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1- O caso Marbury vs Madison

Em 1789, foi escrito o Judiciary Act, que organizava o sistema judiciário dos
Estados Unidos. Tal ato estabelecia que o sistema americano seria divido em cortes
distritais, cortes de circuito e a Suprema Corte, tendo um número estabelecido de juízes
previamente definido para cada1. Nesse sentido, em 1801, quando o federalista John
Adams perdeu tanto o poder na esfera executiva, quanto na esfera do congresso (os
republicanos de Jefferson conseguiram maioria no legislativo), foram promulgadas
medidas que impedissem que os federalistas perdessem por completo o poder no
judiciário.

Sob esse prisma, o presidente Adams nos últimos dias de seu mandato, conseguiu
aprovar no congresso no dia 13 de fevereiro de 1801, o The Circuit Court Act que
reorganizava o judiciário federal de forma que foram diminuído o número de juízes da
Suprema Corte norte americana. Ainda, para minar a influência republicana e criavam-
se 16 cargos de juízes federais, que seriam todos apontados pelo governo federalista.
Ademais, dias depois conseguiu Adams a aprovação de uma lei que criou 42 cargos de
juízes de paz para o distrito de Columbia. Com essas diretrizes, Adams conseguiu
nomear vários juízes federalistas, que exerceriam mandato durante o governo
republicano. Tais magistrados foram chamados de juízes da meia noite, visto que foram
nomeados no apagar das luzes do governo do federalista. 2

Coube a Adams, no último dia de seu mandato assinar as investiduras de tais


magistrados, encarregando seu secretário de Estado, John Marshall de entrega-los aos
nomeados. Vale ressaltar que Marshall mesmo havia sido indicado pelo chefe do
executivo que saia para o cargo de chefe da Suprema Corte (Chief Justice), com
inclusive, seu nome já tendo sido aprovado pelo Senado e já tendo prestado
compromisso, entretanto, permaneceu em seu cargo anterior até o último dia. Em
contrapartida, não conseguiu entregar as investiduras para todos os juízes nomeados por
Adams.3

Nesse esteira, o presidente eleito Thomas Jefferson, ao tomar posse do governo


americano, instruiu seu novo secretário de Estado, James Madison a não entregar as
1
MARCUS, Maeva, ed. Origins of the Federal Judiciary: Essays on the Judiciary Act of 1789. Nobva
Iorque : Oxford University Press, 1992.
2
CASAGRANDE, Cássio Luís; TIBÚRCIO, Dalton Robert. Marbury v. Madison: uma decisão política
de manter a Corte fora da política. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte, ano 19, n. 76, p. 200, abr./jun. 2019. DOI: 10.21056/aec.v19i76.1008.
3
Ibid., p.200

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investiduras faltantes para os juízes federalistas. Portanto, William Marbury, banqueiro
e proprietário de terras, filho de uma promeniente família do estado de Maryland,
nomeado para ser um juiz de paz do distrito de Columbia, ficou sem receber uma
investidura, uma vez que foi uma daquelas que Marshall não conseguiu fornece-la antes
do fim do mandato de Adams. Irresignado, impetrou o federalista um mandamus para a
Suprema Corte norte americana, para que assim fosse reconhecido seu direito ao cargo,
conforme os termos da seção 13 do Judiciary Act de 1789, que assim versava:

"to issue writs of mandamus, in cases warranted by the principles and


usages of law, to any courts appointed, or persons holding office, under the
authority of the United States."4

Além disso, vale destacar que o Senado de Jefferson, de maioria republicana,


revogou a lei de reorganização do Judiciário, fazendo assim com que os cargos criados
fossem extintos e os juízes destituídos. A sessão da Suprema Corte que havia sido
criada para discutir tais questões foi extinta e o órgão jurisdicional ficou sem se reunir
entre o período de dezembro de 1801 a fevereiro de 1803. Para o presidente Jefferson,
nenhuma decisão da corte que fizesse o chefe do executivo entregar as investiduras seria
legitima e ele sinalizava que caso os magistrados fizessem essa decisão, que não tinha
intenção de cumpri-la. Ainda, a câmara estava tirando do poder um juiz federalista, em
uma ação política que podia se estender até os juízes da suprema corte. Portanto,
entendia-se que o cenário na época do caso Marbury vs Madison era extremamente
conturbado. 5

2- O conteúdo da decisão de Marbury vs Madison

No caso em tela, foi a primeira vez que foi se utilizada o dispositivo do controle de
constitucionalidade pela Suprema Corte. Dessa forma, foi dada ao órgão o poder de
determinar que leis que fossem contra a carta magna jamais pudessem ser instauradas
no ordenamento jurídico. Tal precedente foi importantíssimo para a forma do direito
constitucional contemporâneo, uma vez que, mesmo o diploma legal superior não
conferia esse poder para a Suprema Corte. Nesse sentido, o órgão ao julgar esse leading
case procurou mostrar como tal função seria orgânica para a Corte, ou seja, uma
4
The Judicary Act of 1789. Disponível em
http://law2.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/conlaw/marburytexts.html#:~:text=The%20Judiciary%20Act
%20(Section%2013,authority%20of%20the%20United%20States.%22
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CASAGRANDE, Cássio Luís; TIBÚRCIO, Dalton Robert. Marbury v. Madison: uma decisão política
de manter a Corte fora da política. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo
Horizonte, ano 19, n. 76, p. 201, abr./jun. 2019. DOI: 10.21056/aec.v19i76.1008.

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consequência do sistema. Vale ressaltar, que a tese do judicial review já tinha
precedentes na própria América colonial, entretanto, foi através da ideia de Marshall,
que a concepção se popularizou.

A genialidade do juiz da Suprema Corte, encontra-se no fato de ele ter conseguido a


habilidade de driblar questões sensíveis para obter respostas objetivas. Logo, entendia-
se que o ponto central da questão estava em determinar se a Suprema Corte poderia
expedir uma decisão mandamental contra um secretário de estado. Caso a resposta fosse
negativa, estariam os magistrados abdicando do poder judicial conferido pela Carta
Magna, tendo a sua função de freio em contrapeso em relação ao executivo restringida.
Entretanto, cabia avaliar que caso decidissem pró a causa de Marbury, poderiam
enfrentar um problema institucional, visto que, o judiciário não teria como impor um
acatamento da decisão por parte de Jefferson e Madison, podendo assim, desmoralizar a
Suprema Corte. 6

Nesse sentido, entendeu o juiz Marshall que Marbuy tinha direito a investidura do
cargo. Entretanto, o dispositivo 13 da seção judiciária de 1789 colidia diretamente com
a Constituição Federal, uma vez que as competências da Corte, estavam enumeradas na
Carta Magna. Por essa linha de raciocínio, tinha o Judiciary Act criado uma função para
o órgão jurisdicional que não estava elencada na seção III da Carta Magna. Portanto, a
corte poderia negar o pedido do federalista sem empoderar demasiadamente o poder
executivo, sob o argumento que não era de competência originária da Suprema Corte
julgar o mandumus. Assim, foi declarada pela Corte inconstitucional a lei aprovada pelo
o congresso que deu a ela essa atribuição. 7

Com essa conclusão supracitada, percebe-se que o juiz Marshall respondeu as duas
questões criadas na primeira parte de seu voto: se Marbury tinha direito a investidura do
cargo e se caso essa fosse positiva, se deveria haver algum remédio jurídico para
assegurá-lo. Ademais, percebe-se que o magistrado na última parte do seu entendimento
enfrentou mais questionamentos: se o writ of mandamus era a via própria e caso sim se
a corte poderia concede-lo. Nesse escopo, como citado acima, também entende-se que
baseaso na carta Magna, a Corte, não poderia julgar o mandamus, seguindo a premissa
de que uma lei ordinária não poderia se sobressair a uma lei constitucional. Com isso, o
6
Barroso, Luis Roberto. O controle da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p5

7
Ibid., p.6

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juiz chegou na questão chave do acórdão: pode a Suprema Corte deixar de aplicar, por
inválida uma lei inconstitucional?

Justificando seu ponto de vista, Marshall enunciou os três grandes fundamentos que
justificam o controle judicial de constitucionalidade: a supremacia da constituição; a
nulidade de leis que contrariam a carta Magna; o papel do poder Judiciário como
interprete final da CF.8

3- As consequência de Marbuy vs Madison

Houveram críticas a decisão proferida por Marshall. Inicialmente, foi-se


questionado o fato de que como o magistrado, por ter participado de forma
originária na demanda, não foi impedido de ser o julgador do conflito. Ademais,
percebe-se que a sequência foi estruturada em uma sequência ilógica e equivocada
do ponto de vista do direito processual, uma vez que a incompetência da corte
deveria ter sido reconhecida em absolutamente todos os momentos. Vale ressaltar,
que tinham diversos argumentos de natureza infraconstitucional que seriam
passíveis de serem utilizados para impedir que o pedido fosse indeferido, a título de
exemplo, a ideia de que o direito ao cargo somente se adquire com a entrega efetiva
do ato de investidura. A decisão de Marshall fez com que a lei fosse interpretada
como inconstitucional definitivamente não era a única cabível podendo se
reconhecer a incompetência da corte ou descabimento do writ por outras razões. 9

Outro ponto importante de ser ressaltado é como o voto de Marshall foi um


reflexo de como esse demarcou seu poder político, visto que, permaneceu na
Suprema Corte por mais 34 anos após a decisão em questão. Nesse sentido, viu-se a
habilidade do jurista, visto que deu poderes ao Judiciário sobre os dois poderes, mas
como na prática, no caso em tela, não teriam aplicações (que de fato não seriam
aceitas por Jefferson nem Madison), foram admitidas pelas demais esferas de poder.

Ainda, a Suprema Corte com o precedente de Marbury vs Madison usou de sua


influência não só para regular atos, leis e decisões federais mas também na esfera
estadual, em face de sua concordância e submissão perante aquilo que estava escrito
na Carta Magna. Foi apenas 50 anos depois do célere julgamento em questão que a

8
Ibid., p.7
9
Ibid., p.8

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Corte, no polêmico julgamento Dred Scott vs Sandford que o órgão voltou a
declarar uma lei inconstitucional.

O principal legado deixado por Marbury vs Madison foi a utilização do controle


incidental ou difuso de constitucionalidade. Segundo Mauro Capelleti, o sistema difuso
é:

“(...) aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos


judiciários de um dado ordenamento jurídico, que exercitam incidentalmente,
na ocasião da decisão das causas de sua competência;”10

Assim, pode –se compreender que no fim o controle difuso de constitucionalidade é


uma forma que o magistrado tem de analisar se no caso concreto tem –se
compatibilidade da lei ou ato normativo com a constituição. É uma modalidade de
controle repressivo da constitucionalidade, sendo a outra modalidade pela via
concentrada. 11

Portanto, quando o juiz Marshall declara que o judiciário tem o poder de definir
que uma lei que não vai de acordo com a Carta Magna é invalida no ordenamento
jurídico e como consequência cria o judicial review, fez com que esse tipo de controle
de constitucionalidade fosse criado e utilizado em sistemas legais no mundo.

10
Cappeletti, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. Ed.
Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 1992. P. 67
11
Schueller, Larissa Pinheiro. O controle difuso de constitucionalidade. Disponível em
Controle_de_Constitucionalidade.pdf (tjrj.jus.br)

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REFERÊNCIAS:

Barroso, Luis Roberto. O controle da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. Ed.


São Paulo: Saraiva, 2004.

Cappeletti, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito


comparado. 2. Ed. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 1992.

CASAGRANDE, Cássio Luís; TIBÚRCIO, Dalton Robert. Marbury v. Madison:


uma decisão política de manter a Corte fora da política. A&C – Revista de Direito
Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 19, n. 76, p. 199- 224, abr./jun.
2019. DOI: 10.21056/aec.v19i76.1008

MARCUS, Maeva, ed. Origins of the Federal Judiciary: Essays on the Judiciary
Act of 1789. Nobva Iorque : Oxford University Press, 1992.

The Judicary Act of 1789. Disponível em


http://law2.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/conlaw/marburytexts.html#:~:text=The
%20Judiciary%20Act%20(Section%2013,authority%20of%20the%20United%20States.
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Schueller, Larissa Pinheiro. O controle difuso de constitucionalidade. Disponível em

Controle_de_Constitucionalidade.pdf (tjrj.jus.br)

INTRODUÇÃO:

Após, cabe-se discutir o caso Marbury vs Madison em sua integralidade e o que fez
a decisão do juiz Marshall nesse leading case ser tão impactante até a
contemporaneidade. Nesse sentido, vale ressaltar os pontos que foram analisados pelo
Chief Justice e como ele optou por julgar a invalidade do dispositivo acionado por
Marbury, se utilizando da superioridade da Carta Magna e do sistema de freios e
contrapesos para justificar seu voto. Ainda, destaca a habilidade de Marshall de driblar
o cenário político para que sua decisão pudesse imperar e assim a judicial review e o

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controle de constitucionalidade difusos pudessem ser aplicados no sistema legal
americano.

Por fim, deve-se discorrer sobre como o controle de constitucionalidade difuso


entrou no ordenamento jurídico brasileiro e se perpetuou nesse. Dessa forma, foi
analisado como os órgãos julgadores se utilizam desse artifício in casu , ou seja, no caso
concreto em questão. Ainda, é destacável que nesse controle a declaração de
constitucionalidade não é objeto da causa. Ainda, é importante dissertar sobre as ações
que fazem com que seja possível utilizar esse controle no ordenamento jurídico
brasileiro.

CONCLUSÃO

Após a análise em tela, fica claro que o Juiz Marshall, ao analisar as questão de
Marbury vs Madison inovou para sempre o direito constitucional. Nesse sentido,
entende-se que a doutrina do judicial review é extremamente importante, visto que
impediu que qualquer espécie de lei se sobrepusesse a Carta Magna e ainda reforçou o
sistema de freios e contrapesos, impedindo assim com que tanto o legislativo quanto o
executivo se sobrepusessem a constituição. Dessa forma, foi explicitada a
imperatividade desse dispositivo, garantindo por fim o equilíbrio no ordenamento.

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