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Enzo Escobar Sgambato

AVALIAÇÃO CONTINUADA - PARTE II

Para debatermos sobre o Artigo 85, caput e parágrafo único, da CF/88, precisamos
primeiro, introduzir o modelo normativista de análise jurídica proposto pelo jurista
austríaco Hans Kelsen (desenvolvido no Brasil por autores como o jurista Tercio
Sampaio Ferraz Jr.). Este padrão analítico segue alguns princípios fundamentais,
indicados por Hans Kelsen e sua teoria pura do direito. Seu plano, era introduzir à
análise jurídica um método e um objeto totalmente jurídicos, dando ao jurista teórico
uma autonomia científica, tudo isso tendo em vista que, assim como acontece em
outras áreas da ciência, com critérios metodológicos próprios, o mesmo devia
acontecer na ciência do direito. Seguindo nesta linha, o estudo do direito positivo
(ciência do direito), trouxe a vista, o reconhecimento dos significados jurídicos dos
comportamentos, criando uma distinção entre sentido subjetivo e sentido objetivo. E
assim, Hans Kelsen determina o “princípio da pureza”, onde método e objeto da
ciência jurídica do direito, carecem de seguir uma divisão entre “ser” e “dever-ser”,
sendo “ser” o fato social, e “dever-ser” a obrigatoriedade.
Agora, em prol de respondermos as perguntas apresentadas, deve-se levar em
consideração que, “norma” é diferente de outros objetos que possam ser
confundidos com o mesmo, como leis em geral, textos de enunciados normativos, e
ordens em geral (comandos), onde este último principalmente, causa certa
confusão. Por conta disso, vale explicar que comandos imperativos como “Use isso”
(independente da sua vontade), é diferente de normas (principalmente as jurídicas),
como “Se você fizer X, será punido com Z”, com o terminante exemplo, tratando-se
da ideia principal do texto.
Nesta mesma via de raciocínio, finalizamos o normativismo de Kelsen discorrendo
especificamente sobre as normas. Para Hans, todas as normas (em geral), contém
um esqueleto de juízo hipotético, que demonstram uma ligação de uma situação
fática condicionante com uma consequência condicionada. Por conta disso, todas
normas são formadas por três elementos, onde são eles, hipótese de incidência,
consequência jurídica, e nexo deôntico, onde podemos achar em cada um desses
itens especificamente e respectivamente, fato e ato, sanção e nulidade, e obrigação,
proibição e permissão. Entretanto, normas não são a mesma coisa que normas
jurídicas, isso pois, normas são enunciados do “dever-ser”, são preposições
descritivas, e como consequência, não são verdadeiras ou falsas, e ainda podem
ser justas ou injustas, eficazes ou ineficazes, e válidas ou inválidas. Dessa forma,
para ser considerada norma jurídica, é necessário que sigam algumas
características, que são, existência, obrigatoriedade, pertinência e relação
intranormativa, para então, obter a validade jurídica. Facilitando a compreensão,
temos como exemplo e cadeia das normas jurídicas, a constituição, normas gerais
(leis e costumes), e normas individualizadoras (contratos e decisões judiciais).
Por tanto, podemos concluir essa introdução, com a fala do renomado jurista Tercio
Sampaio em sua obra Introdução ao Estudo do Direito, onde o mesmo diz que, “Em
conclusão, podemos dizer que a dogmática analítica capta a norma jurídica como
um imperativo despsicologizado. Para evitar confusões com a ideia de comando,
melhor seria falar em um diretivo vinculante, coercivo, no sentido de
institucionalizado, bilateral, que estatui uma hipótese normativa (facti species) à qual
imputa uma consequência jurídica (que pode ser ou não uma sanção), e que
funciona como um critério para a tomada de decisão (decidibilidade).”
Somado todos os fatos apresentados nesta importante introdução ao assunto,
podemos concluir que o Artigo 85, caput e parágrafo único da CF/88, é sim uma
norma, ou melhor, são normas, isto pois, em seu texto, ela segue as regras que
uma norma deve seguir, que seria o já explicado ação e consequência “Se ocorrer a
situação X, então deverá ocorrer a consequência Y”, onde no caso específico do
artigo, vemos que, “devem ser considerado crimes de responsabilidade os atos do
Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e,
especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder
Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais
das unidades da Federação; (continua), e os mesmos, devem ser definidos em lei
especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”, demonstrando
então o fato (ser), que seriam os considerados crimes de responsabilidade, assim
como é demonstrado a consequência obrigatória (dever-ser), que seria a lei especial
que definira o processo e julgamento, resultando em sanções. Não só isso, mas
podemos achar mais de uma norma no Artigo 85 citado anteriormente, outro
exemplo é, atos do Presidente da República que atentem contra a lei orçamentária
devem ser considerados crimes de responsabilidade, e a punição do mesmo deve
ser estabelecida em lei especial, e dessa forma, são encontradas normas e normas
neste trecho da CF/88.
Por conta dos fatos discutidos, podemos ainda completar dizendo que o Artigo 85,
caput e parágrafo único da CF/88, se trata de uma norma jurídica, isso em razão de
que o mesmo segue todos os atributos necessários para tal, sendo eles existir
juridicamente (existe na CF/88), ser obrigatório perante o direito positivo (a CF/88 a
torna obrigatória pelo direito positivo), pertencer ao sistema jurídico (pertence a
CF/88 e logo ao sistema jurídico), e por último, estar em relação com outras normas
jurídicas (requisito também preenchido), e assim, podemos afirmar que esta norma
já citada diversas vezes contém validade jurídica pois segue todas as
particularidades apresentadas. Entretanto, o último requisito, pode deixar algumas
dúvidas, pois olhando o sistema escalonado das normas jurídicas, ou a pirâmide de
Kelsen, se põe em questionamento quais as normas que a Constituição Federal
respeita para se obter o último requisito da validade jurídica, ou seja, que normas
dão validade para a constituição, onde a resposta é que, a constituição é
fundamento de validade de todas as normas jurídicas, incluindo suas próprias, que
foi formulada atendendo a diversos interesses e demandas da população brasileira,
tendo o dever de preservar a soberania do Estado que a promulgou, tomando a
legitimidade pelos juristas e sociedade em geral, por tomarem a constituição como
justa e verdadeira, a seguindo-o e respeitando a mesma. Pode-se completar ainda,
dizendo que, a constituição se legitima por obrigar o pensador a adotar um conteúdo
prescritivo posto, como o primeiro de uma sequência, sendo assim um “pressuposto
formal da razão normativa”, e com isso, tornando essa norma posta como a
primeira, ela será válida assim como as seguintes, desde que respeitem a norma
acima legalmente. Conclui-se então, que o Artigo 85, caput e parágrafo único da
CF/88, se trata sim, de uma norma jurídica.

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