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Suporte como fato institucional

Assim delineada a complexa estrutura de cada conceito de suporte, se está em


condição de analisar a característica delas que torna realmente desafiadora a
determinação de sua tokenização concreta. Cada um dos tipos legais mencionados
consiste em um fato institucional jurídico-type. Todos e cada um deles são o que são em
função de regras que definam os poderes deônticos/efeitos legais que os definem e são
atribuídos a determinado tipo de suporte, e de outra que define o tipo desse suporte, ao
qual se atribui aqueles poderes. Entre um e outros não há nada além do nome, mas há a
instanciação ou tokenização deste complexo type, construído pela função-type e pelo
suporte-type.

Por outro lado, a própria representação documental que integra o conceito de


suporte dos títulos-type, também é um fato institucional-type, embora de um modo nem
sempre fácil de perceber. No entanto, basta pensar que não é qualquer coisa escrita que
“conta como uma escritura pública”, para se perceber que este documento é um fato
institucional dotado de seu conceito de suporte próprio e distinto, por exemplo, do
negócio jurídico por ela documentado.

O problema é que o título executivo é um fato institucional não apenas diferente,


na horizontalidade, da letra de câmbio e todos os outros referidos nos respectivos
conceitos de suporte de cada título executivo-type específico. O título executivo é um
fato institucional de nível superior (não em hierarquia, obviamente), no sentido de que
ele tem cada um daqueles fatos institucionais como suporte, ao qual a função de status
específica do título-type, é imposta.

Dessa forma, há uma inevitável transparência entre as condições de satisfação de


determinada espécie de título e as condições de satisfação do tipo de fato institucional
que é selecionado como suporte (do título). Dessa forma, verificar se existe um
determinado título-token é, em princípio, verificar se existe um token (adequado) do
tipo de fato institucional que integra o conceito de suporte de determinado tipo de título.

A questão é: será essa transparência total, de modo que o juiz da execução possa
e deva investigar, na sua plenitude, a existência do suporte-token específico? Ou haverá
uma zona de opacidade, impedindo que algo da inexistência seja conhecido e/ou o
próprio conceito de existência do suporte-token seja específico a esse contexto?

A explicação deste ponto parece estar associada a outro dado também da maior
relevância. Aquilo que serve de “suporte” aos títulos executivos-token não consiste,
como acontece com fatos institucionais mais simples e mesmo com atos e negócios
jurídicos, em elementos materiais dotados de (alguma) existência material – e, por isso,
faz sentido diferenciar inexistência, nulidade e anulabilidade quanto a eles. Na
realidade, todos e cada um dos conceitos de suporte que constituem as diversas espécies
de título executivo-type são conceitos de fatos institucionais, ou seja, fatos
institucionais-type.

Assim, os títulos executivos são um exemplo marcante daquilo que Searle


chama de “iteração de institucionalidade”, hipóteses em que o X-termo de uma regra
constitutiva consiste no Y-termo de uma outra regra constitutiva de nível mais básico.

Com efeito, sentenças, títulos de crédito, contratos, certidões de dívida ativa são,
todos eles, indiscutíveis fatos institucionais. E o reflexo imediato disto, no que diz com
a doutrina do título executivo, é esse: para cada um deles, enquanto fatos institucionais-
type, há regras de suporte específicas, fixando as condições de existência (e de
inexistência) dos tokens respectivos; fixando as propriedades (conceito de suporte) que
algo particular deva ter, para que possa contar como sendo um token daquele type de
fatos institucionais.1

Assim, tome-se, a título de ilustração, o título executivo-type que tem o conceito


de “letra promissória” como conceito de suporte. Suas regras constitutivas são as
seguintes:

R. Suporte: Se algo é uma letra de câmbio, então algo é um título


executivo

R. de Função: Se algo é um título executivo, então é dotado de eficácia


executiva (poderes deônticos)

Agora, a que se refere a expressão ‘letra de câmbio’, na regra de suporte acima?


Nada é uma letra de câmbio “por si mesmo”. Não há nada “no mundo” que seja, pelas
suas próprias “forças”, uma letra de câmbio. Toda e qualquer letra de câmbio, todavia,
apenas é concebível que exista, justamente pelas ricas normas que a disciplinam
(constituem) e que podem, realmente, ser reconstruídas de tal maneira que se encaixem
nessa seguinte forma lógica:

a. Se o suporte concreto S1 se ajustar ao conceito de suporte da letra de


câmbio-type, S1 conta como uma letra de câmbio-token, a qual passa a
existir;
b. E se existe uma letra de câmbio-token, ela conta como sendo título
executivo-tokenx, no contexto de um processo de execução.

Letra de câmbio é um fato institucional e, por isso, tem-se, quanto a ela, tudo aquilo que
se viu quanto ao straight flush e ao título executivo:
1
Estas bem que se tratam, na verdade, de informações basilares e triviais, mas que trazem ou podem
trazer alguma transparência na visão de algumas coisas corriqueiras.
1. Há uma letra de câmbio-type, cuja existência é dada, integralmente, pelas
respectivas regras de suporte e de função, e que é definida pelo
amálgama dos conceito de suporte e de função, que integram tais regras,
respectivamente.
2. Há letras de câmbio-token, consistente em itens individuais que se
ajustam ao conceito de suporte da letra de câmbio-type e, por isso
mesmo, é titulo dos poderes deônticos que integram e definem a função
específica deste type de fato institucional.

Assim, a expressão ‘letra de câmbio’ deve ser compreendida da mesma maneira


que

Assim, a “existência de uma letra de câmbio” pode ser analisada, de modo a revelar o
caráter institucional do fenômeno, da seguinte maneira:

Assim, o nomen iuris que consta em cada definição da regra de suporte específica de
cada modalidade de título-type, designa o que: a figura-type ou a figura-token?

A type, porque é um type. Mas não “todo” o type, de modo a incluir os seus poderes
deônticos. Porque enquanto fato institucional os fatos-tokens são a instaciação de
normas.

[alter: ela designa o conceito de suporte da figura-type, pois apenas este, e não o
respectivo token, admite subsunção, admite funcionar como “conceito de suporte”]

Mas não designa tudo, porque letras de câmbio, sentenças e contratos escritos ou
confissões de dívida têm “poderes deônticos característicos” muito diferentes entre si.
Mas, no processo de execução, como Andolina bem revelou, nenhum desses poderes
deônticos – a eficácia executiva – se manifestam.

Se isto é assim, cabe indagar: o que há para um fato institucional ser, com exclusão de
seus poderes deônticos, mesmo que em chave radicalmente hipotética? O tipo de
suporte que ele também é (além de sua função).

Daí se conclui que, aquilo que pareceu relevante, ao legislador, foi se valer do mesmo
conceito de suporte dos fatos institucionais jurídicos como “letras de câmbio”,
“contratos documentados assim ou assado”, “sentenças”, como suporte da atribuição da
função de título executivo. Obviamente, foi mantido um isolamento claro, o que a teoria
dos fatos institucionais explica muito bem: no contexto de processode execuçlão.
Em termos institucionais, isso é extremamente corriqueiro, ou seja, essa restrição a
determinado contexto. Fatos e objetos institucionais são criados em função mais da
mudança de contexto.

Por isso, deve-se entender que o que interessa e o que apenas pode interessar, na
determinação do conceito de suporte de qualquer título executivo, se faz presente, no
foreground, o conceito de suporte do tipo de fato institucional-type designado na lei; no
background, obviamente, também comparece ao menos a consciência, quando não o
conhecimento, de questões reletivas aos seus poderes deônticos em abstrato, ou seja, o
seus efeitos jurídicos tais quais constantes nas previsões legais, ou seja, como meros
tipos ou types.

Ademais, e até mais interessante, nesse contexto, é que o conceito de suporte


incorporado pelo legislador na construção dos conceitos de suporte de título executivo,
não acrescentar um “efeito a mais” àqueles suportes e uma evidência disso é que nada
impede – e isso é exatamente o que ocorre no ordenamento processual brasileiro – que
os conceitos de suporte das modalidades de títulos executivos sejam apenas uma
“fração” destes mesmos conceitos e, por isso mesmo, o tratamento a ser dão aos
“ajustes” devidos entre item particular e conceito de suporte legal, é e não pode deixar
de ser diferente.

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