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Jurisprudência

1) Sobre o prazo para a anulabilidade (287º)


i) Ac. STJ, processo nº 12977/16.0T8SNT.L1.S2
Relator: JORGE DIAS
Data do Acordão: 14-12-2021
(disponível em
Sumário:
I - O vício que serve de fundamento à anulabilidade cessa quando o interessado dele
toma conhecimento
II - A “cessação do vício” a que se reporta o nº 1 do art. 287º do Cód. Civil é a data do
conhecimento do mesmo e não a data da certeza da existência do vício.
III - O prazo de caducidade, no caso, há-de contar-se a partir da data em que ocorreu a
cessação do vício, que neste caso ocorre quando o contraente que está em erro
conhece essa realidade, toma conhecimento do vício ficando a saber que aconteceu o
erro, deixando de existir a partir de então.
IV - Se a autora (na qualidade de cabeça de casal) e herdeiros, não tomaram
conhecimento antes, pelo menos tiveram conhecimento da realidade com a citação
para a ação em que se pedia a sua condenação a reconhecerem um direito de servidão
a onerar o prédio que haviam adquirido.
V - O exercício do direito de anulação não depende da certeza jurídica, fornecida por
decisão judicial transitada em julgado, de que determinados factos originam a
existência daquele direito.
(disponível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt)
ii)
“A incapacidade acidental do autor do ato torna este anulável desde que, para além
dos elementos integradores da situação de incapacidade, a incapacidade do declarante
seja conhecida do declaratário ou, em alternativa, notória. O artigo 257.º do Código
Civil limita-se a cominar a anulabilidade do ato, não fixando o seu regime, pelo que se
deverá aplicar o regime geral do artigo 287.º do Código Civil – têm legitimidade para
pedir a anulação o próprio incapaz, cessando a situação de incapacidade, ou o seu
representante, se o houver. Se o negócio já foi cumprido, o prazo da ação é de um ano
a contar da cessação da situação de incapacidade. Se o negócio ainda não foi
cumprido, a anulação não depende de prazo e a anulabilidade pode ser invocada a
qualquer tempo, tanto por via de ação como de exceção.” (vide, Lexionário -
Incapacidade acidental | DRE).
2) Vícios do negócio jurídico
i) Ac. TRL, de 28/03/2023, processo nº 11932/20.0T8LSB.L1-7 Relator: JOSÉ
CAPACETE
Sumário: 1. Um dos deveres pré-contratuais que para as partes decorre do art.º
227.º CC, concretizador do princípio da boa-fé na formação dos contratos, é o dever de
informação, por força do qual estão vinculadas a fornecer à parte com quem
negoceiam as informações necessárias ao conhecimento das circunstâncias que
possam ser relevantes para a formação do acordo contratual, o que implica o dever de
informar a contraparte sobre todas as circunstâncias relevantes relativas ao concreto
negócio em causa, e que esta desconheça.
2. Acresce que as informações que devem ser comunicadas são não apenas as
referentes às circunstâncias que se conhecem como também aquelas que poderiam
conhecer-se se tivesse usado da normal diligência, visto que o art.º 227.º CC se basta
com a mera culpa.
3. É função essencial dos deveres de informação criar as condições necessárias para a
liberdade de decisão, devendo o indivíduo deve ser colocado numa posição que lhe
permita exercer a sua autonomia privada em conformidade com os seus próprios
interesses, de forma racional e refletida, que na conclusão do contrato, quer na
modelação do seu conteúdo, função que é também a do regime dos vícios da vontade,
em particular, do erro e do dolo.
4. No caso dos pressupostos do erro ou do dolo se encontrarem preenchidos, o
negócio é anulável sem mais, sendo relevante o facto de, ao mesmo tempo, se ter
violado o princípio da boa-fé na formação dos contratos, situação que apenas
importará autonomamente para que se possa conceder uma indemnização ao lesado.
5. Por outro lado, os deveres de informação existem sempre que o princípio da boa-fé
assim o imponha, independentemente dos pressupostos de aplicação do regime do
dolo e do erro se encontrarem preenchidos, deveres esses que conduzirão à aplicação
do regime da responsabilidade pré-contratual por si só.
6. O erro-vício, ou erro-motivo, que pode ser total ou parcial, consiste na ignorância
(falta de representação exata) ou numa falsa ideia (representação inexata), por parte
do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva
na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro
estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos
precisos termos em que o concluiu.
7. Anulabilidade nos termos do art.º 247.º significa que os pressupostos do erro vêm
do art.º 251.º (e não da 1.ª parte do art.º 247.º, concebido para a divergência entre
vontade e declaração), enquanto os requisitos da anulação resultam da 2.ª parte do
art.º 247.º, todos do CC, o que significa que o declarante pode anular a sua declaração,
mas apenas desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a
essencialidade, para o declarante, da pessoa ou do objeto sobre que incidiu o erro
determinante da vontade.
8. O erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria
um negócio com outro objeto ou de outro tipo ou com outra pessoa, não relevando o
erro incidental, isto é, aquele que influiu apenas nos termos do negócio, pois o errante
sempre contrataria, embora noutras condições o mesmo negócio, mantendo-se o tipo
negocial, o objeto e os sujeitos.
9. O erro sobre o objeto do negócio compreende as hipóteses em que o
desconhecimento ou a falsa representação da realidade respeitam ao bem jurídico -
seja este uma coisa ou uma prestação a realizar (objeto mediato) -, assim como ao
conteúdo negocial, à natureza do negócio e aos efeitos negociais (objeto imediato).
10. O erro sobre o objeto material ou mediato tem de ser delimitado positivamente,
aqui se situando os casos em que se desconhece ou se representa erradamente dada
coisa ou prestação na sua configuração objetiva, isto é, nas suas qualidades
(características físicas ou jurídicas, identidade ou substância (vg., cor, dimensão,
localização, finalidade, atributos, entre outros índices).
11. No erro sobre o objeto jurídico ou imediato, o desconhecimento ou a falsa
representação da realidade incide sobre a configuração jurídica da coisa ou prestação
(v.g., as situações jurídicas – faculdades, direitos, obrigações, ónus eventualmente
existentes), bem como os efeitos correspondentes.
12. É sobre aquele que pretende ver anulado o negócio que recai o ónus de alegação e
prova:
- quer da essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro;
- quer da circunstância de o declaratário conhecer ou não dever a essencialidade.
13. A ausência de informações ou a transmissão negligente, pelo declaratário, de
informações inexatas, preenchentes dos requisitos do erro-vício, confere ao declarante
o direito:
- à anulação do negócio jurídico;
- à redução do negócio jurídico – art.º 292.º CC;
- a uma indemnização pelos danos que a conduta negligente do declaratário (devedor
da obrigação de informar com verdade e exatidão) lhe causou, posto que:
- o regime do erro-vício dispensa qualquer atitude de consciência do declaratário;
- o instituto da responsabilidade pré-contratual abrange quer as situações de dolo,
quer as situações de negligência.
13. Quando uma das partes foi induzida a contratar por meio de dados errados
fornecidos negligentemente, a pretensão indemnizatória dirige-se ao interesse
negativo ou dano da confiança, ou seja, se ela não teria contratado ou não o teria feito
naquelas condições, deve ser colocada no estado em que se encontraria se o negócio
não tivesse sido concluído, o que, por via do princípio da restauração natural (art.º
562.º CC), isso pode significar desfazer os efeitos do contrato (desvincular-se) e pedir
uma indemnização pelas despesas tornadas inúteis.
ii) Ac. TRL, de 24/01/2023, processo nº 8947/21.4T8LSB.L1-7 Relator: JOSÉ
CAPACETE
Sumário: 1. A falta de consciência da declaração negocial a que alude o art.º 246.º
CC engloba quer a falta de vontade de ação, ou seja, a consciência e vontade de um
comportamento declarativo, quer a falta de vontade da declaração, isto é, a vontade de
emitir a declaração como declaração negocial.
2. Trata-se de um dos casos mais graves de divergência (não intencional) entre a
vontade e a declaração, em que, podendo existir vontade de acção, falta a vontade de
acção como declaração, a consciência de se assumir um comportamento declarativo ou
a aparência de uma declaração.
3. A anulação da declaração negocial por incapacidade acidental, nos termos do art.º
257.º CC depende da verificação e prova dos seguintes requisitos:
a) Que o autor da declaração, no momento em que a faz, se encontrava, ou por
anomalia psíquica, ou por qualquer outra causa (embriaguez, estado hipnótico, droga,
etc.), em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do acto que
praticou ou o livre exercício da sua vontade;
b) Que esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.
4. Na medida em que estas situações afetam a formação correcta da vontade do
declarante, traduzindo-se também numa falta de vontade da declaração, coloca-se o
problema de compatibilização do regime da incapacidade acidental com o de outras
faltas ou vícios da vontade, como a falta de consciência da declaração, prevista no
citado art.º 246° CC.
5. Atenta a afinidade de situações, deve ser o regime previsto no art.º 257.º CC, por
expressa remissão legal, a regular os negócios celebrados por pessoas que, por
anomalia psíquica (sem estar reconhecido o carácter duradouro ou habitual desta
afetação), estejam impedidos de entender o acto que praticaram ou do livre exercício
da sua vontade.
iii) Ac. TRL, de 26/06/2022, processo nº 2962/20.2T8LRS.L1-6 Relator:
GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Sumário: I. (…)
II. Na simulação – atenta a dualização entre o elemento interno e o elemento externo
da declaração negocial – coloca-se o acento tónico no comportamento declarativo,
harmonizando o valor da autonomia com o valor da confiança, pelo que a nulidade
apenas ocorre quando se verifique igualmente o intuito de enganar terceiros.
III. O mero conluio entre as partes sem o intuito de enganar terceiros deixa de ser
simulatonis, mas igualmente a existência de um pactum mas sem divergência efectiva
entre as partes também descaracteriza tal instituto. Pois terá de existir para se
considerar a simulação: a existência de uma conjuração por dois ou mais sujeitos,
criadora de uma falsa aparência no comércio jurídico, enquanto reflexo da divergência
entre a vontade manifestada e a vontade real, com intuito de enganar terceiros.
IV. Só quando a vontade real difere da exteriorizada é que podemos falar em negócio
simulado, e a ausência de pacto simulatório determinaria eventualmente reserva
mental, mas ausência de simulação.

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