art. 127º. O negócio
padece de Anulabilidade situando-se o problema ao nível da capacidade das partes, elemento
interno do negócio. Todavia, a Anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, em caso
de caducidade do direito à arguição da Anulabilidade (art.287º n°1) quer pela confirmação
(art.288º). A confirmação é um negócio bilateral pelo qual a pessoa com legitimidade para
arguir a Anulabilidade e com conhecimento do vício e do direito a Anulação declara o negócio
viciado, podendo a declaração ser expressa ou tácita. Depois de completar 18 anos, Maria
confirmou tacitamente o negócio anulável com o pagamento da prestação, nos termos do
art.125º n°2 e do art.217º n°1.

4.

No nosso ordenamento jurídico vigora como regra o princípio da liberdade de forma


(art.219º). Por vezes a lei impõe, porém, uma determinada forma. De acordo com o art.875º, o
contrato de compra e venda de imóvel só é válido se for celebrado por escritura pública ou
documento particular autenticado. António e Lourenço celebraram um contrato de compra e
venda contra disposição imperativa da lei sem observância da formalidade exigida por lei pelo
que o negócio é nulo, nos termos do art.220º. O problema situa-se ao nível da declaração de
vontade, elemento interno do negócio, uma vez que as declarações negociais são invalidas por
falta de forma. O negócio nulo não produz desde o início os efeitos, podendo a todo o tempo
ser declarado nulo em juízo oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado de
acordo com o art.286º. A declaração de nulidade tem efeitos retroativos o que a dar lugar à
repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tivesse sido
prestado ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Neste caso
Lourenço restitui o preço e António desocupa o terreno.
Nota:

O formalismo negocial tem 3 vantagens:

1. Assegura uma mais elevada consciência das partes contra a sua ligeireza
2. Garante um mais elevado grau de certeza sobre a celebração do negócio evitando-se
os perigos associados
3. Possibilita uma certa publicidade do ato o que interessa ao esclarecimento de
terceiros.

Nota: Elementos do negócio jurídico

1. Idoneidade do objeto
2. Capacidade e legitimidade das partes
3. Declaração de vontade válida
Ficha de trabalho nº 11

1. As fontes do direito, em sentido técnico jurídico, são os modos de formação e ou


revelação de regras jurídicas. A questão que se coloca neste caso é saber se a
doutrina constitui fonte de direito em Portugal. A doutrina consiste no conjunto
das orientações e opiniões dos jurisconsultos, é a ciência do direito.
Historicamente a doutrina foi fonte de direito, mas hoje já não o é porque não gera
regras jurídicas. Em Portugal a atividade dos jurisconsultos, não é a de criação de
direito novo, mas sim de elaboração e desenvolvimento científico do direito já
existente. A doutrina extrai a sua autoridade da justificação que tem toda a teoria,
assim sendo, a autoridade da doutrina não é extrínseca, antes assenta na valia
intrínseca das posições propugnadas. A autoridade da doutrina é ato incontestável,
daí que nos litígios jurídicos cada parte procure reforçar as suas alegações com
citação de jurisconsultos que se tiverem pronunciado no mesmo sentido. É prática
comum a junção aos processos de pareceres emitidos por jurisconsultos de
especial autoridade. Pode acontecer e frequentemente acontece que o tribunal
adira a uma posição sustentada pela doutrina. Não suscita surpresa que o STJ
fundamente a sua decisão num caso de responsabilidade civil por acidente de
viação com base nos entendimentos doutores Varela e Pires de Lima, reputados
civilistas portugueses, que se dedicaram ao estudo do tema, todavia tal não
significa que a doutrina seja fonte de direito, uma vez que o juiz não está vinculado
às opiniões exprimidas, nem mesmo que se demonstre que a totalidade da
doutrina se orientou naquele sentido. O juiz apenas deve obediência ao direito
objetivo constituído, que está presente no artigo 203º da constituição e no artigo
4º nº1 do estatuto dos magistrados judiciais, portanto o juiz poderá sempre
afastar-se da doutrina maioritária se no seu entender outra for a interpretação das
fontes. É de salientar, contudo a importância fundamental da doutrina para a
revelação, desenvolvimento e sistematização do ordenamento jurídico. Em
conclusão a estudante M não tem razão.

2. A empresa ao alegar que a norma da portaria é atual “lei morta” parece estar a
invocar a cessação da vigência do referido artigo. Os modos de cessação de
vigência da lei são nos termos do artigo 7º nº1 apenas a revogação ou a
caducidade. A vigência de uma lei cessa por revogação quando entra em vigor nova
lei que lhe põe termo expressa ou tacitamente, já a vigência de uma lei cessa por
caducidade quando ocorre um facto que a própria lei prevê que leve à sua cessação
de vigência ou quando desaparecem os pressupostos de aplicação da lei. No caso
concreto não se verifica nenhuma destas causas dado que não se trata de lei
temporária não desapareceram os pressupostos da sua aplicação e não houve
revogação expressa ou tácita por lei posterior. O mero desuso não importa a sua
extinção, a lei só cessará por desuso se se criar a convicção de que é obrigatório
proceder assim, portanto se se formar um verdadeiro costume contra legem. Por
exemplo as autoridades podem tolerar longamente a circulação de motociclistas
sem capacete ou a travessia das ruas por peões fora das passadeiras , com isto a lei
que impõe uso de capacete e a lei que proíbe a travessia das ruas fora das
passadeiras não cessaram a sua vigência , só cessarão se se criar no espirito
daqueles que habitualmente a convicção que é licito proceder-se assim, o simples
desuso de uma lei não implica a sua extinção enquanto não for sustentada por um
verdadeiro costume. Temos portanto de equacionar a possibilidade de cessação da
lei por costume contra legem , para isso importa primeiro analisar a questão da
admissibilidade de um costume como fonte de direito em Portugal. Começando
pelos argumentos contra:
• A secção do código civil relativa às fontes não faz menção ao costume.
• Artigo 7º nº1 que estabelece os modos de cessação de vigência da lei exclui o
costume contra legem.

Passando agora para os argumentos a favor:

• Não cabe à lei (fonte de direito) admitir ou recursar outras fontes de direito, há até
quem diga que o elenco de fontes deveria constar na constituição e não no código
civil por se tratar de um problema com dignidade constitucional. A vantagem de
constar no código civil é a longevidade e estabilidade que este regista.
• O costume constitui a mais pura manifestação de criação normativa é uma prática
reiterada acompanhada de convicção de obrigatoriedade que surge
espontaneamente na vida em sociedade.
• A própria lei no artigo 348º admitir a possibilidade de invocação em juízo de uma
prática consuetudinária

Aceitando-se admissibilidade do costume como fonte do direito, apesar de a lei não


admitir, então há que analisar se a norma o artigo 3º da portaria não terá cessado a sua
vigência em virtude da formação do costume contra legem. Os elementos do costume são o
corpus que é o elemento material ou pratica social reiterada e o animus que é o elemento
psicológico que é a convicção de obrigatoriedade de prática social reiterada. Apesar de
resultar do enunciado a resistência de uma prática de desrespeito pela norma da portaria,
parece que esta prática ainda não obedece com a natureza reiterada e constante que
permita verificar o corpus. O requisito do animus também não parece estar justificado,
dado que falta a convicção da obrigatoriedade ou legitimidade da prática adotada. A
norma que impõe limites máximos de passageiros nos autocarros é desrespeitada não por
se ter criado no espírito das pessoas a convicção de que é legitimo ou obrigatório violar-se
esses limites, mas antes por haver falta de autocarros. Por conseguinte não se pode dizer
que a referida norma da portaria tenha cessado a sua vigência através de costume contra
legem.

3. O sistema jurídico português integra-se na família romano – germânico ou “civil


law” , não reconhecendo a jurisprudência como fonte de direito na decisão de
casos concretos, é inexiste o precedente obrigatório característico dos países da
“common law”, no entanto vigora o princípio da independência judicial. O artigo
8º, nº3 é uma salvaguarda da certeza e igualdade sem, no entanto, criar um dever
de respeito por decisões anteriores, o artigo 10 nº3 consagra um poder de criação
de norma ad hoc para efeitos de integração de lacunas. A norma ad hoc não
constitui norma jurídica por não obedecer às exigências de generalidade e
abstração que caracterizam esta figura, trata-se de uma norma válida para o caso
concreto sub iudice não virando, portanto, direito. O artigo 2º previa que nos casos
declarados da lei podem os tribunais fixar por meio de assentos a doutrina com
força obrigatória geral , tal norma foi negada por inconstitucionalidade dos
assentos com fundamento no princípio da liberdade de julgar dos juízes e no
princípio de separação de poderes, violava-se também, como diz o Tribunal
Constitucional no acórdão 810/93, o artigo 112º da constituição que prevê os atos
normativos e não consta desse elenco os assentos tendo eles apesar disso
verdadeira força de lei. Apesar dos assentos terem sido declarados
inconstitucionais a contradição dos julgados continua a poder existir a necessidade
de atingir maior segurança nas decisões e evitar desperdício da atividade
jurisprudencial de casos semelhantes muitas vezes repetidos levou a que se criasse
a figura dos AUJ , estes não tendo a força vinculativa dos assentos exercem papel
de precedente persuasivo. A diferença dos AUJ e os assentes, é que os primeiros
não são obrigatórios permitindo-se que o juiz decida diferentemente desde que o
fundamente que a decisão em sentido contrario é perfeitamente válida, mas
constitui motivo para se recorrer. Na resolução de casos concretos a
jurisprudência nunca é fonte de direito em Portugal a questão coloca-se no
acórdão com força obrigatória geral porque eles interferem com a ordem jurídica
uma vez que extinguem normas jurídicas e por isso tem poder extintivo. A
qualificação destes acórdãos como fonte de direito depende do sentido que se
atribui à noção fonte de direito. Para aqueles que encaram como facto ou ato
jurídico pelo qual se cria, modifica ou extingue uma ordem jurídica então de facto
os acórdãos com força obrigatória geral, na medida em que extinguem normas, são
fonte de direito. Para aqueles que aderem ao entendimento de fonte de direito
como modo de formação e ou revelação de regras jurídicas, estes acórdãos não
poderão ser considerados fonte de direito pois não têm força criadora, têm apenas
poder extintivo. Extinguem normas já existentes, mas não criam nem revelam
normas novas. É de salientar ainda assim a importância inegável da jurisprudência
para revelação, desenvolvimento e sistematização do ordenamento jurídico.
Ficha de trabalho 11

3. D, aluno do 1.º ano de Direito, leu em diversos manuais que a


jurisprudência não é fonte de Direito em Portugal. No entanto, não consegue
compatibilizar essa ideia com os artigos 8.º, n.º 3 e 10.º, n.º 3 do CC. Por outro
lado, ficou até convencido de que as decisões dos tribunais são efetivamente
fonte de Direito ao deparar-se com um acórdão proferido pelas secções
reunidas do STJ, publicado na 1.ª Série do Diário da República, que “fixou
jurisprudência” no sentido de que o artigo 484.º do CC, ao contrário do que a
sua letra induz, abrange apenas aquele que “difundir um facto falso capaz de
prejudicar o crédito ou bom nome de qualquer pessoa”. Concorda com a
conclusão a que chegou D?
O sistema jurídico português integra-se na família romano germânica, ou de civil
law, não reconhecendo como tal a Jurisprudência como fonte de direito na
resolução de casos concretos. Inexiste o precedente obrigatório característico dos
países da commun law e vigora o princípio da independência judicial. O artigo 8°
n°3 é uma salvaguarda da certeza e igualdade sem, no entanto, criar um dever de
respeito por decisões anteriores. O artigo 10° n°3 consagra o poder de criação de
uma norma ad hoc para a integração de lacunas. A norma ad hoc não constitui uma
norma jurídica por não obedecer às exigências de generalidade e abstração que
caracterizam esta figura. Trata-se apenas de uma norma para o caso sub judice não
criando direito. O art.2º previa que nos casos criados pela lei podia o tribunal criar
assentos doutrina com força obrigatória geral. Tal norma foi considerada
inconstitucional com base no princípio da liberdade de julgar e no princípio de
separação de poderes. Violava-se também como disse o tribunal constitucional o
atual art.212 da CRP que prevê os atos normativos, não contando desse elenco,
tendo os assentos verdadeira força de lei. Apesar de os assentos terem sido
considerados inconstitucionais pode continuar a existir. Levou a que se criasse a
figura dos AUJ. Estes acórdãos não tendo a força dos assentos exercem valor
persuasivo. Estes acórdãos não têm o valor dos assentos. A sua diferença em
relação aos assentos é de que não são obrigatórios, podendo o juiz decidir em
sentido contrário desde que o fundamente. A decisão é válida, mas isso constitui
um motivo para se recorrer. Na resolução de casos concretos a Jurisprudência
nunca é fonte de Direito em Portugal. A questão poder-se-ia colocar em relação aos
acórdãos com força obrigatória geral porque deles decorrem decisões com impacto
efetivo na ordem jurídica dado que extinguem normas jurídicas. Têm, portanto, um
poder extintivo. A qualificação destes acórdãos como fonte de Direito depende do
sentido que se atribui à noção de fonte de Direito. Para aqueles que encaram a
fonte de Direito como o facto pelo qual se modifica, cria, ou extingue uma norma
jurídica, então de facto os acórdãos com força obrigatória, na medida em que
extinguem normas jurídicas, são fonte de Direito. Para aqueles que aderem ao
entendimento de fonte de Direito como modo de formação ou revelação de normas
jurídicas, então os acórdãos com força obrigatória geral não poderão ser
considerados fonte de Direito, pois não têm força criadora, têm tão só força
extintiva. Extinguem normas já existentes, não criam nem revelam normas novas.
É ainda assim de salientar a importância inegável da Jurisprudência para a
revelação, desenvolvimento e sistematização do ordenamento jurídico.

4. F perdeu o olho esquerdo aos 10 anos, quando brincava aos espadachins


com um guardachuva. Vinte anos mais tarde, perdeu o olho direito num
acidente de viação. No processo movido contra a seguradora “Sem
Preocupações S.A.”, foi esta condenada a pagar, nos termos do artigo 496.º,
n.º 4 do CC, a quantia de 150 000 € como compensação dos danos morais
sofridos por F, tendo em consideração, entre outros fundamentos, o
sofrimento e a afetação da sua capacidade de afirmação pessoal futura. A
seguradora recorreu, invocando, nas suas alegações, que o tribunal a quo se
tinha afastado da jurisprudência dos tribunais superiores, que, em situações
de perda de um olho, têm atribuído uma compensação por danos morais em
redor dos 50 000 €. Quid iuris?
A propósito desta matéria importa referir que in caso está em causa a tutela
reconstitutiva na modalidade de compensação por danos morais. Entre nós a
Jurisprudência não é reconhecida como fonte de Direito na decisão de casos
concretos por contraposição ao sistema anglo-americano em que vigora a regra do
precedente. No nosso sistema vigora o princípio da independência judicial. O juiz
está somente vinculado a julgar segundo o Direito objetivo constituído nos termos
do art.203 da CRP e art.4 n°1 do Estatuo magistrados judiciais. Os órgãos judiciais
inferiores não têm que julgar conforme fizeram já tribunais superiores. As decisões
proferidas noutros casos não são vinculativas. A máxima de decisão ou "racio
decidenti" não é elevada a regra jurídica que deva observar-se noutros casos. Isso
não significa que as decisões dos tribunais superiores não tenham um peso efetivo
na atividade jurisprudencial posterior. Os acórdãos costumam ser publicadas e
sumariados e não deixam de ser citados quando se entende que o novo caso sub
judice é análogo ao que foi decidido por um desses acórdãos. Em todo o caso, não
vinculam visto que os tribunais não editam regras gerais e abstratas. Ainda que se
possa considerar haver Jurisprudência constante no sentido de haver atribuição de
uma compensação no valor de 50 mil euros em casos de perda de olho, a verdade é
que dela não brota uma regra jurídica para decisão de novos casos a menos que se
possa afirmar ter-se formado um verdadeiro costume jurisprudencial, caso em que
a fonte de Direito seria o costume e não a Jurisprudência. Note-se, porém, que, nos
termos do art.494º “ex vi" do art.496 n°4, o montante da compensação deve ser
cálculo segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do
responsável, à situação económica do lesante e do lesado e às demais
circunstâncias do caso. Podendo essas específicas circunstâncias do caso concreto,
designadamente o facto de F ficar agora totalmente cego, justificar a atribuição de
um valor superior. Temos aqui um caso em que a lei ordena o julgamento de
equidade. Em conclusão, a argumentação da segurança não prossegue.
Ficha de trabalho 12

1. O artigo 8.º da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que estabelece o estatuto jurídico dos
animais, dispõe o seguinte: “A presente lei entra em vigor no primeiro dia do
segundo mês seguinte ao da sua publicação”. Defina vacatio legis, refira qual a sua
função e indique a data de entrada em vigor da mencionada lei.
Por vacatio legis entende-se o período de tempo que medeia entre a publicação de uma lei
e a sua entrada em vigor, de acordo com o art.°5 n°2 do CC. A vacatio tem como objetivo a
tomada de conhecimento da existência da lei por cidadãos que se compreende à luz do
disposto no art.°6, norma que estabelece a obrigação do conhecimento da lei e estatui que
a sua ignorância não justifica a falta do seu cumprimento nem tampouco isenta as pessoas
das consequências nela estabelecidas "ignorantia iuris non excusat". Está subjacente ao
art.°6 a segurança jurídica enquanto finalidade do Direito na sua dimensão de certeza
jurídica ou capacidade de o sujeito prever as consequências jurídicas do seu ato.
Nos termos do n°2 do art.°5, entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a
própria lei fixar ou na falta de fixação o que for determinado em lei especial. Assim,
quando uma lei é publicada torna-se necessário em primeiro lugar verificar se ela indica a
data em que deverá entrar em vigor ou se, pelo contrário, nada diz a esse respeito. Se a
própria lei determina o momento do começo da sua vigência nenhuma dúvida se levanta
entrando em vigor na data por ela fixada. O caso em análise não oferece grandes
dificuldades uma vez que o legislador no art.°8 da lei 8/2017 estabeleceu a data de
entrada em vigor do diploma, primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação,
ou seja, no dia 1 de maio de 2017.

2. A Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que aprovou o regime jurídico do contrato de


trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do
contrato de representação ou intermediação, não refere a data da sua entrada em
vigor. Quid iuris?
Caso o legislador não refira a data de entrada em vigor do diploma legal aplica-se o
período supletivo de vacatio legis previsto no art.°2 da lei 74/98 ex vi do art. 5 n°2 do CC.
Assim sendo, a lei 54/2017 entrou em vigor 5 dias após a publicação, ou seja, no dia 19 de
julho de 2017. (Não esquecer que o próprio dia não conta)

3. Numa altura de grande proliferação de leis em virtude da pandemia Covid-19, Teresa,


estudante de Direito, subscreveu o Diário da República, de modo a manter-se sempre
informada quanto à rápida evolução legislativa. Deparou-se, para seu grande espanto, com
um Decreto-Lei do Governo que prevê a sua imediata entrada em vigor. Teresa
questionase se tal será possível. Quid iuris?
No presente caso estamos perante o problema de supressão da vacatio legis pelo
legislador e da consequente entrada imediata em vigor da lei. Elaborada uma lei, uma
condição prévia se impõe para que comece a vigorar a respetiva publicação. É um
requisito de eficácia da lei. Este princípio é consagrado no art.°5 n°1 ao estabelecer que a
lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial, todavia a publicação da lei
não significa que esta entre imediatamente em vigor. Por regra decorre entre a publicação
da lei e o inicio da sua vigência um período de tempo, vacatio legis, destinado a permitir a
divulgação da lei e a tornar possível o seu conhecimento pelos respetivos destinatários,
período esse, mais curto ou mais extenso consoante a dificuldade de apreensão da lei, a
dificuldade de adaptação das pessoas ao novo regime legal e a urgência da lei. Coloca-se a
questão de saber se o legislador pode ir ao ponto de suprimir totalmente a vacatio. Por um
lado, há certos casos, como o estado de emergência provocado por uma pandemia em que
a imediata entrada em vigor de uma lei é uma necessidade absoluta por inadiável urgência
ou para evitar a frustração dos objetivos da lei. Por outro lado, a entrada imediata em
vigor da lei pode ser extremamente violenta para as pessoas pois torna-se obrigatória
antes da possibilidade de conhecimento do seu conteúdo pelos cidadãos. O art.°2 da lei
74/98 estabelece de forma perentória que não pode em caso algum o início de vigência
dos atos legislativos verificar-se no próprio dia da publicação. Contudo, tratando-se de lei
ordinária da assembleia da República pode ser derrogada por diploma de nível
hierárquico igual ou superior que determine a vigência imediata. Nestes caso o doutor
Oliveira Ascensão, distingue três casos: 1- Leis com efeitos jurídicos automáticos, não há
em princípio impedimentos pois não exigem comportamentos das pessoas. 2- Leis que
contêm normas de conduta dirigidas a órgãos públicos, nada se opõem há vigência
imediata, devendo as dificuldades suscitadas ser resolvidas no seio desses entes públicos.
3- Leis que contêm normas de conduta dirigidas aos particulares, é a hipótese mais
problemática. Em casos de absoluta exigência, nunca em casos comuns, sob pena de
violação das legitimas expectativas, o legislador parece admitir a entrada em vigor da lei
desde que esta se situe no mesmo grau hierárquico da lei 74/98. Nesse caso temos a
derrogação da vacatio mínimo de um dia imposta pelo art. 2º n1 da lei 74/98. Em
conclusão, o espanto de Teresa é compreensível dado que em situações de normalidade,
entre a publicação da lei e a sua entrada em vigor decorrerá sempre pelo menos 1 dia, por
forma a colocar os cidadãos em condições de conhecer a lei, pela qual deverão doravante
pautar os seus comportamentos.

4. Sabendo que o Código Civil português data de 1966, A entende que o seu artigo 1.º deve
ser considerado caduco na parte relativa às normas corporativas, devido ao
desaparecimento dos pressupostos de aplicação da lei, uma vez que atualmente já não
existem os organismos corporativos aí referidos. Terá razão?
As normas corporativas estão definidas no art.°1 n°2. O nosso código civil atual foi
promulgado em 1966 o que significa que foi elaborado na vigência da constituição de 1933
que previa os organismos corporativas. Entretanto, após 1974 e com a entrada em vigor
de uma nova lei fundamental em 1976, despareceram os organismos corporativas.
Importa saber se a norma do art.°1 na parte referente às normas corporativas não terá
terminado a sua vigência. Nos termos da lei, a lei pode cessar por caducidade ou
revogação. A lei caduca quando deixa de vigorar por causa intrínsecas, ou seja, por força
de circunstâncias inerentes à própria lei que determinam a fim da sua vigência
independentemente da manifestação de vontade do legislador. Apesar de terem
desaparecido os organismos corporativas das diferentes categorias morais, culturais,
económicas ou profissionais a que se refere o art.°1 n°2 na sequência da revolução de 25
de Abril de 1974, a norma é passível de uma interpretação atualista, cabendo nas normas
corporativas, as normas de entidades com poder regulamentar próprio, de que é exemplo
a ordem dos advogados, não só cabendo aqui normas de ordens profissionais como ainda
de outras pessoas jurídicas como as organizações desportivas. Assim, e sendo possível
retirar o sentido útil da norma, não deve a mesma ser considerada caduca por
desaparecimento da norma que se arrogava regular. Por fim, as normas corporativas não
podem contrariar as disposições legais art. 1 n°3 e prevalecem sobre o usos, art.°3 n°2.

5. O artigo 1.º do DL n.º 10/2004, de 30 de maio, estatui que “os contratos de mútuo
celebrados para aquisição de prédio urbano destinado a habitação em que o mutuante seja
uma instituição bancária podem ser efetuados por documento particular com
reconhecimento de assinaturas, seja qual for o seu valor”. Entretanto, por força do DL n.º
116/2008, de 4 de julho, foi introduzida uma nova redação no artigo 1143.º CC,
estabelecendo-se que “o contrato de mútuo de valor superior a 25.000 € só é válido se for
celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2.500 se o for por documento
assinado pelo mutuário”. A e B pretendem contrair um empréstimo de 100.000 € junto do
Banco X para financiar a aquisição de um apartamento. Qual a forma exigida para a
celebração deste contrato?
5. Como a norma introduzida pelo decreto lei 116/2008 é uma norma geral, aplicável a
todos os contratos mútuo, não revoga a norma constante do art.1º do decreto-lei 10/2004,
que constitui uma norma especial, apenas aplicável ao mútuo para aquisição de prédio
urbano destinado à habitação. Deste modo, a forma exigida é a forma que consta do
decreto-lei 10/2004, ou seja recomendo particular com reconhecimento de assinaturas.
Ficha 12
6. O artigo 20.º do Decreto-Lei n.º X/2009, de 2 de junho, que estabelece o regime jurídico
da venda a prestações efetuada a consumidores, determina que “[e]m caso de
incumprimento do contrato de compra e venda pelo consumidor, o credor só pode invocar
a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem
as circunstâncias seguintes: a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas; b) Ter
o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15
dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescida da eventual
indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do
prazo ou da resolução do contrato”. Suponha que, em 2010, é introduzido um novo artigo
no Código Civil, que dispõe o seguinte: “[v]endida a coisa a prestações, a falta de
pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não importa a
perda do benefício do prazo quanto às restantes nem dá lugar à resolução do contrato.”
Após o frigorífico de sua casa ter avariado, António, consumidor, adquire, a prestações, um
novo por 800 €. Tendo já deixado de pagar uma prestação de valor superior a 1⁄8 do
preço, António está preocupado que o credor invoque a perda do benefício do prazo
quanto às restantes prestações e lhe exija, de imediato, a totalidade do preço. O que lhe
diria?
A norma do código civil é uma norma geral aplicável a todas as vendas a prestações, pelo
que, ainda que sendo posterior, não revoga a norma constante do art.°20 do decreto lei X.
Isso mesmo decorre do art.7º n°3 segundo o qual a lei geral não revoga a lei especial
exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador. Intenção essa que não tem, porém,
de ser expressa. Vale aqui, em princípio, a máxima "lei geral posterior não revoga lei
especial anterior". Poderíamos ser levados a crer que a lei geral por ser mais extensa
incluiria no seu âmbito a matéria da lei especial que assim ficaria revogada. Sabemos que
não é assim porque o regime geral não toma em consideração as circunstâncias
particulares que justificaram a emissão da lei especial. Por isso, não será a lei especial
afetada em razão de o regime geral ter sido modificado salvo se houver uma intenção
inequívoca do legislador no sentido de revogar o regime especial. Neste caso, a particular
circunstância que justifica a consagração de um regime especial é a constatação de que o
consumidor é geralmente, na relação com profissionais, a parte mais vulnerável, que
merece por isso especial proteção do direito. Ao caso de António, que é um consumidor é
aplicável o regime especial mais favorável. É verdade que António já deixou de pagar uma
prestação. Contudo para que a perda de benefício do prazo ou da resolução do contrato
possam ter lugar, a lei exige a verificação cumulativa de duas circunstâncias: a falta de
pagamento de duas prestações sucessivas; e ter o credor sem sucesso concedido ao
consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento de
prestações em atraso, acrescido da eventual indemnização devida, com a expressa
advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato. In
caso não ocorreu nenhuma das circunstâncias, assim António nada tem com que se
preocupar
7. Em 26 de outubro de 2009, A, legal representante da sociedade comercial X, Lda.,
confrontado com os efeitos da crise económica no setor da construção civil, decidiu
extinguir alguns postos de trabalho. Nesse sentido, propôs a B e C a celebração de um
acordo de revogação do contrato de trabalho, mediante o pagamento de 12.000,00€ a cada
um, o que os trabalhadores aceitaram. No entanto, cinco dias depois de ter assinado o
referido acordo de revogação, B informou por escrito a entidade patronal de que se havia
arrependido e, por isso, fazia cessar unilateralmente o acordo revogatório. Suponha que a
Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que revogou a Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, não
dispõe sobre o prazo para o exercício do direito de o trabalhador fazer cessar
unilateralmente o acordo revogatório.
a) Recebida a comunicação, X fez saber a B que o mesmo não respeitou o prazo legal de
dois dias para a cessação unilateral do acordo revogatório, fixado no artigo 1.º, n.º 1 da Lei
n.º 38/96, de 31 de agosto, que havia sido revogado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto,
pelo que a cessação não produzia quaisquer efeitos jurídicos. Terá X razão?
Está em causa o problema da não repristinação. A resposta à questão é não. A revogação
da lei 99/2003 pela lei 7/2009 não implica a repristinação das soluções anteriormente
consagradas pela lei 38/2006 nos termos do art.7º n°4 que nos diz que a revogação da lei
revogatória não implica o renascimento da lei anterior, salvaguardando-se os efeitos já
produzidos de entre os quais a revogação de leis precedentes. Perante a inexistência de
prazo para a cessação unilateral do acordo revogatório ou se conclui que essa cessação
deixou de ser permitida ou se conclui que existe uma disciplina legal quanto ao seu prazo a
ser preenchida nos termos gerais de integração de lacunas. O legislador tem a
possibilidade de repristinar por lei nova uma lei já revogada e pode até atribuir efeito
retroativo a essa repristinação.
b) A solução seria a mesma caso a norma da Lei n.º 99/2003, que fixava o prazo para o
exercício do respetivo direito, tivesse sido declarada inconstitucional com força
obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional?
Não, a solução não era a mesma. Nos termos do art.281º da CRP haveria repristinação da
lei 38/96. Enquanto a declaração de inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc (para o
passado) a lei revogatória produz efeitos ex nunc (para o futuro). A lei revogatória era
inconstitucional ou ilegal desde o início e por isso não revogou validamente a lei anterior.
Nenhuma destas hipóteses se confunde com o caso em que a lei nova remete para um caso
em que a lei já estava revogada ou que a vigência cessou por qualquer outro motivo. Nesse
caso a lei nova não repõe em vigor a lei anterior apenas se apropria do conteúdo da lei
revogada, passando esse conteúdo a integrar a nova lei, mas nenhuns efeitos se poderão
fundar na lei revogada.

Ficha 13

1. A e B são proprietários de terrenos confinantes, separados por um muro que é comum a


ambos. Após dez anos de convivência pacífica, surgiu uma desavença entre os dois
vizinhos, motivada pelo facto de B ter aberto cavidades no muro comum até metade da sua
espessura e nelas ter encastrado pilares de ferro e cimento, tudo sem o consentimento do
vizinho, exigido pelo artigo 1372.º CC e não excluído, na opinião de A, pelo artigo 1373.º,
n.º 1 CC, que apenas se refere a traves e barrotes, e não a vigas. Em tribunal, B alega,
porém, que a situação concreta se enquadra nos objetivos do artigo 1373.º, n.º 1 CC, que
visa permitir ao proprietário edificar no seu terreno, aproveitando o muro comum,
argumentando ainda que o artigo apenas se refere a traves ou barrotes porque aquelas
eram as técnicas construtivas mais habituais na altura em que o Código foi elaborado.
Quem terá razão?
1. Verifica-se uma divergência de interpretação do art.1373º n°1 CC. Por interpretação
entende-se a atividade do jurista destinada a fixar o sentido e o alcance com que a norma
deve valer. Sem dúvida que não houve qualquer de entre os sentidos possíveis, sendo a lei
um instrumento de conformação e ordenação da vida social, dirigida a uma generalidade
de pessoas e a uma série indefinida de casos, deve procurar extrair-se dela um sentido que
valha para todas as pessoas e para todos os casos. Deve fixar-se um sentido decisivo da lei
que garante um mínimo de uniformidade de julgados. Para atingir tal objetivo é
fundamental a obediência a um conjunto de critérios e diretivas orientadores da atividade
do intérprete a que se dá o nome de Hermenêutica jurídica ou metodologia de
interpretação. A Hermenêutica jurídica define os objetivos da interpretação prevalecendo
hoje a orientação objetivista atualista e aponta igualmente os elementos interpretativos
que deverão ser utilizados conjuntamente, elemento literal e elemento lógico, que se
divide em histórico, sistemático e teleológico. Que é a prevalência da ratio legis que
conduzirá ao resultado a interpretação (declarativa, restritiva, extensiva).
No nosso caso recorre-se exclusivamente ao elemento gramatical de interpretação,
fazendo uma interpretação declarativa da norma. Plena interpretação entre o sentido
atribuído à norma e as palavras da lei. A faz uma interpretação literal, isto é, muito cingida
ao texto. Extrai das palavras o sentido que elas mais naturalmente comportam. B parte do
elemento gramatical, mas vai mais longe complementando-o com o elemento teleológico
(razão de ser da lei). A ratio legis do 1373 é permitir ao proprietário edificar ou constituir
no prédio que lhe pertence com aproveitamento da parede ou muro comum sem entraves
do vizinho, coproprietário do muro. Pouco ou nada relevante a técnica de construção
empregue. B faz uma interpretação atualista da norma. Á data em que a norma foi
elaborada a técnica mais habitual eram as traves e os barrotes, mas o sentido da lei não se
deve manter imutável, antes deve evoluir com o evoluir da vida. B chega a uma
interpretação extensiva segundo a qual o texto da lei "traves e barrotes" fica aquém do seu
espírito. A forma verbal adotada peca por defeito pois diz menos que aquilo que deveria
dizer. Deve-se alargar o sentido do texto fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da
lei. Parece que no caso B terá razão, cabendo na norma a interpretação extensiva que dela
faz. No seu caso a construção com recurso a vigas embora não se encontre diretamente
abrangido pela letra da lei, encontra-se no seu espírito.
Ficha de trabalho nº13

2. O n.º 2 do artigo 1699.º CC proíbe, nos casamentos celebrados por quem tenha
filhos, a estipulação da comunhão geral ou da comunicabilidade dos bens referidos
no n.º 1 do artigo 1722.º CC. A norma visa assegurar a proteção dos filhos do
cônjuge, garantindo-lhes que o seu progenitor manterá no seu património os bens
levados para o casal ou adquiridos a título gratuito. B e C, que viviam em união de
facto, foram recentemente pais de um menino, D, e decidiram finalmente casar-se.
Partindo de uma interpretação metodologicamente correta, diga se poderão
escolher o regime da comunhão geral de bens.
Ainda que o caso se encontre abrangido pela letra da lei, não parece ser abrangido pelo
seu espírito. Qual é a razão de ser do art.1699º/2 do CC? É proteger os filhos anteriores de
apenas um dos cônjuges, que a não existir esta proibição viriam as sua legitimas
expectativas sucessórias afetadas. Ao proibir nos casamentos celebrados por quem tenha
filhos a comunhão geral dos bens, esta norma visa salvaguardar os interesses sucessórios
dos filhos anteriores de apenas um dos cônjuges. E de que modo o faz? Garantindo-lhes
que o seu progenitor manterá no património próprio os bens levados para o casal, ou
adquiridos a títulos gratuitos ou ainda aqueles que estão sub-rogados no seu lugar. Bens
esses que não se confundirão no património comum do casal, que está sujeito a divisão por
metade com o cônjuge, que em caso de partilha levantaria a sua metade e ainda seria
herdeiro em concorrência com o filho.
Quando o filho é comum ao casal, a sua proteção em termos de património encontra-se
plenamente acautelada, isto porque, enquanto folho comum do casal ele sempre receberá
na qualidade de herdeiro, as qualidades que lhe cabe, seja qual for o regime de bens.
Portanto, concluímos que a proibição perde neste caso a sua razão de ser, e lá onde
termina a razão de ser da lei cessa/termina o seu alcance.
Parece que o legislador adotou um texto que atraiçoou o seu pensamento legislativo, na
media em que diz mais do que aquilo que deveria dizer. O interprete não se deve deixar
levar pelo alcance aparente do texto. Neste caso o interprete deve restringir o alcance do
texto de modo a corresponder com a raccio legis.
Assim, B e C podem optar por casar no regime de comunhão geral de bens, porque na
medida em que se trata de um filho comum e não se fazendo sentir por isso a necessidade
de proteção que motivou o art. em estudo, parece que se pode optar por este regime.

3. No dia 15 de maio de 2018, António e Bárbara, estudantes da FDUP, celebraram


um contrato de compra e venda, pelo qual aquele vendeu a esta um Código Civil pelo
preço de €7,5 euros. Ficou acordado que António entregaria a Bárbara o referido
Código Civil no dia 18 de maio e Bárbara pagaria o preço no dia 21, altura em que
receberia a sua mesada. Sucede que, no dia 18, António não apareceu na faculdade
para entregar o Código a Bárbara, conforme havia ficado combinado, tendo-lhe
enviado um SMS a explicar que se havia esquecido do Código Civil na casa dos seus
pais, onde apenas regressaria após o exame de Introdução ao Direito, no dia 22.
Bárbara, aborrecida, nada respondeu. Quando, no dia 21, António e Bárbara se
cruzaram na faculdade, António exigiu o pagamento dos €7,5 euros devidos pela
compra do Código, o que Bárbara recusa, invocando que António também não lhe
havia entregado o Código Civil, conforme se tinha comprometido. António rejeita a
argumentação de Bárbara, invocando que, nos termos do artigo 428.º CC, a exceção
de não cumprimento do contrato apenas se aplica “se não houver prazos diferentes
para o cumprimento das prestações”, o que não se verifica no contrato por eles
celebrado. Fazendo uma interpretação metodologicamente correta do artigo 428.º
CC, indique quem terá razão.
Trata-se de um contrato bilateral (colocar a definição)
Uma interpretação diz se metodologicamente correta quando é feita segundo a
metodologia da interpretação, ou seja, quando é feita segundo as diretrizes da
hermenêutica jurídica. De facto, temos um contrato que prevê prazos
diferentes para o cumprimento. Qual é a razão de ser desta norma? Trata-se de uma tutela
compulsória - é um meio de pressão para o cumprimento. Neste caso eles celebravam um
contrato compra e venda, mas este contrato prevê prazos diferentes para o cumprimento
das prestações. O ponto da divergência está em torno do âmbito de aplicação da norma em
contratos sem prazos diferentes.
António, numa interpretação muito baseada no elemento literal, entende que exceção do
não cumprimento do contrato só poder ser invocado quando o contrato não preveja
prazos diferentes para o cumprimento das prestações. Barbara, tomando em linha de
conta o elemento racional considera ser a exceção invocável devido ao incumprimento do
contrato do primeiro. O art.428º/1 CC cumpre uma finalidade compulsória- visa o
incumpridor a adotar a conduta, ainda que tardiamente. Deverá concluir-se que deve
aplicar a norma do 428º também nos casos em que a parte que não cumpriu deveria tê-lo
feito em primeiro lugar. A própria razão de ser da lei impõe a aplicação a este caso da
norma embora não seja diretamente abrangido pela letra da lei, é ainda abrangido pelo
seu espírito.
A forma que foi adotada peca por defeito, ou seja, o texto da lei diz menos do que aquilo
que queria dizer - interpretação extensiva. Neste caso, a letra da lei abrange menos casos
do que aqueles que deveria. Neste caso devemos fazer uma interpretação extensiva.
Também era necessário fazer uma interpretação corretiva - que está reservada para
situações onde temos lapsos.

4. D foi acusado da prática de crime de furto por ter subtraído a bicicleta de E. No


decurso da audiência, D declarou que se arrependera de imediato do ato que
praticou e que, duas semanas após os factos, devolvera o velocípede ao proprietário,
embora com algumas amolgadelas. Na sentença que proferiu, o juiz considerou
aplicável à situação a disciplina prevista no artigo 206.º, n.º 3 do Código Penal (“[s]e
a restituição ou reparação forem parciais, a pena pode ser especialmente
atenuada”), explicando que a restituição total da coisa furtada com perda de
qualidades é uma situação substancialmente análoga à restituição parcial prevista
na lei e, por isso, merecedora do mesmo regime. No entanto, E, na sua qualidade de
assistente, pretende recorrer da decisão, alegando que a mesma violou a proibição
de analogia em matéria penal vigente no nosso ordenamento jurídico. Quid iuris?
O juiz considerou que havia aqui uma lacuna. No seu entender a devolução da coisa
furtada com danos, seria um caso omisso - que é um caso que não está juridicamente
regulado, mas que possui relevância jurídica e que por isso deveria ser regulado. (art.8º/1
- estabelece uma obrigação de julgar- proibição de denegação de justiça). Nesta situação
aplicou a este caso por analogia o art.206º/3 do Código Penal, porque entendeu que havia
uma analogia entre a situação omissa e a norma 206º/3 do código penal.
Vamos ver se o juiz procedeu bem: vamos ver se existia de facto uma lacuna e, caso
concluamos que existe uma, vamos ver se procedeu bem ao integra-la com recurso à
analogia. Uma lacuna é uma situação juridicamente relevante para a qual o nosso
ordenamento jurídico não oferece resposta.
Como é que se detetam as lacunas?
1. temos de estar perante um caso que não se encontre regulado pelas fontes de
direito existentes
2. este caso tem de ter relevância jurídica - porque temos muitas situações que se
situam extramuros da ordem jurídica - pode ser um caso que remeta para a ordem
moral, religiosa, de trato social.
3. temos de ver se o caso juridicamente relevante também deve ser juridicamente
regulado.
Se se concluir que o caso omisso cabe dentro desta delimitação fundamental da ordem
jurídica, ainda é necessário determinar se ele deve ser juridicamente regulado.
Trata-se de um caso omisso - porque é um caso não regulado, na medida em que não é
possível por via da interpretação encontrar uma norma que o regule. Também não nos
parece que seja possível fazer uma interpretação extensiva da norma 206º/3 do Código
Penal de modo a que incorpore o caso.
O facto de o legislador ter regulado as situações das restituições totais ou parciais das
coisas furtadas, mas não ter regulado a restituição total da coisa com danos parece que
estejamos perante uma situação também necessita uma regulação jurídica.
Uma vez detetada a existência da lacuna temos de a integrar. Como é que se integram?
Art.10ºCC
1. analogicamente - princípio da igualdade - casos semelhantes devem ter soluções
semelhantes; certeza jurídica para obter uma maior similitude de casos julgados.
2. através da criação de normas ad-hoc, na falta de caso análogo
Em obediência ao art.10º/1 o interprete recorreu à analogia. Há ou não analogia entre as
duas situações? é necessário que o caso omisso e o caso regulado partilhem um núcleo
comum.
Qual é esse núcleo? Neste caso é o arrependimento, ou seja, o facto de ter havido
devolução da coisa furtada.
Parece que o juiz procedeu bem quando disse que havia uma analogia entre as duas
situações.
Só há proibição o recurso à analogia no Direito penal quando acentua a situação
desfavorável para o agente. Neste caso ao aplicar por analogia este caso, beneficia o sujeito
e não prejudica.
(continua)
Ficha de trabalho 13
5. Para custear uma cirurgia estética a que queria ser submetida, F vendeu a G o anel de
diamantes que lhe havia sido oferecido pelo seu falecido marido como presente de
noivado. Dois meses mais tarde, arrependida, F intentou em tribunal uma ação de
declaração de nulidade da venda, alegando que, sendo o anel mais valioso do que a maioria
dos imóveis, o negócio deveria ter sido celebrado por escritura pública ou documento
particular autenticado, como prescreve o artigo 875.º CC. Terá razão?
F considera que o art. 875º é aplicado analogicamente à venda do anel. Ainda que se
considerasse a existência de uma lacuna carecida de preenchimento, o que é muito
duvidoso, importa saber se a lacuna poderia ser preenchida com recurso á aplicação do
art. 875º. O art. 875º ao exigir para a validade do negócio a observância de uma forma
especial a escritura pública…constitui uma norma excecional face ao art. 219º que prevê a
liberdade de forma. O art.11º proíbe a aplicação analógica de normas excecionais, defende
o doutor Oliveira Ascensão e o doutor Oliveira de Sousa que o art. 11º deve ser objeto de
uma interpretação restritiva. Não é toda e qualquer norma excecional que não pode ser
aplicada analogicamente, só as normas material ou substancialmente excecionais é que
não comportam aplicação analógica. Isto porque o caráter excecional de uma norma pode
resultar apenas da formulação escolhida pelo legislador ou da técnica legislativa a adotar.
Por exemplo, a regra “é proibido estacionar exceto aos domingos” tem o mesmo
significado da regra “é permitido estacionar aos domingos”. Ora, se nada impede a
aplicação analógica desta
Última regra aos feriados, não se vislumbra qualquer razão para não permitir uma idêntica
aplicação analógica. Suponha-se que uma regra proíbe o estacionamento exceto para
cargas e descargas de produtos comerciais, se houver que determinar qual o regime
aplicável a um camião que pretende recolher o recheio da casa de um morador em
mudanças, é mais do que razoável aplicar analogicamente a exceção do que aplicar a regra
de proibição de estacionamento. Assim, só as normas substancialmente excecionais é que
não são suscetíveis de aplicação analógica, qualificam-se como normas materialmente ou
substancialmente excecionais as regras que por visarem uma utilidade especial vão contra
um princípio fundamental do direito, correspondem ao ius singulare.
Não basta a mera contradição de outra regra, é necessário ainda que contrariem os
princípios gerais por razões específicas do caso concreto. Só as regras materialmente
excecionais é que não consentem aplicação analógica, porque a peculiaridade da sua ratio
não permite a extensão a outros casos.
Regra geral e a regra materialmente excecional constituem um conjunto completo que não
comporta lacunas. Tudo o que não seja subsumível à regra excecionalmente material é
abrangido pela regra geral.
O art.875º é uma regra substancialmente excecional, não só estabelece um regime oposto
ao regime regra como contraria o princípio geral, fundamental e informador do direito
civil, o princípio da liberdade de forma que está intrinsecamente ligado aos princípios da
liberdade contratual de autonomia privada e da liberdade de iniciativa económica. Assim
sendo, uma vez que as normas substancialmente excecionais não admitem aplicação
analógica nos termos do artigo 11 aplica-se a este caso a regra geral da liberdade de forma
pelo que o negócio não parece de qualquer vício de forma e F não tem razão quando
invoca a sua nulidade.
Ficha de trabalho 14

1. O artigo 204.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, com a epígrafe “[f]urto qualificado”,
prevê que “[q]uem furtar coisa móvel ou animal alheios […] afeta ao culto religioso
ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao
culto ou em cemitério […] é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena
de multa até 600 dias”. Carlos, coveiro no Cemitério Municipal de X, é arguido num
processo-crime, por furto de várias carteiras no Cemitério, enquanto exercia as
suas funções e aproveitando a distração dos familiares de luto. Em tribunal, o
Ministério Público alega que Carlos deve ser punido com a pena aplicável ao furto
qualificado, ao abrigo do referido artigo 204.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
Carlos discorda, alegando que as carteiras não são objetos destinados à “veneração
da memória dos mortos”, motivo pelo qual ele não pode ser punido por furto
qualificado, mas apenas por furto simples, ao qual, nos termos do artigo 203.º, n.º
1, conjugado com o artigo 47.º, n.º 1, ambos do Código Penal, se aplica pena de
prisão até 3 anos ou pena de multa entre 10 e 360 dias. Fazendo uma interpretação
metodologicamente correta do artigo 204.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, diga
se, na sua opinião, o juiz deve condenar Carlos por furto qualificado ou por furto
simples.
Para interpretar corretamente a norma é necessário recorrer ao art.9º do CC que é uma
norma sobre normas, tendo aplicabilidade em todo o ordenamento jurídico o que quer
dizer que, embora se trate de uma norma integrada no código civil e estejamos a falar da
interpretação de uma norma do código penal, o art.9º será igualmente aplicável. Do lado
do Ministério Público temos uma interpretação extensiva porque embora as carteiras não
caibam diretamente no conceito de objeto destinado à veneração da memória dos mortos,
parece que o Ministério Público alarga o conceito para nele fazer caber também as
carteiras subtraídas do cemitério. O Ministério Público dá menos valor ao elemento literal
constante do art.9º n2 e 3. A admissibilidade da interpretação extensiva em direito penal é
discutida. Há autores como o Doutor Cavaleiro de Ferreira que entendem proibida toda a
interpretação extensiva em direito penal. Já o Doutor Figueiredo Dias aceita a
interpretação extensiva mesmo que in malam partem (em desfavor do arguido) (diferente
de in bonam partem) mas afete nesse caso teremos de ter mais cuidados hermenêuticos.
Não se trata de uma lacuna e de interpretação analógica porque, ainda que não se siga a
interpretação do Ministério Público porque se não se verifica nenhum fator que torne a
conduta furto qualificado, pelo que não se aplicam o art.1º n3 do CP e o art.29º n3 CC isto
porque a conduta de Carlos se encontra devidamente regulada. Carlos limita-se a eleger
um dos sentidos que o texto claramente comporta por ser esse que corresponde ao
pensamento legislativo. Conforme manda o art.9º há que reconstituir a partir do texto da
lei, o pensamento legislativo. Para isso é necessária a identificação da ratio legis. No caso
do art. 204º n°1 alínea c), a ratio legis é proteger a propriedade privada, a liberdade
religiosa e o respeito pela memória dos mortos, o que releva para efeitos de
responsabilidade penal do agente especial relação de funcionalidade entre o objeto de
apropriação material ilegítima e o espaço em que se encontra. Parece que a posição mais
razoável é a de Carlos pois não parece que a ratio legis abrange o caso que estamos a
considerar, isto porque não existe uma especial relação entre as carteiras e o cemitério
pelo que deve ser feita uma interpretação declarativa. Consequentemente Carlos deve ser
punido por furto simples.
2. Em maio de 2018, Ana vendeu a Bruno a sua quota na moradia de que ambos eram
comproprietários por €50.000,00, passando Bruno a ser o único proprietário da
casa. Ficou acordado que Ana, que vivia no imóvel desde 1987, deixaria a
habitação e entregá-la-ia a Bruno em fevereiro de 2019. Sucede que Ana não
abandonou a habitação em fevereiro de 2019, como havia sido acordado,
invocando ter já 65 anos e graves problemas de saúde, ser pessoa economicamente
desfavorecida e não ter conseguido realojamento pela Câmara Municipal, como
havia esperado. Perante esta recusa e depois de muita insistência, em junho de
2020, Bruno acabou por intentar uma ação executiva para entrega de coisa certa
contra Ana, exigindo que esta desocupasse de imediato a casa e lha entregasse. Em
sua defesa, Ana invoca o artigo 6.º-A, n.º 6, alínea b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de
março, na redação da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, segundo o qual ficam
suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório de
medidas de resposta à pandemia de Covid-19: “b) Os atos a realizar em sede de
processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de
diligências de entrega judicial da casa de morada de família”. Bruno contesta,
invocando que tem já negociada a venda da casa a Carlos e que irá perder o
negócio se Ana não desocupar de imediato o imóvel, o que lhe causará um prejuízo
grave à sua subsistência, dado que contava com esse valor para pagar o
empréstimo que fez ao banco para pagar a quota-parte da casa a Ana. Acrescenta
Bruno que esta situação se enquadra no n.º 7 do referido artigo 6.º-A, segundo o
qual: “[n]os casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de
insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis
de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este
pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause
prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o
tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.” Em resposta,
Ana argumenta que o n.º 7 do artigo 6.º-A não se aplica aos casos em que o imóvel
seja casa de morada de família, situação que é regulada pelo n.º 6, alínea b). Bruno
discorda, invocando que “o que o legislador não distingue não deve o intérprete
distinguir”.
a) Indique, na sua opinião e de modo justificado, quem terá razão.
No presente caso estamos perante um concurso de normas jurídicas de fonte legal e temos
uma divergência na interpretação do nº6 alínea b) e n°7 do art.6º- A. Por um lado, Ana faz
uma interpretação restritiva do n°7 uma vez que entende que quando o legislador se
referiu a vendas e entregas judiciais de imóveis disse mais do que queria dizer na medida
em que a letra da lei abrange inadvertidamente as casas de morada de família. Por outro
lado, Bruno faz uma interpretação declarativa entendendo que a expressão inclui qualquer
imóvel seja ele a casa morada de família ou não, pelo que Bruno dá mais relevo ao
elemento literal constante do art. 9° n°2 e 3. Para resolver o problema é fundamental
perceber qual a ratio legis das normas em questão. Ora, para esse efeito é necessário ter
presente a conjuntura em que as normas foram adotadas, a chamada ocasio legis,
conforme indica o art.9° n1 viva-se o contexto pandémico pelo que procurou o legislador
ao adotar este regime jurídico assegurar as condições de habitabilidade em contexto de
confinamento. Entendeu a relação do Porto que se era esse o objetivo da lei, então a
solução mais conforme com esse objetivo é a interpretação restritiva da norma o que
significa que o n°7 não se pode aplicar quando esteja em causa a casa morada de família.
Por conseguinte, deve interpretar-se restritivamente o conceito de imóvel de modo a nele
não fazer caber os imóveis destinados a casa morada de família, motivo pelo qual é a Ana
quem tem razão.
2.
b) Tendo presentes os artigos 879.º, alínea b) e 777.º, n.º 1 CC, a sua resposta seria a
mesma se o regime jurídico consagrado no artigo 6.º-A da Lei n.º 1- A/2020, de 19 de
março, na redação da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, constasse não de Lei da Assembleia
da República, mas de Resolução do Conselho de Ministros?
Neste exercício está em causa um problema de hierarquias. Por um lado, temos as normas
do código civil aprovado por um decreto lei e, por outro lado, temos as normas de
resolução do conselho de ministros que constitui um regulamento administrativo. O
código civil assume a forma de lei solene porque é uma lei em sentido material e em
sentido formal. É uma lei em sentido material dado que é segundo Oliveira ascensão “um
texto ou forma significativa de uma ou mais regras imanada com observância das formas
estabelecidas de uma autoridade competente para pautar critérios jurídicos de solução de
situações concretas. É uma lei em sentido formal visto que se reveste da forma destina por
excelência ao exercício da função legislativa do estado. As resoluções do conselho de
ministros enquanto regulamento de expressão assumem a forma de lei comum porque
embora sendo lei em sentido material, não o são em sentido formal. Nem sempre as leis
são exequíveis porque frequentemente precisam de regulamento e que lhes confiram
executoriedade, tendo assim o Governo um poder normativo originário que se exerce na
obediência ás leis existentes conforme o disposto no art.199º alínea c) da CRP, os
regulamentos têm um caráter subordinado sendo que estes devem respeitar as posições
legais, o que não significa que cada regulamento pressuponha uma lei determinada que
venha concretizar visto que pode haver regulamentos autónomos subordinados á ordem
jurídica no seu conjunto mas sem estrita dependência de uma certa lei.
Quando surjam em conflito normas emanadas de hierarquia de fontes, prefere a norma
hierárquica superior por força do princípio da superioridade. Para aplicar este princípio é
preciso conhecer a hierarquia entre leis sendo que no topo da pirâmide estão as leis
constitucionais sendo seguidas das leis reforçadas, vindo depois as leis, decretos-lei e
decretos legislativos regionais, desde que respeitadas as regras de competência absoluta e
as regras de competência relativa dos órgãos de onde emanam os diplomas. Por fim estão
os regulamentos, dentro deste está o decreto regulamentar do governo, do conselho de
ministros, a portaria e por último os factos normativos.
Deste modo, as normas da resolução do conselho de ministros ainda que posteriores não
derrogam os arts. 879º alínea b) e 777º n1 do CC porque as normas deles contidas são
hierarquicamente superiores. Assim, Ana deve desocupar o imóvel e entregá-lo a Bruno.

3. Álvaro, casado com Bruna, é atropelado por Xavier que conduzia embriagado. Álvaro
não morre, mas sofre graves lesões corporais, ficando em estado vegetativo. Na sequência
do acidente, Bruna vê a sua vida irreversivelmente alterada e entra numa depressão
profunda, pretendendo, por isso, ser ressarcida dos danos não patrimoniais sofridos com
fundamento no artigo 496.º, n.º 2 CC. Xavier entende que Bruna só teria direito a ser
compensada se do acidente tivesse resultado a morte de Álvaro, conforme resulta do texto
do mencionado preceito.
a) Fazendo uma interpretação metodologicamente correta do artigo 496.º, n.º 2 CC, diga se
os danos não patrimoniais sofridos por Bruna são ressarcíveis.
Neste caso existe uma divergência da interpretação do art.496 n2. Por um lado, Xavier
socorrendo-se do elemento literário da interpretação, ou seja, da letra da lei. Faz uma
interpretação meramente declarativa da norma, a norma refere-se à morte e como tal, se
Álvaro está vivo não há lugar á aplicabilidade do preceito. Diferentemente, Bruna lançando
mão do elemento teleológico, defende a compensabilidade destes danos nos casos em que
a lesão corporal, apesar de não produzir a morte provoca afetações graves da saúde do
lesado imediato e em que se possa por isso afirmar a idêntica gravidade das consequências
danosas.
Bruna, concluindo que a letra do texto fica aquém do seu espírito procede a uma
interpretação extensiva.
A ratio legis do preceito legal é proteger os familiares mais próximos da vítima, uma vez
que com a morte desta vivenciam um profundo sofrimento. Se assim for, podemos admitir
uma interpretação extensiva da norma nos moldes em que a faz bruna porque o
sofrimento dos familiares em caso de morte é equiparável ao sofrimento deles num caso
como o nosso em que a vítima fica num estado irreversível.

b) Suponha que, atendendo à divergência de julgados nesta matéria relativa ao alcance do


artigo 496.º, n.º 2 CC, foi emitido um acórdão uniformizador de jurisprudência. Pode um
tribunal de 1.ª instância proferir uma decisão em sentido contrário?
Na questão em análise surge a problemática das fontes de direito e dos AUJ, na sequência
da abolição dos assentos por inconstitucionalidade a necessidade de atingir maior
segurança nas decisões e evitar desperdício de atividade jurisprudencial perante casos
semelhantes muitas vezes repetidos levou ao surgimento dos AUJ. No nosso sistema
jurídico, pertencente à família da Civil Law, não existe o precedente obrigatório
característico dos sistemas de Common Law. Vigorando antes o princípio da dependência
judicial nos termos previstos do art.203º da CRP e art.4 número 1 do estatuto dos
magistrados judiciais segundo os quais os juízes julgam apenas de acordo com o direito
objetivo. Significa isto que os órgãos jurisdicionais inferiores não têm de julgar conforme o
que fizeram já tribunais superiores. Assim, o tribunal de primeira estância não está
vinculado a seguir o AUJ que o STJ haja referido sobre a matéria, podendo contrariar a
jurisprudência uniformizado e decidir noutro sentido, não obstante, os AUJ têm um valor
reforçado por serem adotados pelo pleno das secções do STJ e nessa medida exercem o
papel de precedente persuasivo. Porém os tribunais inferiores contrariamente ao que
sucedia com os assentos não estão obrigados a seguir os AUJ, o que garante a
independência judicial e permite afirmar que a jurisprudência não é entre nós fonte de
direito. Deste modo, um tribunal de primeira estância pode decidir diferentemente
daquilo que constando AUJ, mas isso constitui motivo para a admissibilidade especial por
recurso.

Ficha 15
1. Invocando o estado de emergência financeira, o Governo apresentou à Assembleia da
República uma proposta de lei destinada a atenuar as dificuldades financeiras resultantes
da declaração de inconstitucionalidade de algumas medidas do Orçamento do Estado de
2013. A proposta foi aprovada, com os votos da maioria, tendo dado origem à Lei n.º
X/2013, em 20/04/2013. Uma das medidas aprovadas consistia na eliminação dos dias de
férias suplementares a que tinham direito os funcionários públicos (em virtude da idade,
da antiguidade ou da avaliação de desempenho), determinando a Lei n.º X/2013 que este
regime se aplica a todas as férias ainda não gozadas. A “Associação de Funcionários
Públicos Amigos do Lazer” indignou-se contra esta disposição, que diz ser “retroativa”, já
que o direito a férias se vence no dia 1 de janeiro. A “Associação dos Amigos do Trabalho”
afirma que a retroatividade não é proibida em Portugal. Quid iuris?
As leis sucedem-se no tempo. Não chega a haver um conflito real de normas aplicáveis por
força do princípio da posterioridade, mas isso não significa que não possa haver um
conflito de leis no tempo. É que a entrada em vigor de uma nova lei não provoca um corte
radical na continuidade da vida social. Há factos e situações que se tendo verificado antes
do início da vigência da lei nova tendem a continuar no futuro ou a projetar-se nele, e
nesses casos põe-se o problema de saber qual das leis deve ser aplicada, se a lei nova se a
lei antiga. Está, portanto, em causa a problemática da aplicação da lei no tempo. A lei nova
é retractiva pois aplica-se a direitos adquiridos anteriormente em 1 de janeiro de 2013,
afetando-os, porém, não estando em causa matéria de direitos liberdades e garantias,
direito penal e direito fiscal, a retroatividade da lei não é proibida do ordenamento
jurídico português. É de notar, contudo que a Jurisprudência constitucional tem vindo a
entender que a lei nova que afete efeitos garantidos por uma lei antiga deve ser
considerada inconstitucional se violar o princípio da proteção da confiança dos cidadãos
que decorre do princípio da segurança jurídica, baseado no princípio do Estado de direito
democrático, previsto no art. 2° da CRP, excluindo-se deste modo a proibição arbitrária de
direitos adquiridos. A Jurisprudência constitucional sobre o princípio da segurança
jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário
que se reúnam 2 pressupostos: a afetação de expectativas em sentido desfavorável será
inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que razoavelmente os
destinatários das normas dela constantes não possam contar. Quando não for ditado pela
necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que
devam considerar-se prevalecentes. Deve recorrer-se aqui ao princípio da
proporcionalidade consagrado a propósito dos DLG no art.18° da CRP.
2. O artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, prevê a alteração da taxa de
tributação autónoma para despesas de representação relacionadas com viaturas ligeiras
de passageiros, prevista no artigo 81.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC, de 5% para 10%,
produzindo efeitos desde 1 de janeiro de 2008. Da aplicação desta norma resultou para o
Banco A um excesso de 1176,42€ no apuramento da matéria de tributação autónoma. A
vem alegar, em tribunal, a inconstitucionalidade desta norma, dizendo que “é uma norma
verdadeiramente retroativa e, consequentemente, inconstitucional por violar o princípio
da não retroatividade da lei fiscal”. Quid iuris?
Neste caso está em causa a aplicação da lei tributária no tempo. Em matéria fiscal existe
um princípio geral de proibição de retroatividade de lei que crie ou aumente impostos,
constitucionalmente consagrado no art.103º da CRP. A Jurisprudência tem feito uma
distinção na aplicação deste princípio entre retroatividade autêntica e retroatividade
imprópria. A proibição da retroatividade no domínio fiscal apenas se aplica à
retroatividade autêntica que é aquela em que o facto tributário que a lei pretende regular
já produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga. A retroatividade é imprópria
quando a lei nova é aplicada a factos passados, mas cujos efeitos ainda perduram no
presente como sucede quando as normas fiscais produzem um agravamento da posição
fiscal dos contribuintes em relação a factos fiscais tributárias que não acorreram ao abrigo
da lei antiga e que continuam a formar-se no decurso do mesmo ano fiscal na vigência da
lei nova, por exemplo os impostos sobre o rendimento. Nesta hipótese não se aplica a
proibição de retroatividade. Tendo esta distinção presente é preciso agora ver se a
aplicação da lei nova in caso envolve uma retroatividade autêntica ou uma simples
retroatividade imprópria para se averiguar se ela é constitucionalmente proibida ou não.
Neste caso a lei nova vem alterar uma taxa de tributação autónoma agravando. As taxas de
tributação autónoma incidem sobre certas despesas que o legislador pode pretender
penalizar. São calculadas de forma independente e autónoma do IRC. Na tributação
autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo, isto é, esgota-se no
ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação. O facto de a
liquidação de um imposto ser efetuada num determinado período não transforma esse
imposto num imposto periódico de carácter duradouro. Essa operação de liquidação
traduz-se apenas na agregação para efeito de cobrança do conjunto de operações sujeitas a
essa tributação autónoma, por consequência, a aplicação da lei nova com uma taxa
agravada a despesas de representação já efetuadas no passado, envolve uma
retroatividade autêntica constitucionalmente vedada por quando se traduzir à aplicação
de uma lei nova a factos passados que já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei
antiga. Assim, não pode a lei nova, sob pena de violação da proibição da retroatividade,
imposta no art. 103º da CRP agravar o valor da taxa de tributação autónoma relativamente
a despesas já efetuadas aquando da sua entrega em vigor. Por isso, A tem razão sendo a
norma inconstitucional.
1. Em março de 2006, C, exasperado com os maus resultados do seu clube,
agrediu o filho, D, com bofetadas e socos, deixando-lhe marcas visíveis no rosto
e no corpo. À data dos factos, a conduta de C era punida com pena de prisão de
1 a 5 anos (artigo 152.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal). Entretanto, antes da
realização do julgamento, foi publicada a Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro,
que agravou para 2 anos o limite mínimo da pena aplicável a tais crimes
quando cometidos contra menores e, além disso, veio prever a possibilidade de
o agente ser inibido do exercício das responsabilidades parentais por um
período de 1 a 10 anos (artigo 152.º, n.ºs 2 e 6 do Código Penal).
Imprimir o art.2º CP
a) Pronuncie-se sobre a aplicabilidade da lei nova ao caso sub judice.
Em matéria de Direito penal, é constitucionalmente proibida a aplicação retroativa da lei
penal menos favorável (art.29º n4 CRP e art.2º n1 CP). Em principio aplica-se a lei penal
em vigor à data da prática do crime e a isso chamamos “tempus delicti” (art.3º CP). Só
assim não será de surgir uma lei nova de conteúdo mais favorável ao agente, caso em que
esta última, por imposição constitucional se aplica retroativamente. A isto chamamos de
princípio de retroatividade “in mitius” (art.29º n4 CRP art.2º n4 CP). Neste caso, a lei nova,
na medida em que agrava o limite mínimo da pena aplicada não se podia aplicar ao caso
sub judice mesmo que consagrasse a sua retroatividade pois tal seria inconstitucional.
b) Suponha que, no decurso do processo, uma nova lei veio eliminar aquela
circunstância agravante, punindo a violência doméstica contra menores com a
pena aplicável aos casos em que a vítima é um adulto (1 a 5 anos de prisão). Em
virtude da reação negativa a esta modificação legal, considerada um “retrocesso
civilizacional”, à data do julgamento já o legislador tinha restaurado novamente a
pena agravada (2 a 5 anos de prisão). Qual a lei aplicável ao caso?
No âmbito do Direito Penal o juiz deve considerar todas as leis aplicáveis ate o julgamento
e aplicar aquela que é mais favorável ao arguido – retroatividade in mitius. No caso em
apresso, não sendo nenhuma das leis intermédias mais favorável ao arguido, aplica-se a lei
em vigor à data da prática dos factos, ou seja, a lei 1.
c) Suponha que, em 2008, foi aprovada uma alteração ao artigo 2034.º CC, pela qual
se acrescentou à previsão legal uma nova causa de indignidade sucessória: ter o
sucessível sido condenado pelo crime de violência doméstica ou maus-tratos
contra o autor da sucessão. Entretanto, em 25/11/2010, D foi atropelado
mortalmente quando ia a caminho da escola. Poderá C, condenado pelos factos
descritos, suceder na herança aberta por óbito do filho?
De acordo com a doutrina do facto passado, a lei nova não se aplica a factos ocorridos
antes do seu inicio de vigência sob pena de retroatividade. BM considera esta forma
inexata pelo seguinte motivo: a lei nova pode aplicar-se a factos passados sem que tal
envolva necessariamente a sua retroatividade. Segundo o autor, tendo em conta que o
problema da aplicação da lei no tempo, é no fundo o problema ade determinar a lei
competente importa distinguir entre factos determinantes da competência da lei e factos
abrangidos no campo da aplicação da lei competente. Não são todos e quaisquer factos que
determinam a competência da lei, mas tao só e apenas os factos constitutivos,
modificativos ou extintivos de situações jurídicas. Isto posto, a teoria do facto passado
enquanto critério determinativo da competência da lei nova e não os factos a que esta se
aplica deverá ser formulada da seguinte forma. A lei nova não se aplica a factos
constitutivos, modificativos ou extintivos verificados antes do seu inico de vigência. Será
retroativa sempre que se aplique a factos passados por ela própria visados como factos
constitutivos, modificativos ou extintivos de situações jurídicas. Mas já nada impede que
uma vez determina a competência da lei nova com fundamento na circunstancia de um
facto constitutivo da situação jurídica se passar sobre a sua vigência a mesma lei seja
aplicada a factos passados que ela assume como pressupostos positivos ou negativos
relativamente à questão da validade ou admissibilidade da constituição da situação
jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência. Aplicando ao caso concreto, a lei
nova que vem prever a condenação em crime de violência domestica ou de maus tratos
contra o autor da sucessão como causa de indignidade sucessória é a lei competente para
regular a situação em apresso, a sucessão por morte, pois o facto constitutivo da situação
jurídica que determina a abertura da sucessão tem lugar já sobre o seu império pois a lei
nova entre em vigor em 2008 e a morte ocorre em 2010. Nada obsta a que a lei nova, uma
vez estabelecida a sua competência, seja aplicada a factos passados que ela assume como
pressupostos da constituição da situação jurídica, nada impede que a lei nova, uma vez
fixada a sua competência, se reporte a factos anteriores que se verificaram antes do seu
inicio de vigência, utilizando como pontos de referencia para definição do regime de
direito material da situação jurídica criada na sua vigência. Fala-se aqui de retro conexão.
Pertencem à categoria doa factos pressupostos as causas de indignidade sucessória, a
condenação de C é um facto pressuposto. Em síntese, a capacidade sucessória, de uma
pessoa suceder a outra por morte desta ultima, avalia-se à data da morte do de cuis á luz
da lei em vigor nesse momento, o que corresponde à lei nova. Assim, C não poderá suceder
na herança aberta por óbito do seu filho D.
4. A emprestou a B a quantia de 10.000€, tendo-se convencionado que o empréstimo teria
o prazo de dez anos e que os juros venceriam anualmente à taxa de 5%. Dois anos depois,
entrou em vigor um diploma legal que fixou em 4% a taxa de juro máxima para o mútuo
civil, determinando-se que a nova taxa seria aplicável aos contratos celebrados
anteriormente à sua entrada em vigor e ainda em execução.
a) B pretende que A lhe restitua aquilo que já pagou a título de juros e que ultrapasse a
taxa de 4%, alegando para o efeito que a nova lei é retroativa. Terá razão?
Suscita-se um problema de aplicação retroativa da lei. Nos termos do art.12º n1, em regra
a lei apenas dispõe para o futuro, é o principio geral de não retroatividade da lei, apenas
gozando de eficácia retroatividade nos casos em que esta lhe é atribuída e mesmos nesses
casos presume-se retroatividade de grau mínimo ficando ressalvados os efeitos já
produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Respeitam-se os efeitos de direito já
produzidos pela situação jurídica já produzidos pela lei antiga. No presente caso, a lei nova
é de facto uma lei retroativa dado que determina a sua aplicação a contrato celebrados
antes da sua entrada em vigor. Trata-se de uma disposição transitória de caracter formal
ou remissivo. É uma disposição que apenas se limita a determinar qual das leis, a lei antigo
ou a lei nova, é aplicável a determinadas situações. No caso em apresso, o legislador opta
pela lei nova para resolver o problema da sucessão de leis, porém, contando que sejam
respeitados os limites constitucionais, nada impede o legislador de conferir eficácia
retroativa à lei nova. Não nos situando nós aqui, em qualquer das áreas em que a CRP
proíbe a retroatividade das leis nada parece obstar à atribuição de retroatividade a este
regime jurídico. Assim, a lei nova, é aplicável ao contrato celebrado entre A e B. para
responder à questão temos de averiguar o grau de retroatividade da lei nova e sendo que
nada é dito em sentido diferente a retroatividade da lei, quando exista, presume-se de grau
minino nos termos do art.12º/1 2º parte, o que significa que a lei nova conta a taxa
máxima de 4% apenas se aplica aos juros que se vença apos a sua entrada em vigor não
tendo qualquer efeito sobre os juros vencidos antes. Deste modo a pretensão de B não será
atendida e A não terá de devolver aquilo que já recebeu de juro e que ultrapasse a taxa de
4%.
b) Suponha que a nova lei estabelecia que a taxa máxima de 4% seria aplicável a
todos os mútuos civis, ainda que o mutuário tenha já sido condenado a pagar juros
a uma taxa superior por decisão judicial transitada em julgado. Esta solução legal é
admissível do ponto de vista constitucional.
Esta solução legal importa o desrespeito de caso julgado anterior dado que ataca uma
decisão judicial definitivamente transitada e julgada. O caso julgado consiste na
impugnabilidade de uma decisão decorrer do seu transito em julgado. Transitado em
julgado, a decisão deixa de ser suscetível de recorrer ordinário de declaração tornando-se
por conseguinte definitiva e passando a ter força obrigatória dentro e fora do processo. O
caso julgado é assim um meio técnico que permite operar a estabilização do resultado do
processo e a definitividade da resolução de um litigio. Dentro das finalidades do direito, o
caso julgado prossegue a finalidade da segurança jurídica na sua dimensão de certeza
jurídica. Esta solução legal não é admitida pela CRP. O principio da não retroatividade da
lei que afeta o caso julgado embora não tenha consagração constitucional expressa, pode
extrai-se dos seguintes preceitos: art.111º CRP – se a lei nova pudesse ser aplicada a
situações já definitivamente decididas pelos tribunais e transitadas em julgado e se
eventualmente o legislador discordasse de tais decisões jurisdicionais, poderia fazer novas
lais, que aplicando-se a casos julgados, traduziriam uma interferência na função legislativa
jurisdicional, violando-se deste modo, o principio da separação de poderes; art.242º/3
CRP- se se considera que os casos julgados como base na lei antiga constitucional não
podem ser atacados, por maioria de razão, também se considerara que os casos decididos
com base numa lei antiga cuja constitucionalidade não foi sequer questionada não possam
ser postos em causa porque o legislador fazendo uso do seu poder de auto revisibilidade
entendeu revogar a lei antiga e fazer uma lei nova para regular a situação. Em suma, esta
solução legal não é admissível do ponto de vista constitucional, a norma da lei nova que
viola o principio da separação de poderes e é contraria à CRP segundo o argumento de
maioria de razão. Se por força do 242º/3 num caso de inconstitucionalidade e ressalvado o
caso julgado, por maioria de razão, a mesma solução devera ser aplicada nos casos de
simples alteração legislativa.

5. No domínio de vigência do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, que aprovou o


Regime do Arrendamento Urbano (RAU), os arrendamentos para o comércio, indústria ou
o exercício de profissão liberal estavam sujeitos a escritura pública. Em 15/12/2005, A
decidiu tomar de arrendamento um andar para nele instalar o seu consultório médico.
Porém, apesar da norma que obrigava à celebração de escritura pública, limitou-se a
outorgar um documento particular com reconhecimento de assinaturas, de modo a evitar
os pesados encargos notariais que impendiam sobre tais atos. Entretanto, a matéria do
arrendamento urbano sofreu profundas modificações, resultantes da aprovação do Novo
Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. Por
força deste diploma, passou a ser dispensada a celebração por escritura pública, bastando
que o contrato de arrendamento fosse celebrado por escrito (artigo 1069.º CC), solução
que foi mantida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
a) Diga, justificando, se o contrato de arrendamento celebrado por A é válido.
Não, a lei nova dispondo sobre os requisitos de validade formal do ato, só se aplica a
contratos celebrados após a sua entrada em vigor nos termos do art.12º n2 1º parte,
estando em causa uma condição de variável formal entende-se em caso de duvida que a lei
nova apenas visa os factos novos. A lei que regula a validade ou invalidade de quaisquer
factos é a lei vigente ao tempo da prática dos mesmos factos. Assim, ao contrato celebrado
por A aplica-se a lei antiga em vigor ao tempo da sua celebração que exigia para a
conclusão válida de contrato de arrendamento celebrado através de escritura pública. A
falta de observância desta forma determina a nulidade do contrato por vicio de forma nos
termos do art.220º. No entanto, poderia suscitar-se no caso, a hipótese de estarmos
perante uma lei confirmativa tácita. As leis confirmativas são as leis novas que, aligeirando
formalidade havidas por demasiado pesadas exigidas pela lei antiga vêm, confirmar os
atos praticados ao abrigo da lei antiga que não respeitavam essas mesmas formalidades
afastando a determinação de nulidade ou anualidade dos mesmos. Quando a lei nova
expressamente confirma a validade dos atos anteriores, então a lei é retroatividade e
aplica-se aos atos anteriores e ficam assim convalidados. Porém, quando a lei nova nada
diz, quando não contem uma disposição confirmativa de atos anteriores, parece que não
deverá admitir-se em mais que exista sempre uma confirmação tácita dos atos praticados
só abrigo da lei antiga que não respeitarem as formalidades exigidas por esta ainda que
respeitem as formalidades exigidas pela lei nova. A regra devera ser a de que ás condições
de validade normal se aplica a lei em vigor à data do facto. BM defende ser de aplicar aqui
o principio da retroatividade in mitius, característica do Direito penal, isto é, sempre que a
lei nova seja mais favorável aos interesses dos particulares, sem prejuízo de uma
contraparte ou de terceiros, aplica-se uma lei nova.
Ficha 15
5.
b) O RAU estabelecia que, “na falta de estipulação”, o contrato se considerava
celebrado pelo prazo de 5 anos. A regra supletiva passou, todavia, a ser de
10 anos com o NRAU. Sabendo que nada se estabeleceu no contrato, diga
qual o prazo de duração do arrendamento celebrado por A.
Temos uma sucessão de leis no tempo. Há que determinar qual das duas leis, se a
lei antiga que previa o prazo de 5 anos, se a lei nova que previa o prazo de 10 anos
é aplicável ao caso em apreço. A regra geral é nos termos do art.12º n1, a de que a
lei apenas dispõe para o futuro – principio geral da não retroatividade da lei. O
art.12º n2 vem densificar o critério geral da aplicação da lei no tempo. Dele resulta
que e aplica: só aos factos novos a lei que dispõe sore as condições de validade
substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos; ás próprias
situações já constituídas a lei que dispuser sobre o conteúdo de certas relações
jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem. Na primeira parte do
art.12º n1, prevê-se a hipótese da lei regular efeitos sabendo-se que o próprio
conteúdo de situações jurídicas pode ser considerado um efeito de um facto, surge
a necessidade de distinguir os efeitos que estão previsos na primeira parte do
preceito e os que caiem já no âmbito da segunda parte. o elemento decisivo está na
referencia à lei que dispomos sobre o conteúdo de certas situações jurídicas
abstraindo dos factos que lhes deram origem. É que a lei nova pode regular efeitos
como expressão de uma valoração dos factos que lhes deram origem. Nesse caso,
aplica-se só aos factos novos. Pelo contrário, a lei nova pode atender diretamente à
situação seja qual for o facto que a tiver originado. Por outras palavras, a lei nova
regula os efeitos de um facto com abstenção desse facto sempre que os efeitos se
encontrem de tal modo autonomizados do seu facto originador que não implicam
nenhuma valoração desse mesmo facto, não fazendo sentido aplica-se a lei antiga.
Aplica-se então imediatamente a lei nova. No nosso caso, a lei nova, dispõe sobre o
conteúdo da relação jurídica de arrendamento. Para sabermos se a lei nova se
aplica ás relações jurídicas contratuais constituídas antes do seu início de vigência,
mas que se mantém temos de averiguar se a lei nova regula o conteúdo da relação
jurídica sem atender ao facto que lhe deu origem, abstraindo-se dele. O facto que
aqui dá origem à relação jurídica é a celebração do contrato pelas partes. Estando
em causa a alteração de uma norma supletiva, não se pode considerar haver
abstração dos factos que deram origem à relação jurídica nos termos, e para os
efeitos do art.12º n2 2º parte. sendo a norma supletiva uma norma dispositiva que
supre a falta de manifestação de vontade das partes parece dever entender-se que
no fundo as partes tomaram a decisão de incluir aquele regime supletivo na
disciplina contratual e, deste modo, deve considerar-se não haver abstração dos
factos que deram origem à relação jurídica. a norma supletiva deve considerar-se
como incorporada no contrato por ter sido como tacitamente acolhida nas suas
disposições, pela vontade das partes e esta deve ser respeitada salvos quando
motivos ponderosos impunham o seu sacrifício. Desde modo, a lei nova, que altera
o prazo supletivo do contrato não se aplica ao contrato celebrado por A, mantendo-
se o prazo supletivo de 5 anos. Caso estivemos perante uma norma imperativa, que
não pode ser afastada por vontade das partes, a solução já seria diferente. Já se
considera haver abstração dos factos que deram origem à relação jurídica e a
norma nova aplica-se mesmo às relações jurídicas anteriormente constituídas.

6. Após um fim de semana passado na Serra da Estrela em inícios de fevereiro


de 1996, A, seguia, de regresso para o Porto, no seu veículo pela EN230,
quando, devido a uma falta repentina de travões, se despistou, indo embater
numa árvore. B, colega da Faculdade de A, a quem A dava boleia para o
Porto, foi, com o embate, projetado contra o tabliê, tendo sofrido diversas
fraturas. B ficou internado até meados de fevereiro de 1996. Durante mais
de um mês, B teve de ir a consultas externas e a tratamentos
fisioterapêuticos, com os quais teve elevados custos, para além do
sofrimento físico que experienciou na recuperação. Acresce que, durante
este período, ficou impossibilitado de trabalhar, tendo deixado de auferir os
seus salários. À data da ocorrência do acidente, o artigo 504.º, n.º 2 CC
estatuía que: “[n]o caso […] de transporte gratuito, o transportador
responde apenas, nos termos gerais, pelos danos que culposamente causar”.
Esta redação foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 14/96, de 6 de março, cujo n.º
3 passou a estatuir que: “[n]o caso de transporte gratuito, a
responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa
transportada”. No dia 15 de abril de 1996, B, pretendendo responsabilizar A
pelos danos que sofreu, intenta contra ele uma ação de indemnização. B
fundamenta a sua pretensão na nova redação do artigo 504.º, que, embora
restrinja a responsabilidade do transportador aos danos pessoais do
transportado, prescinde da culpa do transportador. A contesta a ação,
alegando que nada tem de ressarcir, já que o artigo 504.º CC, na redação
vigente ao tempo do acidente, só previa, no transporte gratuito, a
responsabilidade do transportador, em caso de culpa do transportador no
acidente, culpa essa que, no caso dos autos, não existiu (na medida em que o
acidente se ficou a dever a uma falta de travões que não lhe é imputável).
Quid iuris?

Está em causa o problema da aplicação da lei no tempo. Há data da ocorrência do


acidente a lei estipulava que se tratando de transporte gratuito só eram
ressarcíveis os danos culposamente causados pelo transportador. Sucede que,
ainda antes de a ação de indeminização dar entrada em tribunal a redação da lei foi
alterada, passando a prever que no caso de transporte gratuito são ressarcíeis
independentemente de culpa, os danos pessoais causados na pessoa transportada,
por exemplo lesões à integridade física. Para o ressarcimento dos danos pessoais
do transportado deixa de se exigir a culpa do transportador na causação desses
danos. Temos uma sucessão de leis no tempo e por isso há que determinar qual das
duas leis é aplicável ao caso em apreço. A lei nova vem alterar os pressupostos que
se devem verificar para haver responsabilidade civil. A lei antiga determinava que
para haver responsabilidade pelos danos sofridos pelo transportado
gratuitamente, o transportador rinha de ter culpa na produção do acidente,
causador dos danos. A culpa constituía um prossuposto da responsabilidade civil
do transportador. A lei nova vem dispensar estes requisitos. O transportador passa
a responder independente de culpa sua na produção do acidente. Se a lei nova
altera os pressupostos de facto que devem estar preenchidos para haver
responsabilidade civil e consequentemente obrigação de indemnizar, está em
causa um facto constitutivo. De acordo com BM, podemos sintetizar a teoria da
aplicação da lei no tempo distinguindo entre conteúdo e constituição das situações
jurídicas. À constituição das situações jurídicas aplica-se a lei de momento em que
essa constituição se verifica. Ao conteúdo das situações jurídicas que subsistem à
data do inicio de vigência da lei nova, aplica-se imediatamente a lei nova, exceto se
esta regular o conteúdo as relações jurídicas atendendo ao facto que lhes deu
origem. Para sabermos qual das duas leis é aplicável, temos de atentar no facto
constitutivo da situação jurídica. a lei nova não se aplica a factos constitutivos
ocorrido antes do seu inicio de vigência. No nosso caso, o facto constitutivo da
responsabilidade civil é o acidente que ocorreu no domínio da lei antiga pelo que
se aplica a lei antiga e não a lei nova. A responsabilidade civil extracontratual é
regulada pela lei vigente ao tempo da prática do facto gerador da responsabilidade.
Assim, A tem razão, aplicando-se a lei antiga e não tendo o acidente procedido de
culpa sua, não terá de indemnizar os danos sofridos por B.

7. Carlos e Diana viveram em união de facto durante 22 anos, residindo no


apartamento de Carlos, sito em Gondomar, até à data do falecimento deste,
em 1 de fevereiro de 2007. À data do falecimento de Carlos, estava em vigor
a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, cujo artigo 4.º, n.º 1 dispunha que: “[e]m
caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada
comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação, pelo prazo de
cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua
venda”. Desde o falecimento de Carlos, Diana tem residido na casa de
morada comum ao abrigo desta norma. Sucede que, em 2010, a Lei n.º
7/2001 foi alterada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, passando a
matéria em causa a ser regulada pelo artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, com a seguinte
redação: “1 - Em caso de morte do membro da união de facto proprietário
da casa de morada da família e do respetivo recheio, o membro sobrevivo
pode permanecer na casa, pelo prazo de cinco anos, como titular de um
direito real de habitação e de um direito de uso do recheio. 2 - No caso de a
união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os
direitos previstos no número anterior são conferidos por tempo igual ao da
duração da união”. Sabendo que o atual proprietário da casa de morada
comum, herdeiro de Carlos, pretende que Diana deixe de residir na
habitação e que esta se recusa a sair, diga quem terá razão.
No caso em apreço surge a problemática da aplicação da lei no tempo porque
quando a lei nova veio alterar a duração do direito real de habitação de Diana
sobre a casa de Carlos aumentado para 22 anos antes de terminar o prazo inicial
de duração desse direto (5anos) que lhe havia sido conferido ao abrigo da lei
antiga. A regra geral é a da não retroatividade da lei nova nos termos do art.12º n1,
pelo que em principio da lei nova não tem aplicabilidade no caso. No entanto, de
acordo com o art.12º n2, a modificação operada pela lei nova incide sobre o
conteúdo da relação jurídica que se estabelece entre diana na qualidade de
membro sobrevivo da união de facto e o atual proprietário da casa, herdeiro de
Carlos abstraindo dos factos que lhe deram origem. Por outras palavras, a lei nova
dispõe sobre o conteúdo temporal do direito real de habitação da união de facto
depois da morte do ex membro com quem vivia sem indicar se se pretende aplicar
a situações jurídicas que se constituam após a sua entrada em vigor. Nessa medida,
aplica-se a lei nova ás situações jurídicas materialmente constituídas, mas que
ainda produção efeitos à data da sua entrada em vigor, como é aqui o caso. A lei
nova vem alterar o prazo de duração do direito real de habitação, alargando-o. A
aplicação no tempo das leis sobre prazos é referida no art.287º, e em conformidade
com este artigo, aplica-se o prazo da lei nova 22 anos) mas conta-se todo o prazo
decorrido desde do momento inicial. É necessário computar-se todo o tempo
decorrido desde o falecimento de Carlos que faleceu em, 2007 em que o direito
tinha a duração de 5 anos e a lei nova entra em vigor em 2010, aumentando a
duração do direito para 22 anos. Em 2010, tinha decorrido 3 anos de duração do
direito. Assim, Diana tem o direito de 22 anos, mas é necessário descontar os 3
anos já decorridos ao abrigo da lei antiga pelo que lhe restam 19 anos. Por fim,
como refere BM, a nora do 287º n2 não passa de uma aplicação direta dos critérios
gerais de direito transitório previstos no art.12º. com efeito, tendo o recurso global
do prazo o valor de um facto extintivo do direito, se tal prazo ainda se achava em
curso no momento do inicio de vigência da lei nova é porque tal direito não se
achava ainda extinto nesse momento. Assim, cabe à lei nova a competência para
determinar os requisitos da extinção desse direito. A lei nova aplica-se
imediatamente
Ficha de trabalho nº 16
1. Ana decidiu rumar ao Algarve no automóvel que o seu pai, Bento, lhe emprestara.
Quando conduzia na A2, Ana lembrou-se de enviar um SMS com uma das mãos,
enquanto segurava o volante com a outra. Ana distraída, não pôde evitar a colisão
com um cavalo de Carlos, que escapara da sua quinta. Filipa, que circulava umas
centenas de metros atrás, tentou desviar-se do veículo de Ana e veio a embater nos
rails de proteção. À luz dos princípios de Direito Privado, quid iuris?
Está em causa matéria dos princípios de direito privado, neste caso assume relevância o
princípio da responsabilidade. De acordo com este princípio, à liberdade ou autonomia
corresponde sempre responsabilidade. Da mesma forma que não pode, em princípio, haver
responsabilidade sem liberdade ou autonomia. A dignidade originária e fundamental da
pessoa e as suas consequentes liberdade e autonomia só se podem articular coerentemente
com a responsabilidade da pessoa com as suas ações. A liberdade sem responsabilidade
constitui arbítrio e a responsabilidade sem liberdade constitui sujeição ou servidão. No
âmbito do direito, a liberdade e autonomia da pessoa têm como correspondentes a
responsabilidade civil e criminal. Criminal, pelos ilícitos mais graves que violam os mais
altos valores tutelados pela ordem jurídica e que estão na lei taxativamente edificados como
crimes. Os ilícitos que não sejam suficientemente graves para constituir crime dão apenas
lugar a responsabilidade civil quando originem danos. A responsabilidade civil é cumulável
com a responsabilidade criminal. Com a sua conduta ilícita de escrever mensagens enquanto
conduz, Ana causou danos a terceiros. Ana incorre em responsabilidade civil
extracontratual assente na culpa nos termos do art.483º bem como responsabilidade
contraordenacional por violação das regras do código da estrada e ainda em
responsabilidade criminal. Também a Carlos poderá eventualmente ser imputada
responsabilidade extracontratual fundada na culpa nos termos do art.493º, assim Carlos
estando obrigado a vigiar o animal não tiver compreendido com culpa o seu dever,
responderá pelos danos que causar. A responsabilidade civil assente na culpa constitui
assim a contrapartida da autonomia e liberdade de agir das pessoas, alem da
responsabilidade de factos ilícitos e culposos, temos também no nosso sistema jurídico
alguns casos de responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva) é desde logo a
responsabilidade do risco que é consagrada em outras hipóteses com características
especiais. Trata-se de domínios em que o ser humano tira partido de atividades que
trazendo vantagens importam um aumento de risco para os outros. Se nestes casos alguém
criando para si uma vantagem cria para os outros riscos acrescentados, é justo por a cargo
daquele a indemnização dos danos originados pelas suas atividades vantajosas. Tanto no
domínio dos danos causados por veículos como no domínio de danos causados por animais
temos previsões de responsabilidade objetiva, deste modo ainda que Ana não tivesse culpa
na causação no acidente de viação e Carlos no incumprimento de vigilância do cavalo, Ana
e Carlos responderiam em princípio pelo veículo e cavalos nos termos do 502º e 503º
respetivamente, com fundamento do risco que a retenção de veiculo ou animais envolve
para terceiros. Notasse que existe uma diferença de natureza profunda entre
responsabilidade civil assente na culpa que constitui a contra partido de autonomia e
liberdade das pessoas e imputação de riscos e danos independentemente da culpa que
assenta em critérios de justiça e utilidade social que já nada tem que ver com a ética da
liberdade, daí que haja autores como Paio Vasconcelos que questionem a qualificação de
responsabilidade civil dos regimes jurídicos de imputação de danos baseados no risco, como
previsto no artigos 502º e 503º
2. António, dono de uma fábrica, contratou Inês para ser sua operária. Como sabia
que Inês estava desesperada por arranjar trabalho porque devia €50.000,00 às
Finanças, conseguiu que ela aceitasse uma remuneração mais baixa do que aquilo
que pagava, por norma, aos seus restantes colaboradores: 3€/hora. Incluiu ainda no
contrato que Inês trabalharia aos feriados sem receber mais por isso. António
apresentou esta proposta de trabalho a Inês de maneira tão convincente, que esta
acabou por acreditar que era uma excelente oportunidade e um ótimo primeiro
emprego. À luz dos princípios de Direito Privado, quid iuris?
Esta hipótese releva desde logo o princípio da boa-fé, este princípio tem sentido moral
profundo e pode exprimir – se pelo mandamento de que cada um se deve comportar como
é de esperar de uma pessoa de bem. É comum distinguir-se a boa-fé de sentido objetivo da
boa-fé de sentido subjetivo. Numa perspetiva subjetiva decide-se da boa ou ma fé em que se
encontra uma pessoa perante uma situação jurídica própria, para isso tem no entanto
importância o conhecimento ou desconhecimento subjetivos por parte do agente de uma
vicissitude ou vício da situação jurídica em questão sendo naturalmente diferente a
valoração da situação ou atuação daquele que conhece ou desconhece a vicissitude ou vício,
por exemplo aquele que adquire a non domino (de quem não é dono) sem saber do vicio que
afeta a sua posição jurídica merece melhor proteção do que aquele que o faz com
conhecimento do vício. Numa perspetiva objetiva a boa-fé é um critério de ação correta
permitindo julgar a conformidade de certa atuação com as regras da boa-fé. A boa-fé é aqui
um padrão jurídico de atuação honesta e honrada. António atua de forma contrária ao
princípio da boa-fé, procurando aproveitar-se da situação difícil em que Inês se encontra.
Está também em causa o princípio da paridade jurídica, a igualdade originária de dignidade
e liberdade das pessoas postula uma posição também de paridade no seio do direito civil
assim, as partes num contrato devem ter assegurada uma posição paritária na negociação,
na celebração e no desenvolvimento da relação contratual. Não raras vezes a igualdade
entre as partes é posta em causa por uma disparidade real e é isso que aqui acontece. No
caso concreto a paridade entre as partes que devia existir, encontra-se regulado pela
situação de necessidade em que Inês se encontra, que a coloca numa posição de
inferioridade face a António. Nestes casos a exigência da paridade traz então consigo a
necessidade de proteger a parte mais fraca através do estabelecimento de regime de
proteção. Estes regimes instituídos pelo legislador não colidem com o princípio da paridade
bem pelo contrário, asseguram a paridade real ou efetiva sempre que se constate em
concreto que essa paridade está perturbada. O nosso caso ganha especial relevo o regime
do 282º que prevê a anulabilidade dos negócios usurários, podemos classificar o negócio
como usurário uma vez que António explorou a situação de necessidade de Inês de modo a
ter para si um benefício, trabalho de forma gratuita, assim sendo é anulável. Por outro lado,
existe uma relação com princípio da autonomia porquanto a tutela da paridade entre as
partes constitui desvio da autonomia privada, a verdade é que para assegurar verdadeira
autodeterminação recíproca há que corrigir os desenvolvimentos ilimitados da liberdade
contratual e garantir uma situação real de liberdade e igualdade dos contraentes. Por fim
adquire relevância o princípio da equivalência, muitas das relações entre as pessoas no
direito privado são regidas pela procura de equilíbrio entre prestações que se contrapõem.
Este princípio não está a ser respeitado na medida que não existe correspondência entre
prestações de contrato de trabalho celebrado entre António e Inês. Inês presta uma
atividade em relação á qual a remuneração estabelecida é manifestamente desajustada. o
princípio de equivalência não é absoluto relacionando com o princípio da autonomia
privada que permite às partes estilar contrato como entenderem e celebrar contrato
economicamente desequilibrados. No desenvolvimento deste princípio ou do princípio da
autonomia não existe propriamente uma hierarquia, quando os interesses sejam puramente
privados tenderá a prevalecer a autonomia sendo isso fixado como entenderem a equação
valorativa do contrato desde que o faça livre e esclarecidamente. No caso das relações
laborais para além dos interesses particulares em confronto existe o interesse público de
proteção dos trabalhadores pelo que deve existir a prevalência em deterioramento da
autonomia privada.

3. Identifique os princípios de Direito Privado subjacentes às seguintes normas:


a) “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos
contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as
cláusulas que lhes aprouver” (artigo 405.º, n.º 1 CC).
O principio da autonomia que deriva do personalismo ético, na medida que este ao exigir o
reconhecimento originário e inerente da personalidade, igualdade e paridade de todas as
pessoas, da sua dignidade e liberdade, implica o reconhecimento da autonomia de todos e
de cada um. Autonomia é liberdade que as pessoas têm de se regrem e vincularem a si
próprias uma perante as outras. Este princípio tem a sua dimensão mais visível consagrada
no art.405º.
b) “Entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser
legalmente destinada aos herdeiros legitimários” (artigo 2156.º CC).
Principio do respeito pela sucessão por morte: muito ligada à instituição familiar, a sucessão
por morte está constitucionalmente consagrada no 36º CRP e tem como conteúdo o destino
que é dado ao espolio dos mortos apos a sua morte e respetivas regras esse destino tem sido
regido por duas regras concorrentes a distribuição dos bens pela família e a sua destinação
de acordo com a ultima vontade do falecido, o legislador conseguiu equilíbrio razoável entre
estas duas ideias com a destinação familiar por herança na sucessão legitima e legitimaria e
a sua destinação por vontade do falecido na sucessão testamentaria , a previsão da legitima
isto é poção de bens do de cuius imperativamente destinada aos herdeiros legitimários
cônjuge descendentes e ascendentes constitui uma manifestação no âmbito sucessório do
principio do respeito pela família.
c) “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares
como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos
danos que culposamente causar à outra parte” (artigo 227.º, n.º 1 CC).
Princípio da boa-fé na vertente objetiva: isto porque a boa-fé que se exige às partes na fase
de negociações é a boa fé como regra de conduta como critério comportamento das partes
na fase de negociação a boa fé traduz-se no do dever de atuação honesta, leal e transparente
como pessoa de bem.
d) “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se
não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562.º CC).
Princípio da responsabilidade: prevê obrigação de indeminização. A fonte da obrigação de
indemnização é a responsabilidade civil verificados que estejam os pressupostos da
Responsabilidade Civil. O lesante fica obrigado a reparar os danos que causou ao lesado. É
a contrapartida da liberdade e autonomia do agir das pessoas, no âmbito de factos culposos.
e) “As modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de
terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre
que delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio” (artigo 266.º, n.º 1
CC)
Principio da confiança : partindo do pressuposto que o representante tenham uma
procuração com poderes gerais ou especiais para um tipo de contratos ou múltiplos
negócios, a lei previne neste preceito a situação de terceiros que tendo celebrado um ou
mais contratos com o procurado possam estar convencidos de que este continua a ter
poderes representativos quando já não os tem, existindo modificação ou supressão da
representação , a lei impõe a este que dê a conhecer a nova situação a terceiros que possam
encontrar-se em erro sobre a existência dos poderes do representante, caso o representado
não cumpra este dever a ineficácia de negócios realizado por representante em seu nome
na sua esfera jurídica não pode ser invocado contra esses terceiros salvo se se fizer prova
de que eles tinham conhecimento. Tutela-se, portanto, a confiança dos terceiros na
existência de poderes representativos na ineficácia do negócio na esfera do representado.
Está em causa o princípio da confiança. As relações entre pessoas pressupõem o mínimo de
confiança, sem a qual seria impossível. A confiança depositada merece em certas
circunstâncias a tutela do direito, nem sempre é juridicamente protegida porque o direito é
ordem de justiça e não de tutela de expectativas. Requisitos: 1º tenha ocorrido situação de
confiança/ 2º essa confiança seja justificada / 3º que tenham efetivamente existido um
investimento nessa circunstância de confiança/ 4º que ela seja imputável a quem vier a ser
atingido ou prejudicado concretamente em consequência da tutela de confiança.
f) “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido
uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação
dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas
afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do
contrato” (artigo 437.º, n.º 1 CC)
Princípio da equivalência: exige contraprestações seja material ou substancialmente
equivalentes, o que não é dizer que haja obrigatoriedade de equivalência exata ou absoluta
uma vez que essa geraria problemas insolúveis. O art.437º permite dentro de
condicionalismo apertado em casos que a equivalência das prestações tenha sido mudada
por alteração das circunstâncias restaurar equilíbrio atua. Está também em causa o
princípio da boa-fé o recurso aos remédios que o instituto de alteração superveniente das
circunstâncias prevê que são modificação ou resolução do contrato só poderá ter lugar nos
casos em que a exigência do cumprimento afete gravemente os princípios da boa-fé.
Ficha 16
g) “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: [...] c)
[e]xcluam ou limitem, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por não
cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa
grave; [...]” (artigo 18.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro).
As cláusulas contratuais gerais são muito comuns em contratos de adesão (seguros,
ginásios, contratos bancários, etc.). Estes contratos são normalmente celebrados através
da aceitação de cláusulas prévia e unilateralmente redigidas para todos os contratos que a
empresa venha celebrar.
Desta forma, assistimos a uma importante limitação à liberdade de modelação do
conteúdo contratual. Assim, a liberdade contratual é uma das principais manifestações do
princípio de autonomia privada. Este fenómeno surge em zonas de comércio onde o
fornecedor está em situação de monopólio ou quase monopólio e a não adesão significa
não satisfazer uma necessidade importante, o que o compele a aceitar as condições
propostas, ainda que sejam desfavoráveis ao consumidor.
Princípio da paridade jurídica – reclama a instituição de regimes de proteção que
assegurem uma paridade real e efetiva sempre que se constate que em concreto que essa
paridade está posta em causa.
h) “Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o
menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das
prestações” (artigo 237.º CC).
Princípio da equivalência – ao estatuir que na interpretação dos negócios jurídicos
onerosos deve prevalecer o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações está a
consagrar o princípio da equivalência.
4. Identifique os princípios de Direito Público subjacentes às seguintes normas:
a) “Salvo o disposto no n.º 2, os titulares de órgãos da Administração Pública e os
respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua
natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em
procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da
Administração Pública, nos seguintes casos: [...] b) [q]uando, por si ou como
representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu
cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, algum parente
ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer
pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de
adoção, tutela ou apadrinhamento civil; [...]” (artigo 69.º, n.º 1, alínea b) do Código de
Procedimento Administrativo).
Princípio da imparcialidade – é um princípio que exige que a totalidade, e não apenas uma
parte, dos interesses juridicamente protegidos presentes no caso tenham sido
considerados sobre o seu peso certo. Pretende-se que haja uma ponderação correta e
equilibrada nos interesses envolvidos na decisão. Este princípio vai inspirar várias regras
de natureza organizatória, prevenindo a parcialidade no exercício da função
administrativa.
b) “Para os efeitos previstos nos n.º s 1 a 6, o Governo regulamenta, no prazo de 30 dias
após a entrada em vigor da presente lei, através de decreto regulamentar, os termos e
condições da comunicação das transferências, os procedimentos a adotar em caso de
dedução de verbas e as condições de reporte e de acesso à plataforma eletrónica” (artigo
89.º, n.º 8 da Lei n.º 12/22, de 27 de junho).
Princípio da legalidade – está associado a uma exigência de precedência de lei de acordo
com a qual o exercício de poderes por parte da administração pública e de mais entidades
que exercem a função administrativa pressupõem a existência de uma base normativa. A
lei é o fundamento da atuação da administração pública.
c) “Os atos constitutivos de direitos só podem ser revogados: [...] b) [q]uando todos os
beneficiários manifestem a sua concordância e não estejam em causa direitos
indisponíveis; [...]” (artigo 167.º, n.º 2, alínea b) do Código de Procedimento
Administrativo.
Princípio da boa-fé – o Direito público também tem vindo a fazer seu este princípio. Faz
apelo à necessidade de um clima de confiança e ao dever da administração pública adotar
comportamentos não contraditórios, definidos em função dos objetivos a alcançar.
Associado ao valor da segurança jurídica, contido na ideia de Estado de direito
democrático. Tutela-se a confiança que os destinatários do ato colocaram nesse ato que vai
ser revogado, através da imposição de limites a essa revogação.
d) “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis
quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de
órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal
da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço”
(artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 67/07, de 31 de dezembro).
Princípio da boa administração – a administração pública tem o dever de prosseguir da
melhor maneira possível o interesse público e das necessidades coletivas postas a seu
cargo, adotando as melhores soluções possíveis do ponto de vista administrativo. A
administração pública não deixa de estar sujeita a padrões mínimos na utilização dos
recursos públicos, permitindo que o controlo judicial avalie a verificação desses mesmos
padrões.
e) “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os
atos administrativos que, total ou parcialmente: [...] d) [d]ecidam de modo diferente da
prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e
aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; [...]” (artigo 152.º, n.º 1, alínea d) do
Código de Procedimento Administrativo).
Princípio da igualdade – exige que no exercício dos seus poderes a administração pública
compare o caso que vai decidir com outros casos, reais ou virtuais, pertencentes ao mesmo
universo de relevância e o decida como uma espécie de um género, proibindo-lhe que o
considere um caso isolado, único e irrepetível. Cada máxima do caso concreto fica a fazer
parte da ordem jurídica, traduzindo um fenómeno de autovinculação administrativa. Este
princípio apenas proíbe as mudanças de orientação sem motivo válido.
f) “As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do
estritamente necessário” (artigo 272.º, n.º 2 CRP)
Princípio da legalidade; Princípio da proporcionalidade – assume no ordenamento jurídico
português uma configuração que é marcadamente garantística e de índole
acentuadamente subjetiva. Exemplos: saúde pública, qualidade de vida. Acaba por ser no
âmbito da atividade da polícia administrativa que na prática o princípio da
proporcionalidade é objeto de maior aplicação, uma vez que é uma manifestação típica da
atuação autoritária. O princípio da proporcionalidade concretiza-se na aplicação de três
testes sucessivos: necessidade, adequação e da proporcionalidade em sentido estrito ou
proibição do excesso.

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