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O cavalo de Tróia: Constituição x normas

inconstitucionais

O CAVALO DE TRÓIA: CONSTITUIÇÃO X NORMAS INCONSTITUCIONAIS


The Trojan horse: Constitution x unconstitutional standards
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 94/2016 | p. 167 - 193 | Jan - Mar / 2016
DTR\2016\4514

Valquíria Ortiz Tavares Costa


Especialista em Direito Processual Civil pela Fadisp. Mestranda em Direito Constitucional pela
PUC-SP. Membro do IBDC. Advogada. valquiriaortiz@hotmail.com

Área do Direito: Constitucional; Internacional


Resumo: O presente trabalho se preocupou em demonstrar o surgimento do controle de
constitucionalidade, desde a influência Inglesa até o emblemático caso Marbury x Madison e o
modelo austríaco idealizado por Kelsen. Demonstra também a importância do controle de
constitucionalidade e analisa os principais aspectos da tese de normas constitucionais
inconstitucionais idealizada por Otto Bachof, apresentando a visão do STF acerca do tema.

Palavras-chave: Controle de constitucionalidade - Constituição - Normas constitucionais


inconstitucionais - STF.
Abstract: This paper bothered to demonstrate the appearance of judicial review, since the English
influence to the emblematic case Marbury x Madison and the Austrian model devised by Kelsen. It
also demonstrates the importance of judicial review and analyzes the main aspects of the thesis
unconstitutional constitutional rules devised by Otto Bachof, presenting the view of the Supreme
Court on the subject.

Keywords: Judicial review - Constitution - Unconstitutional constitutional rules - The Supreme Court.
Sumário:

Introdução - 1 Influência Inglesa na construção do controle de constitucionalidade americano - 2 O


emblemático caso Marbury x Madison - 3 Principais características da Judicial Review - 4 O modelo
austríaco - 5 A importância do controle de constitucionalidade - 6 Constituição em sentido formal e
em sentido material - I A Constituição e o direito supralegal - 8 Violação do direito constitucional não
escrito - 9 Violação da Constituição escrita - 10 A posição do STF - Conclusão - Bibliografia

Introdução

A Constituição foi idealizada por Kelsen como a norma fundamental que confere validade a todo o
ordenamento jurídico, porém, faltava um mecanismo que garantisse a exclusão da lei que afrontasse
a Constituição, evitando que essa decisão fosse tomada somente pelo Parlamento.

A contribuição americana foi, portanto, imperiosa para a criação do controle de constitucionalidade,


pois o Juiz Marshall, a um só tempo, reconheceu a necessidade de exclusão da norma que viola a
Constituição e atribuiu uma nova competência ao Poder Judiciário, que não estava prevista na
Constituição Americana, mas se tratava de uma decorrência lógica do sistema.

Na Europa, Kelsen consegue idealizar um outro modelo de controle de constitucionalidade,


conhecido como modelo austríaco, que propõe uma nova sistemática, com um único Tribunal
Constitucional, nascendo assim o controle concentrado de constitucionalidade.

A importância do controle de constitucionalidade é sentida na história, bastando analisar a busca que


países como Alemanha e Itália fizeram após a Segunda Guerra Mundial para estabelecerem um
controle de constitucionalidade, fruto da terrível experiência que tiveram ao deixarem o Parlamento
livre para legislar e criar normas que acabaram por subverter o sistema.

Finalmente, entendeu-se que um outro poder, naturalmente o Poder Judiciário, deveria ter a
incumbência de garantir a higidez do ordenamento jurídico.

Mas é possível que na própria Constituição haja normas constitucionais inconstitucionais? É possível
que o Poder Constituinte Originário falhe em sua missão de construir uma Constituição harmônica
com os principais valores de uma sociedade?
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Para responder a essa pergunta, o presente trabalho traça as principais linhas da tese desenvolvida
por Otto Bachof e apresenta a visão do STF acerca do tema.

1 Influência Inglesa na construção do controle de constitucionalidade americano

Em 1178, Henrique II criou o Tribunal de Apelações Comuns (Court of common pleas) para julgar
ações civis que envolvessem indivíduos comuns, nos quais a Coroa não era parte interessada. Seus
julgados eram revistos pela Court of King´s Bench.

Thomas Bonham, médico formado pela Universidade de Cambridge, foi chamado pelo seu órgão de
classe, o Royal College of Physicians de Londres, para prestar esclarecimentos sobre a prática de
medicina sem sua autorização.

Como Dr. Bonham de fato não possuía a autorização do Royal College, foi multado em 100 xelins e
proibido de exercer a medicina.

Porém, o médico continuou exercendo suas atividades, sendo novamente chamado a prestar
esclarecimentos e recebendo como punição outra multa. Decidiu então comparecer até o Royal
College para questionar a necessidade de autorização, pois entendia que sendo médico graduado
em Cambridge, não precisava de qualquer autorização do órgão de classe para exercer a medicina,
mas acabou sendo preso.

O caso foi parar no Tribunal, Court of Common Pleas, e o Royal College of Physicians apresentou
em sua defesa documentos emitidos por Henrique VIII que o autorizavam a gerir o controle sobre a
prática da medicina em Londres, bem como autorizava a imposição de multas e prisões quando
necessárias. Estas prerrogativas foram confirmadas pelo Parlamento.

O Juiz Coke, designado para julgar o caso, observou que metade do valor das multas aplicadas
ficavam para o próprio Royal College of Physicians.

Dessa forma, se a aplicação da multa beneficia a própria instituição que a aplica, falta imparcialidade
na sua aplicação, consequentemente, a autorização dada pelo rei e confirmada pelo Parlamento feria
o direito consuetudinário, sendo, portanto, nula.

Assim, no ano de 1610, Sir Edward Coke1 afirmava que

"(...) o direito consuetudinário controlará Atos do Parlamento, e algumas vezes os julgará


inteiramente nulos; pois quando um Ato do Parlamento é contrario ao direito e à razão comuns, ou
incompatível com estes, ou de execução impossível, o direito consuetudinário controlará este ato e o
julgará nulo."

O voto do Juiz Coke foi vencido e a teoria não se desenvolveu, pois, em 1688, advém a Revolução
Gloriosa que consagra a supremacia do Parlamento.

As ideias de Coke são incorporadas pela doutrina Whig, que gozava de grande prestígio entre os
fouding fathers2 primeiros colonizadores dos Estados Unidos e os idealizadores da Constituição
Americana.

Essa concepção embrionária de controle de constitucionalidade idealizada por Coke e levada para a
América do Norte pela doutrina Whig influencia os americanos, como se nota na obra "O
Federalista", composta de uma série de 85 artigos, resultado de uma série de reuniões que
ocorreram na Filadélfia em 1787, para a elaboração da Constituição Americana.

Veja-se que essa influência fica clara em alguns trechos da clássica obra de Hamilton, Madison e
Jay, "O Federalista", mais especificamente nos seguintes trechos do capítulo 78:

"A independência rigorosa dos tribunais de justiça é particularmente essencial em uma Constituição
limitada; quero dizer, em uma Constituição que limita a alguns respeitos a autoridade legislativa,
proibindo-lhe, por exemplo, fazer passar bills ofattainder e decretos de prescrição, leis retroativas ou
coisas semelhantes. Restrições desta ordem não podem ser mantidas na prática, senão por meio
dos tribunais de justiça, cujo dever é declarar nulos todos os atos manifestamente contrários aos
termos da Constituição. Sem isso, ficariam absolutamente sem efeito quaisquer reservas de direitos
e privilégios particulares" (MADISON; HAMILTON; JAY, 2003, p.459).
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"A Constituição é e deve ser considerada pelos juízes como lei fundamental; e como a interpretação
das leis é a função especial dos tribunais judiciários, a eles pertence determinar o sentido da
Constituição, assim como de todos os outros atos do corpo legislativo. (...) Mas não se segue daqui
que o Poder Judiciário seja superior ao Legislativo; segue-se, sim, que o poder do povo é superior a
ambos e que, quando a vontade do corpo legislativo, declarada nos seus estatutos, está em
oposição com a do povo, declarada na Constituição, é a essa última que os juízes devem obedecer:
por outras palavras, que as suas decisões devem conformar-se antes com as leis fundamentais do
que com aquelas que não o são" (MADISON; HAMILTON; JAY, 2003, p. 460).

Essa concepção de controle de constitucionalidade idealizada por Coke vai influenciar o juiz Marshall
no julgamento do célebre caso Marbury vs. Madison.

2 O emblemático caso Marbury x Madison

Em 1800, Thomas Jefferson vence as eleições para a Presidência dos Estados Unidos colocando os
republicanos no poder. O então presidente John Adams, que era federalista, agora derrotado nas
eleições, no apagar das luzes do seu governo, combina com o Congresso (de maioria federalista)
uma série de articulações para manter sua influência política através do Poder Judiciário.

Foi aprovada, em 13.02.1801, a Lei de Reorganização do Poder Judiciário (The Circuit Court Act),
trazendo as seguintes modificações:

a) Reduziu-se o número de ministros que compunham a Suprema Corte, impedindo assim uma nova
nomeação pelo Presidente Thomas Jefferson;

b) Foram criados 16 novos cargos de juízes, todos nomeados por Federalistas aliados do presidente
John Adams.

Não satisfeitos, ainda promulgaram, em 27.02.1801, uma nova lei (The Organic Act of the District of
Columbia) que permitiu ao Presidente nomear 42 juízes de paz, tendo o Senado confirmado os
nomes apenas um dia antes da posse do novo Presidente. Os atos de investidura (commissions) dos
novos juízes de paz foram assinados por John Adams no último dia de seu governo. Coube ao seu
secretário de Estado, John Marshall, entregar os atos de investidura.

Interessante notar que John Marshall também foi nomeado para o cargo de Presidente da Suprema
Corte por John Adams, e embora seu nome já tivesse sido aprovado pelo Senado e já tivesse
prestado compromisso, em 04.02.1801, permaneceu no cargo se Secretário de Estado até o último
dia de mandato de Adams.

Marshal tinha apenas um dia para entregar todos os atos de investidura, mas não conseguiu
entregar todos, alguns nomes ficaram faltando, dentre eles, o de William Marbury.

Finalmente, Thomas Jefferson toma posse e dá ordens expressas a seu Secretário de Estado,
James Madison, para não entregar os atos de investidura a quem não os havia recebido.

Marbury decide então ajuizar uma ação judicial (writ of mandamus), diretamente na Suprema Corte,
valendo-se da lei The Judiciary Act de 1789 que atribuía à Suprema Corte competência originária
para processar e julgar esse tipo de ação.

O julgamento foi marcado, seria a sessão 1802 (1802 term), mas aconteceu um revés no Congresso
que, agora de maioria republicana, começou a desfazer toda a estrutura de dominação deixada pelos
federalistas, a começar pela revogação da lei de reorganização do Judiciário Federal, extinguindo os
cargos criados e destituindo de seus ocupantes.

A fim de evitar qualquer insurgência ou questionamento por parte da Suprema Corte, o Congresso
suprimiu a sessão da Corte em 1802, permanecendo sem reunir-se de dezembro de 1801 a fevereiro
de 1803.

Soma-se ainda outros elementos de tensão, pois Thomas Jefferson já sinalizava que não cumpriria
qualquer determinação do Judiciário para efetivar os atos de investidura, questionando a legitimidade
da Corte para expedir esse tipo de ordem ao poder Executivo.

Além disso, a Câmara deflagrou um processo de impeachment de um juiz federalista, numa ação
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política que poderia estender-se até os próprios ministros da Suprema Corte.

Foi nesse contexto de tensão que a Suprema Corte volta a se reunir, em 1803, pra julgar o caso
Marbury vs. Madison.

Esse julgamento entrou para a história porque foi a primeira decisão em que a Suprema Corte
afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade.

A Constituição Americana, apesar de conter a supremacy clause, colocando a Constituição no ápice


do sistema jurídico, como seu sustentáculo, não atribui a nenhum órgão a competência para efetuar
o controle de constitucionalidade.

Dessa forma, caso uma lei fosse inconstitucional, era preciso aguardar o Poder Legislativo promulgar
uma nova lei, para que ela fosse retirada do sistema.

Mas o julgamento Marbury vs. Madison veio mudar isso, pois o Juiz Marshall percebeu que se o
Poder Judiciário pode interpretar a lei, então possui também competência para retirar essa lei do
sistema, se afrontar a Constituição. Essa competência é decorrência lógica e implícita do sistema
jurídico.

A tese não era original, pois no plano teórico, já em 1788, a mesma ideia foi exposta por Alexander
Hamilton, em "O Federalista", 78, somando ao julgamento ocorrido na Inglaterra, o Bonham's case e
alguns julgados nas cortes federais inferiores e estaduais nos Estados Unidos.3

Mas a pedra de toque do controle de constitucionalidade nos Estados Unidos se traduz no caso
Marbury vs. Madson.

Marshall inicia seu voto demonstrando as razões pelas quais Marbury tinha direito à investidura no
cargo. Em seguida, conclui que se há o direito à investidura no cargo então deve corresponder um
remédio jurídico para assegurá-lo. Finalmente se pergunta se o writ of mandamus era a via
adequada, respondendo afirmativamente, e se a Suprema Corte tinha competência para julgá-lo.

Para responder a essa última indagação, o juiz Marshall observou que o § 3.º da Lei Judiciária de
1789 atribuiu competência originária da Suprema Corte, fora das previstas pelo art. 3.º da
Constituição Americana, ou seja, a lei ordinária, ao invés de se limitar ao rol previsto na Constituição,
inovou na matéria para aumentar a competência da Suprema Corte.

Marshall chega então ao centro da discussão, se a Suprema Corte pode deixar de aplicar uma lei
inconstitucional.

Para chegar a uma conclusão, Marshall considerou três fundamentos: a supremacia da Constituição,
a nulidade da lei que contraria a Constituição, e o fato de o Poder Judiciário ser o intérprete final da
Constituição, ou seja, diante de uma norma que afronta a Constituição, cabe ao Judiciário determinar
qual regerá a hipótese, e se a Constituição é a lei máxima do sistema, então é seu dever de guardião
da Constituição, retirar essa norma do ordenamento jurídico. Trata-se de uma decorrência lógica do
sistema.

Ao lado do brilhantismo da decisão de Marshall, foram tecidas diversas críticas, fundadas em


argumentos bastante plausíveis.

Primeiramente, aponta-se o impedimento do Juiz Marshall que julgou um processo em que ele
participou diretamente dos fatos que deram origem ao processo.

Além disso, se a Suprema Corte era incompetente para julgar o mandamus, bastaria o
reconhecimento desse fato com o consequente encerramento do processo.

Isso sem mensurar que existiam diversos argumentos infraconstitucionais que poderiam ter
fundamentado o indeferimento do pedido, a exemplo de que o direito ao cargo somente é adquirido
com a efetiva investidura no cargo.

Na verdade, o voto de Marshall ampliou os poderes do Judiciário, órgão a que pertencia, tendo
permanecido na presidência da Suprema Corte por 34 anos.

Mas é possível perceber, através do contexto da época em que foi proferido, uma inteligente
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sagacidade política do juiz, que ao negar a investidura no cargo não deu nenhum azo para que o
Poder Executivo e o Poder Legislativo descumprissem ou desafiassem a sua decisão, tornando
impassível de questionamento a tese nele veiculada que dava poderes ao Judiciário sobre os outros
dois ramos de governo.

3 Principais características da Judicial Review

O grande mérito do caso Marbury vs. Madison foi dar origem ao controle difuso de
constitucionalidade. É chamado de difuso porque não há um Tribunal específico responsável por
realizar o controle de constitucionalidade, que pode ser feito por qualquer juiz ou Tribunal.

Esse controle também é repressivo, posto que ocorre no curso de uma ação judicial, ou seja, na
análise do caso concreto, em via de defesa, uma vez que a parte se defende afirmando que a norma
invocada para garantir o direito da outra parte é inconstitucional, e também por via de exceção
porque excepciona o indivíduo da aplicação da lei ou ato normativo incompatível com a Constituição.

A inconstitucionalidade da lei pode ser alegada pelas partes, juiz, promotor e terceiros interessados
se relevante para a decisão do caso concreto e será decidida de forma incidental no processo.

O direito americano segue, portanto, a common law, dessa forma o controle de constitucionalidade
pode ser realizado por qualquer juiz ou Tribunal, porém, a palavra final é dada pela Suprema Corte, e
isso em razão do stare decisis, que concede força vinculante às suas decisões.

Explica Cappelletti:4

"O resultado final do princípio do vínculo aos precedentes é que, embora também nas Cortes
(estaduais e federais) norte-americana possam surgir divergências quanto à constitucionalidade de
uma determinada lei, através do sistema de impugnações a questão de constitucionalidade poderá
acabar, porém, por ser decidida pelos órgãos judiciários superiores e, em particular, pela Supreme
Court cuja decisão será, daquele momento em diante, vinculatória para todos os órgãos judiciários.

Em outras palavras, o princípio do stare decisis opera de modo tal que o julgamento de
inconstitucionalidade da lei acaba, indiretamente, por assumir uma verdadeira eficácia erga omnes e
não se limita então a trazer consigo o puro e simples efeito da não aplicação da lei a um caso
concreto com possibilidade, no entanto, de que em outros casos a lei seja, ao invés, de novo
aplicada. Uma vez não aplicada pela Supreme Court por inconstitucionalidade, uma lei americana,
embora permanecendo on the books, é tornada uma dead law, uma lei morta, conquanto pareça que
não tenham faltado alguns casos, de resto excepcionalíssimos, de revivescimento de uma tal lei por
causa de uma 'mudança de rota' daquela Corte."

A história da Suprema Corte é envolta numa mitologia que sustenta a teoria do stare decisis, ou seja,
o que justifica o vínculo aos precedentes da Suprema Corte, nas palavras de Eduardo Garcia de
Enterria:5

"La mitologia de la Corte suprema americana es inacabable y seria muy fácil acumular referencias.
Como explicar la sorpredente aceptación general de uma institución cuya posición central esetá
basada enteramente em uma competência, la de judicial review, que no há sido atribuída
expressamente por la Constitución, sino propriamente ursurpada, o al menos autoatribuida? Más que
la explicación (...) nos interessa hora el resultado: el Tribunal Supremo es reverenciado y acatado
como la representación más alta de la ideologia americana, de la própria identidade nacional. Hay
incluso toda uma mitologia religiosa: La Constitucioón como texto inspirado por Dios, los fundandores
como los santos, los jueces del Tribunal Supremo como los sumos sacerdotes que cuidan del culto al
texto en el Marbel Palace, en el Palacio de Mármol donde tiene su sede y que extraen de esse texto
poco menos que la infalibilidade."

Para a doutrina americana, a lei declarada inconstitucional é nula, e os efeitos da declaração de


inconstitucionalidade são ex tunc, ou seja, a lei é natimorta posto que inconstitucional desde a sua
origem.

4 O modelo austríaco

A Europa, diferentemente dos Estados Unidos, demorou a adotar um modelo de controle de


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constitucionalidade, que só veio a ocorrer no primeiro pós-guerra, em 1919 através de Hans Kelsen.

Como bem explica Enterria,6 essa demora se deve as ideias que reinavam até então, pois a França,
berço da Revolução Francesa e das ideias iluministas, sofre grave retrocesso com Napoleão que
restaura a monarquia por antonomásia, o que torna o monarca fonte pré-constitucional do poder e da
Constituição.

Já a esquerda hegeliana, que tem Ferdinand Lasalle como seu expoente, apresenta a teoria
reducionista em sua conferência em Berlim, em 1862, intitulada "Sobre a essência da Constituição",
em que condiciona a eficácia da Constituição à sua correspondência às forças reais de poder, sob
pena desta não passar de uma folha de papel.

Dessa forma, a Constituição era vista como simples compromisso, como na França ou reduzida em
seu valor, razão pela qual somente com o genialismo de Kelsen seria criado o modelo concentrado
de controle de constitucionalidade.

Bastante diferente do modelo americano, que permite que qualquer juiz ou Tribunal realize o controle
de constitucionalidade, Kelsen idealiza na figura de um único Tribunal Constitucional o exercício
dessa função.

Kelsen7 entende que o Tribunal Constitucional não é propriamente um Tribunal, porque a função de
um Tribunal é aplicar uma norma prévia a casos concretos, enquanto o Tribunal Constitucional não
julga casos concretos, mas se limita a verificar a compatibilidade entre duas normas abstratas: a lei e
a Constituição, eliminando a norma incompatível com a lei maior.

A eficácia dessa decisão é ex nunc, ou seja, a norma tida como inconstitucional deixa de produzir
efeitos a partir da sentença que declara a sua inconstitucionalidade. Trata-se, portanto, de uma
sentença constitutiva que declara a anulabilidade da lei.

Os juízes e Tribunais inferiores, ao ser suscitada a dúvida quanto à constitucionalidade de uma lei,
remetem a questão ao Tribunal Constitucional como incidente prévio. No Tribunal Constitucional será
analisada a compatibilidade entre a lei e a Constituição, e a decisão será informada ao Tribunal que
suscitou o incidente, momento em que o julgamento do caso concreto é retomado.

Na verdade, percebe-se que Kelsen, ao idealizar o modelo concentrado, quis evitar a criação de um
governo de juízes, pois vigia na Europa, à época, a Escola Livre do Direito, que permitia ao juiz julgar
segundo critérios pessoais, sem a observância da lei.

Por isso, Kelsen afirma categoricamente que todos os juízes devem se submeter à lei, somado ao
fato de que somente o Tribunal Constitucional pode retirar a norma inconstitucional do sistema.

O Tribunal Constitucional não é propriamente um órgão jurisdicional, mas sim um órgão legislativo8
que ab-roga leis até aquele momento perfeitamente eficazes, e cuja sentença tem força erga omnes.

É preciso esclarecer que se trata de um legislador negativo, pois apenas elimina (e não cria) leis que
não são compatíveis com a norma constitucional superior.

Esse modelo concentrado foi adotado pela Constituição austríaca de 1920, e aperfeiçoada na
reforma de 1929. Trata-se de uma modalidade preventiva de controle de normas, mas somente das
normas em vigor.

Favoreau9 estabelece a diferença entre o sistema americano e o austríaco, explicando que:

"(...) no sistema estadunidense, a justiça constitucional é confiada ao conjunto do aparelho


constitucional, e não se distingue da justiça ordinária, na medida em que os litígios, de qualquer
natureza são julgados pelos mesmos tribunais e nas mesmas condições. A dimensão constitucional
pode estar presente em todos os litígios e não necessita de tratamento especial: não há
propriamente contencioso constitucional, assim como não existe contencioso administrativo ou
judicial, não há, pois, nenhuma razão para distinguir as questões levadas perante o mesmo juiz.

O modelo europeu é muito diferente, o contencioso constitucional, que distinguimos do contencioso


ordinário, é da competência exclusiva de um Tribunal especial constituído para esse fim e que pode
estabelecer preceitos, sem que possamos falar propriamente em litígios, por meio da provocação
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desse tribunal pelas autoridades políticas ou jurisdicionais e até mesmo por particulares, com
decisões que têm efeito absoluto da coisa julgada."

O modelo europeu dispõe que a lei é anulável e, portanto, a sentença tem natureza constitutiva, pois
a lei é tida como um ato inconstitucional que preserva a força jurídica até o momento da sua
cassação.

Essa cassação poderá ser total ou parcial, admitindo, ainda, a interpretação conforme à Constituição,
evitando que leis que contenham significados tidos como inconstitucionais deixem de ser aplicadas.

5 A importância do controle de constitucionalidade

A Constituição, até a Segunda Guerra Mundial, era vista como mero compromisso, não era vista
como norma a ser obedecida, o que reduzia sobremaneira a sua força efetiva.

Vigorava na Europa o entendimento de que o Parlamento representava a vontade do povo,


encontrando na lei sua expressão máxima, o que inibia a criação de mecanismos na Constituição
que legassem a outro órgão o controle de constitucionalidade das leis.

Ficava claro que a supremacia do Parlamento era verdadeiro obstáculo à criação de um controle
judiciário das leis.10

A falta de uma proteção efetiva à Constituição fez-se presente nas primeiras décadas do século XX,
uma vez que nem mesmo as Constituições que consagravam direitos fundamentais não
conseguiram frear o avanço dos regimes totalitários.

Sentiu-se, então, a necessidade de dar mecanismos que garantissem maior eficácia às normas
constitucionais, não as deixando na dependência do Parlamento, pois percebeu-se que de nada
adianta ter uma Constituição, como a Weimar, que proclama os direitos fundamentais sem garantir a
sua eficácia.

Como solução, criou-se o modelo de controle de constitucionalidade, realidade conhecida pelo direito
americano desde o século XIX, para garantir a concretização dos direitos fundamentais, que
representam escolhas do Poder Constituinte Originário e, portanto, devem ser a primeira
preocupação de um ordenamento jurídico em fornecer meios de efetivá-los e também do próprio
Estado em criar políticas públicas a fim de implementá-las na sociedade.

Dessa forma, a Constituição deixa de ser vista como mero compromisso para assumir seu papel de
norma fundamental de todo o ordenamento jurídico e ganha, no controle de constitucionalidade, o
mecanismo para garantir a sua efetividade, impondo-se como norma suprema.

A Constituição é erigida ao papel que idealizou Kelsen desde a criação da Teoria Pura do Direito, ou
seja, trata-se de norma suprema de um ordenamento jurídico em decorrência da formalidade e
rigidez de suas normas e da organização sistêmica do Estado.

Em sendo obra do Poder Constituinte Originário, é frequente nos questionarmos se o legislador


ordinário extrapolou suas funções em relação ao conteúdo e alcance de certas normas
constitucionais.

Essa temática já preocupava Otto Bachoff diante de uma Alemanha que vivia um conturbado período
de transição sociopolítica face ao desfacelamento da ditadura nacional-socialista no findar dos anos
1940 e início dos anos 1950.

Em 20.07.1951, em conferência realizada pelo prof. Otto Bachof na cidade de Heidelberg, iniciou-se
uma viva discussão acerca da existência de um direito supralegal que justificasse a existência de
normas constitucionais inconstitucionais que culminou na sua obra "Normas constitucionais
inconstitucionais?".

No Brasil, e dentro da mesma temática, nos lembra a professora e constitucionalista Maria Garcia,11
que o art. 17 do ADCT (LGL\1988\31) "trata-se de um sem sentido", constatando-se "a inadequação
do mencionado art. 17 do ADCT (LGL\1988\31), em seu todo, às características das disposições
constitucionais transitórias, extrapolando do sistema constitucional".

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E com veemência afirma que "a sua existência na Constituição de 1988 configura, sem dúvida, ato
arbitrário dos autores do Texto Constitucional", e finaliza dizendo que o dispositivo questionado "ao
qual se adere apenas formalmente, nada exteriorizando da vontade da Nação".

Dessa forma, a questão acerca da possibilidade da lei fundamental comportar dispositivos ou


princípios contrários a ela própria levanta especial interesse, razão pela qual se passa a delinear os
principais aspectos da teoria desenvolvida por Otto Bachof e a posição do STF acerca do assunto.

6 Constituição em sentido formal e em sentido material

Otto Bachof entende que estabelecer o conceito de Constituição é o primeiro passo para entender a
possibilidade de ocorrência de normas constitucionais inconstitucionais.

Maria Garcia12 ensina que:

"Nunca será demais lembrar a Constituição como norma, normação, caminho, direção (...) Mas a
Constituição não é tão somente uma norma - com toda sua significação e abrangência diretiva para a
convivência social - senão, precisamente, a primeira das normas do ordenamento inteiro, a norma
fundamental de todas as normas. Por que define o sistema de fontes formais do direito e configura,
ainda, uma intenção fundacional, estruturando todo o sistema que nela se fundamenta."

A fundamentalidade da Constituição é explicada por Lassalle na célebre conferência de 1863, cujo


tema era "Como distinguir uma lei da lei fundamental?", nas quais fixa três preceitos básicos:

(a) a lei fundamental deve ser uma lei básica, mais do que as demais normas, e, como indica o
próprio nome, deve ser fundamental;

(b) deve constituir o verdadeiro fundamento das outras leis, ou seja, informa e engendra as outras
leis comuns originárias da mesma, irradiando-se por todo o sistema;

(c) "Mas as coisas que têm um fundamento não o são por um capricho; existem porque
necessariamente devem existir. O fundamento a que respondem não permite serem de outro modo.
Somente as coisas que carecem de fundamento, que são as casuais e as fortuitas, podem ser como
são ou mesmo de qualquer outra forma; as que possuem um fundamento, não. Elas se regem pela
necessidade".13

A Constituição ainda pode ser vista no sentido formal e no sentido material.

A Constituição formal corresponde ao conceito dado por Schmitt à lei constitucional, ou seja, é
aquela que se manifesta em um documento solenemente elaborado pelo Poder Constituinte, pouco
importando o conteúdo dessas normas, se versam sobre matérias tipicamente constitucionais ou
não.

Para Bachof,14 o que explica a existência de normas inseridas na Constituição sem conteúdo
primordialmente constitucional é a imposição de grupos políticos que foram determinantes na criação
do documento constitucional e queriam evitar a possibilidade de alteração por uma futura maioria
parlamentar.

Já o sentido material compreende o conjunto de normas sobre a estrutura, atribuições e


competências dos órgãos supremos do Estado, suas instituições fundamentais e a posição do
cidadão no Estado. trazendo, portanto, as normas que abrigam os componentes essenciais de
formação do Estado.

Sobre a Constituição material, ensina Nelson de Souza Sampaio:15

"No sentido material, constituição é a lei que estrutura os órgãos supremos do poder e lhes define a
competência. Uma vez que, numa Constituição escrita, tudo que nela se contém se considera,
formalmente, de caráter constitucional, não é fácil separar, no texto da lei fundamental, o que seria
constitucionalmente material. A primeira Constituição brasileira, a imperial de 1824, fez essa
distinção, no seu art. 178, no qual se lê: 'É só constitucional o que diz respeito aos limites e
atribuições respectivas dos poderes públicos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo
o que não é constitucional pode ser alterado, sem as forma-lidades referidas, pelas legislaturas
ordinárias.'"
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Bachof entende que é possível haver normas de direito constitucional material topologicamente
localizadas fora do documento constitucional.16

I A Constituição e o direito supralegal

A Constituição tem de traduzir os valores essenciais de um povo. Mas o que se entende por valores?

Valor, no sentido filosófico,17 é "aquilo que é bom, útil, justo, honesto, belo, agradável para o
homem", e Reale18 aprofunda o conceito, pontuando que os valores apresentam uma forma de ser
que não se subordina nem ao tempo nem ao espaço, não permitindo a sua quantificação. Dessa
forma, enquanto tais valores não são passíveis de mensuração, fazem referência ao plano do
"dever-ser".

O valor é, portanto, ente autônomo, que pode ser acessado a partir do âmbito do dever-ser, pois
concebe a realidade como ela deveria ser a partir da ótica de algum valor.

Para compreender e interpretar um valor é preciso apreciá-lo de acordo com a realidade


histórico-cultural humana, porque é através dessa realidade que o valor se expressa.

No sentido jurídico, o valor19 consiste na máxima revelação do complexo de bens, direitos,


interesses, poderes e faculdades das pessoas, dos grupos, da coletividade e do Estado, assim
considerado em sua função estrutural de meio para a obtenção dos fins da sociedade organizada.

É fundamental que a Constituição traduza, portanto, os valores da sociedade, o que está presente no
consciente coletivo daquele povo, porque são eles que dão coerência e sentido ao sistema de
normas, coagindo psiquicamente as pessoas e promovendo a integração social da sociedade.20

Esses valores podem estar de forma implícita ou explícita nas normas jurídicas:

"Estando eles jungidos ao cerne da norma-princípio ou da intenção dela, ficam assim positivados ou
não, explícitos ou implícitos. Note-se, então, a multiplicidade de valores que o direito reconhece e,
que a cada dia, consagra em seus princípios e normas. Reconhecimento este que também se
observa nas normas constitucionais, pois, como norma suprema, tem seu fundamento de
legitimidade assentado nesses valores, objetivando sempre realizá-los. O exemplo mais
característico está nas normas programáticas. Essas trazem um programa de Estado visando à
concretização de valores consagrados na sociedade, ex. gr., construir uma sociedade livre, justa e
solidária, art. 3.º, I, da CF/1988 (LGL\1988\3). Tais normas explicitam comandos-valores que
dirigem-se ao legislador para realizá-los na elaboração da norma, ao administrador público para
aplicá-los de ofício e ao juiz para efetivá-los no caso concreto."21

Entende o Tribunal Constitucional Federal Alemão que é possível hierarquizar os valores para o
Direito, na seguinte ordem: (a) - Em primeiro lugar, estão a proteção e liberdade da pessoa; (b) em
segundo lugar, protege-se os direitos, a integridade física e moral, a inviolabilidade corporal, a
intimidade pessoal, o segredo das comunicações, a inviolabilidade do domicílio, o direito a fixar
livremente a sua residência; (c) em terceiro lugar a propriedade e a liberdade de escolha pessoal; e
(d) finalmente, a liberdade de exercício profissional.

O direito supralegal positivado na Constituição tem a missão de reconhecer os direitos que


pertencem ao homem pela simples razão da sua existência.

Para Otto Bachof, os valores fundamentais compõem o direito supralegal, que pode ou não estar
positivado no texto constitucional. Isso significa reconhecer a existência de um direito
pré-constitucional, pois a positivação da norma não exclui o reconhecimento de outros direitos que,
embora não positivados, existem no ordenamento jurídico de forma implícita.

8 Violação do direito constitucional não escrito

8.1 Inconstitucionalidade por infração dos princípios constitutivos não escritos do sentido da
Constituição

Celso Antônio Bandeira de Mello,22 em conceito sempre citado pelos doutrinadores pátrios, ensina
que:

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O cavalo de Tróia: Constituição x normas
inconstitucionais

"Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico."

Os princípios contém em si a ideia de direito e justiça que regem uma sociedade, refletindo os
valores escolhidos para nortear a ordem jurídica, fixando assim os standards de justiça,
constituindo-se na principal ferramenta para sanar eventuais distúrbios ou anomalias que ocorrem no
sistema jurídico.

Na visão de Otto Bachof, existem princípios que constituem o alicerce de um ordenamento jurídico
ainda que não expressamente positivados no texto constitucional, mas que obrigam tanto quanto
qualquer direito positivado.

Alerta o autor alemão que na escolha dos princípios e valores que irão compor o direito supralegal
deverá a Constituição agasalhar todo o direito supralegal, independentemente deste estar positivado
ou não, sendo vedado o seu reconhecimento parcial.

Nestes termos, é conhecido o disposto no art. 16 da Declaração francesa de 1789: "toda sociedade
na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não
tem Constituição".

Para melhor compreensão do tema, vale-se Otto Bachof do conceito de Federação para exemplificar
a questão. Adaptando o exemplo à realidade brasileira, depreende-se que não apenas a norma que
tente modificar esse modelo de organização do Estado será inconstitucional, mas também aquelas
normas que indiretamente, pela via transversa, tentem mitigar esse princípio.

Ainda que essas normas não atentem diretamente contra o dispositivo da Constituição que veda
expressamente a alteração da forma de Estado, será inconstitucional se indiretamente ferir os
princípios que norteiam a concepção de Federação.

O poder constituinte originário teve a oportunidade de escolher, na elaboração da Constituição, qual


das diversas formas de organização do Estado seria adotada, consequentemente, uma vez feita a
escolha por um determinado modelo, todos os princípios a ele inerentes deverão ser respeitados.

Outro exemplo atinente à incorporação de direito supralegal na ordem jurídica brasileira deu-se com
absorção dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade consagrando a existência de direitos
supralegais aplicáveis à ordem jurídica.

O Verfassungsgerichtshof da Baviera (Tribunal Constitucional da Baviera), por sua vez, apreciando o


art. 184 da Constituição23 de 02.12.1946, disse, em decisão famosa de 24.04.1950:

"A nulidade inclusivamente de uma disposição constitucional não está a priori e por definição
excluída pelo fato de tal disposição, ela própria, ser parte integrante da Constituição. Há princípios
constitucionais tão elementares, e expressão tão evidente de um direito anterior mesmo à
Constituição, que obrigam o próprio legislador constituinte e que, por infração deles, outras
disposições da Constituição sem a mesma dignidade podem ser nulas. Se o art. 184 da Constituição
tivesse o sentido de colocar o legislador, no tocante às medidas a tomar por este relativamente aos
grupos de pessoas aí designados, dura douramente, fora da Constituição e do direito, seria nulo, por
infração da própria ideia de direito, do princípio de Estado de Direito, do princípio da igualdade e dos
direitos fundamentais que são expressão imediata da personalidade humana."

Conclui-se que para o autor alemão, existem princípios de caráter puramente positivo e princípios de
caráter extrapositivo, a diferença reside no fato de serem os primeiros princípios estatuídos e o
segundo, princípios reconhecidos pelo Constituinte.24

8.2 Inconstitucionalidade por infração do direito consuetudinário

O direito constitucional consuetudinário é classificado por Bachof como direito constitucional não
escrito, haja vista que uma norma pode ser inconstitucional por violação do direito constitucional
consuetudinário.

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O cavalo de Tróia: Constituição x normas
inconstitucionais

Se o direito constitucional consuetudinário é utilizado para completar a Constituição escrita, então


não haverá conflito entre o direito constitucional escrito e o não escrito.

A Constituição alemã, em seu art 79, I, determina que a alteração do texto da Constituição só pode
ser feita através de lei formal, o que na visão do autor aparentemente exclui a possibilidade de
alteração da Constituição através do direito consuetudinário.

Porém, adverte que nenhuma proibição legal é capaz de frear a mudança gradual no sentido dado a
norma, sem alteração do texto. É isso porque toda norma constitucional precisa ser interpretada e,
ao executar essa tarefa, o intérprete atualiza o conteúdo da norma de acordo com a sociedade de
seu tempo e, portanto, em consonância com o direito consuetudinário. Um exemplo típico é a
mutação constitucional.

Nesse caso, altera-se o sentido sem mudar o texto.

O autor alemão pondera que se o direito consuetudinário alterou de tal forma o sentido conferido à
norma constitucional ao ponto de afastar o direito vigente, não há inconstitucionalidade nem do:

"(...) direito que afastou o que estava em vigor, nem o direito afastado, nem tão pouco uma norma
constitucional formal ulterior que porventura viesse de novo remover o direito consuetudinário."25

Trata-se, na verdade, de revogação do direito mais antigo pelo mais recente.26

8.3 Inconstitucionalidade por infração do direito supralegal não positivado

Bachof questiona se o direito supralegal obriga, ainda que não positivado na Constituição.

Defendendo a obrigatoriedade do direito supralegal, Bachof aduz importante argumento, ao lembrar


que o direito supralegal é imanente a toda ordem jurídica que reivindique legitimamente este nome e,
portanto, também a ordem constitucional que queira ser vinculativa.

A ordem jurídica, para ter legitimidade, deverá abarcar em seu bojo o direito supralegal; e,
particularmente em relação ao direito alemão, esclarece que a Constituição alemã positivou
vastamente o direito supralegal.

Alerta que esse reconhecimento não pode ser feito de forma parcial, mas deve abranger
impreterivelmente todo o direito supralegal, ou seja, deve-se reconhecer o direito supralegal
positivado e o não positivado.

A "conclusão a que se chega é que não se reconhece um direito somente pela metade.
Reconhece-se por completo a sua existência".27

Esclarece que mais importante do que incorporar a terminologia do direito supralegal é entender que
toda norma constitucional que infringe um direito supralegal não pode reivindicar nenhuma
obrigatoriedade jurídica, "independente (sic) de saber se e em que medida o direito supralegal
violado foi transformado em direito constitucional escrito".28 Falta-lhe, portanto legitimidade, razão
pela qual não possui obrigatoriedade jurídica.

9 Violação da Constituição escrita

9.1 Norma Constitucional de grau inferior em face da Norma Constitucional de grau superior

Bachof questiona se uma norma constitucional original, fruto do trabalho do Poder Constituinte
Originário, pode ser materialmente inconstitucional.

Inclusive aponta o autor alemão que a questão pode parecer paradoxal, pois uma lei constitucional
não pode violar a si própria, porém a questão ganha novos contornos sob a ótica da norma
constitucional formal e material.

A norma formalmente constitucional pode ter conteúdo que fere o preceito material fundamental da
Constituição.

Assim, surgiram vozes na Alemanha29 defendendo que essas normas constitucionais de significado
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O cavalo de Tróia: Constituição x normas
inconstitucionais

secundário, e que são apenas formalmente constitucionais, ao desrespeitarem um preceito material


fundamental da Constituição, são inconstitucionais e inválidas.

Para o autor alemão, nem sempre uma pretensa incompatibilidade entre normas constitucionais de
graus diferentes representará uma inconstitucionalidade, pois o legislador constituinte originário pode
criar exceções ao direito estabelecido, razão pela qual não se fala em contradição do legislador
constitucional, mas na criação de um sistema de regra e exceção.

Explica Bachof30 "no fato de o legislador constituinte se decidir por uma determinada regulamentação
tem de ver-se a declaração autêntica, ou de que ele considera essa regulamentação como estando
em concordância com os princípios basilares da Constituição, ou de que, em desvio a estes
princípios, a admitiu conscientemente como exceção aos mesmos. É certo que o legislador
constituinte não pode, ao admitir tais exceções, infringir simultaneamente uma norma de direito
supralegal, em especial a proibição do arbítrio imanente a qualquer ordem jurídica! Se o fizer, a
norma excepcional será sem dúvida não vinculativa - não, porém, em virtude da contradição com o
princípio, mas antes em virtude do caráter arbitrário da exceção".

Dessa forma, no caso de haver aparente contradição entre um princípio constitucional e uma norma
singular da Constituição, entende-se que o legislador criou essa regra singular como exceção à
regra.

Porém, é preciso considerar que o legislador constituinte não pode, ao criar uma exceção, infringir os
princípios constitucionais basilares, sob pena dessas exceções serem inconstitucionais e, portanto,
não vinculativas.

Caso o legislador crie uma norma constitucional inferior que infrinja o conteúdo material de uma
norma de grau superior, e, considerando que não é possível provar se essa contradição surgiu por
erro do legislador, a interpretação constitucional será realizada com base na vontade objetiva desse
legislador, não se tratando de regra e exceção, mas sim de contradição insolúvel que desagua na
inconstitucionalidade da norma.

Em terras brasileiras, Nelson Sampaio defendeu a ideia de que há um escalonamento de normas


dentro da Constituição, ou seja, existem normas de hierarquia superior porque são materialmente
constitucionais, ou seja, trazem em seu bojo preceitos nucleares do Estado, o que lhes confere maior
peso diante de outras normas, de hierarquia inferior, e que são apenas formalmente constitucionais,
razão pela qual têm peso menor.

A discussão eclodiu com a EC 01/1969, que punia a infidelidade partidária com a perda do mandato,
que para Nelson Saldanha:31

"Enquanto a inviolabilidade do legislador é consagrada no art. 32, sua negação, sob forma de
fidelidade partidária coativamente prescrita, se encontra no bojo do art. 152 do Diploma
Constitucional. Jungido às instruções partidárias, como se poderá sustentar que o legislador
brasileiro somente deve obediência aos ditames de sua consciência?"

Defendendo sua tese, argumenta o autor32 que:

"Minha tese, pois, não é nenhuma inovação, a não ser na doutrina brasileira. Ademais, nada tem de
revolucionário, tendo, antes, a feição do óbvio, porquanto somente considero inaplicável uma norma
do constituinte originário quando em flagrante e insanável conflito com outra norma do mesmo texto
constitucional reputada de maior peso ou de mais alto valor."

Mas há diversos doutrinadores de renome contrários à adoção da tese do autor alemão, a exemplo
de Paulo Bonavides e Ives Gandra.

Paulo Bonavides expressa sua opinião lembrando citação de Jorge Miranda:

"não concordamos, pois, com Otto Bachof, quando reivindicando para toda e qualquer ordem
constitucional valores supralegais, daí retira suscetibilidade de inconstitucionalidade. Ainda que
aceitemos que em toda e qualquer ordem jurídica se encontram aqueles valores, nem sempre eles
alcançam força suficiente para conformar a Constituição e, portanto, para determinar
constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos atos jurídicos-públicos."33

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inconstitucionais

E Ives Gandra34 afirma que:

"A teoria de Otto Bachoff 'Normas constitucionais inconstitucionais?' não é aplicável ao Brasil, que
apenas admite seja uma norma constitucional, inconstitucional se ferir cláusula pétrea."

9.2 Norma Constitucional violadora de direito supralegal positivado na Constituição

O homem possui direitos pelo simples fato de existir. Essa é a concepção trazida pelo direito
supralegal, que faz recordar a Kant, quando diz que o homem é um fim em si mesmo, o que envolve
possuir toda uma gama de direitos que assegure a sua dignidade.

O direito supralegal é, portanto, inerente ao Estado de Direito, oportunidade em que não só as


normas materialmente constitucionais, mas também as formalmente constitucionais contém em seu
bojo o direito supralegal quando positivadas no texto constitucional.

A norma jurídica que infringe tais direitos supralegais previstos na Constituição ferirá, a um só tempo,
os direitos natural e constitucional.

Se uma norma constitucional infringir outra norma também constitucional agasalhadora de direito
supralegal será considerada inconstitucional e contrária ao direito natural, carecendo de legitimidade
e obrigatoriedade jurídica.

E acrescenta que o direito constitucional supralegal positivado precede, em razão do seu caráter
incondicional, o direito constitucional que é "apenas direito positivo",35 razão pela qual vincula o
poder constituinte originário tem a missão de traduzir esses valores na Constituição.

Interessante notar que a Constituição, na concepção de Bachof, não cria direitos, mas apenas
reconhece os direitos inerentes ao homem pela simples razão de sua existência.

10 A posição do STF

Na ADIn 815-3, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou ação direta arguindo a
inconstitucionalidade das expressões "para que nenhuma daquelas unidades tenha menos de oito ou
mais de setenta deputados", do § 1.º e da expressão "quatro" do § 2.º, ambos do art. 45 da CF/1988
(LGL\1988\3).

A tese que fundamenta a ADIn tem respaldo na teoria de Bachof e em julgados alemães que
defendem haver normas constitucionais inconstitucionais ainda que elas derivem do poder
constituinte originário, pois existem normas constitucionais de hierarquia superior a outras normas
também constitucionais, como as cláusulas pétreas.

Sustenta a inconstitucionalidade das normas impugnadas, pois geram um tratamento


desarrazoadamente desigual em relação ao peso efetivo e ao valor do resultado dos votos dos
cidadãos absolutamente iguais, ofendendo, a um só tempo, os princípios constitucionais superiores,
tanto que são consagrados em cláusulas pétreas, e também a concreções positivas do direito
supralegal, tais como "igualdade" (art. 5.º da CF/1988 (LGL\1988\3)), igualdade do voto (art. 14 da
CF/1988 (LGL\1988\3)), do exercício, pelo povo, do poder (art. 1.º, parágrafo único, CF/1988
(LGL\1988\3)), da cidadania (art. 1.º, II, CF/1988 (LGL\1988\3)), que se manifestam através do
sufrágio e, consequentemente, da democracia instituída pela Constituição.

Soma-se o fato de colocar em risco à federação, pois ao discriminar o valor político de brasileiros
absolutamente iguais em razão das regiões a que pertencem, fomentam a discórdia e a
desigualdade, derrubando justamente o pilar que sustenta a ideia de federação que é o sentimento
de união e que constitui também um princípio fundamental da ordem constitucional.

Na doutrina, José Afonso da Silva36 compartilha da mesma tese defendida pelo Governador do Rio
Grande do Sul, pontificando que:

"Essa expressão - voto com valor igual para todos, constante do art. 14 - é mais do que a simples
relação de igualdade de voto entre eleitores. Ela, além do princípio one man, one vote, trás a ideia da
igualdade regional da representação, segundo a qual o eleito, no País, deve corresponder o mesmo
número ou um número aproximado de habitantes. Contraria a regra do valor igual o fato de que um
voto, por exemplo, no Acre, vale cerca de vinte vezes mais do que um voto em São Paulo, pois para
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O cavalo de Tróia: Constituição x normas
inconstitucionais

se eleger um Deputado Federal naquele bastam cerca de dezesseis mil votos, enquanto neste são
necessários aproximadamente trezentos mil votos."

A Procuradoria-Geral da República sustentou a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que em


nosso sistema constitucional todas as normas constitucionais têm a mesma hierarquia, mesmo as
cláusulas pétreas.

O Ministro Moreira Alves, na relatoria da ADIn 815-3, assevera a impossibilidade de haver hierarquia
de normas constitucionais diante de uma Constituição rígida, com base na doutrina de Francisco
Campos,37 que se reproduz:

"(...) repugna, absolutamente, ao regime de Constituição escrita ou rígida a distinção entre leis
constitucionais em sentido material e formal; em tal regime, são indistintamente constitucionais todas
as cláusulas constantes da Constituição, seja qual for o seu conteúdo ou natureza."

E esclarece que todas as normas constitucionais originárias retiram sua validade do Poder
Constituinte Originário e não das normas constitucionais positivadas que tragam em seu bojo do
direito suprapositivo e isto porque o constituinte originário positivou as normas constitucionais sem
criar qualquer diferença entre elas, sem hierarquia.

Nesse mesmo sentido, ensina Jorge Miranda:38

"No interior da mesma Constituição originária, obra do mesmo poder constituinte (originário), não
divisamos como possam surgir normas inconstitucionais. Nem vemos como órgãos de fiscalização,
instituídos por esse poder, seriam competentes para apreciar e não aplicar, com base na
Constituição, qualquer das suas normas. É um princípio de identidade ou de não contradição que o
impede. Pode haver inconstitucionalidade por oposição entre normas constitucionais preexistentes e
normas constitucionais supervenientes, na medida em que a validade destas decorre daquelas; não
por oposição entre normas feitas ao mesmo tempo por uma mesma autoridade jurídica. Pode haver
inconstitucionalidade da revisão constitucional, porque a revisão funda-se, formal e materialmente,
na Constituição; não pode haver inconstitucionalidade da Constituição."

Adota-se, portanto, o princípio da Unidade da Constituição, e lembra o ministro relator que as


cláusulas pétreas não gozam de qualquer hierarquia em relação às demais normas constitucionais,
pois têm a função de estabelecer limites ao Poder Constituinte Derivado ao executar a tarefa de
rever ou emendar a Constituição, não servindo de base para sustentar a tese de normas
constitucionais inconstitucionais, pois o fato de não poderem ser emendadas não tornam as
cláusulas pétreas hierarquicamente superiores às demais normas constitucionais que podem sofrer
emenda.

Finaliza o voto concluindo que não pode o STF fiscalizar o poder constituinte originário, seja na
modalidade de controle difuso ou concreto de constitucionalidade, razão pela qual não conhece da
ação por impossibilidade jurídica do pedido.

Diferente é o entendimento da Suprema Corte em relação às emendas constitucionais.

Em relação às emendas constitucionais, fruto da vontade do poder constituinte derivado, é possível


se falar em inconstitucionalidade da emenda constitucional.

O papel do poder constituinte derivado é promover reformas necessárias à Constituição Federal,


mas tendo como limite os parâmetros fixados pelo poder constituinte originário na elaboração da
Constituição.

Consequentemente, o poder constituinte derivado jamais poderá modificar ou excluir princípios e


normas que o constituinte originário entendeu como fundamentais à ordem constitucional.

O poder constituído de reforma seria, portanto, "aquele poder inerente à Constituição rígida que se
destina a modificar essa Constituição segundo o que a mesma estabelece".39

Nesse sentido vem se pronunciando o STF, a exemplo do julgamento da ADIn 1.946-MC, de relatoria
do Min. Sydney Sanches:

"O STF já assentou o entendimento de que é admissível a ação direta de inconstitucionalidade de


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O cavalo de Tróia: Constituição x normas
inconstitucionais

emenda constitucional, quando se alega, na inicial, que esta contraria princípios imutáveis ou as
chamadas cláusulas pétreas da Constituição originária (art. 60, § 4.º, da CF/1988 (LGL\1988\3)).
Precedente: ADIn 939 (RTJ 151/755)."

O precedente citado, a ADIn 939-DF, refere-se ao IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação
Financeira) criado pela EC 3 e LC 77/1993, posicionando o Pretório Excelso pela
inconstitucionalidade da emenda, nos seguintes termos:

"Uma emenda constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à


Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo STF, cuja função precípua é de
guarda da Constituição (art.102, a, da CF/1988 (LGL\1988\3)) - RTJ, 151/756."

Confirmando o que fora dito, o STF, através das ADIn's 4.357 e 4.425, referente aos Precatórios,
declarou parcialmente inconstitucional a EC 62/2009.

Conclui-se que em relação às emendas constitucionais, o STF assentou o entendimento de que é


possível a sua inconstitucionalidade por afronta às normas e princípios constitucionais, cabendo ao
guardião da Constituição realizar o controle de constitucionalidade, o mesmo não se podendo dizer
das normas constitucionais, em que a Suprema Corte rechaçou a tese de normas constitucionais
inconstitucionais, entendendo que não lhe cabe questionar o trabalho realizado pelo Poder
Constituinte Originário.

Conclusão

O controle de constitucionalidade foi um importante passo para proteger o ordenamento jurídico


contra as normas que desafiam à lei maior.

Otto Bachof questiona em sua perturbadora teoria "normas constitucionais inconstitucionais" se é


possível que a própria Constituição contenha dispositivos que violem uma ordem superior de valores
da sociedade.

É preciso entender o contexto histórico que o levou a esse questionamento.

Por ter vivenciado um período triste da história do povo alemão, na qual o ordenamento jurídico era
permissivo, possibilitando que barbaridades fossem perpetradas, como efetivamente o foram, a
exemplo do holocausto, Otto Bachof ao vivenciar o período de transição da ordem jurídica alemã
preocupou-se em apresentar a ideia de que a Constituição deve retratar todos os valores jurídicos
que norteiam a sociedade.

Dessa forma, se o poder constituinte originário não cumprisse sua missão a contento, criando
dispositivos constitucionais que violassem os standards jurídicos daquela sociedade, como um
verdadeiro cavalo de troia a minar a força do principal documento jurídico de uma sociedade, então
esse dispositivo não poderia ter obrigatoriedade jurídica.

Essa foi a forma encontrada por Otto Bachof para garantir a proteção da vida e dos valores
transcendentais de qualquer ordenamento jurídico, o chamado direito supralegal, contra qualquer
forma de transgressão, ainda que na própria Magna Carta.

A tese é polêmica e invoca discussões em todo o mundo. No Brasil, o STF rechaçou a sua aplicação,
por considerar que o Poder Constituinte Originário é livre na sua missão de criar a Constituição, não
cabendo nem mesmo ao guardião da Constituição questionar as normas originárias.

O mesmo não ocorre em relação às emendas constitucionais, que são fruto do trabalho do poder
constituinte derivado, que deve respeitar os limites traçados pelos Constituinte Originário, justificando
assim o controle de constitucionalidade que incide sobre elas.

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1 HAYEK, 1985, p. 144.

2 FEITOSA, Raymundo Juliano Rego; MELO, José Guilherme Amorim de. Dr. Bonham Case e o
controle de constitucionalidade. Disponível em:
[http://publicadireito.com.br/artigos/?cod="6475c86edecfca8f]." Acesso em: 17.03.2016. p. 12.

3 BARROSO, 2012, p. 61 (nota de rodapé 8): "Marbury não foi o primeiro caso a enunciar o princípio
do judicial review. Houve precedentes nas cortes estaduais e nas cortes federais inferiores, nas
quais juízes deixaram de aplicar leis que consideravam contrárias a dispositivos da Constituição
estadual ou federal".

4 CAPPELLETTI, Mauro. O controle de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução


de Aroldo Plínio Gonçalves. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1984. p. 80-82.

5 ENTERRIA, Eduardo Garcia de. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. Madrid:
Civitas,1988. p. 127.

6 Idem, p. 129-130.

7 Idem, p. 131.

8 Idem, p. 132.

9 FAVOREAU, Louis. As Cortes Constitucionais. Trad. Dunia Marinho Silva. São Paulo: Landy, 2004.
p. 17-18.

10 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Bonet. Curso de
direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 181-190.

11 GARCIA, Maria. Sobre o Dogma do Poder Constituinte Originário. Uma questão de linguagem e o
art. 17 do ADCT (LGL\1988\31). RDCI. 53/36-37. São Paulo: Ed. RT.

12 GARCIA, Maria. A Inconstitucionalidade da coisa julgada. RDCI 47/48-54, São Paulo: Ed. RT,
2004.

13 LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1985. p. 9-10.

14 BACHOF, 2014, p. 40.

15 SAMPAIO, Nelson de Souza. Inconstitucionalidade de emenda constitucional. São Paulo: Ed. RT,
2012. Coleção Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional.

16 BACHOF, 2014, p. 40.

17 ESTRELLA, André Luiz Carvalho. Normas constitucionais inconstitucionais (Verfassungswidrige


Verfassungsnormen). Revista Eletrônica de Direito do Estado 28/12. Salvador: Instituto Brasileiro de
Direito Público, out.-dez. 2011. Disponível em:
[www.direitodoestado.com/revista/REDE-28-OUTUBRO-2011-ANDRE-LUIZ-ESTRELLA.pdf]. Acesso
em: 26.02.2016.

18 REALE, Miguel. Filosofia do direito. Apud GARCIA, Angeles Mateos. A teoria dos valores de
Miguel Reale. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 14 e 20.
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O cavalo de Tróia: Constituição x normas
inconstitucionais

19 LIMA, Francisco Melton Marques de. O resgate dos valores na interpretação constitucional.
Fortaleza: ABC Editora, 2001. p. 202.

20 REVORIO, Francisco Javier Díaz apud LIMA, Francisco Menton Marques de. Los valores
superiores en la constituciòn española.

21 ESTRELLA, André Luiz Carvalho. Normas Constitucionais Inconstitucionais (Verfassungswidrige


Verfassungsnormen). Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 28. p. 11. Salvador: Instituto
Brasileiro de Direito Público, out.-dez., 2011. Disponível em:
[www.direitodoestado.com/revista/REDE-28-OUTUBRO-2011-ANDRE-LUIZ-ESTRELLA.pdf]. Acesso
em: 26.02.2016.

22 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros.
1996. p. 545-546.

23 "Art. 184. [Entnazifizierungsvorschriften] Die Gültigkeit von Gesetzen, die gegen


Nationalsozialismus und Militarismus gerichtet sind oder ihre Folgen beseitigen wollen, wird durch
Verfassung nicht berührt oder beschrsankt" - ou, em vernáculo "Art. 184. [Dispositivos referentes à
desnazificação] A validade das leis promulgadas contra o nacional-socialismo e o militarismo ou que
visam a abolir seus efeitos, não são atingidas ou limitadas por esta Constituição" (SAMPAIO, Nelson
de Souza. Inconstitucionalidade da emenda constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2011. Coleção
Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional).

24 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em


face da Constituição Federal. São Paulo: Ed. RT, 2012. Coleção Doutrinas Essenciais de Direito
Constitucional.

25 BACHOF, 2014, p. 67.

26 Idem, ibidem.

27 ESTRELLA, 2011, p. 18.

28 BACHOF, 2014, p. 68.

29 Krüger e Giese citado por Bachof 2014, p. 55.

30 BACHOF, 2014, p. 57.

31 SAMPAIO, Nelson Sousa. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, n. 85, p.
06. jan.- mar., 1985.

32 SAMPAIO, 1985, p.08

33 BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. o art. 45 da Constituição Federal e a


inconstitucionalidade de Normas Constitucionais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

34 GANDRA, Ives. O princípio da não-cumulatividade na constituição. Impossibilidade de seu


afastamento por legislação infraconstitucional. Doutrinas Essenciais de Direito Tributário 4/675, São
Paulo: Ed. RT, fev. 2011. nota 1.

35 BACHOF, 2014, p. 63.

36 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14. ed. São Paulo: Malheiros,
1997. p. 338.

37 CAMPOS, Francisco. Direito constitucional. Rio de Janeiro/São Paulo: Livraria Freitas Bastos
S.A., 1956.

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O cavalo de Tróia: Constituição x normas
inconstitucionais

38 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1983. vol. II,
n. 72, p. 291.

39 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito constitucional comparado. I - O poder constituinte.


5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 155-156.

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