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Sumário

Profª. Carla Barreto

A presente aula tem contornos muito acadêmicos e tira seus fundamentos da doutrina
jurídica. Ou seja, é uma matéria para se estudar através de livros teóricos, não sendo muito
útil a leitura do Código de Processo Civil.
Por esse traço mais “abstrato” e filosófico – já que trata das ideias que praticamente levaram
a civilização ocidental a organizar o poder judiciário como hoje conhecemos – esse tema
pode se tornar complexo e profundo demais. E essa é inclusive uma tendência para provas
de carreiras, de cargos como magistratura, ministério público, procuradorias e defensorias.
Contudo, ainda que de forma objetiva, esse tema ainda abordado nos concursos para
servidores. Assim, a linguagem e a didática aqui empregadas serão voltadas para um
direcionamento em que se apresentem os conceitos básicos exigidos em prova para, caso
haja interesse do leitor, aprofundar o tema sozinho.

JURISDIÇÃO: A função estatal que se acessa através do “Direito de Ação”


Vale apontar que noções de “Ação” e “Jurisdição” guardam proximidade e são fundamentais
para dar início ao estudo do direito processual civil, por isso, tem-se que fazer uma breve
explicação sobre a jurisdição desde que, claro, já fiquem visíveis as diferenças entre elas.
A fundamental noção é de que a jurisdição é um poder, uma função exercida pelo Estado
para anunciar o direito (Jurisdictio, termo original, significa “dizer o direito”) e a ação é um
direito, uma garantia conferida a um sujeito para buscar esse “Estado-juiz” para solucionar
determinada situação.
Inclusive, como tal poder estatal, é primordial saber que deve atender a certas condições,
que se estudam como características inerentes à jurisdição:
É poder indeclinável, inevitável e indiscutível: cada uma dessas características
sugerem, respectivamente, i) indeclinabilidade - que o Estado-juiz tem o dever de
prestar jurisdição, não podendo “terceirizar”, repassar essa atividade a outras
instituições; ii) inevitabilidade (ou também coercibilidade) – é o que faz dos comandos
judiciais imperativos aos cidadãos, não podendo desobedecer; iii) indiscutibilidade –
é a condição de ser, do judiciário, a palavra final sobre as questões a ele
apresentadas, pois somente nesse âmbito existe a figura da “coisa julgada”.
Exercido por terceiro imparcial: um atributo muito peculiar, pois lembra que a
jurisdição é uma espécie de heterocomposição – uma das formas de resolver conflito,
mas com uma pessoa não envolvida na situação proferindo a decisão final. Uma outra
forma de heterocomposição é a arbitragem, uma “espécie” de atividade jurisdicional
privada em que um árbitro é escolhido pelas partes para decidir sobre o conflito
existente.
Ademais, isso nos relembra que existem outras formas de solução de conflito, que
são de autocomposição, em que as partes chegam à resolução que buscam, no
máximo com o auxílio de um terceiro.
Inclusive, tais práticas tem reforçadas pela nova legislação, como a mediação, a
conciliação. Estas, lembre-se, não podem ser consideradas atividade jurisdicional,
apesar de serem autorizadas e estimuladas pelo ordenamento.
ATENÇÃO: Existe ainda o que se chama de “autotutela”, que são nada mais
do que atos de legítima defesa, ou, ainda um “exercício arbitrário das próprias
razões”, em que existe um fim do conflito, mas de forma não legítima.
Para solucionar conflitos ou reconhecer direitos: consiste na característica que
reforça a ideia de que a principal função do poder judiciário é resolver conflitos de
interesses, lides, exercendo o que se conhece como jurisdição contenciosa. Todavia,
é possível ainda que se reconheça um viés do Estado-juiz em que, mesmo não
havendo disputas, certas questões relevantes devem ser processadas perante uma
autoridade judicial. E tais situações são enquadradas na chamada Jurisdição
voluntária.
Pelo nome, se verifica de fato a feição não contenciosa dos casos. Mas isso não quer
dizer que possa surgir conflito durante o processamento. É por isso, inclusive, que por
segurança jurídica, o legislador optou por sujeitar os casos elencados aos cuidados
de um juiz.
Ademais, na jurisdição voluntária, que segue regrada dos arts. 719 ao 770 do CPC/15,
uma das mais importantes noções é de que o juiz não está obrigado a seguir a
legalidade estrita, podendo decidir segundo a equidade, isto é, conforme o caso
concreto exigir (Art. 723, parágrafo único do CPC/15). E, também, apesar de certas
discussões doutrinárias, paira um entendimento de que a sentença é acobertada de
coisa julgada formal.
Seguindo com outras considerações sobre a jurisdição, além de indicar as principais
características, vamos comentar alguns princípios jurídicos – as regras gerais – que apontam
como ela deve se estruturar e funcionar. Alguns deles têm previsão na lei, outros, como já
explicamos algumas vezes, são mais teóricos e derivam da doutrina.
Princípio da “Inafastabilidade da Jurisdição”: é a norma segundo a qual não se pode
negar ao cidadão o acesso à justiça. Isso pode parecer óbvio, mas existem diversas
maneiras – principalmente através de omissões – em que o cidadão se vê privado de
uma apreciação judicial da sua situação.
Tais casos vão desde a inexistência de órgãos de justiça e das funções essenciais (MP,
Defensoria e advogados) em muitas cidades do interior, como também por decisões
que extinguem processos sem que o juiz aprecie devidamente a situação, por mera
informalidade.
Outro viés a ser considerado é que a lei não pode limitar esse acesso à justiça, no
sentido de impor que o cidadão antes passe por certos órgãos para só então procurar
a justiça, autoridade máxima – EX: em causas consumeristas, seria irrazoável exigir
que antes o consumidor tentasse pelo PROCON/DECON.
Enfim, eis as previsões constitucional e legal de tal princípio:

ATENÇÃO: Trazida inclusive pela CF, a única exceção admitida quanto à


inafastabilidade do Judiciário se dá com a justiça desportiva. Veja:

Princípio do Juiz Natural: intimamente relacionado com o atributo já comentado de


que a jurisdição é uma função exercida por terceiro imparcial, esse princípio tem
previsão constitucional em dois incisos do Art. 5º, que são:

Através deles o que se pretende orientar é que não é possível “criar excepcionalmente
um órgão” para julgar determinada causa – como foi o julgamento dos crimes
cometidos pelos nazistas, no Tribunal de Nuremberg, um verdadeiro tribunal de
exceção – e que necessariamente os processos e os julgamentos devam ser
acompanhados e proferidos por uma autoridade competente: em regra, o Magistrado,
devidamente aprovado em concurso público ou tendo ingressado pelo quinto
constitucional e nomeado.

Dessas normas, que juntas compõem essa ideia do “Juiz natural” é que deriva outra
importante característica que – às vezes é até encarada como princípio – precisa ser
comentada, que é a Inércia da Jurisdição.

Essa ideia, basicamente, nos relembra que o juiz não pode – como já pôde em tempos
antigos – tomar iniciativas no processo que comprometam sua neutralidade. Ao juiz
cabe apreciar aquilo que lhe apresentam; ele não pode se envolver a ponto de
investigar certas questões probatórias ou conceder algo que ele saber que é devido,
mas não foi pedido, por exemplo. Nesse sentido, o CPC/15 anuncia:

Isso quer dizer, portanto, que a regra geral é de que as partes requeiram algo do
magistrado. Este não pode, pelos termos técnicos, “agir de ofício”. Contudo, uma
observação interessante cabe sobre algumas exceções espalhadas pelo CPC/15
sobre quando o juiz está autorizado a agir por iniciativa própria:





Princípio da territorialidade: é a ideia de que a jurisdição se liga com a noção de


um Estado soberano, ela é uma das manifestações do poder soberano do estado; ou
seja, o direito anunciado por um juiz de um canto do país tem tanto valor e eficácia
quanto o de outro – EX: uma certidão de casamento lavrada por um juiz tem validade
em todo o território nacional. E é desse princípio, inclusive, que se vem comentar mais
uma importante característica da jurisdição: sua unidade.

Ou seja, por mais que haja subdivisões, em justiças federal, estadual, do trabalho,
etc. a jurisdição é entendida como uma só. E, por isso, como se mencionou acima,
não se pode entender que a jurisdição contenciosa e a voluntária são duas coisas
distintas, porque não são. Elas são versões de um mesmo fenômeno. E, quanto à lei,
temos o seguinte artigo:

EXCEÇÕES À TERRITORIALIDADE

Elencadas pelos artigos 21 a 41 do CPC/15, estão as hipóteses em que


a jurisdição brasileira pode ser contraposta à jurisdição de um órgão
internacional e, portanto, deve-se estabelecer os limites de cada uma,
mas também as formas como tais órgãos podem cooperar.

Para tanto, os principais tópicos desse tema, correspondem às


competências concorrentes – quando tanto a justiça brasileira, como a
estrangeira poderá julgar o caso (vide arts. 21 e 22 do CPC/15) – e a
competência que é exclusiva – somente a justiça brasileira pode julgar,
pois sempre cuidarão de casos em que haja bens imóveis situados no
Brasil (Art. 23 do CPC/15). E, também, cabe lembrar que é
recorrentemente cobrado em prova o teor do artigo 24, que a seguir se
reproduz:
DA AÇÃO

Iniciando, agora, o efetivo estudo sobre Ação, vem-se explicar que a proposta é antiga,
atrelando-se inclusive a temas do direito romano, sobre o que é e como é o exercício desse
direito de “acionar” o poder judiciário a garantir um direito que a lei anuncia.

Afinal, é algo simples para nossa mentalidade atual; mas até pouco tempo, era necessário
pensar e teorizar sobre o fato de pessoas buscarem um órgão para fazer cumprir algo que
a lei previa, mas na prática não era cumprido. Para garantir aos sujeitos a possibilidade de
provocar a jurisdição, passou-se a estudar o tema sob esse título “A teoria da ação”.

Para entender as posturas que cada pensador defendia, é fundamental separar logo
algumas categorias de direito: a material da formal. Enquanto a primeira classe é a do
direito estático, que é o mais conhecido, vivenciado, pois diz respeito àquilo que a lei anuncia
como fatos; a segunda categoria, do direito formal, é a dos direitos processuais, da dinâmica
sobre como uma pessoa possa exigir esse direito.

EXEMPLO: o direito civil, que é material, anuncia que tem direito ao reconhecimento
da propriedade de um bem imóvel por usucapião o sujeito que atenda a requisitos de
posse mansa e pacífica, etc. Já o regramento processual exige que para esse
reconhecimento, a fazenda pública deve ser citada e os vizinhos também, além de
todo um trâmite para que esse direito seja reconhecido e real.

Compreendidas essas noções de direito material e direito formal, apresentamos um dos


principais pensadores do tema foi o jurista alemão Friederich Savigny, que criou uma teoria
clássica, também chamada “imanentista ou civilista”, pela qual se defendia que o direito
de ação era condicionado ao direito material. Ou seja, só era possível pedir ao judiciário se
o sujeito tivesse a certeza de que ele tinha os requisitos preenchidos. Se não os tivesse,
nem adiantava acionar a justiça.

Ocorre que, em oposição a essa ideia, surgiram várias doutrinas que defendiam a
autonomia do direito de ação, pela razoabilidade de que, mesmo sem ter a certeza do direito
material, o cidadão pudesse ter seu caso apreciado pela justiça. Dentre as subdivisões
dessas teorias, as principais seriam a Teoria Concretista, de Adolf Wach e Teoria
Eclética, do italiano Enrico Tulio Liebamn, sendo esta a que foi expressamente adotada
no CPC/73 e, apesar dos debates até hoje, se entende ainda ter influenciado o CPC/15.

Para entender as ideias em tais teorias, cabe explicar rapidamente a diferença entre uma
decisão judicial Com Resolução de Mérito e a Sem Resolução de Mérito. O que se tem
COM resolução, é que o juiz consegue apreciar todos os elementos da relação processual
e decidir sobre a questão central, o mérito do processo – EX: se concede ou não a pensão
de alimentos; se condena ou não o réu ao pagamento de danos, etc. Já SEM a resolução
do mérito, o que se tem é um processo que, por condições formais, como a competência do
juízo ou legitimidade da parte, o magistrado precisa encerrar o processo.
Verificam-se cada uma dessas situações, de extinção do processo com resolução do mérito
no art. 487 do CPC/15 e sem resolução do mérito no art. 485 do CPC/15.

Feitas essas considerações, cabe ainda esclarecer com muito cuidado ainda que: resolver
o mérito pode ocorrer de duas formas. Ou o juiz reconhece a procedência do pedido do
autor – este “ganha”; ou o juiz reconhece a improcedência e o autor é sucumbente,
“perdedor”. Mas, nas duas situações, o juiz proferiu uma decisão de mérito.

Retomando a distinção entre as principais teorias autonomistas, o que se tinha na teoria


Concretista era que o direito de ação, apesar de ser autônomo, separado do direito material,
só se considerava validamente exercido se o autor tivesse todas as condições para a
procedência de seu pedido, para a vitória na ação.

Já na teoria Eclética de Liebman, a ação era também um direito livre, incondicionado do


direito material. Mas para isso, seria necessário o preenchimento de certas Condições da
ação, que seriam uma espécie de filtros que, se verificados, garantiriam ao magistrado
proferir uma decisão de mérito válida. Fosse ela procedente ou improcedente ao autor.

Alerta-se, contudo, saiba-se que aprofundar no tema das condições da ação e na análise
que o juiz faz sobre elas e sobre o mérito – que têm sua relevância – é para momento
posterior. Mas ainda é extremamente importante. Só que, por questões didáticas, ainda é
necessário ter noções básicas sobre tal instituto, à luz da legislação e da doutrina atual.

Nesse sentido, sabendo que se adota essa compreensão de autonomia do direito de ação,
vem-se indicar algumas de suas características que decorrem desse fato:

Direito público subjetivo – diferentemente da jurisdição, que, repita-se, é uma


função, o “direito de ação” é justamente essa prerrogativa, esse direito de que todo
cidadão é titular a exercer, logo não é só um direito objetivo (que é o direito quando
anunciado, em comandos gerais). Logo, ele também é público porque não se limita à
autonomia da vontade de ser ou não exercido, ou ser renunciado, etc. É algo que
também caberá a ordem pública garantir.

Abstrato / Incondicional – afasta uma ideia antiga de que o direito de ação seria
condicionado a determinadas espécies de situações. Como contratos e propriedades.
Atualmente, é possível invocar o direito de ação sobre as mais diversas questões:
administrativas, trabalhistas, direitos da personalidade.

Inesgotável – é um atributo que indica que, só porque o cidadão recorreu uma vez
ao poder judiciário e não teve seu problema resolvido, que ele ficará desamparado. O
direito de ação não se desgasta com o uso.

Um outro ponto que merece estudo, e com ele se finalizam as considerações introdutórias
sobre a teoria da Ação, é o da Classificação das ações, que variam conforme o direito que
visam a tutelar e, com isso, também têm um tratamento diferenciado quando se desdobram
como processo. São elas, basicamente:
Ações constitutivas: aquelas em que é o “simples” pronunciamento judicial que
efetivamente torna real a situação. EX: interdição de incapaz, casamento, divórcio.
São situações em que a sentença muda o status.

Ações condenatórias: aquelas em que o pronunciamento judicial determina que algo


seja feito. EX: que alguém pague, construa, destrua, se retire, etc.

Ações declaratórias: aquelas em que se busca, com a sentença o reconhecimento


de que algo aconteceu ou deixou de acontecer. Muito comum no direito tributário, em
que o reconhecimento de determinadas transações mercantis é decisivo para
cobrança ou não de tributos. E, sobre tal modalidade, é importante ressaltar que o
CPC/15 preservou uma regra peculiar, a saber:

Essa é, inclusive, a única classificação de ação expressa no Código, e ela se destina


a permitir que, mesmo que a situação enseje uma condenação, o titular do direito
deseja o simples reconhecimento de um determinado fato.

DA JURISDIÇÃO

1. No que tange à jurisdição contenciosa e voluntária, assinale a alternativa correta.


a) Tanto na jurisdição voluntária como na jurisdição contenciosa a sentença faz coisa
julgada material.
b) Em geral, nos feitos de jurisdição voluntária aplica-se o princípio da adstrição, da
congruência, da correlação, ente outros; e, nos feitos de jurisdição contenciosa, aplica-se o
princípio inquisitivo ao proferir a sentença.
c) Em procedimento de jurisdição voluntária não é possível existir controvérsia entre os
interessados.
d) Enquanto na jurisdição contenciosa a regra é a aplicação do juízo da legalidade estrita,
na jurisdição voluntária é possível o julgamento por meio de equidade.
e) Tanto a jurisdição contenciosa como a voluntária são marcadas pela presença de litígio
a ser dirimido pelo juiz, por meio da sentença.

2. A respeito das normas processuais civis pertinentes a jurisdição e ação, julgue o item
seguinte.
O novo CPC reconhece a competência concorrente da jurisdição internacional para
processar ação de inventário de bens situados no Brasil, desde que a decisão seja
submetida à homologação do STJ.
( ) Certo ( ) Errado

DO DIREITO DE AÇÃO
3. A respeito da ação e dos pressupostos processuais, assinale a opção correta.
O direito a determinada prestação jurisdicional não se esgota com o simples exercício do
direito de ação.
( ) Certo ( ) Errado

4. Quanto à ação e à jurisdição no direito processual civil, é correto afirmar:


a) Preenchidas ou não as condições da ação, o juiz sempre deverá dizer quem tem razão,
ao proferir uma sentença de procedência ou improcedência
b) A jurisdição é inerte, precisando que o autor ou interessado tome a iniciativa de
movimentá-la, o que se faz por meio do direito de ação, exercido contra o Estado, em face
da parte adversa.
c) A jurisdição, entre nós, exercida por meio da ação, é um direito subjetivo privado exercido
contra o adversário e coordenado pelo Estado.
d) A existência do direito de ação é condicionada à ocorrência do próprio direito material
postulado.
e) Tanto o direito de acesso à justiça como o direito de ação em sentido estrito são
incondicionados, devendo o juiz apreciar necessariamente o mérito da causa.

1. D 2. Errado 3. Certo 4. B

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