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Não é nova a polémica sobre a (in)exequibilidade da letra, da livrança ou do cheque a que falte
algum dos requisitos essenciais estabelecidos na Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (
LULL) e na Lei Uniforme Sobre Cheques (LUC) nem sobre (in)exequibilidade desses mesmos
títulos depois de extinta a obrigação cartular, por via da prescrição, sabido serem os prazos
desta inferiores ao da prescrição civil.
II – O TÍTULO EXECUTIVO
1. Noção
Nos termos do artº 45º nº 1 do C.P.Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se
determinam o fim e os limites da acção executiva.
O título executivo é, segundo a doutrina dominante, um documento: um documento
constitutivo ou certificativo de obrigações.
Um documento escrito constitutivo ou certificativo de obrigações que, mercê da força
probatória especial de que está munido, torna dispensável o processo declaratório (ou novo
processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador
O título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória
do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título
(quer o acto documentado subsista, quer não)
E, sendo um documento, ele cumpre uma função probatória.
Daí que, mesmo tratando-se de um documento não autenticado, mas cuja assinatura esteja
reconhecida ou não seja impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado, ele
faça prova plena, nos termos do artº 376º nº 1 do C. Civil, considerando-se, assim, provada a
obrigação exequenda até prova em contrário do executado.
Quer dizer, já então se entendia que força executiva de um documento particular e requisitos
essenciais de um título de crédito exigidos pela LULL ou pela LUC não eram exactamente a
mesma coisa, porque um documento podia não reunir todos os requisitos para valer como título
de crédito, mas apesar disso, conter, de acordo com o C.P.Civil, os requisitos necessários para
ser considerado título executivo.
E, também, não oferecia dúvida, por ser entendimento dominante da doutrina e da
jurisprudência, que um título (cheque, letra ou livrança) a que faltasse algum dos requisitos
essenciais enumerados naquelas Leis Uniformes, não podendo valer como tal (como cheque,
com livrança ou como letra), podia, no entanto, valer como documento probatório da obrigação
fundamental, como quirógrafo de obrigação, isto é, como documento particular de dívida
escrito e assinado só pelo devedor.
Como diz o Prof. Lebre de Freitas – implícita a constituição ou o reconhecimento duma dívida
E uma letra, uma livrança ou um cheque quando prescrita a obrigação cambiária ou cartular,
poderá também qualquer deles valer como título executivo? Prescrito o direito de acção, nos
termos dos artºs 70º e 77º da LULL ou 52º da LUC, manterão esses documentos a natureza de
títulos executivos?
O entendimento da doutrina é que a letra, o cheque ou a livrança mesmo depois de prescrita a
obrigação cambiária ou cartular, porque continuava a reunir os requisitos de exequibilidade
aludidos na citada alínea c do artº 46º do C.P.Civil, não perdia, por tal facto, a categoria de
título executivo.
Hoje defende-o abertamente o Conselheiro Amâncio Ferreira, no seu Curso de Processo de
Execução, 4ª ed. revista e actualizada, pag 33.
E, de facto, apresentando-se a obrigação cartular, atento o princípio da abstracção,
independente da relação subjacente ou causal e não sendo a novação de presumir, segundo o
artº 859º do C.Civil, a relação fundamental mantém a sua eficácia, apesar de prescrita a relação
cartular, já que aquela se não extinguiu com a subscrição do título de crédito, podendo, por
isso, o credor reportar-se à obrigação fundamental e, com base no escrito, accionar o devedor
pois que, como ali se disse, tal escrito tem condições para valer como título particular de
obrigação a que deve atribuir-se força executiva, nos termos da já mencionada al. c) do artº 46º
do C.P.Civil.
Se o título tivesse perdido, em resultado da prescrição cartular, a força executiva, o
requerimento executivo nele baseado não poderia deixar de ser logo indeferido no despacho
liminar, por inexequibilidade daquele. Mas como a prescrição, ainda que transpareça do título,
não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (artº 303º do C.Civil), é óbvio que não
poderá fundamentar o indeferimento liminar do requerimento executivo, não sendo nunca,
consequentemente, causa de inexequibilidade do título dado à execução.
IV – PRINCIPAIS ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS E DOUTRINAIS SOBRE O
TEMA E RESPECTIVA CRÍTICA.
2- Análise crítica
A- Sustenta fundamentalmente a 1ª corrente, como já dissemos, que o título nas condições
referidas não demonstra só por si a constituição ou reconhecimento de uma obrigação, uma
vez que contém uma mera ordem de pagamento sem menção da obrigação subjacente, pelo
que poderia, assim, eventualmente, ter sido emitido por dádiva ou mero favor.
Mas isso é esquecer, mesmo quando o título não mencione a causa da relação jurídica
subjacente, não só que a sua existência se tem de presumir, até prova em contrário a efectuar
pelo executado, por força do estatuído no artº 458º n.º 1 do C. Civil, como ainda que uma
coisa é a inexequibilidade do título e outra a eventual inexequibilidade da pretensão. E
aquela, a inexequibilidade do título, decorre unicamente do não preenchimento por parte
deste dos requisitos legais para que possa desempenhar a função de título executivo e nada
mais[16].
Ora, para que um documento particular preencha os requisitos legais para desempenhar as
funções de título executivo, basta hoje, de acordo com a al. c) do artº 46º do C.P.Civil,
como já acima dissemos, que dele conste uma obrigação de pagamento de quantia
determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, de entrega de coisa ou de
prestação de facto.
É claro que na base da emissão do cheque pode ter estado uma dádiva. Como claro é ainda
que a letra pode ser de favor, a assinatura da livrança pode ter sido obtida mediante coação
física ou ser falsa e a obrigação subjacente pode já estar prescrita, etc, etc. Mas isto são
tudo questões que respeitam à exequibilidade da pretensão e que o executado poderá e
deverá invocar na oposição à execução (vide artº 813º al. g) e 815º do C.P.Civil), não
questões que tenham a ver com exequibilidade substancial ou formal do título, porque esta
afere-se pelo próprio documento, e é ele que a deve exibir,
B) Entendem, por outro lado, os defensores da 2ª orientação que, apesar disso, tais escritos
constituem título executivo, se deles constar a causa da obrigação ou se no requerimento
executivo for alegada essa relação causal ou subjacente.
Como já cima se disse, nada na lei exige que um escrito, para ter eficácia executiva, deva
conter a razão da ordem de pagamento ou que isso tenha de ser alegado no requerimento
executivo para esse fim. E estabelecendo, por outro lado, o artº 458º n.º 1 do C. Civil uma
presunção de existência da relação fundamental, não será ao exequente que cabe fazer
prova da existência da relação causal, dado esta ser de presumir até prova em contrário,
mas sim o executado que terá de fazer prova da sua eventual inexistência.
C) – Vejamos agora a tese daqueles que advogam que esses mesmos documentos
constituem título executivo, ainda que deles não conste a causa da obrigação, devendo,
porém, nesse caso, a relação subjacente ou fundamental ser alegada no requerimento
executivo, sob pena de indeferimento liminarmente, por ineptidão. E isto muito embora
também reconheçam, simultaneamente, que não é o exequente que tem o ónus da respectiva
prova, uma vez que a causa de pedir não preenche no processo declarativo e no processo
executivo a mesma função, servindo neste último apenas como elemento individualizador
e identificador da relação jurídica material, isto é, da obrigação.
O que nos parece ser a corrente doutrinal e jurisprudencial defensora da tese de que na acção
executiva a causa de pedir não se identifica com o próprio título executivo, sendo antes
constituída pelos factos constitutivos da obrigação reflectidos no título, ao obrigar que, no
requerimento executivo, se exponham, ainda que sucintamente, «os factos que fundamentam o
pedido, quando estes não constem do título executivo».
O nosso legislador não consagrou quais os requisitos necessários do requerimento executivo,
simplesmente por força do art., 801 remete para o processo declarativo do qual aplicado os art.
467º mutatis mutandis, que nos termos do requisitos constam os “os factos que fundamentam
o pedido.” Que na sua falte pode dar lugar a indeferimento liminar por ineptidão da
Requerimento.
Neste sentido tal entendimento é coalhável.
D) De tudo o que acabamos de expor é fácil concluir, por exclusão de partes, que enfileiramos
no grupo daqueles que sustentam que a letra, a livrança ou o cheque prescritos ou a que falte
algum requisito essencial para poderem ser considerados títulos de crédito, podem, mesmo
assim, valer só por si, nos termos da al. c) do actual artº 46º do C.P.Civil, como título executivo.
Posição de Maria França Gouveia
Os títulos de crédito têm um prazo de prescrição e de eficácia muito reduzido – 6 meses. Por
isso, a lei permite que estes títulos de crédito, ainda sejam títulos executivos mesmo já tendo
passado o prazo de prescrição (embora sejam já meros quirógrafos), sendo neste caso um
reconhecimento de um documento particular, sem estar autenticado e independentemente da
data em que foi assinado, desde que os factos constitutivos da relação subjacente constem do
próprio documento ou sejam alegados no documento executivo.
Nota: o quirógrafo só serve de título executivo na relação subjacente (“relação primária”).
Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, o título prescrito
vale como documento particular respeitante à relação jurídica subjacente.
o Quanto do título de crédito prescrito não conste a causa da obrigação, temos duas
hipóteses: A obrigação emerge de um negócio jurídico formal – uma vez que a causa
do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não constitui título
executivo (arts. 221.º/1 e 223.º/1 CC).
o A obrigação não emerge de um negócio jurídico formal – é título executivo, sem
prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva e poder ser
impugnada pelo executado
Catarino Da Silva