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METODOLOGIA DO DIREITO

A Metodologia do Direito em Tempos de Crise1*.

A literatura de uma obra muito antiga e muito conhecida da autoria de W.

SHAKESPEARE intitulada “Medida por Media” trazia, a ribalta, uma história banal, mas

muito curiosa e significativa para o estudo da Ciência do Direito.

Havia em Viena, durante a época do Renascimento, um Duque que desgostoso com o

comportamento do seu povo, promulgara uma lei que condena a pena de morte quem

praticar qualquer acto de abuso sexual. E para verificar se a lei alterava positivamente o

comportamento das pessoas, o Duque resolve se ausentar por um período de tempo do seu

país, deixando um substituto em seu lugar para manter a ordem. Este substituto chama-se

Ângelo, que era um falso moralista na época. Porém o Duque, afinal, não se afasta

realmente, e fazendo-se passar de freira, acompanha o comportamento social da cidade.

Neste contexto, Cláudio, um fidalgo, e apaixonado por Julieta, engravida-a; em função da

lei, é condenado à morte. Sua irmã de nome Isabela que era realmente freira, recorre a

Ângelo para tentar reverter a pena e assim salvar o irmão.

Entretanto, depois de tanta insistência de Isabela, Ângelo o falso moralista, promete salvar o

irmão de Isabela, mas com uma única condição: “se ela se comprometesse a entregar a sua

virgindade a Ângelo. Em torno dessas contradições e hipocrisias em que se desenvolve a

Sena, o Duque reaparece.

O limiar da época pós-pandemia, abre uma nova era – a chamada era digital – que

agrega um novo modelo de saber científico muito baseado no novo método digital

de conhecer as coisas, isso com certeza muda a forma de interpretação e de

compreensão do mundo.

Método é acto ou caminho para se chegar a um determinado lugar (meta+odos).

Para o Direito seria, na linguagem de Castanheira Neves2, o acto metodológico de

*Aula inaugural para a Disciplina de Metodologia do Direito, Ministrada aos alunos do 2º Ano do Curso
de Direito da Universidade Metodista de Angola.
determinação de sentido. Para se saber qual significado textual consta, por exemplo

na lei, é necessário se aplicar um método. O método se refere ao aspecto, segundo o

qual, de que forma se irá assimilar o texto normativo e como se fará a aplicação. Ou

seja, o tipo metodológico a aplicar é feito pela reflexão hermenêutica.

A palavra “hermenêutica”, tal como já o temos vindo a sustentar na disciplina de

Metodologia do Direito, surgiu de um nome dado Hermes, um semideus que na mitologia

grega tinha a função de intérprete. Portanto, “Hermes” se tornou poderoso por ter a vocação

de interpretar a linguagem dos deuses para os cidadãos comuns3.

A expressão passou da idade antiga, medieval e transitou para a modernidade

chegando aos nossos dias não mais como uma questão subjectiva que pertencia a

Hermes. Portanto Hermes poderia dizer a sua convicção. Pois ninguém sabe o que

os deuses queriam transmitir aos cidadãos.

Hoje, é necessário mudar essa subjectividade, seja de Hermes ou do falso moralista

Ângelo que diz que,. para os inimigos aplica-se o Direito e para os amigos, os

favores da lei. Ou como diz o falso moralista “se você se entregar aos meus braços”

eu aplico a excepção da lei. Não será isso o falso direito, o que muitos hoje chamam

de aplicação do direito de forma selectiva?

Seja, como for a crise que vivemos hoje é uma crise de paradigma. Eu explico: o

Direito antes estava preparado apenas para enfrentar e dar resolução a

determinados problemas e a determinada franjas da população. Se forem as cadeias

vão notar que a maioria dos detentos praticou crimes comuns, como por exemplo,

furtos, homicídios, assaltos. Mas já os crimes de corrupção, branqueamento de

capitais, esses continuam como um problema metajuridico ou metajudicial.

Parece que o Direito também tem donos. Ou seja, aqueles que não são afectados

pela incidência da norma.

2
Neves, José Castanheira Neves. Metodologia Jurídica, op.cit. p.p35-81.
3
Vivemos ainda em Angola, o problema do mito do juiz, dono da lei e do Direito

que está acima de todos, o que se arroga saber interpretar melhor o texto

normativo. Através da interpretação pela subsunção do facto a norma jurídica.

Esse paradigma hoje não se sustenta, pois o Direito tem de passar ao grau de

autonomia, no qual as Instituições julgam de forma imparcial e se evita o que se

chama de vingança individual ou o uso arbitrário das suas próprias razões.

Para o efeito, traremos à colação, ao longo das nossas aulas os ensinamentos de

José Canotilho, que fala da função normativa, de Konrad Hesse que trata da força

normativa da Constituição e a visão de Ferraioli que trata da visão construtivista

do Direito, tal quanto Hanri Daridal, Robert Alexy4 que deu uma compreensão

racional ao Direito e principalmente José Castanheira Neves com o seu classicismo.

O direito deve assumir a sua função de transformação social.

Os juízes têm responsabilidade política e assumem um papel social, tal como

iremos observar nos subsídios trazidos pelo Direito Alternativo.

Em Angola, nós temos uma constituição nova e em face de uma sociedade plural é

necessário sairmos da interpretação de subsunção pela norma jurídica.

Pois iremos demonstrar com o professor Cordeiro que texto normativo e norma

jurídica não significam a mesma coisa. A norma é produzida pelos intérpretes.

Se eu usar o Art.9.º do CPC (Sobre o conceito ou medida capacidade judiciária), ou

para agir em juízo da interpretação que eu realizar a partir deste artigo resulta a

norma.

Assim, por exemplo, a música, conjunto de cinco linhas e uma clave formam um

pentagrama do qual se podem construir uma partitura com as músicas mais

eruditas que podemos ter. mas para percebermos o conteúdo da música, se ela é a

9º sinfonia de Bethovem ou ou Requiens de Mozart tem de ser através ou por

4
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica, Landy Editora, S.Paulo, 2004.
mediação de um intérprete que nos irá transmitir a beleza da arte. O intérprete é

para o direito o jurista e o fim da interpretação é a resolução do caso concreto que

Carneluti atribui o conceito de lide.

A interpretação e aplicação não se operam automaticamente. Não é mera operação

mental do qual de uma inferência abstracta se infira a veracidade de uma caso

concreto, nem pela subsunção lógica às premissas maiores abstratamente

formuladas.

O grande problema do modelo de interpretação pela subsunsção é que se faltar

uma premissa o argumento ou fundamentação é inválida.

A interpretação só será considerada correcta quando tiver os pressuposto a

resolução do caso concreto. Deve para o efeito justificar a escolha.

GADAMER, diz que a Hermenêutica jurídica pertence ao conjunto de problemas

de hermenêutica geral. Ou seja, fazer direito compreendendo as proposições

jurídica que cubra inteiramente a realidade social.

O que importa é que, o que se interpreta não se confunda com o objectivo da

interpretação.

Uma boa interpretação é aquela que analisa o direito numa perspectiva prática

normativa, utiliza a norma como critério de justiça.

O direito é entendido como normatividade.

1. O Conceito Etimológico

Ectimologicamente a palavra método vem do grego methodo. O primeira palavra

significa “através de, por meio de” e a segunda palavra significa caminho. Usar um

método é segundo essa lógica, seguir um caminho que vai até a um determinado

objetivo. Aqui não se trata de qualquer caminho. Mas sim de um caminho

ordenado, que segue determinada regras e procedimentos racionais.


2. Porque Precisamos do Método?

- Seguimos o método devido ao medo de que sejamos traídos pelo pensamento?

- seguimos o método com o receio de que sejamos impressionados pela ilusão?

- ou que a subsunção de um pensamento lógico desvaneça a erro?

É necessário assumirmos ab initio que toda a ciência deve possuir um objecto

próprio,

3. Um Pouco de História

O método é um conceito que permeia historicamente todo o conhecimento desde a

antiguidade até aos nossos dias. Como o método foi colocado ao longo do tempo?

De que forma o método influencia o Direito?

Vejamos resumidamente como isso ocorre:

3.1 Na Antiguidade Greco-helénica

- Sócrates – Maiêutica

O verdadeiro objecto da ciência não é o sensível, o particular, o indivíduo que

passa, é o inteligível. O conceito de inteligibilidade obtém-se por um processo

dialéctico, pela busca da essência das coisas, através do diálogo com o adversário.

Sócrates estrutura um conjunto de perguntas até colher ao adversário presunçoso

em evidente contradição e constrange-lo à confissão, humilhante da sua ignorância.

A este processo pedagógico, Sócrates dá o nome de maiêutica ou engenhosa

obstetrícia do espírito, que facilita a parturição das ideias «conhece-te a ti mesmo

torna-te consciente da tua ignorância, como sendo o ápice da sabedoria – o desejo

da ciência.

RESUMO: Para este autor, no diálogo os interlocutores de Sócrates guiados pelas

perguntas examinam o pensamento que cada um deles possui e chegam ao conhecimento ou

a ideia universal. Ou a ciência da coisa procurada.


- Platão – Dialéctica

Para este autor a ciência é objectiva; o conhecimento certo deve corresponder à

realidade. A ciência deve existir além do fenomenal, em um outro mundo de

realidades, objectivamente doptadas dos mesmos atributos dos conceitos

subjectivos que as representam.

Sócrates, portanto, desenhou em sua filosofia epistémica uma espécie de alegoria –

imagem alegórica (Alegoria de Platão). No mundo das ideias estão as

representações intelectuais ou formas abstractas de pensamento, são realidade

objectivas, modelos e arquétipos eternos de que as coisas visíveis são cópias

imperfeitas e fugazes. Assim, a ideia de homem é o homem abstracto perfeito e

universal de que os indivíduos humanos são imitações transitórias e defeituosas.

Toda as ideias existem num mundo separado, o mundo dos inteligíveis, situado na

esfera celeste. A certeza da sua existência funda-a na necessidade de salvar o valor

objectivo dos nossos conhecimentos e na importância de explicar os atributos do

ente de Parménides.

RESUMO: Este autor fala de dialéctica – discussão de teses contrárias e em conflito ou

oposição.

- Aristóteles (Método Analítico)

Este autor considerou a dialéctica inadequada ao pensamento, não oferecendo

nenhuma garantia de que tenhamos superado o conflito das opiniões e alcançado a

essência verdadeira da coisa investigada. Por isso, optou um novo método

demonstrativo-silogístico que é composto por três juízos que permitem obter uma

conclusão.
3.2 Idade Média -

A idade Média foi Completamente dominada pela Igreja. A fonte normativa era o

corpus iuris civili atribuído a justiniano e a famosa Santa Inquisição que aplicava

aos arguido um método de tortura para colher a verdade.

como temos vindo a sustentar o Sistema Inquisitório tem as suas raízes em Roma.

Nasceu no seio da Igreja Católica como resposta ao movimento das “doutrinas

heréctica” de então5 , tendo durado cerca de 700 anos.

Com a decadência do império romano, a Igreja tornou-se, por meio de Constantino

(em 312 D.C), o parceiro estratégico mais importante do poder e, por este meio,

recebe a influência da doutrina patrística agostiniana baseada em um mundo

hipostasiado6.

A igreja, através da sua forte repressão canónica aos hereges

consolida a sua estrutura processual e Institui através da CONSTITUTO

EXCOMUNIAMUS em 1231, do Papa Gregório IX, os Tribunais da Santa

Inquisição com o pendor jurídico. Tendo-se consolidado com a Bula AD

EXTIRPANDA, de Inocêncio IV, em 1252.

Dista que nessa espécie de processo, o controlo do processo

penal estava na mão de um clérigo com exclusão do órgão acusador. O processo já

não era conhecido como uma relação jurídico-processual assente em três sujeitos

“actio trium personarum” (acto de três pessoas), no sentido que o emprestamos

anteriormente. Mas e por conveniência excluía as partes concentrando todos os

poderes ao inquisidor que, por sua vez, exercia quer o papel de acusar quanto de

julgar.

5
PISAPIA, Gian Dometico. Compêndio de procesura penale, 4ª ed. Padova. Cedam,1955.
6
Em grego clássico hipóstase (ó) substância, é um termo grego que pode referir-se à natureza
de algo, ou a uma instância em particular daquela natureza. Nas confissões agostinianas entende-se como
a unidade do mundo inteligível.
VELEZ MARICONDE7 diz que:

(…) a inquisição significa investigação feita por


escrito e secretamente. No fim desse processo a
sentença é proferida. O processo muda
fundamentalmente sua fisionomia; o que foi um
duelo leal e franco entre acusador e acusado,
armados de iguais poderes, torna-se numa luta
desigual entre juiz e acusado. O primeiro
abandona sua posição de árbitro e assume a sua
função activa de inquisidor, actuando desde o
primeiro momento também como acusador, ou
seja, confunde-se a actuação do juiz e de
acusador; o arguido perde o estatuto de
verdadeiro sujeito processual e torna-se objecto
de dura perseguição (Tradução Nossa).

Como se vê, a superioridade do magistrado é nítida e

evidente. Ressalte-se, que a aludida superioridade é lógica e só faz sentido na

estrutura processual inquisitória. Nesse sistema, o inquisidor tem o poder de fixar

o thema probandum, o thema decidendum e exclui as demais partes do processo (autor,

juiz e reu).

A característica fundamental do sistema inquisitório está na

gestão da prova, incumbida essencialmente ao magistrado que o recolhe

secretamente8.

Dizia, magistralmente Foucault, em Vigiar e Punir que, o

magistrado constituía, sozinho o processo e com plenos poderes investia em uma

verdade contra o acusado9. Portanto, o processo penal visava, evidentemente a

descoberta da verdade. Mas isso dependia tão só do caminho que o juiz quisesse seguir

7
VELEZ MARICONDE, Alfredo. El processo penal inquisitivo. Scritti giuridici in memoria de Piero
Calamandrei, Padova: Cedam,1958, v.ii, p.510.
8
CORDERO, F..La riforma dell’istruzione penale. Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano:
Ciufrèè, 1963, p.715.
9
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir.(trad. Ligia M. Pondé Vassallo) 6ª ed., Petrópolis: Vozes, 1988.
para achegar-se á verdade. E aqui vale lembrar as nossas aulas de lógica e

hermenêutica jurídica, na qual temos ressaltado a importância lapidar da matéria

de lógica dedutiva no discurso jurídico.

A lógica dedutiva, tal como a temos ensinado, insere-se aqui

como um mecanismo estratégico para dar racionalidade a sua decisão. Para

deduzir a verdade ( e aqui entenda-se como verdade lógica10 e não ontológica), o

inquisidor tem a opção de escolher ex officio a premissa maior e dela deduzir a

conclusão. Inclusive, ele (o magistrado) pode dar-se ao luxo de decidir antes, para

depois ir a busca da prova necessária para justificar a sua decisão. Inclusive o

perseguido, nessa fase está preventivamente preso à disposição do seu algoz. É a

esse fenómeno que denominamos de: quadro mental paranóico, tal como a

descrevemos no início do capítulo (o primado da hipótese sobre os factos).

É importante e necessário repisar que, em lógica, partindo-se

de premissa falsa, chega-se a uma conclusão igualmente falsa, mas válido.

Partindo-se de premissa verdadeira, chega-se a conclusão inefavelmente

verdadeira (essas são as regras do pensamento lógico)11

Assim, segundo essa perspectiva, se o juiz acusar, investigar,

dirigir e julgar com clara superioridade em relação ao acusado, será evidente

concluir-se que estamos perante uma estrutura tendencialmente inquisitória. Aí

bastaria apenas uma suspeita, uma denúncia secreta ao acusado para dar início a

acção penal na qual a confissão é considerada a “regina probationum” (a rainha de

todas as provas).

A confissão, a via pela qual se atingia a verdade, era obtida

pela tortura. Entretanto, ocorre que, quanto mais violenta a tortura, mais violento o

10
A noção de verdade remete-nos ao conceito de totalidade. A verdade está no todo e não na parte que
conhecemos. A verdade lógica corresponde a prospecções e incursões que se fazem em relação ao
objecto. Uma ilustração que se pode fazer é a figura geométrica de um polígono, do qual só se pode
vislumbrar a percepção de uma das suas faces. De modo que essa face não pode ser confundida com a
totalidade do polígono que apresenta as outras faces não absorvidas pelo espelho da nossa percepção.
Alguém mesmo dizia que para se conhecer a verdade sobre a rosa é necessário dizer o eu a rosa é e aquilo
que ela não é.
11
COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de Lógica Jurídica, São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p.12.
desejo de que o mesmo chegue ao fim. (Esse cenário cinematográfico é bem evidenciado

pela obra de Umberto Eco – o nome da Rosa).

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