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Rui Pinto *
RESUMO: A doutrina maioritária tem defendido que a força executiva atribuída às sentenças
condenatórias pelo artigo 703º nº 1 al. a) do Código de Processo Civil tem por objeto seja as
obrigações expressamente impostas no seu dispositivo, seja, ainda, obrigações que se teriam
constituído na esfera jurídica do réu como resultado da procedência do pedido declarativo. Tal
interpretação ofende os princípios da igualdade e da proibição de indefensa de modo desrazoável
e desnecessário. No plano ordinário ofende o artigo 609º nº 1 e o artigo 572º nº 2 do mesmo
Código. Apenas se admite que o caso julgado da sentença possa ir além do pedido quando a lei
expressamente o determine: assim, e no seu estrito âmbito, o nº 2 do artigo 703º.
SUMÁRIO: § 1.º Introdução. 1. O título executivo: noção, função representativa e tipicidade. 2. O problema: admissão
de objeto implícito na sentença condenatória? § 2.º Execução de condenações implícitas. 1. Doutrina. 2. Jurisprudência.
3. Tomada de posição. § 3º Conclusões.
Exemplo: tendo o exequente dado à execução um acordo com cláusula para entrega de coisa certa (um
pavilhão e quotas sociais), não pode optar por executar a prestação primitiva (o pagamento da quantia em
dinheiro, ao abrigo do artigo 838º, 2ª parte, do Código Civil) em vez da entrega de coisa certa (um pavilhão
e quotas sociais)4.
Ao mesmo tempo, os artigos 725º nº 1 al. d) e 855º nº 2 al. a) estatuem que a secretaria
(forma ordinária) ou o agente de execução (forma sumária) recusam-se a receber o requerimento
quando não seja apresentado título executivo ou sua cópia. Além disso, o artigo 726º nº 2 al. a)
determina a prolação de despacho liminar de indeferimento quando seja manifesta a falta ou
insuficiência do título, causa essa que pode também conduzir, até ao primeiro ato de transmissão
de bens penhorados, a uma extinção superveniente da execução, ao abrigo do artigo 734º nº 1.
Enfim, tanto a falta, como a insuficiência, como a inexequibilidade de título são
fundamento de oposição à execução, conforme o artigo 729º als. a) e e).
*
Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
1
O Direito. Introdução e teoria geral, 3ª ed., 1983, p. 54.
2
Todos os artigos citados são do Código de Processo Civil em vigora, salvo indicação diversa.
3
Assim, STJ 23-2-1990/Proc. 002271 e RG 16-4-2009/ Proc .627/05.4TCGMR-B.G1.
4
RG 16-4-2009/ Proc. 627/05.4TCGMR-B.G1.
1
O título deve demonstrar uma obrigação, que se pede que seja certa, líquida e exigível.
Assim, o artigo 713º determina que a execução principia pelas diligências, a requerer pelo
exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, “se o não for em face do título
executivo”.
A falta destes caracteres impede a execução da pretensão, como se depreende da leitura
dos artigos 724º nº 1 al. h), 725º nº 1 als. a) e c), 726º nº 2 al. c), 729º al. e), 734º nº 1 e 855º nº 2
al. a).
5
Assim, LIEBMAN, Processo de execução, 1946, p. 39.; cf, a sua análise crítica, em ANSELMO DE CASTRO , Acção Executiva Singular,
1970, pp. 45-46.
6
Neste sentido, ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, vol. I, 3ª ed., (reimp. 1985), s.d., pp. 104-105; AMÂNCIO FERREIRA, Curso
de Processo de Execução, 13ª ed, 2010, p. 66; CASTRO MENDES/TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de processo civil, vol. II, 2020, p. 559;
JOSÉ FERREIRA DE ALMEIDA, Natureza e Função do Título Executivo, RFD XIX, p. 106; LEBRE DE FREITAS, A acção executiva. À luz
do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª ed, 2017, pp. 66 ss., esp. 70; LOPES-CARDOSO, Manual da Acção Executiva., 3.ª ed., 1968
(2.ª reimp. rev. por Álvaro Lopes-Cardoso, 1996). p. 13; MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, colab. Antunes
Varela, rev. e act. Herculano Esteves, 1979 (reimp. 1993), p. 58; TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva Singular, 1998, pp. 14 e 63.
Na jurisprudência, RL 25-6-1992/ 0059732.
7
Acção cit., p. 47.
8
Trata-se do “instrumento documental legal de demonstração da obrigação exequenda” (STJ 15-3-2007/Proc. 07B683).
2
III. a. Portanto, o título executivo cumpre, antes de mais, uma função de certificação da
aquisição do direito ou poder à prestação pelo exequente. Dito de outro modo, o título executivo
cumpre uma função de representação dos factos principais da causa de pedir.
A nossa restrição aos factos principais decorre da leitura do artigo 712º: os factos
complementares de exigibilidade da obrigação devem ser demonstrados no início da execução,
mas não têm de estar representados no título executivo. Por isso, se não há título executivo que
não se refira aos factos principais, já os factos complementares podem estar ausentes do mesmo.
Esta função não é uma função probatória em sentido próprio 9, pois não serve para formar
uma convicção em que se suporte uma sentença declarativa do respetivo direito por parte do
tribunal ou, sequer, do agente de execução.
b. É certo que, como se trata de um documento, não deixa de ter um valor probatório
potencial correspondente ao respetivo tipo de documento — autêntico, autenticado ou simples.
Mas esse valor probatório apenas tem expressão fora do procedimento de execução, numa
eventual ação declarativa, incidental ou autónoma: nesta ação terá a parte de demonstrar a
realidade dos factos que alega, nos termos do artigo 341º CC. Por ex.: a confissão de dívida pode
servir meio de prova documental da dívida de certo sujeito numa ação judicial ou num processo
de inventário, sendo certo que pode constituir título executivo nos termos do artigo 703º nº 1 al.
b).
Já na ação executiva, a apresentação do título executivo, juntamente com o requerimento,
não cumpre ónus de prova algum.
Um tal ónus apenas surgirá lateralmente, maxime, na oposição à execução: aqui o valor
do título enquanto meio de prova determinará que seja, nomeadamente, o executado a ter de
provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos, ou a impugnar, v.g., alegada a falsidade
respetiva ou a falta de veracidade da letra ou assinatura, nos termos comuns 10. No mais, para
efeitos de condição formal da execução, o título executivo cumpre uma função de representação
que não é dada pelas normas substantivas de direito probatório material, maxime, do Código
Civil, mas pelas próprias normas processuais, in casu pela verificação dos requisitos descritos no
artigo 703º.
Esta diferente função do documento “título executivo” decorre de não se estar na ação
declarativa, onde a apresentação do documento concorreria para a produção de um título judicial,
mas, sim, num momento posterior no ciclo de tutela dos direitos: no momento de uso de um título
para a realização coativa do direito já declarado nele.
9
Identicamente, ALBERTO DOS REIS, Processo I cit., p. 106: é «manifestamente forçada esta equiparação entre a função da prova no
processo de conhecimento (...) e a função do título executivo no processo de execução». Diversamente, TEIXEIRA DE SOUSA, Acção
cit., p. 67 («com a apresentação do documento que consubstancia o título executivo, a obrigação exequenda considera-se provada») e
LEBRE DE FREITAS, A acção cit., pp. 68-70, esp. p. 69.
10
TEIXEIRA DE SOUSA, Acção cit., p. 67.
3
c. Em conclusão: o título não é a causa de pedir, mas representa-a, como já atrás
enunciámos, embora baste que o faça quanto aos factos principais.
Essa representação da causa de pedir permite a execução da obrigação: demonstrada a
causa de pedir, nos termos formalmente exigidos, pode ser deduzido o pedido de realização
coativa da prestação autorizado pelo princípio geral do artigo 817º CC.
Como sempre, mesmo esta função é tratada de modo flexível pela lei, de modo a
acomodar diferentes cenários de suficiência do teor do título executivo. Assim, se a causa ou
fundamento de a obrigação exequenda não constar do título deverá ser alegada no requerimento
executivo (cf. o artigo 724º nº 1 al. e)), sob pena de ineptidão do requerimento executivo11. Nessas
eventualidades, o título executivo apenas indicia a causa de pedir.
11
Neste sentido, TEIXEIRA DE SOUSA, Acção cit., p. 69 e LEBRE DE FREITAS, A acção cit., p. 156.
12
MANUEL DE ANDRADE, Noções cit., p. 59 e LOPES-CARDOSO, Manual cit., p. 22.
13
Acção cit., pp. 67-68.
14
Noções cit., p. 59.
4
2. O problema: admissão de objeto implícito na sentença condenatória?. I. O título
executivo judicial, por excelência, consiste, no plural da al. a) do nº 1 do artigo 703º, nas
“sentenças condenatórias”.
Sempre se escreveu que a respetiva colocação, na reforma de 1961, em substituição da
expressão “sentenças de condenação” do Código de 1939, idêntica à, então, constante do artigo
4º nº 2º al. a), não seria inocente.
Manifestamente quis-se evitar qualquer sinonímia com sentenças proferidas em ações
declarativas de condenação (cf. artigo 10º nº 3 al. b)).
Se então se terá querido abranger a condenação em custas 15, e outras condenações acessórias
— que em rigor estão atualmente cobertas pelo artigo 705º nº 1 — a alínea a) abrange agora
não apenas as decisões proferidas em ação condenatória, mas, também, qualquer sentença
judicial que, singularmente ou em cumulação com pedido de simples apreciação ou constitutivo
16
, imponha uma ordem de prestação 17 ou comando de atuação ao réu de maneira incondicional
18
.
Portanto, cabem aqui:
Exemplos: (1) B é condenado a pagar a A 10 000 euros a título de restituição de quantia mutuada, juntamente
com juros remuneratórios e com juros de mora; (2) D é condenado em saneador- sentença a pagar a C 5 000
euros a título de indemnização por danos materiais, prosseguindo a ação para determinação do pedido de
condenação em danos morais; (3) C é condenado a entregar a B o saldo apurado em processo especial de
prestação de contas, nos termos do artigo 941º in fine, em face das contas que o autor apresentou e o tribunal
aprovou, após o réu não o ter feito (cf. artigo 943º) 19.
Exemplo: E pede a declaração de nulidade do contrato de compra celebrado com F, por coação física, e a
condenação em pagamento de indemnização por danos morais.
15
ANSELMO DE CASTRO, Acção cit, p. 12.
16
“A sentença condenatória, como título executivo pode ser proferida em acção de não condenação” (STJ 12-3-2009/ 09A345).
Identicamente, LOPES-CARDOSO, Manual cit., p. 26.
17
MANUEL DE ANDRADE, Noções cit., pp. 62 e 336.
18
Por isso, “[n]ão constitui título executivo, como sentença condenatória em indemnização, a sentença proferida em processo penal,
onde se não deduziu pedido de indemnização, que condena o arguido numa pena suspensa com a condição de, em certo prazo, pagar
ao ofendido determinada quantia” (RP 5-12-1994/Proc. 9450893).
19
Neste sentido, ac. RP 26-9-2006 /Proc. 0624521. Já se o réu apresentar as contas e for apurado um saldo favorável ao autor, este
pode requerer que o réu seja notificado para, em 10 dias, pagar a importância do saldo, sob pena de se proceder à penhora dos bens e
de se iniciar execução para pagamento de quantia certa (cf. artigo 944º nº 5). O título executivo serão as contas apresentadas na forma
de conta corrente (cf. artigo 944º nº 1), cabível no artigo 703º nº 1 al. d).
5
c. a parte condenatória de ação constitutiva em que com o pedido de constituição,
modificação ou extinção de uma situação jurídica o autor tenha cumulado um pedido de
condenação;
Exemplo: G, pai de H, menor, pede a anulação da venda que este fez a I, do automóvel e a restituição da
viatura à sua posse; J pede o decretamento do divórcio com K e a condenação deste a pagar- lhe alimentos.
II. Ora, tem-se discutido se, além das obrigações impostas pelas sentenças condenatórias,
se poderia ainda executar obrigações que, embora para elas o autor não tenha pedido condenação
no cumprimento e sobre as quais não houve pronúncia judicial expressa, se teriam constituído na
esfera jurídica do réu como resultado da procedência do pedido declarativo.
A questão é, como se verá, frequentemente colocada quanto à execução de juros
moratórios legais não compreendidos na sentença de condenação mas é muito mais ampla.
Assim, por ex., condenado o réu em certo valor, pode-se, também, executar os juros de
mora legais não peticionados e não condenados? Ou o autor de uma ação de divisão de coisa
comum, de uma ação de demarcação ou de uma ação de mudança de servidão pode propor, com
base nas respetivas sentenças, execução do réu que continua a usar o imóvel ignorando a divisão,
demarcação ou mudança? É que a violação da propriedade constituída ou delimitada não foi
apreciada pelo tribunal, nem, tampouco, o réu foi condenado na entrega do imóvel ou na não
turbação ao proprietário. Ou no pagamento de juros de mora-
Vamos (i) expor as posições da doutrina, (ii) ver o estado da jurisprudência recente sobre
o tema e (iii) tomar a nossa própria posição.
§ 2.º Execução de condenações implícitas. 1. Doutrina. I. a. Para Alberto dos Reis, mais tarde
23
seguido por Lopes-Cardoso , com a expressão “sentenças condenatórias” o Código quis
20
MANUEL DE ANDRADE, Noções cit., p. 57 e TEIXEIRA DE SOUSA, Acção cit., p. 72. Na jurisprudência, ac. RE 26-1-2017 / Proc.
966/15.6T8SLV.E1.
21
TEIXEIRA DE SOUSA, Acção cit., p. 73.
22
Na simples apreciação a “sentença (mesmo favorável) esgota toda a pretensão do autor, nenhum lugar ficando assim para um
processo executivo subsequente” (MANUEL DE ANDRADE, Noções cit., p. 57).
23
Manual cit., pp. 26-28.
6
abranger «todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada
responsabilidade»24, maxime, certas sentenças constitutivas. Assim, voltando aos exemplos
anteriores o autor poderia propor, com base nas respetivas sentenças, execução do réu que
continuasse a usar o imóvel ignorando a divisão, demarcação ou mudança 25.
Em termos próximos, Anselmo de Castro era de opinião de que da expressão legal
estariam “somente excluídas da força executiva as sentenças proferidas em acções de mera
apreciação” 26. Na verdade, teriam ainda força executiva as sentenças das “acções constitutivas
típicas”27 de certos processos especiais como os de expropriação por utilidade particular e as
ações de preferência. Numas e noutras “está sempre implícita a execução subsequente” 28.
b. Na doutrina atual, Teixeira de Sousa defende que pode haver sentenças de simples
apreciação ou constitutivas que “contenham, de forma implícita, a condenação num dever de
cumprimento” 29, podendo, nesse caso, servir de título executivo.
A condenação implícita teria lugar quando o pedido não teria “utilidade económica
distinta” e, por isso, se tivesse tido lugar a sua efetiva dedução, estar-se-ia perante uma
cumulação aparente30. Assim, numa ação de nulidade de um contrato o autor que não tivesse
pedido a restituição da sua prestação poderia, ainda assim, executar o direito à entrega da coisa31;
ainda, a sentença homologatória de partilha em processo de inventário fixaria definitivamente o
direito dos interessados quanto aos bens adjudicados, podendo servir de título executivo para a
entrega de coisa certa32; a sentença proferida em ação de preferência também seria título bastante
para a execução da entrega da coisa 33; ainda, a sentença de nulidade do despedimento seria título
bastante para executar as prestações salariais vencidas até à sentença34.
Por seu turno, Lebre de Freitas apesar de ter por “duvidosa, perante o princípio
dispositivo, a figura da condenação implícita, porém [é] configurável na medida em que se tenha
também por deduzido um pedido implícito” 35. Assim, se é certo que “o efeito constitutivo da
sentença produz- se automaticamente, nada restando dele para executar”, pode vir-se a executar
“uma decisão condenatória expressa ou implícita, que com ele se pode cumular” – v.g., alimentos,
entrega do locado em ação de despejo36.
24
Processo I cit., cit., p. 27; sobre toda a questão, ibidem, pp. 126-129.
25
Processo I cit., p. 128.
26
Acção cit., pp. 12-13.
27
Acção cit., p. 12.
28
Acção cit., p. 12.
29
Acção cit., p.73.
30
Acção cit., p.73.
31
Acção cit., p. 74.
32
RE 11-6-1992, BMJ 418, p. 884 e RL 26-11-1992/ 0068172.
33
TEIXEIRA DE SOUSA, Acção cit., 74, com apoio no ac. STJ 18-3-1997/96B862 = BMJ 465, p. 507 = CJ/S 1997/I, p. 160.
34
Acção cit., p. 74, com apoio no ac. RL 7-11-1989/Proc. 0004594 = CJ XIV/5, p. 163.
35
A acção cit., p. 38.
36
A acção cit., p. 38.
7
Generalizando, para Lebre de Freitas “a ideia de condenação implícita seria aceitável
quando pela sentença haja sido constituída uma obrigação cuja existência não dependa de
qualquer outro pressuposto”37.
Assim, a sentença da ação de execução específica conteria constituição do direito à
entrega do andar transmitido; a sentença da ação de preferência conteria a constituição do direito
à entrega do objeto da preferência38. Já nas ações de simples apreciação escreve Lebre de Freitas
que “vigorando o princípio dispositivo, compreende-se que tal sentença não possa ser objeto de
execução”39. Por isso, Lebre de Freitas negara que se pudesse executar a obrigação de restituição
por efeito da nulidade declarada em ação40.
41 42
No mesmo sentido, se pronunciaram Remédio Marques , Abrantes Geraldes e
43
Amâncio Ferreira : “a fórmula condenatória não precisa de ser explícita«, bastando a
«necessidade de execução resultar do contexto da sentença”, no dizer deste último autor 44
II. Quanto a se há execução de juros de mora legais sem condenação expressa, Teixeira
de Sousa entendia45 que numa ação de condenação por falta de pagamento do preço ou por falta
de restituição de capital, o autor que não houvesse pedido a condenação em juros de mora poderia
executar a obrigação de juros decorrente da lei, juntamente com a obrigação principal.
Já Lebre de Freitas negara que se pudesse executar a obrigação de juros moratórios: é a
sentença “que define o conteúdo do direito nos limites do pedido (art. 661º) e constitui caso
julgado nos limites da decisão (art. 673º)” 46. Porém, já a sanção pecuniária compulsória legal
não carecia de condenação expressa 47.
37
A acção cit., p. 39
38
Já nas ações de anulação a entrega da coisa suporia um facto: o cumprimento do contrato pelo autor o qual teria de ser alegado e
provado no processo; só o efeito extintivo da sentença não bastaria para se pedir a entrega (cf. AEx cit., p. 39). Por nosso lado, diríamos
que bastaria o uso, nesse caso, do artigo 715º para se demonstrar aquele cumprimento.
39
A acção cit., cit., p. 39.
40
A acção cit., pp. 31-32, nota 2.
41
Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, 2000, pp. 56-57.
42
Títulos Executivos, Th 4/VII (2003), pp. 56-60.
43
Curso cit., pp. 25-27.
44
Curso cit., p. 27.
45
Acção cit., p. 74.
46
A acção cit., pp. 31-32, nota 2.
47
A acção cit., pp. 31-32, nota 2. Ver, ainda, TEIXEIRA DE SOUSA, Execução, juros compulsórios, liquidação, publicado a 11.02.2020
no Blogue do IPPC, https://blogippc.blogspot.com/2020/02/jurisprudencia-2019-172.html
8
necessário uma nova acção para o levar ao cumprimento, bastando para a execução a sentença
declaratória obtida na dita acção de preferência” 48.
Ainda, de modo menos claro, o ac. RP 9-2-2006 /Proc. 0630373 enuncia que “a sentença
que, em acção de execução específica de um contrato promessa (artigo 830º do CC), substituindo
a declaração negocial do promitente faltoso, se limita a transferir a propriedade da coisa ou o
direito prometido para o adquirente, como sentença constitutiva, não constitui título executivo
para exigir por via da execução qualquer prestação, que não seja, eventualmente, a entrega da
coisa, cuja propriedade se transfere”.
Já expressamente, o ac. RL 26- 11- 1992/Proc. 0068172 decidiu que para a sentença servir
de base à ação executiva, “não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação,
bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença”. E assim, “apesar
de o inventário não ser uma acção de condenação, o certo é que a sentença homologatória de
partilhas fixa definitivamente, após o seu trânsito em julgado, o direito dos interessados,
nomeadamente quanto aos bens que lhes foram adjudicados», pelo que «se o cabeça-de-casal se
recusar a entregar tais bens aos interessados, a sentença homologatória de partilhas servirá de
título executivo para obter tal entrega” 49.
Já em ação de nulidade do despedimento o ac. STJ 11- 4-2000 /Proc. 99S313 concluiu
que a “condenação da entidade empregadora na reintegração do trabalhador por nulidade do
despedimento e a condenação daquela no pagamento das retribuições a partir da sentença,
dispensa-o de propor nova acção declarativa pedindo a condenação da empregadora a pagar- lhe
as retribuições vencidas entre a condenação dela na primeira instância até essa condenação ser
confirmada no Supremo Tribunal de Justiça por decisão transitada em julgado” 50.
Mas, mais jurisprudência vai, pontualmente, dando a sua concordância à tese da
condenação implícita.
Assim, por ex., o ac. STJ 8-1-2015 / Proc. 117-B/1999.P1.S1. Este acórdão é interessante
porquanto, aderindo àquela tese, conclui que no caso concreto não havia uma condenação
implícita: da sentença de processo especial de liquidação, instaurado por sócio exonerando, que
fixou o valor da sua participação, não decorre que o sócio tenha o direito de exigir da sociedade
aquele valor.
b. Em sentido oposto, o ac. RL 28- 5- 2013 / Proc. 2094/08.1TBCSC- B.L1- 7 negou que
“a sentença proferida na acção pauliana [que] reconheceu a possibilidade do credor impugnante
executar os bens no património da segunda ré (3ª adquirente), bem como praticar os actos de
conservação da garantia patrimonial autorizados por lei [...] imponha a alguém, expressa ou
tacitamente, o cumprimento de uma obrigação, ou que contenha uma ordem de prestação”.
48
No mesmo sentido, STJ 18-3-1997/ Proc. 96B862.
49
Mais recentemente, neste mesmo sentido, RP 10-4-2008/Proc. 0831846.
50
No mesmo sentido, ac. RP 8-3-2004 /Proc. 0316947.
9
Ainda, o ac. RP 24-1-2019/Proc. 21895/17.3T8PRT.P1 concluiu que “a sentença
proferida em ação de demarcação não é título executivo bastante para execução de prestação de
facto negativo e positivo por alegada violação por parte dos executados do direito de propriedade”
51
.
51
Com apreciação crítica de TEIXEIRA DE SOUSA em Ação de demarcação. Título executivo, publicado a 1.7.2019 no Blogue do IPPC.
52
CJ XII/2, p. 67.
53
Identicamente, RE 9-12-1988, BMJ 382, p. 546, RP 24-1-1995 / Proc. 9421023, RP2-2-1998/Proc. 9750555 e RP 18-1-2001/Proc.
0031480.
54
RP 24-1-1995/Proc. 9421023.
55
Assim, quanto à sentença homologatória, RP 5-6-1995/Proc. 9550160.
10
depois de declarar que “não contendo a sentença condenatória fixação de juros de mora não
podem estes ser atendidos na acção executiva a que aquela sentença serve de título«, todavia,
concluiu que «a partir do trânsito em julgado da sentença, à quantia exequenda acrescem
automaticamente juros à taxa legal de 5% ao ano, ex vi do art. 829- A, n. 4 do CC”.
3. Tomada de posição. I. O problema que ora nos ocupa é passível de ser comum a qualquer
título executivo, em razão de radicar num fenómeno de direito material; a saber: há obrigações
que se constituem por lei, mesmo que o título material respetivo não as enuncie expressamente.
Por isso, a questão em análise é transversal: pode um título jurídico servir de base à
execução, nos termos do artigo 10º nº 5, para obrigações que ele não enuncia na sua literalidade?
Por ex., os títulos de crédito permitem a execução de juros de mora legais e das despesas de
protesto ou outras, ainda que ausente do seu preenchimento?
As respostas são, até certo ponto, diferentes consoante a natureza do título executivo, mas
pode construir-se um entendimento global e coerente.
No caso dos títulos extrajudiciais, é manifesto que, em especial, ao artigo 703º nº 1 al. b),
basta que os títulos materiais “importem” a constituição (ou o reconhecimento) da obrigação.
Essas obrigações tanto podem ser típicas, i.e. que a lei faz derivar de certo tipo negocial, como
podem ser atípicas, fundadas na vontade das partes (cf. artigo 405º CC).
Ora, se é bom de ver que um título executivo recognitivo – maxime, a confissão de uma
dívida – apenas serve para executar as obrigações que reconhece, que obrigações podem ser
executadas por um título executivo constitutivo? A resposta é a seguinte: um título executivo
constitutivo tem força executiva de todas as obrigações que enuncia expressamente, bem como
de todas as obrigações do tipo legal não enunciadas.
Exemplos: para executar a prestação de entrega do imóvel vendido suficiente o respetivo contrato de compra
e venda, que tem por efeito a constituição dessa obrigação, ex vi artigo 879º al. b), mesmo que o contrato não
enuncie expressamente essa obrigação56; o mesmo contrato de compra e venda é, ainda, suficiente para
executar a cláusula pela qual o vendedor se obriga a mandar fazer obras no imóvel antes de o entregar. A
primeira é uma obrigação típica da compra e venda, a segunda não.
Nos exemplos dados, para efeitos do artigo 703º nº 1 al. b), o mesmo contrato de compra
e venda importou a constituição de ambas as obrigações, mas com uma diferença importante: a
obrigação típica não carece de ser enunciada, expressa e autonomamente nas cláusulas57; a
obrigação atípica, naturalmente que sim. Não pode ser de outro modo: para as primeiras, não se
pode impor às partes que copiem a lei para os contratos – por absurdo, que copiem toda a lei
56
Efetivamente, as mais das vezes, as partes declaram que uma vende e a outra compra, sem enunciarem as obrigações do artigo 879,
tal e qual. E assim deve ser: essas obrigações e as outras já decorrem da lei.
57
Por esta razão, no contrato de doação feita com o encargo de pagamento das dívidas do doador, entender-se-á que a cláusula, na
falta de outra declaração, obriga ao pagamento das que existirem ao tempo da doação (artigo 964º CC).
11
relevante para os contratos – em ordem a ganharem ab initio um título executivo para toda e cada
obrigação; já as segundas não se constituem, sem a vontade contratual expressa.
Mas, inversamente, daqui se retira que há certas obrigações reais que não podem ser
derivadas de títulos contratuais pela simples razão de que não têm nele a sua fonte.
Assim, pense- se na escritura de divisão amigável de coisa comum (cf. artigo 1413º nº 1
primeira parte CC) ou numa escritura de demarcação de propriedades (cf. artigo 1353º ss. CC).
A primeira tem efeitos, digamos assim, constitutivos sobre os direitos de propriedade das partes;
a segunda, efeitos meramente enunciativos, salvo quando os limites não estejam já efetivamente
fixados (cf. o artigo 1354º CC). Pergunta-se, então, se estas escrituras constituem títulos
executivos para os efeitos do artigo 703º nº 1 al. b), nomeadamente para obter a entrega do imóvel
ou colocar termo a certa turbação?
À primeira vista dir-se-ia que sim: apesar nada se determinar nas escrituras, elas
importariam, por força da lei, a constituição da obrigação (real) de não ingerência dos “novos”
proprietários singulares na propriedade alheia; se algum dos envolvidos, violasse a propriedade
do outro aí teria, contra si, título executivo. No entanto, não nos parece que assim seja: no plano
material estes contratos, apenas têm os efeitos reais tipificados na lei, nomeadamente a
delimitação do objeto do direito real.
Efetivamente, a lei não associa a esses contratos a constituição de uma obrigação
específica sobre os proprietários; claro que ela existe, mas não é de fonte contratual, sendo, antes,
o próprio princípio da oponibilidade erga omnes dos direitos reais. Ora, a violação desse princípio
tem de ser judicialmente verificada. Por isso, não há nenhuma diferença entre um terceiro que
invade propriedade alheia e um confinante (ou um ex comproprietário) que invade a propriedade
do vizinho: o proprietário terá sempre de obter sentença condenatória ou providência cautelar
porquanto o contrato não foi fonte de uma concreta obrigação.
II. a. Com estas conclusões em mente, vamos, enfim, verificar se uma sentença, ainda
que não condenatória, pode servir de título executivo de obrigações que dela decorram
implicitamente.
Perfunctoriamente, e atenta a nossa conclusão, devem ser excluídas as sentenças de que
não decorre a constituição de obrigações, mas apenas a constituição ou o reconhecimento de
(outros) direitos. Trata-se de sentenças de ações reais. As razões da sua exclusão são as mesmas
razões de ordem material que vimos em escrituras constitutivas ou enunciativas de direitos reais.
Assim, das sentenças de divisão de coisa comum, homologação de partilha de bens,
demarcação e mudança de servidão, retiram- se efeitos reais de constituição ou de
reconhecimento de certa propriedade singular ou de certa servidão, mas não deriva a constituição
12
de concretas obrigações, salvo se forem deduzidos pedidos cumulados58. Nessas ações não há,
nem pedido implícito de condenação, nem muito menos, uma condenação “oficiosa” implícita.
O pedido de condenação deve ser expresso, pois que o tribunal não conhece senão o que o autor
pedir, conforme o artigo 609º nº 1.
Neste sentido, no lugar paralelo, da ação de reivindicação, já foi decidido que o simples
reconhecimento do direito, não importa uma condenação implícita na entrega do bem59. É que o
reconhecimento do direito não implica que o autor esteja a pedir também a entrega da coisa. São
duas pretensões diferentes que derivam da mesma causa de pedir (cf. o artigo 581º nº 4 segunda
parte), sendo que a segunda pretensão implica factos adicionais de violação da propriedade; por
isso, enquanto a segunda pretensão supõe a primeira, o inverso não sucede.
Este raciocínio vale também para as referidas ações reais, como, e bem, propugnou o
citado ac. RP 24-1-2019/Proc. 21895/17.3T8PRT.P1 para a ação de demarcação.
A violação dos direitos de propriedade ou de servidão terá de ser apurada na devida ação
condenatória.
No entanto, é possível ao autor, tanto na divisão de coisa comum, como na demarcação,
como na mudança de servidão, fazer uso do artigo 557º nº 2, para se obter a adequada condenação
in futurum, verificados os requisitos respetivos, naturalmente.
b. Já quanto às demais sentenças não é correto falar em sentença de condenação implícita.
O que é rigoroso afirmar é que certas sentenças, constitutivas e de simples apreciação,
têm um efeito constitutivo não expresso, derivado da procedência do pedido constitutivo ou de
simples apreciação. Portanto, importam a constituição de obrigações que não existiam antes da
prolação da sentença.
Por ex.; a sentença de execução específica importa, ex lege, a constituição da obrigação
de entregar o imóvel vendido (cf. artigo 830º CC) e de pagar o preço60 o mesmo se podendo dizer
da sentença de preferência real (cf. artigos 421º nº 1 e 1410º CC); ainda, a sentença de declaração
de nulidade de contrato importa, ex lege, a constituição da obrigação de devolver as prestações
já efetuadas (cf. artigo 289º nº 1 CC) e a sentença de declaração da ilicitude do despedimento
importa, ex lege, a constituição da obrigação de reintegração do trabalhar (cf. artigo 436º nº 1 al.
b) CT).
Este fenómeno também pode avultar em sede de sentenças condenatórias: a procedência
do pedido de condenação no cumprimento de certa obrigação importa a constituição de certas
58
Pois, se como vimos, a escritura de divisão amigável de coisa comum (cf. artigo 1413º nº 1 primeira parte CC) não é boa para
executar a obrigação (real) de não ingerência na propriedade alheia, como havia de ser dotada de força executiva a sentença que a
substitui, nos termos do artigo 1413º nº 1 segunda parte CC.
59
Efetivamente, “[s]endo dois os pedidos concomitantes que integram e caracterizam a acção de reivindicação, ou seja, o
reconhecimento do direito de propriedade e a restituição ou entrega do prédio ou da coisa, podendo o primeiro ser considerado como
um pedido implícito, face ao segundo, não pode já considerar-se subentendido o pedido de restituição que, por sua natureza, deve ser
explícito, com base na formulação do pedido de reconhecimento do direito de propriedade” (STJ 8-12-2008 / 08A2353).
60
Contra, o ac. RP 9-2-2006 / Proc. 0630373 relativamente à obrigação de pagar o preço.
13
obrigações acessórias. Por ex.; o reconhecimento do crédito em sentença de condenação no
pagamento de quantia certa importa, ex lege, o reconhecimento da obrigação de pagar juros de
mora à taxa legal, nas condições e termos dos artigos 804º a 806º CC, e de sanção pecuniária
compulsória de 5%, conforme o artigo 829º- A nº 4.
Em qualquer dos casos, trata-se de obrigações expressamente previstas na lei, tipificadas
para aquelas situações jurídicas.
Portanto, certas sentenças têm uma eficácia constitutiva implícita, o que as aproxima do
que vimos suceder com os títulos extrajudiciais. Mas se para os títulos extrajudiciais essa mesma
eficácia beneficia de força executiva, como vimos atrás em sede de artigo 703º nº 1 al. b), o
mesmo não sucede com as sentenças, pois a lei, no artigo 703º nº 1 al. a), exige que haja uma
imposição coativa da prestação – a condenação.
Em conclusão: as condenações implícitas são, afinal, efeitos constitutivos implícitos, pelo
que as respetivas sentenças não têm força executiva à face dos requisitos impostos pelo nº 1 al.
a) do artigo 703º.
E por essa razão, apesar de existir equivalência de efeitos materiais entre uma escritura
de compra e venda, celebrada em cumprimento de contrato promessa e uma sentença de execução
específica, não existe uma equivalência de eficácia executiva.
E não existe, repete-se, porque no nosso ordenamento jurídico as sentenças constitutivas
de obrigações não constituem título executivo para os feitos do artigo 703º nº 1 al. a). Ao
contrário, os documentos autenticados ou autenticados constitutivos de obrigações têm força
executiva, pela al. b) do mesmo nº 1.
14
Pode em ação de despejo, o tribunal condenar na restituição do locado, mesmo que o autor apenas
tenha pedido a extinção do arrendamento?
A resposta é negativa, em parte por razões que já adiantámos: apesar de ser um efeito
legal, ergo dentro do princípio iura novit curia (cf. artigo 5º nº 3), o alegado efeito implícito
surge não no plano dos fundamentos da sentença (dos quais, certos efeitos pode ser de
conhecimento oficioso), mas no plano do pedido.
Ora, não há sentença sobre pedidos não formulados; condenações de prolação oficiosa,
digamos assim: a sentença “não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do
que se pedir”, rege, de modo perentório, o artigo 609º nº1. Por isso, o ac. STJ 14-5-2015 / Proc.
1520/04.3TBPBL.C1.S1-A concluiu que “[s]e o autor não formula na petição inicial, nem em
ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento
desses juros” e também, no contexto da execução específica, o ac. RP 9- 2- 2006 / Proc. 0630373)
que uma “sentença [de execução específica] não condenou a executada a pagar qualquer quantia
[a título de preço] à exequente, sob pena de julgar ultra petita” 61.
Um tribunal que, sem que lhe seja pedido, condene no cumprimento das obrigações
derivadas ex lege da procedência do pedido formulado, está a incorrer em nulidade, nos termos
do artigo 615º nº 1 al. e). Mas incorre ainda em nulidade geral, do artigo 195º nº 1, por estar a
prolatar uma decisão surpresa, para os efeitos do artigo 3º nº 3, já que o réu não pôde pronunciar-
se sobre a (não alegada) pretensão condenatória do autor.
Tal foi, aliás, a boa doutrina do AUJ STJ 9/2015, de 14 de maio de 201562: “Se o autor
não formula na petição inicial, nem, em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal
não pode condenar o réu no pagamento desses juros” 63.
Ora, por estas razões, constitui uma violação funcional do princípio subjacente ao artigo
609º nº 1 ficcionar-se que, ainda assim, o tribunal terá condenado implicitamente no
cumprimento das obrigações derivas. Em suma, afirmar a condenação implícita é afirmar uma
condenação que é, em si mesma, nula.
c. Este nosso entendimento não constitui um mero formalismo, mas, antes, procura repor
a igualdade entre credor e devedor.
Como é sobejamente sabido, as regras atinentes ao objeto processual e aos poderes de
julgamento do tribunal servem para garantir a igualdade entre as partes.
61
Trata-se, com o devido respeito, de uma decisão incoerente: se o aresto afirma que a “sentença [de execução específica] não
condenou a executada a pagar qualquer quantia à exequente, sob pena de julgar ultra petita”, não vemos como chega à conclusão
oposta quando se trata da obrigação de entrega do bem. Em suma: ou se defende a condenação implícita para todas as obrigações
típicas da compra e venda ou se a nega em bloco como nós fazemos.
62
DR 121/I (24/6/2015), p. 4420.
63
Pois que, “sendo omitida pelos autores a referência a juros de mora, a parte contrária não tomou, obviamente, posição sobre tal
questão, vindo a ser surpreendida com a decisão depois proferida, que a condenou nesses juros. Decisão que assim, nesse âmbito,
constituiu uma verdadeira decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório [...]. Por outro lado, a existir a indesejada
deficiência ou omissão na petição inicial, quanto ao pedido de juros de mora, os autores poderiam, com razoável amplitude temporal,
ter corrigido o pedido formulado por forma a incluir nele esses juros”.
15
Ora, a admissão de condenação implícita constitui uma restrição ao princípio da
igualdade, na vertente do contraditório 64: o credor vai executar uma obrigação que não alegou
na ação declarativa, relativamente à qual o réu não se pôde defender – pois não foi alegada – e
sobre a qual o juiz não produziu condenação.
Pois não se esqueça que a natureza ex lege da obrigação, não impediria que o réu pudesse
impugnar ou excecionar essa mesma obrigação na contestação, de modo autónomo65, caso fosse
pedida a respetiva condenação.
Exemplos: (1) numa ação em que o autor havia pedido a declaração de nulidade da compra e venda de um
veículo e, expressamente, a condenação na restituição do preço, no pagamento de indemnização pelos
prejuízos sofridos e nos respetivos juros de mora, a sentença veio julgar improcedente o pedido de juros por
entender que seriam de “compensar com o proveito do autor na utilização” do veículo; desse modo, “não
pode o exequente incluir na liquidação os juros de mora vencidos desde a propositura da acção até à
instauração da execução”, conclui o aresto. Suponha- se agora que o pedido de juros não fora deduzido pelo
autor dessa ação: poderia ser executada a obrigação de juros? (2) Numa ação de execução específica o credor
não pede a condenação na entrega do bem, mas a execução tem lugar, pelo que o devedor apenas pode opor
direito a benfeitorias no momento da oposição à execução (cf. artigo 860 nº 1).
Diriam, alguns, que na prática, esse direito de defesa fica apenas diferido para o momento
da oposição à execução. As eventuais impugnações ou exceções perentórias — maxime, um
contra direito — serão, naturalmente, admitidas em sede de artigo 729º al. g). No entanto, chama-
se a atenção que esse direito de defesa do devedor tenderá a ser exercido num contexto processual
que lhe é desfavorável.
Efetivamente, uma vez que o título executivo é uma sentença, os atos executivos terão
lugar antes da citação, seja na execução para pagamento de quantia certa (cf. artigo 626º nº2),
seja na execução para entrega de coisa certa (cf. artigo 626º nº 3).
Por outro lado, estar-se- á a executar uma obrigação sobre a qual ainda não houve
pronúncia judicial: a obrigação meramente implícita não foi declarada pelo juiz da sentença
condenatória, nem foi despachada liminarmente pelo juiz da execução, pois segue-se forma
sumária ou similar.
Mais: esses atos terão por objeto uma dívida ou obrigação cuja extensão o executado
desconhece até à citação. Na verdade, apenas o credor sabe que obrigação vai executar, mas nem
sequer é seguro se a mesma constitui ou não objeto passível de condenação implícita. Por ex.,
64
A doutrina mostra-se ainda preocupada com a restrição ao princípio dispositivo que adviria da admissibilidade de condenações
implícitas, mas tal não colhe. Não só foi o próprio autor credor que não quis deduzir o pedido respetivo, como é ele mesmo que, a seu
favor, invocará a alegada condenação implícita. Portanto, e paradoxalmente, a tese da condenação implícita coloca, justamente, na
plena disponibilidade da vontade do credor tanto o objeto processual declarativo, como o objeto processual executivo. Senão veja-se:
em abstrato seria tão “lícito” pretender que a obrigação de sair da casa vendida em sede de artigo 830º nº 1 foi objeto de uma
“condenação”, dita “implícita”, como pretender que ela foi apenas objeto de uma “constituição” implícita. A preferência de certa
doutrina pela primeira leitura, mostra que estamos a lidar com uma interpretação claramente favorável ao credor que quer cobrar as
suas obrigações e que apenas acha suporte na sua vontade.
65
Portanto, não colhe o argumento de se estar perante um pedido sem autonomia económica: esse entendimento pressupõe que o réu
teria sempre o mesmo prejuízo, fosse deduzido o segundo pedido de modo expresso (cumulação aparente) ou não fosse deduzido. Na
realidade mesmo quando não tenha autonomia económica, a exequibilidade da obrigação implícita constitui um prejuízo específico
para o qual ele apresenta interesse direto em contradizer, invocando tanto específicos factos extintivos – v.g., compensação – como
factos modificativos – v.g., direito de retenção.
16
será que declarando o tribunal oficiosamente a nulidade do contrato de compra e venda de coisa
alheia, pode o vendedor ser condenado no pagamento de juros de mora sobre a quantia a restituir
e que lhe foi entregue pelo comprador, a título de preço, se nenhum pedido de juros foi deduzido?
É que a “restituição a que alude o art. 289º, nº 1 CC não abrange automaticamente o valor dos
juros correspondentes àquilo que foi prestado e que tem de ser restituído” (RL 21- 2- 2002); por
isso a resposta deve ser negativa, embora não seja nem óbvia.
d. Cabe, no entanto, perguntar se essa restrição ao direito de defesa é necessária e razoável
sendo certo que a tipicidade dos títulos executivos – aqui ultrapassada de facto – existe como
fator de proteção do devedor, o que não pode ser desconsiderado. Em suma: prevalece o interesse
do credor ou prevalece o interesse do devedor?
Por um lado, dir-se-ia ser restrição razoável: dado tratar- se de direitos constituídos ope
lege, uma “condenação implícita” não constituiria uma decisão-surpresa, proibida pelo artigo 3º
nº 3 e contrária à garantia de processo equitativo aflorado no artigo 20º nº 4 CRP. Não pensamos
assim, porém. Outros fatores devem ser ponderados no juízo de razoabilidade; a saber, (i) a
omissão processual do autor credor vem degradar a eficácia da defesa do devedor para lá do
razoável, como acabámos de constatar66, (ii) defender a “condenação implícita” é colocar na
disponibilidade do credor o momento do exercício do direito de defesa do devedor: se o credor
deduzir expressamente o pedido condenatório, o devedor defende-se na contestação; se não o
fizer, o devedor defende- se na oposição à execução,
já depois da penhora.
Mas, mesmo que fosse uma restrição razoável, perguntar-se-ia, sempre, se seria uma
restrição necessária, i.e., se o credor não teve ao seu dispor uma tutela alternativa. A resposta
é, novamente, negativa: se a obrigação já estava, de facto incumprida, o autor podia ter pedido a
condenação (v.g., no pagamento dos juros de mora67, na entrega da coisa), se a obrigação ainda
não estava violada o autor podia ter deduzido o pedido de condenação in futurum, ao abrigo do
artigo 557º nº 2, sem prejuízo do regime específico da condenação em sanção pecuniária
compulsória do artigo 829º- A CC68.
Fora desses casos, o autor terá de colocar a ação condenatória quando e se houver violação
do seu direito.
66
Mais, ao não dispor de título que enuncie a obrigação “implícita”, o credor “comporá” a seu belo prazer a obrigação exequenda.
Como podem ser aferidas a respetiva existência, certeza e determinação se falece
de título executivo a que possam ser contrapostas?
67
No caso específico dos juros de mora, as mais das vezes a mora já se iniciou antes da condenação, por força das regras do artigo
805º CC, incluindo da segunda parte do seu nº 3. Apenas no caso da primeira
parte desse nº 3 é que a mora poderá começar com a liquidação; o credor pode deduzir o pedido de condenação atual (i.e, não in
futurum) nesses juros de mora.
68
Aquilo que TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o Objeto e a Prova na Acção Declarativa, 1997, p. 151, designa por subsidiariedade
imprópria a respeito da seguinte situação, «o credor pede a condenação do devedor no cumprimento da prestação de facto infungível
em dívida e requer, subsidiariamente, a sua condenação na sanção pecuniária compulsória imposta por cada dia de atraso naquele
cumprimento (art. 829º-A, n.º 1 CC)».
17
Em qualquer das soluções, o réu pode exercer o seu contraditório e o tribunal poderá aferir
da procedência da pretensão acessória.
Diversamente, a tese dominante, permite, na realidade, ao credor obter efeitos de
condenação in futurum fora das situações previstas na lei. Ou seja, sem ter de mostrar o interesse
processual especifico exigido pelo artigo 557º nº 2. A exigência de um específico interesse
processual tutela o devedor.
A tese em apreço viola, pois, tal preceito processual.
IV. a. Apesar disto, desde 15 de setembro de 2003 que se pode ler no novo nº 2 do artigo
703º nº 2 (à época, artigo 46º) que “Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de
mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”.
Complementarmente, o artigo 716º nº 2, veio acrescentar que a liquidação, pelo agente
de execução de juros moratórios, vincendos, quando não decorram do título e documentos
complementares, será feita “em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis”.
Todavia, o credor, agora manifestamente desonerado de deduzir o pedido de juros na ação
de condenação, continua a ter de, expressamente, deduzir o respetivo pedido executivo de juros
69
.
Manifestamente, trata-se de solução que vale apenas para o seu âmbito específico.
Se o legislador tivesse querido consagrar a tese da condenação implícita, tê- lo- ia feito.
Pelo contrário, a sua consagração limitada parece indiciar que para o legislador as obrigações
constituídas de modo derivado por efeito de sentença, não estão abrangidas pelo título judicial.
Para elas o credor tem de obter título executivo pelas vias que apresentámos atrás.
b. Para terminar, apenas uma nota prática: o ac. RC 10-5-2016/Proc.
2008/10.9TBACB.C1.
O caso fora o seguinte: “apesar de na decisão recorrida se ter considerado que o contrato
promessa de compra e venda que está na génese dos autos é nulo por falta de forma (o que
nenhuma das partes coloca em crise), o que acarretaria a que o réu tivesse direito a receber, a ver-
lhe restituída, a quantia que pagou a título de sinal, em singelo, nos termos do disposto no artigo
289.º, do Código Civil; não se ordenou tal restituição (em consequência do que a tal não se
condenaram os autores), em virtude de o réu não ter formulado tal pedido e assim não fora,
incorreria o Tribunal na violação do disposto no artigo 609.º do NCPC. Defende o réu que tal
condenação é uma consequência directa da declaração de nulidade do referido contrato, ainda que
não se peticione tal restituição”.
Ora, a Relação julgou que “[t]endo a decisão recorrida considerado o contrato promessa
de compra e venda, que está na génese dos autos, nulo por falta de forma, deve ordenar a
69
Neste sentido, PAULA COSTA E SILVA A reforma da acção executiva, 3.ª ed., 2003, p. 28 e STJ 23-4-2008/ Proc. 07S2894.
18
restituição da quantia paga a título de sinal, em singelo, ainda que não tenha sido pedida». Porquê?
Porque «tal constitui uma excepção ao disposto no artigo 609.º do NCPC, tanto mais que tal
declaração até pode ser oficiosamente declarada pelo tribunal, em conformidade com o disposto
no artigo 286.º do Código Civil, atentas as razões de ordem pública que subjazem a tais casos”.
Invoca-se o Assento. STJ 4/95, de 17-5-1995 que decidiu que “quando o Tribunal conhecer
oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na
acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na
restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil”.
Teixeira de Sousa concorda com esta solução70: “parece que se pode afirmar, em tese
geral, que, se o tribunal pode condenar na restituição do que foi cumprido em função do contrato
quando conhece oficiosamente da sua nulidade, então também o deve poder fazer quando a
nulidade tenha sido invocada por uma das partes e esta parte não tenha formulado o pedido
correspondente à reposição da situação que existia antes da celebração do contrato”.
Cá temos uma obrigação que se constitui ope legis por efeito da declaração de nulidade,
nos termos do artigo 289º CC e que, desta vez, o tribunal (por recurso) veio a impor
expressamente, apesar de não pedida.
Mas uma coisa é o conhecimento e julgamento oficioso da nulidade, ao abrigo do artigo
286º CC, outra é a declaração oficiosa dos seus efeitos.
§ 3.º Conclusões. Rejeita-se que da sentença judicial se possa retirar um efeito condenatório
implícito, para efeitos de preenchimento da previsão da al. al) do nº 1 do artigo 703º.
No plano constitucional, tal interpretação ofende os princípios da igualdade e da proibição
de indefensa de modo desrazoável e desnecessário.
No plano ordinário tal ofende o artigo 609º nº 1 e o artigo 572º nº 2.
Apenas norma especial pode estabelecer, de modo limitado, uma tal solução: assim, e no
seu estrito âmbito, o nº 2 do artigo 703º. A natureza secundária do crédito por juros de mora legais
(incluindo no plano económico) parece justificar uma exceção àqueles princípios e normas, ou
melhor, uma razoabilidade da sua limitação. Que, ainda assim, se beneficie o credor que, podendo,
não pediu os juros a que tinha direito, é uma opção que apenas o legislador pode subscrever.
Em qualquer caso, apenas um estudo profundo dos limites objetivos do caso julgado
poderá trazer mais luz ao problema que nos ocupou.
70
Consequências legais que operam ex lege e condenação oficiosa pelo tribunal (09.2018), disponível em
htps://www.academia.edu/28630939/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M_Consequências_legais_que_operam_ex_lege_e_condenação_ofi
ciosa_pelo_tribunal_09_2016_
19
JURISPRUDÊNCIA ADICIONAL
20
II – Não pode servir de base a uma execução para pagamento de quantia certa a sentença que
apenas condenou a Ré a reconhecer que ao Autor assistia o direito a uma pensão complementar
de reforma, mas não a condenou no respectivo pagamento, apesar de peticionado.
21
também que, caso tal obrigação de eliminação dos defeitos não fosse cumprida, seriam os mesmos
embargantes obrigados a indemnizar a aqui embargada (ali autora) no valor de € 30 000,00, o que
está em causa é o próprio facto constitutivo da obrigação exequenda, isto é, o incumprimento da
obrigação de eliminação dos defeitos do imóvel.
II - A ocorrência de tal situação de incumprimento do acordo de transacção não se encontra
abrangida pelo âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o manifestamente
insuficiente para a execução.
22
claramente impositiva (condenação expressa) ou então contiver exigências tácitas de
cumprimento (condenação implícita).
III - O dispositivo da sentença onde consta que “Reconhece-se e declara-se que o mencionado
contrato de arrendamento para fins não habitacionais existente termina em 31/12/2017, tendo
como consequência a entrega do locado, livre de pessoas e bens, pela R. à A. nesta data de
31/12/2017” integra uma nítida dimensão prática impositiva, correspondendo a uma sentença
condenatória.
IV - A legislação processual civil ao passar da alusão a “casa habitada ou numa sua dependência
fechada”, correspondendo a uma ideia estrita e estática de habitação, para mencionar “domicílio”,
possibilitando uma ideia dinâmica e elástica de habitação, visou aproximar esta última designação
do conceito constitucional de domicílio, mas continua a excluir do seu âmbito a sede ou o
domicílio profissional.
V - A posse efetiva do imóvel, mediante o auxílio das autoridades policiais, no âmbito da
disciplina da penhora, mas que é extensiva à execução para entrega judicial de coisa certa, só está
dependente de prévio despacho judicial para a convocação daquele reforço policial, quando esteja
em causa o domicílio habitacional e não a sede de uma empresa ou o domicílio profissional
23
aplicação estar dependente de se apurar se ocorreu o incumprimento que legitima o seu
acionamento, apuramento que há de ser feito em sede declarativa.
24
provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que efectuou ou ofereceu a
prestação; se não puder fazer a prova por documento oferece as provas que tiver;
III- No entanto, as obrigações não são recíprocas se o pagamento do preço estiver a cargo de um
terceiro que não é o executado;
IV- Se a resolução de questões que são objecto do recurso de revista vier a determinar (como foi
o caso) a revogação da decisão do acórdão da Relação, não pode o STJ conhecer, pela primeira
vez, de questões que as instâncias deixaram de apreciar”.
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II - No que respeita à sentença constitutiva, desde que se deduza do conteúdo da mesma que a
mudança na ordem jurídica existente, expressamente pedida pelo autor, implica a realização pelo
réu de determinada prestação, a não realização por este dessa prestação, autoriza que em função
dessa sentença se proceda à execução para prestação desse facto.
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