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Estamos perante um caso de recusa de efeitos jurídicos, que se traduz na frustração dos
desígnios do sujeito que pretende obter um resultado jurídico omitindo os pressupostos que a
lei exige ou não satisfazendo os requisitos legais. Está aqui em causa um caso de coação física,
prevista no art.246º. A coação física é uma hipótese de coação absoluta porque não há
resistência possível, pelo que verdadeiramente nem se pode falar em declaração e em
declarante na medida em que o sujeito é instrumentalizado. Neste caso C tem a liberdade de
ação totalmente excluída, pelo que foi reduzida à condição de puro autómato.
2.
A incapacidade acidental é uma situação temporária em que alguém se encontra por razões
transitórias que lhe retiram a capacidade para entender o sentido das suas palavras ou que
afetam a sua autodeterminação. Esta situação só é relevante tornando a declaração anulável
se for notória ou conhecida do declaratório, o que deve ser apreciado tendo por base uma
pessoa de normal diligência. Estamos aqui perante um desvio no processo formativo da
vontade do indivíduo em relação às circunstâncias normais do seu processo deliberativo. A
hipótese está prevista no art.257º, onde se prescreve a Anulabilidade desde que se verifique o
requisito destinado à tutela da confiança do declaratório. Esse requisito é a notoriedade ou o
conhecimento da perturbação psíquica. O requisito da notoriedade significa a cognoscibilidade
de uma pessoa média colocada na posição concreta do declaratório. Parece que neste caso
estariam verificados os requisitos de que depende a aplicação do regime de incapacidade
acidental, pelo que o negócio seria anulável. O problema situa-se ao nível da declaração de
vontade válida, elemento interno do negócio. Resta apreciar quem tem legitimidade para
arguir a Anulabilidade e qual o caso de dispõe para o fazer. Em muitos casos a lei dá uma
indicação concreta do pessoal legitimado. Na falta dessa indicação concreta, há que aplicar o
critério geral do art.287º n°1 de acordo com o qual só têm legitimidade para arguir a
Anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece. Por aplicação desse critério
concluímos que na Anulabilidade estatuída pelo art.257º, tem legitimidade para requerer a
anulação do contrato Afonso, que era quem se encontrava em incapacidade acidente. Afonso
poderá fazê-lo no prazo de um ano a contar da cessação do vício. In caso, da cessação da
incapacidade acidental. A anulação tem efeitos retroativos pelo que haverá lugar à
repristinação das coisas no estado anterior ao negócio restituindo se tudo o que tivesse sido
prestado. Ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Assim
anulado o negócio, Afonso teria de restituir o quadro e Afonso o preço.
3.
À data da celebração do negócio, Maria é menor não tendo por isso capacidade de exercício
de direitos, nos termos dos art.122º e 123º. O negócio jurídico por ela celebrado (compra de
mota a prestações) não parece encontrar-se previsto nas situações do art. 127º. O negócio
padece de Anulabilidade situando-se o problema ao nível da capacidade das partes, elemento
interno do negócio. Todavia, a Anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, em caso
de caducidade do direito à arguição da Anulabilidade (art.287º n°1) quer pela confirmação
(art.288º). A confirmação é um negócio bilateral pelo qual a pessoa com legitimidade para
arguir a Anulabilidade e com conhecimento do vício e do direito a Anulação declara o negócio
viciado, podendo a declaração ser expressa ou tácita. Depois de completar 18 anos, Maria
confirmou tacitamente o negócio anulável com o pagamento da prestação, nos termos do
art.125º n°2 e do art.217º n°1.
4.
1. Assegura uma mais elevada consciência das partes contra a sua ligeireza
2. Garante um mais elevado grau de certeza sobre a celebração do negócio evitando-se
os perigos associados
3. Possibilita uma certa publicidade do ato o que interessa ao esclarecimento de
terceiros.
1. Idoneidade do objeto
2. Capacidade e legitimidade das partes
3. Declaração de vontade válida
Ficha de trabalho nº 11
2. A empresa ao alegar que a norma da portaria é atual “lei morta” parece estar a
invocar a cessação da vigência do referido artigo. Os modos de cessação de
vigência da lei são nos termos do artigo 7º nº1 apenas a revogação ou a
caducidade. A vigência de uma lei cessa por revogação quando entra em vigor nova
lei que lhe põe termo expressa ou tacitamente, já a vigência de uma lei cessa por
caducidade quando ocorre um facto que a própria lei prevê que leve à sua cessação
de vigência ou quando desaparecem os pressupostos de aplicação da lei. No caso
concreto não se verifica nenhuma destas causas dado que não se trata de lei
temporária não desapareceram os pressupostos da sua aplicação e não houve
revogação expressa ou tácita por lei posterior. O mero desuso não importa a sua
extinção, a lei só cessará por desuso se se criar a convicção de que é obrigatório
proceder assim, portanto se se formar um verdadeiro costume contra legem. Por
exemplo as autoridades podem tolerar longamente a circulação de motociclistas
sem capacete ou a travessia das ruas por peões fora das passadeiras , com isto a lei
que impõe uso de capacete e a lei que proíbe a travessia das ruas fora das
passadeiras não cessaram a sua vigência , só cessarão se se criar no espirito
daqueles que habitualmente a convicção que é licito proceder-se assim, o simples
desuso de uma lei não implica a sua extinção enquanto não for sustentada por um
verdadeiro costume. Temos portanto de equacionar a possibilidade de cessação da
lei por costume contra legem , para isso importa primeiro analisar a questão da
admissibilidade de um costume como fonte de direito em Portugal. Começando
pelos argumentos contra:
• A secção do código civil relativa às fontes não faz menção ao costume.
• Artigo 7º nº1 que estabelece os modos de cessação de vigência da lei exclui o
costume contra legem.
• Não cabe à lei (fonte de direito) admitir ou recursar outras fontes de direito, há até
quem diga que o elenco de fontes deveria constar na constituição e não no código
civil por se tratar de um problema com dignidade constitucional. A vantagem de
constar no código civil é a longevidade e estabilidade que este regista.
• O costume constitui a mais pura manifestação de criação normativa é uma prática
reiterada acompanhada de convicção de obrigatoriedade que surge
espontaneamente na vida em sociedade.
• A própria lei no artigo 348º admitir a possibilidade de invocação em juízo de uma
prática consuetudinária
1. O artigo 8.º da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que estabelece o estatuto jurídico dos
animais, dispõe o seguinte: “A presente lei entra em vigor no primeiro dia do
segundo mês seguinte ao da sua publicação”. Defina vacatio legis, refira qual a sua
função e indique a data de entrada em vigor da mencionada lei.
Por vacatio legis entende-se o período de tempo que medeia entre a publicação de uma lei
e a sua entrada em vigor, de acordo com o art.°5 n°2 do CC. A vacatio tem como objetivo a
tomada de conhecimento da existência da lei por cidadãos que se compreende à luz do
disposto no art.°6, norma que estabelece a obrigação do conhecimento da lei e estatui que
a sua ignorância não justifica a falta do seu cumprimento nem tampouco isenta as pessoas
das consequências nela estabelecidas "ignorantia iuris non excusat". Está subjacente ao
art.°6 a segurança jurídica enquanto finalidade do Direito na sua dimensão de certeza
jurídica ou capacidade de o sujeito prever as consequências jurídicas do seu ato.
Nos termos do n°2 do art.°5, entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a
própria lei fixar ou na falta de fixação o que for determinado em lei especial. Assim,
quando uma lei é publicada torna-se necessário em primeiro lugar verificar se ela indica a
data em que deverá entrar em vigor ou se, pelo contrário, nada diz a esse respeito. Se a
própria lei determina o momento do começo da sua vigência nenhuma dúvida se levanta
entrando em vigor na data por ela fixada. O caso em análise não oferece grandes
dificuldades uma vez que o legislador no art.°8 da lei 8/2017 estabeleceu a data de
entrada em vigor do diploma, primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação,
ou seja, no dia 1 de maio de 2017.
4. Sabendo que o Código Civil português data de 1966, A entende que o seu artigo 1.º deve
ser considerado caduco na parte relativa às normas corporativas, devido ao
desaparecimento dos pressupostos de aplicação da lei, uma vez que atualmente já não
existem os organismos corporativos aí referidos. Terá razão?
As normas corporativas estão definidas no art.°1 n°2. O nosso código civil atual foi
promulgado em 1966 o que significa que foi elaborado na vigência da constituição de 1933
que previa os organismos corporativas. Entretanto, após 1974 e com a entrada em vigor
de uma nova lei fundamental em 1976, despareceram os organismos corporativas.
Importa saber se a norma do art.°1 na parte referente às normas corporativas não terá
terminado a sua vigência. Nos termos da lei, a lei pode cessar por caducidade ou
revogação. A lei caduca quando deixa de vigorar por causa intrínsecas, ou seja, por força
de circunstâncias inerentes à própria lei que determinam a fim da sua vigência
independentemente da manifestação de vontade do legislador. Apesar de terem
desaparecido os organismos corporativas das diferentes categorias morais, culturais,
económicas ou profissionais a que se refere o art.°1 n°2 na sequência da revolução de 25
de Abril de 1974, a norma é passível de uma interpretação atualista, cabendo nas normas
corporativas, as normas de entidades com poder regulamentar próprio, de que é exemplo
a ordem dos advogados, não só cabendo aqui normas de ordens profissionais como ainda
de outras pessoas jurídicas como as organizações desportivas. Assim, e sendo possível
retirar o sentido útil da norma, não deve a mesma ser considerada caduca por
desaparecimento da norma que se arrogava regular. Por fim, as normas corporativas não
podem contrariar as disposições legais art. 1 n°3 e prevalecem sobre o usos, art.°3 n°2.
5. O artigo 1.º do DL n.º 10/2004, de 30 de maio, estatui que “os contratos de mútuo
celebrados para aquisição de prédio urbano destinado a habitação em que o mutuante seja
uma instituição bancária podem ser efetuados por documento particular com
reconhecimento de assinaturas, seja qual for o seu valor”. Entretanto, por força do DL n.º
116/2008, de 4 de julho, foi introduzida uma nova redação no artigo 1143.º CC,
estabelecendo-se que “o contrato de mútuo de valor superior a 25.000 € só é válido se for
celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2.500 se o for por documento
assinado pelo mutuário”. A e B pretendem contrair um empréstimo de 100.000 € junto do
Banco X para financiar a aquisição de um apartamento. Qual a forma exigida para a
celebração deste contrato?
5. Como a norma introduzida pelo decreto lei 116/2008 é uma norma geral, aplicável a
todos os contratos mútuo, não revoga a norma constante do art.1º do decreto-lei 10/2004,
que constitui uma norma especial, apenas aplicável ao mútuo para aquisição de prédio
urbano destinado à habitação. Deste modo, a forma exigida é a forma que consta do
decreto-lei 10/2004, ou seja recomendo particular com reconhecimento de assinaturas.
Ficha 12
6. O artigo 20.º do Decreto-Lei n.º X/2009, de 2 de junho, que estabelece o regime jurídico
da venda a prestações efetuada a consumidores, determina que “[e]m caso de
incumprimento do contrato de compra e venda pelo consumidor, o credor só pode invocar
a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem
as circunstâncias seguintes: a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas; b) Ter
o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15
dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescida da eventual
indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do
prazo ou da resolução do contrato”. Suponha que, em 2010, é introduzido um novo artigo
no Código Civil, que dispõe o seguinte: “[v]endida a coisa a prestações, a falta de
pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não importa a
perda do benefício do prazo quanto às restantes nem dá lugar à resolução do contrato.”
Após o frigorífico de sua casa ter avariado, António, consumidor, adquire, a prestações, um
novo por 800 €. Tendo já deixado de pagar uma prestação de valor superior a 1⁄8 do
preço, António está preocupado que o credor invoque a perda do benefício do prazo
quanto às restantes prestações e lhe exija, de imediato, a totalidade do preço. O que lhe
diria?
A norma do código civil é uma norma geral aplicável a todas as vendas a prestações, pelo
que, ainda que sendo posterior, não revoga a norma constante do art.°20 do decreto lei X.
Isso mesmo decorre do art.7º n°3 segundo o qual a lei geral não revoga a lei especial
exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador. Intenção essa que não tem, porém,
de ser expressa. Vale aqui, em princípio, a máxima "lei geral posterior não revoga lei
especial anterior". Poderíamos ser levados a crer que a lei geral por ser mais extensa
incluiria no seu âmbito a matéria da lei especial que assim ficaria revogada. Sabemos que
não é assim porque o regime geral não toma em consideração as circunstâncias
particulares que justificaram a emissão da lei especial. Por isso, não será a lei especial
afetada em razão de o regime geral ter sido modificado salvo se houver uma intenção
inequívoca do legislador no sentido de revogar o regime especial. Neste caso, a particular
circunstância que justifica a consagração de um regime especial é a constatação de que o
consumidor é geralmente, na relação com profissionais, a parte mais vulnerável, que
merece por isso especial proteção do direito. Ao caso de António, que é um consumidor é
aplicável o regime especial mais favorável. É verdade que António já deixou de pagar uma
prestação. Contudo para que a perda de benefício do prazo ou da resolução do contrato
possam ter lugar, a lei exige a verificação cumulativa de duas circunstâncias: a falta de
pagamento de duas prestações sucessivas; e ter o credor sem sucesso concedido ao
consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento de
prestações em atraso, acrescido da eventual indemnização devida, com a expressa
advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato. In
caso não ocorreu nenhuma das circunstâncias, assim António nada tem com que se
preocupar
7. Em 26 de outubro de 2009, A, legal representante da sociedade comercial X, Lda.,
confrontado com os efeitos da crise económica no setor da construção civil, decidiu
extinguir alguns postos de trabalho. Nesse sentido, propôs a B e C a celebração de um
acordo de revogação do contrato de trabalho, mediante o pagamento de 12.000,00€ a cada
um, o que os trabalhadores aceitaram. No entanto, cinco dias depois de ter assinado o
referido acordo de revogação, B informou por escrito a entidade patronal de que se havia
arrependido e, por isso, fazia cessar unilateralmente o acordo revogatório. Suponha que a
Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que revogou a Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, não
dispõe sobre o prazo para o exercício do direito de o trabalhador fazer cessar
unilateralmente o acordo revogatório.
a) Recebida a comunicação, X fez saber a B que o mesmo não respeitou o prazo legal de
dois dias para a cessação unilateral do acordo revogatório, fixado no artigo 1.º, n.º 1 da Lei
n.º 38/96, de 31 de agosto, que havia sido revogado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto,
pelo que a cessação não produzia quaisquer efeitos jurídicos. Terá X razão?
Está em causa o problema da não repristinação. A resposta à questão é não. A revogação
da lei 99/2003 pela lei 7/2009 não implica a repristinação das soluções anteriormente
consagradas pela lei 38/2006 nos termos do art.7º n°4 que nos diz que a revogação da lei
revogatória não implica o renascimento da lei anterior, salvaguardando-se os efeitos já
produzidos de entre os quais a revogação de leis precedentes. Perante a inexistência de
prazo para a cessação unilateral do acordo revogatório ou se conclui que essa cessação
deixou de ser permitida ou se conclui que existe uma disciplina legal quanto ao seu prazo a
ser preenchida nos termos gerais de integração de lacunas. O legislador tem a
possibilidade de repristinar por lei nova uma lei já revogada e pode até atribuir efeito
retroativo a essa repristinação.
b) A solução seria a mesma caso a norma da Lei n.º 99/2003, que fixava o prazo para o
exercício do respetivo direito, tivesse sido declarada inconstitucional com força
obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional?
Não, a solução não era a mesma. Nos termos do art.281º da CRP haveria repristinação da
lei 38/96. Enquanto a declaração de inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc (para o
passado) a lei revogatória produz efeitos ex nunc (para o futuro). A lei revogatória era
inconstitucional ou ilegal desde o início e por isso não revogou validamente a lei anterior.
Nenhuma destas hipóteses se confunde com o caso em que a lei nova remete para um caso
em que a lei já estava revogada ou que a vigência cessou por qualquer outro motivo. Nesse
caso a lei nova não repõe em vigor a lei anterior apenas se apropria do conteúdo da lei
revogada, passando esse conteúdo a integrar a nova lei, mas nenhuns efeitos se poderão
fundar na lei revogada.
Ficha 13
2. O n.º 2 do artigo 1699.º CC proíbe, nos casamentos celebrados por quem tenha
filhos, a estipulação da comunhão geral ou da comunicabilidade dos bens referidos
no n.º 1 do artigo 1722.º CC. A norma visa assegurar a proteção dos filhos do
cônjuge, garantindo-lhes que o seu progenitor manterá no seu património os bens
levados para o casal ou adquiridos a título gratuito. B e C, que viviam em união de
facto, foram recentemente pais de um menino, D, e decidiram finalmente casar-se.
Partindo de uma interpretação metodologicamente correta, diga se poderão
escolher o regime da comunhão geral de bens.
Ainda que o caso se encontre abrangido pela letra da lei, não parece ser abrangido pelo
seu espírito. Qual é a razão de ser do art.1699º/2 do CC? É proteger os filhos anteriores de
apenas um dos cônjuges, que a não existir esta proibição viriam as sua legitimas
expectativas sucessórias afetadas. Ao proibir nos casamentos celebrados por quem tenha
filhos a comunhão geral dos bens, esta norma visa salvaguardar os interesses sucessórios
dos filhos anteriores de apenas um dos cônjuges. E de que modo o faz? Garantindo-lhes
que o seu progenitor manterá no património próprio os bens levados para o casal, ou
adquiridos a títulos gratuitos ou ainda aqueles que estão sub-rogados no seu lugar. Bens
esses que não se confundirão no património comum do casal, que está sujeito a divisão por
metade com o cônjuge, que em caso de partilha levantaria a sua metade e ainda seria
herdeiro em concorrência com o filho.
Quando o filho é comum ao casal, a sua proteção em termos de património encontra-se
plenamente acautelada, isto porque, enquanto folho comum do casal ele sempre receberá
na qualidade de herdeiro, as qualidades que lhe cabe, seja qual for o regime de bens.
Portanto, concluímos que a proibição perde neste caso a sua razão de ser, e lá onde
termina a razão de ser da lei cessa/termina o seu alcance.
Parece que o legislador adotou um texto que atraiçoou o seu pensamento legislativo, na
media em que diz mais do que aquilo que deveria dizer. O interprete não se deve deixar
levar pelo alcance aparente do texto. Neste caso o interprete deve restringir o alcance do
texto de modo a corresponder com a raccio legis.
Assim, B e C podem optar por casar no regime de comunhão geral de bens, porque na
medida em que se trata de um filho comum e não se fazendo sentir por isso a necessidade
de proteção que motivou o art. em estudo, parece que se pode optar por este regime.
1. O artigo 204.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, com a epígrafe “[f]urto qualificado”,
prevê que “[q]uem furtar coisa móvel ou animal alheios […] afeta ao culto religioso
ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao
culto ou em cemitério […] é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena
de multa até 600 dias”. Carlos, coveiro no Cemitério Municipal de X, é arguido num
processo-crime, por furto de várias carteiras no Cemitério, enquanto exercia as
suas funções e aproveitando a distração dos familiares de luto. Em tribunal, o
Ministério Público alega que Carlos deve ser punido com a pena aplicável ao furto
qualificado, ao abrigo do referido artigo 204.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
Carlos discorda, alegando que as carteiras não são objetos destinados à “veneração
da memória dos mortos”, motivo pelo qual ele não pode ser punido por furto
qualificado, mas apenas por furto simples, ao qual, nos termos do artigo 203.º, n.º
1, conjugado com o artigo 47.º, n.º 1, ambos do Código Penal, se aplica pena de
prisão até 3 anos ou pena de multa entre 10 e 360 dias. Fazendo uma interpretação
metodologicamente correta do artigo 204.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, diga
se, na sua opinião, o juiz deve condenar Carlos por furto qualificado ou por furto
simples.
Para interpretar corretamente a norma é necessário recorrer ao art.9º do CC que é uma
norma sobre normas, tendo aplicabilidade em todo o ordenamento jurídico o que quer
dizer que, embora se trate de uma norma integrada no código civil e estejamos a falar da
interpretação de uma norma do código penal, o art.9º será igualmente aplicável. Do lado
do Ministério Público temos uma interpretação extensiva porque embora as carteiras não
caibam diretamente no conceito de objeto destinado à veneração da memória dos mortos,
parece que o Ministério Público alarga o conceito para nele fazer caber também as
carteiras subtraídas do cemitério. O Ministério Público dá menos valor ao elemento literal
constante do art.9º n2 e 3. A admissibilidade da interpretação extensiva em direito penal é
discutida. Há autores como o Doutor Cavaleiro de Ferreira que entendem proibida toda a
interpretação extensiva em direito penal. Já o Doutor Figueiredo Dias aceita a
interpretação extensiva mesmo que in malam partem (em desfavor do arguido) (diferente
de in bonam partem) mas afete nesse caso teremos de ter mais cuidados hermenêuticos.
Não se trata de uma lacuna e de interpretação analógica porque, ainda que não se siga a
interpretação do Ministério Público porque se não se verifica nenhum fator que torne a
conduta furto qualificado, pelo que não se aplicam o art.1º n3 do CP e o art.29º n3 CC isto
porque a conduta de Carlos se encontra devidamente regulada. Carlos limita-se a eleger
um dos sentidos que o texto claramente comporta por ser esse que corresponde ao
pensamento legislativo. Conforme manda o art.9º há que reconstituir a partir do texto da
lei, o pensamento legislativo. Para isso é necessária a identificação da ratio legis. No caso
do art. 204º n°1 alínea c), a ratio legis é proteger a propriedade privada, a liberdade
religiosa e o respeito pela memória dos mortos, o que releva para efeitos de
responsabilidade penal do agente especial relação de funcionalidade entre o objeto de
apropriação material ilegítima e o espaço em que se encontra. Parece que a posição mais
razoável é a de Carlos pois não parece que a ratio legis abrange o caso que estamos a
considerar, isto porque não existe uma especial relação entre as carteiras e o cemitério
pelo que deve ser feita uma interpretação declarativa. Consequentemente Carlos deve ser
punido por furto simples.
2. Em maio de 2018, Ana vendeu a Bruno a sua quota na moradia de que ambos eram
comproprietários por €50.000,00, passando Bruno a ser o único proprietário da
casa. Ficou acordado que Ana, que vivia no imóvel desde 1987, deixaria a
habitação e entregá-la-ia a Bruno em fevereiro de 2019. Sucede que Ana não
abandonou a habitação em fevereiro de 2019, como havia sido acordado,
invocando ter já 65 anos e graves problemas de saúde, ser pessoa economicamente
desfavorecida e não ter conseguido realojamento pela Câmara Municipal, como
havia esperado. Perante esta recusa e depois de muita insistência, em junho de
2020, Bruno acabou por intentar uma ação executiva para entrega de coisa certa
contra Ana, exigindo que esta desocupasse de imediato a casa e lha entregasse. Em
sua defesa, Ana invoca o artigo 6.º-A, n.º 6, alínea b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de
março, na redação da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, segundo o qual ficam
suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório de
medidas de resposta à pandemia de Covid-19: “b) Os atos a realizar em sede de
processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de
diligências de entrega judicial da casa de morada de família”. Bruno contesta,
invocando que tem já negociada a venda da casa a Carlos e que irá perder o
negócio se Ana não desocupar de imediato o imóvel, o que lhe causará um prejuízo
grave à sua subsistência, dado que contava com esse valor para pagar o
empréstimo que fez ao banco para pagar a quota-parte da casa a Ana. Acrescenta
Bruno que esta situação se enquadra no n.º 7 do referido artigo 6.º-A, segundo o
qual: “[n]os casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de
insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis
de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este
pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause
prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o
tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.” Em resposta,
Ana argumenta que o n.º 7 do artigo 6.º-A não se aplica aos casos em que o imóvel
seja casa de morada de família, situação que é regulada pelo n.º 6, alínea b). Bruno
discorda, invocando que “o que o legislador não distingue não deve o intérprete
distinguir”.
a) Indique, na sua opinião e de modo justificado, quem terá razão.
No presente caso estamos perante um concurso de normas jurídicas de fonte legal e temos
uma divergência na interpretação do nº6 alínea b) e n°7 do art.6º- A. Por um lado, Ana faz
uma interpretação restritiva do n°7 uma vez que entende que quando o legislador se
referiu a vendas e entregas judiciais de imóveis disse mais do que queria dizer na medida
em que a letra da lei abrange inadvertidamente as casas de morada de família. Por outro
lado, Bruno faz uma interpretação declarativa entendendo que a expressão inclui qualquer
imóvel seja ele a casa morada de família ou não, pelo que Bruno dá mais relevo ao
elemento literal constante do art. 9° n°2 e 3. Para resolver o problema é fundamental
perceber qual a ratio legis das normas em questão. Ora, para esse efeito é necessário ter
presente a conjuntura em que as normas foram adotadas, a chamada ocasio legis,
conforme indica o art.9° n1 viva-se o contexto pandémico pelo que procurou o legislador
ao adotar este regime jurídico assegurar as condições de habitabilidade em contexto de
confinamento. Entendeu a relação do Porto que se era esse o objetivo da lei, então a
solução mais conforme com esse objetivo é a interpretação restritiva da norma o que
significa que o n°7 não se pode aplicar quando esteja em causa a casa morada de família.
Por conseguinte, deve interpretar-se restritivamente o conceito de imóvel de modo a nele
não fazer caber os imóveis destinados a casa morada de família, motivo pelo qual é a Ana
quem tem razão.
2.
b) Tendo presentes os artigos 879.º, alínea b) e 777.º, n.º 1 CC, a sua resposta seria a
mesma se o regime jurídico consagrado no artigo 6.º-A da Lei n.º 1- A/2020, de 19 de
março, na redação da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, constasse não de Lei da Assembleia
da República, mas de Resolução do Conselho de Ministros?
Neste exercício está em causa um problema de hierarquias. Por um lado, temos as normas
do código civil aprovado por um decreto lei e, por outro lado, temos as normas de
resolução do conselho de ministros que constitui um regulamento administrativo. O
código civil assume a forma de lei solene porque é uma lei em sentido material e em
sentido formal. É uma lei em sentido material dado que é segundo Oliveira ascensão “um
texto ou forma significativa de uma ou mais regras imanada com observância das formas
estabelecidas de uma autoridade competente para pautar critérios jurídicos de solução de
situações concretas. É uma lei em sentido formal visto que se reveste da forma destina por
excelência ao exercício da função legislativa do estado. As resoluções do conselho de
ministros enquanto regulamento de expressão assumem a forma de lei comum porque
embora sendo lei em sentido material, não o são em sentido formal. Nem sempre as leis
são exequíveis porque frequentemente precisam de regulamento e que lhes confiram
executoriedade, tendo assim o Governo um poder normativo originário que se exerce na
obediência ás leis existentes conforme o disposto no art.199º alínea c) da CRP, os
regulamentos têm um caráter subordinado sendo que estes devem respeitar as posições
legais, o que não significa que cada regulamento pressuponha uma lei determinada que
venha concretizar visto que pode haver regulamentos autónomos subordinados á ordem
jurídica no seu conjunto mas sem estrita dependência de uma certa lei.
Quando surjam em conflito normas emanadas de hierarquia de fontes, prefere a norma
hierárquica superior por força do princípio da superioridade. Para aplicar este princípio é
preciso conhecer a hierarquia entre leis sendo que no topo da pirâmide estão as leis
constitucionais sendo seguidas das leis reforçadas, vindo depois as leis, decretos-lei e
decretos legislativos regionais, desde que respeitadas as regras de competência absoluta e
as regras de competência relativa dos órgãos de onde emanam os diplomas. Por fim estão
os regulamentos, dentro deste está o decreto regulamentar do governo, do conselho de
ministros, a portaria e por último os factos normativos.
Deste modo, as normas da resolução do conselho de ministros ainda que posteriores não
derrogam os arts. 879º alínea b) e 777º n1 do CC porque as normas deles contidas são
hierarquicamente superiores. Assim, Ana deve desocupar o imóvel e entregá-lo a Bruno.
3. Álvaro, casado com Bruna, é atropelado por Xavier que conduzia embriagado. Álvaro
não morre, mas sofre graves lesões corporais, ficando em estado vegetativo. Na sequência
do acidente, Bruna vê a sua vida irreversivelmente alterada e entra numa depressão
profunda, pretendendo, por isso, ser ressarcida dos danos não patrimoniais sofridos com
fundamento no artigo 496.º, n.º 2 CC. Xavier entende que Bruna só teria direito a ser
compensada se do acidente tivesse resultado a morte de Álvaro, conforme resulta do texto
do mencionado preceito.
a) Fazendo uma interpretação metodologicamente correta do artigo 496.º, n.º 2 CC, diga se
os danos não patrimoniais sofridos por Bruna são ressarcíveis.
Neste caso existe uma divergência da interpretação do art.496 n2. Por um lado, Xavier
socorrendo-se do elemento literário da interpretação, ou seja, da letra da lei. Faz uma
interpretação meramente declarativa da norma, a norma refere-se à morte e como tal, se
Álvaro está vivo não há lugar á aplicabilidade do preceito. Diferentemente, Bruna lançando
mão do elemento teleológico, defende a compensabilidade destes danos nos casos em que
a lesão corporal, apesar de não produzir a morte provoca afetações graves da saúde do
lesado imediato e em que se possa por isso afirmar a idêntica gravidade das consequências
danosas.
Bruna, concluindo que a letra do texto fica aquém do seu espírito procede a uma
interpretação extensiva.
A ratio legis do preceito legal é proteger os familiares mais próximos da vítima, uma vez
que com a morte desta vivenciam um profundo sofrimento. Se assim for, podemos admitir
uma interpretação extensiva da norma nos moldes em que a faz bruna porque o
sofrimento dos familiares em caso de morte é equiparável ao sofrimento deles num caso
como o nosso em que a vítima fica num estado irreversível.
Ficha 15
1. Invocando o estado de emergência financeira, o Governo apresentou à Assembleia da
República uma proposta de lei destinada a atenuar as dificuldades financeiras resultantes
da declaração de inconstitucionalidade de algumas medidas do Orçamento do Estado de
2013. A proposta foi aprovada, com os votos da maioria, tendo dado origem à Lei n.º
X/2013, em 20/04/2013. Uma das medidas aprovadas consistia na eliminação dos dias de
férias suplementares a que tinham direito os funcionários públicos (em virtude da idade,
da antiguidade ou da avaliação de desempenho), determinando a Lei n.º X/2013 que este
regime se aplica a todas as férias ainda não gozadas. A “Associação de Funcionários
Públicos Amigos do Lazer” indignou-se contra esta disposição, que diz ser “retroativa”, já
que o direito a férias se vence no dia 1 de janeiro. A “Associação dos Amigos do Trabalho”
afirma que a retroatividade não é proibida em Portugal. Quid iuris?
As leis sucedem-se no tempo. Não chega a haver um conflito real de normas aplicáveis por
força do princípio da posterioridade, mas isso não significa que não possa haver um
conflito de leis no tempo. É que a entrada em vigor de uma nova lei não provoca um corte
radical na continuidade da vida social. Há factos e situações que se tendo verificado antes
do início da vigência da lei nova tendem a continuar no futuro ou a projetar-se nele, e
nesses casos põe-se o problema de saber qual das leis deve ser aplicada, se a lei nova se a
lei antiga. Está, portanto, em causa a problemática da aplicação da lei no tempo. A lei nova
é retractiva pois aplica-se a direitos adquiridos anteriormente em 1 de janeiro de 2013,
afetando-os, porém, não estando em causa matéria de direitos liberdades e garantias,
direito penal e direito fiscal, a retroatividade da lei não é proibida do ordenamento
jurídico português. É de notar, contudo que a Jurisprudência constitucional tem vindo a
entender que a lei nova que afete efeitos garantidos por uma lei antiga deve ser
considerada inconstitucional se violar o princípio da proteção da confiança dos cidadãos
que decorre do princípio da segurança jurídica, baseado no princípio do Estado de direito
democrático, previsto no art. 2° da CRP, excluindo-se deste modo a proibição arbitrária de
direitos adquiridos. A Jurisprudência constitucional sobre o princípio da segurança
jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário
que se reúnam 2 pressupostos: a afetação de expectativas em sentido desfavorável será
inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que razoavelmente os
destinatários das normas dela constantes não possam contar. Quando não for ditado pela
necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que
devam considerar-se prevalecentes. Deve recorrer-se aqui ao princípio da
proporcionalidade consagrado a propósito dos DLG no art.18° da CRP.
2. O artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, prevê a alteração da taxa de
tributação autónoma para despesas de representação relacionadas com viaturas ligeiras
de passageiros, prevista no artigo 81.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC, de 5% para 10%,
produzindo efeitos desde 1 de janeiro de 2008. Da aplicação desta norma resultou para o
Banco A um excesso de 1176,42€ no apuramento da matéria de tributação autónoma. A
vem alegar, em tribunal, a inconstitucionalidade desta norma, dizendo que “é uma norma
verdadeiramente retroativa e, consequentemente, inconstitucional por violar o princípio
da não retroatividade da lei fiscal”. Quid iuris?
Neste caso está em causa a aplicação da lei tributária no tempo. Em matéria fiscal existe
um princípio geral de proibição de retroatividade de lei que crie ou aumente impostos,
constitucionalmente consagrado no art.103º da CRP. A Jurisprudência tem feito uma
distinção na aplicação deste princípio entre retroatividade autêntica e retroatividade
imprópria. A proibição da retroatividade no domínio fiscal apenas se aplica à
retroatividade autêntica que é aquela em que o facto tributário que a lei pretende regular
já produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga. A retroatividade é imprópria
quando a lei nova é aplicada a factos passados, mas cujos efeitos ainda perduram no
presente como sucede quando as normas fiscais produzem um agravamento da posição
fiscal dos contribuintes em relação a factos fiscais tributárias que não acorreram ao abrigo
da lei antiga e que continuam a formar-se no decurso do mesmo ano fiscal na vigência da
lei nova, por exemplo os impostos sobre o rendimento. Nesta hipótese não se aplica a
proibição de retroatividade. Tendo esta distinção presente é preciso agora ver se a
aplicação da lei nova in caso envolve uma retroatividade autêntica ou uma simples
retroatividade imprópria para se averiguar se ela é constitucionalmente proibida ou não.
Neste caso a lei nova vem alterar uma taxa de tributação autónoma agravando. As taxas de
tributação autónoma incidem sobre certas despesas que o legislador pode pretender
penalizar. São calculadas de forma independente e autónoma do IRC. Na tributação
autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo, isto é, esgota-se no
ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação. O facto de a
liquidação de um imposto ser efetuada num determinado período não transforma esse
imposto num imposto periódico de carácter duradouro. Essa operação de liquidação
traduz-se apenas na agregação para efeito de cobrança do conjunto de operações sujeitas a
essa tributação autónoma, por consequência, a aplicação da lei nova com uma taxa
agravada a despesas de representação já efetuadas no passado, envolve uma
retroatividade autêntica constitucionalmente vedada por quando se traduzir à aplicação
de uma lei nova a factos passados que já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei
antiga. Assim, não pode a lei nova, sob pena de violação da proibição da retroatividade,
imposta no art. 103º da CRP agravar o valor da taxa de tributação autónoma relativamente
a despesas já efetuadas aquando da sua entrega em vigor. Por isso, A tem razão sendo a
norma inconstitucional.
1. Em março de 2006, C, exasperado com os maus resultados do seu clube,
agrediu o filho, D, com bofetadas e socos, deixando-lhe marcas visíveis no rosto
e no corpo. À data dos factos, a conduta de C era punida com pena de prisão de
1 a 5 anos (artigo 152.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal). Entretanto, antes da
realização do julgamento, foi publicada a Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro,
que agravou para 2 anos o limite mínimo da pena aplicável a tais crimes
quando cometidos contra menores e, além disso, veio prever a possibilidade de
o agente ser inibido do exercício das responsabilidades parentais por um
período de 1 a 10 anos (artigo 152.º, n.ºs 2 e 6 do Código Penal).
Imprimir o art.2º CP
a) Pronuncie-se sobre a aplicabilidade da lei nova ao caso sub judice.
Em matéria de Direito penal, é constitucionalmente proibida a aplicação retroativa da lei
penal menos favorável (art.29º n4 CRP e art.2º n1 CP). Em principio aplica-se a lei penal
em vigor à data da prática do crime e a isso chamamos “tempus delicti” (art.3º CP). Só
assim não será de surgir uma lei nova de conteúdo mais favorável ao agente, caso em que
esta última, por imposição constitucional se aplica retroativamente. A isto chamamos de
princípio de retroatividade “in mitius” (art.29º n4 CRP art.2º n4 CP). Neste caso, a lei nova,
na medida em que agrava o limite mínimo da pena aplicada não se podia aplicar ao caso
sub judice mesmo que consagrasse a sua retroatividade pois tal seria inconstitucional.
b) Suponha que, no decurso do processo, uma nova lei veio eliminar aquela
circunstância agravante, punindo a violência doméstica contra menores com a
pena aplicável aos casos em que a vítima é um adulto (1 a 5 anos de prisão). Em
virtude da reação negativa a esta modificação legal, considerada um “retrocesso
civilizacional”, à data do julgamento já o legislador tinha restaurado novamente a
pena agravada (2 a 5 anos de prisão). Qual a lei aplicável ao caso?
No âmbito do Direito Penal o juiz deve considerar todas as leis aplicáveis ate o julgamento
e aplicar aquela que é mais favorável ao arguido – retroatividade in mitius. No caso em
apresso, não sendo nenhuma das leis intermédias mais favorável ao arguido, aplica-se a lei
em vigor à data da prática dos factos, ou seja, a lei 1.
c) Suponha que, em 2008, foi aprovada uma alteração ao artigo 2034.º CC, pela qual
se acrescentou à previsão legal uma nova causa de indignidade sucessória: ter o
sucessível sido condenado pelo crime de violência doméstica ou maus-tratos
contra o autor da sucessão. Entretanto, em 25/11/2010, D foi atropelado
mortalmente quando ia a caminho da escola. Poderá C, condenado pelos factos
descritos, suceder na herança aberta por óbito do filho?
De acordo com a doutrina do facto passado, a lei nova não se aplica a factos ocorridos
antes do seu inicio de vigência sob pena de retroatividade. BM considera esta forma
inexata pelo seguinte motivo: a lei nova pode aplicar-se a factos passados sem que tal
envolva necessariamente a sua retroatividade. Segundo o autor, tendo em conta que o
problema da aplicação da lei no tempo, é no fundo o problema ade determinar a lei
competente importa distinguir entre factos determinantes da competência da lei e factos
abrangidos no campo da aplicação da lei competente. Não são todos e quaisquer factos que
determinam a competência da lei, mas tao só e apenas os factos constitutivos,
modificativos ou extintivos de situações jurídicas. Isto posto, a teoria do facto passado
enquanto critério determinativo da competência da lei nova e não os factos a que esta se
aplica deverá ser formulada da seguinte forma. A lei nova não se aplica a factos
constitutivos, modificativos ou extintivos verificados antes do seu inico de vigência. Será
retroativa sempre que se aplique a factos passados por ela própria visados como factos
constitutivos, modificativos ou extintivos de situações jurídicas. Mas já nada impede que
uma vez determina a competência da lei nova com fundamento na circunstancia de um
facto constitutivo da situação jurídica se passar sobre a sua vigência a mesma lei seja
aplicada a factos passados que ela assume como pressupostos positivos ou negativos
relativamente à questão da validade ou admissibilidade da constituição da situação
jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência. Aplicando ao caso concreto, a lei
nova que vem prever a condenação em crime de violência domestica ou de maus tratos
contra o autor da sucessão como causa de indignidade sucessória é a lei competente para
regular a situação em apresso, a sucessão por morte, pois o facto constitutivo da situação
jurídica que determina a abertura da sucessão tem lugar já sobre o seu império pois a lei
nova entre em vigor em 2008 e a morte ocorre em 2010. Nada obsta a que a lei nova, uma
vez estabelecida a sua competência, seja aplicada a factos passados que ela assume como
pressupostos da constituição da situação jurídica, nada impede que a lei nova, uma vez
fixada a sua competência, se reporte a factos anteriores que se verificaram antes do seu
inicio de vigência, utilizando como pontos de referencia para definição do regime de
direito material da situação jurídica criada na sua vigência. Fala-se aqui de retro conexão.
Pertencem à categoria doa factos pressupostos as causas de indignidade sucessória, a
condenação de C é um facto pressuposto. Em síntese, a capacidade sucessória, de uma
pessoa suceder a outra por morte desta ultima, avalia-se à data da morte do de cuis á luz
da lei em vigor nesse momento, o que corresponde à lei nova. Assim, C não poderá suceder
na herança aberta por óbito do seu filho D.
4. A emprestou a B a quantia de 10.000€, tendo-se convencionado que o empréstimo teria
o prazo de dez anos e que os juros venceriam anualmente à taxa de 5%. Dois anos depois,
entrou em vigor um diploma legal que fixou em 4% a taxa de juro máxima para o mútuo
civil, determinando-se que a nova taxa seria aplicável aos contratos celebrados
anteriormente à sua entrada em vigor e ainda em execução.
a) B pretende que A lhe restitua aquilo que já pagou a título de juros e que ultrapasse a
taxa de 4%, alegando para o efeito que a nova lei é retroativa. Terá razão?
Suscita-se um problema de aplicação retroativa da lei. Nos termos do art.12º n1, em regra
a lei apenas dispõe para o futuro, é o principio geral de não retroatividade da lei, apenas
gozando de eficácia retroatividade nos casos em que esta lhe é atribuída e mesmos nesses
casos presume-se retroatividade de grau mínimo ficando ressalvados os efeitos já
produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Respeitam-se os efeitos de direito já
produzidos pela situação jurídica já produzidos pela lei antiga. No presente caso, a lei nova
é de facto uma lei retroativa dado que determina a sua aplicação a contrato celebrados
antes da sua entrada em vigor. Trata-se de uma disposição transitória de caracter formal
ou remissivo. É uma disposição que apenas se limita a determinar qual das leis, a lei antigo
ou a lei nova, é aplicável a determinadas situações. No caso em apresso, o legislador opta
pela lei nova para resolver o problema da sucessão de leis, porém, contando que sejam
respeitados os limites constitucionais, nada impede o legislador de conferir eficácia
retroativa à lei nova. Não nos situando nós aqui, em qualquer das áreas em que a CRP
proíbe a retroatividade das leis nada parece obstar à atribuição de retroatividade a este
regime jurídico. Assim, a lei nova, é aplicável ao contrato celebrado entre A e B. para
responder à questão temos de averiguar o grau de retroatividade da lei nova e sendo que
nada é dito em sentido diferente a retroatividade da lei, quando exista, presume-se de grau
minino nos termos do art.12º/1 2º parte, o que significa que a lei nova conta a taxa
máxima de 4% apenas se aplica aos juros que se vença apos a sua entrada em vigor não
tendo qualquer efeito sobre os juros vencidos antes. Deste modo a pretensão de B não será
atendida e A não terá de devolver aquilo que já recebeu de juro e que ultrapasse a taxa de
4%.
b) Suponha que a nova lei estabelecia que a taxa máxima de 4% seria aplicável a
todos os mútuos civis, ainda que o mutuário tenha já sido condenado a pagar juros
a uma taxa superior por decisão judicial transitada em julgado. Esta solução legal é
admissível do ponto de vista constitucional.
Esta solução legal importa o desrespeito de caso julgado anterior dado que ataca uma
decisão judicial definitivamente transitada e julgada. O caso julgado consiste na
impugnabilidade de uma decisão decorrer do seu transito em julgado. Transitado em
julgado, a decisão deixa de ser suscetível de recorrer ordinário de declaração tornando-se
por conseguinte definitiva e passando a ter força obrigatória dentro e fora do processo. O
caso julgado é assim um meio técnico que permite operar a estabilização do resultado do
processo e a definitividade da resolução de um litigio. Dentro das finalidades do direito, o
caso julgado prossegue a finalidade da segurança jurídica na sua dimensão de certeza
jurídica. Esta solução legal não é admitida pela CRP. O principio da não retroatividade da
lei que afeta o caso julgado embora não tenha consagração constitucional expressa, pode
extrai-se dos seguintes preceitos: art.111º CRP – se a lei nova pudesse ser aplicada a
situações já definitivamente decididas pelos tribunais e transitadas em julgado e se
eventualmente o legislador discordasse de tais decisões jurisdicionais, poderia fazer novas
lais, que aplicando-se a casos julgados, traduziriam uma interferência na função legislativa
jurisdicional, violando-se deste modo, o principio da separação de poderes; art.242º/3
CRP- se se considera que os casos julgados como base na lei antiga constitucional não
podem ser atacados, por maioria de razão, também se considerara que os casos decididos
com base numa lei antiga cuja constitucionalidade não foi sequer questionada não possam
ser postos em causa porque o legislador fazendo uso do seu poder de auto revisibilidade
entendeu revogar a lei antiga e fazer uma lei nova para regular a situação. Em suma, esta
solução legal não é admissível do ponto de vista constitucional, a norma da lei nova que
viola o principio da separação de poderes e é contraria à CRP segundo o argumento de
maioria de razão. Se por força do 242º/3 num caso de inconstitucionalidade e ressalvado o
caso julgado, por maioria de razão, a mesma solução devera ser aplicada nos casos de
simples alteração legislativa.