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Sebeca

- Direitos Fundamentais e Justiça


Constitucional -

Regente: Prof. Doutor Jorge Pereira da Silva

Assistente: Prof.ª Doutora Ana Rita Gil

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Justiça Constitucional

Jurisdicional: o mais “separado” dos três poderes

è O sistema de separação de poderes de Montesquieu ficou para a história, é o mais


determinante, embora não tenha sido o primeiro a defender a separação de poderes,
mas, sim, Locke.
è É comum dizer-se que Montesquieu se baseou no sistema britânico e que mais tarde
se veio a aplicar nos Estados Unidos da América. A primeira parte da frase está certa, a
segunda não tanto.

Base no sistema britânico:

è O sistema de Monstesquieu é desequilibrado, pois o poder legislativo está acima


dos outros, que eram ambos, em rigor, executivos da lei. A mais valia de Montesquieu
é ter percebido a diferença entre o executivo e jurisdicional, que são secundários.
è Cada poder tem uma fonte de legitimidade própria num sistema misto:
o Legislativo: em parte democrática e noutra parte aristocrática – era desempenhado
por duas Câmaras diferentes.
o Jurisdicional: legitimidade própria e aristocrática – não modera o poder legislativo,
descrição quase humilhante para os juízes, “poder nulo”, “boca que pronuncia a lei”.
o Executivo: monárquica.
è Rousseau, contrário à separação de poderes, criou o princípio da legalidade. Este
consiste na subordinação do poder jurisdicional e executivo ao legislativo. A lei é a
primeira das expressões da vontade popular. Vê a lei como produto de uma razão
iluminada, acima de qualquer crítica e contestação.
è A conjugação das visões de Montesquieu (separação de poderes) e de Rousseau
(princípio\soberania da legalidade) vai influenciar, de forma determinante, a experiência
constitucional francesa e, sobretudo, no que diz respeito à recusava da fiscalização
jurisdicional da constitucionalidade das leis.
o O executivo não está sujeito ao poder jurisdicional e este não controla a validade
dos seus atos – foram criados órgãos parajurisdicionais para controlar o
executivo e do lado da fiscalização da constitucionalidade das leis a
existência de um órgão político: Conselho Constitucional, de fiscalização
preventiva e política da constitucionalidade das leis – uma vez em vigor, são
insindicáveis pelos Tribunais.
è Existe sobretudo subordinação, separação propriamente só entre o executivo (política,
composta pela função executiva e legislativa) e o jurisdicional (sem relações
substanciais com as outras).

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Aplicação nos Estados Unidos da América:

è Dizer que o modelo foi aplicado nos EUA é absurdo.


è Há uma deferência relativamente a Montesquieu, mas uma das funções dos
Tribunais é fiscalizar a constitucionalidade das leis (1788) – Alexander Hamilton
continua a considerar que o poder legislativo é o mais perigoso de todos. Os
direitos fundamentais são direitos em face do legislador, do Congresso, mas:
o O legislador tem poder sobre a bolsa (cria impostos);
o O executivo tem poder sobre a espada (comanda o exército);
o O jurisdicional não tem poder sobre um nem outro, faz juízos, logo, não é perigoso.
è Hamilton, formalmente, está em sintonia com Montesquieu, com a ideia de que é o
poder mais fraco de todos os outros, mas atribui ao poder jurisdicional o poder para
fiscalizar as leis e justifica a independência dos tribunais e dos juízes com este
poder. Muda completamente o paradigma de Montesquieu.
è É também um modelo desequilibrado, mas agora a favor dos tribunais (o poder
constituinte [do povo] é superior a ambos, mas no fundo o poder jurisdicional é superior,
pois interpreta-o), acima do legislador.
è Na Europa a função jurisdicional não tem nada de democrático. No caso Americano tem
contornos particulares, pois nos EUA não há aristocracia, ao contrário da França. Foi
introduzido um fator democrático muito importante, por duas vias:
o Há magistrados que são eleitos.
o Instituição do juri – é, simultaneamente, um elemento do poder judicial e um
direito fundamental de cada um dos indivíduos a serem julgados pelos pares
(sociedade toda que está presente no juri), na Europa tinha um significado
diferente, pois os pares eram os indivíduos pertencentes apenas à sua classe.
è Em 1803, teve lugar a primeria decisão do Supremo Tribunal Federal (Murbury vs.
Madison).
è Poucos anos mais tarde, em 1831-32, há um juíz francês (Alexis Tocquvile), também
aristocrata, visita a América e diz que o sistema é igual ao Europeu em três pontos,
mas difere num quarto ponto, que não passou por este despercebido:
1. Juízes são árbitros.
2. Só decidem casos particulares (concretos e individuais).
3. São passivos (esperam que os casos lhes sejam levados).
4. Decidem com base na Constituição e não tanto com base nas leis (na sua
atividade normal recorriam e davam primazia à Constituição sobre a lei ordinária).

Sistemas de fiscalização da constitucionalidade

è Esta aproximação histórica conduziu a três sistemas de fiscalização constitucional:


o Francês: muito reticente e só muito a custo, nos anos mais recentes, é que foi
aceitando a fiscalização da constitucionalidade, ainda assim muito desconfiada
relativamente aos juízes, preferência clara pelo legislador (oscilação entre a
recusa da fiscalização da constitucionalidade e aquilo que se designa por

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fiscalização política [acaba por se jurisdicionalizar de forma progressiva] – Conselho
Constitucional). Tende a ser preferencialmente preventiva, uma vez em vigor
deverão manter-se, até que o legislador se pronuncie de forma diferente.
Fiscalização preventiva independente, mas ainda assim política, da
constitucionalidade das leis.
o Norte Americano: baseado no precedente, reconhece-se à totalidade dos
tribunais como parte integrante das suas obrigações a capacidade de
fiscalizarem as leis e recusar a sua aplicação de forma descentralizada –
difusa (qualquer tribunal).
o Austriaco/Kelsen: a competência não devia ser atribuida a todos os Tribunais,
mas a um único (Tribunal Constitucional), que funciona como um legislador
negativo, pronuncia-se apenas quando chamado para tal e para fazer cessar a
vigência das leis inconstitucionais. Composição ad hoc, plural e não de juizes de
carreira, é como um mini-parlamento, que tem competência legislativa negativa.
Utiliza um parâmetro jurídico – fiscalização abstrata das leis, afastando-as da ordem
jurídica quando se revelam insconstitucionais.

Paradoxo do constitucionalismo e “judicial sefl restraint”

è Superação do paradoxo da Constituição: como pode alguém afastar da ordem jurídica e


política a obra do legislador democraticamente legitimado? Porque é apenas um órgão
que fiscaliza e não todo o povo (um super-parlamento)?

Quem guarda os guardas? Como se garante que os juizes não excedem a sua
função e se apropriam da Constituição?

1. Não é apenas a perspetiva dos especialistas que importa no debate público, o


facto de não ser especialista pode significar um contributo diferente. A interpretação
da Constituição é um direito de todos os cidadãos, por isso os juízes têm que
fundamentar as suas decisões e estas podem ser questionadas.
o Carl Popper – sociedade aberta, uma forma de evitar a apropriação pelos juízes
da Constituição, é a existência de uma sociedade aberta de interpretes da
Constituição. A ideia de que os juízes têm a útlima palavra não significa que seja a
única nem impede que haja críticas das decisões dos tribunais, estas não inibem a
liberdade de decisão nem o debate público Os juízos constitucionais têm que ser
confrontados com opiniões diferentes, daquelas que são expressas nas
decisões e respetivos acórdãos.
2. Revisão Constitucional – visam inviabilizar determinadas interpretações.
3. Autocontrolo dos juízes, no caso americano desde o início – judicial self restraint,
separar, na análise de uma lei, as várias questões:
o Questões políticas – grau de eficácia e eficiência das leis;
o Questões de mérito – qualidade da legislação;
o Questões jurídico-constitucionais – constitucionalidade das leis:
§ Crédito de confiança ao legislador, ónus da provar a inconstitucionalidade
impende sobre o Tribunal Constitucional, justificar de forma manifesta a

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fundamentação ou a decisão.
§ Diferentes graus de intensidade do controlo jurisdicional, teve
concretização nos casos, uma decisão de inconstitucionalidade está mais
justificada quando haja:
• US vs. Carolene Products (caso americano):
o Violação clara de proibições constitucionais;
o Discriminação de minorias;
o Esteja em causa a proteção de direitos básicos;
o Violação de regras essenciais ao funcionamento do processo
democrático;
• Mitlestimming (caso europeu):
o Intensificado de conteúdo (direitos fundamentais básicos ou outros
princípios estruturantes);
o Sustentabilidade (se a medida for sustentável, ainda que haja
dúvidas sobre se há violação ou não da Constituição, ainda assim
o Tribunal Constitucional deve abster-se de se pronunciar pela
inconstitucionalidade [acontece muito no que diz respeito ao
princípio da igualdade – é preciso que a razão que esteja por trás
não seja puramente arbitrária, a não ser que seja pláusivel ou
sustentável, se não, não se deve pronunciar pela
inconstitucionalidade])
o Evidência (intervenções do legislador na economia, os efeitos das
leis são pouco evidentes à priori, a não ser que a
inconstitucionalidade seja muito evidente, o Tribunal Constitucional
deve evitar pronunciar-se pela inconstitucionalidade).
§ Respeito pela jurisprudêncua anterior – regra do precedente (se muitas
mentes se pronunciaram naquele sentido, provavelmente têm mais razão,
respeito pelo órgão em que se integra, mesmo quando não haja a regra do
precedente).
§ Controlo limitado das prognoses legislativas. Distinguir as leis e as
prognóses do legislador. As primeiras são, muitas vezes, aprovadas com
determinado objetivo e nem sempre se concretizam, ao Tribunal Constitucional
não cabe averiguar o grau de eficácia e eficiência na prossecução desse
objetivo – isso é uma questão política e tem que ser analisada nesse contexto.

Sistema português de fiscalização

è O sistema português não se enquadra em nenhum dos modelos típicos, mas tem as três
componentes:
o Fiscalização preventiva abstrata e concentrada – influência francesa, evitar que
leis inconstitucionais entrem em vigor. O Presidente recebe uma lei e tem três
alternativas:
§ Promulgar.
§ Vetar politicamente.
§ Requerer a ficalização preventiva, na qual o Tribunal Constitucional se

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pronuncia pela:
• Constitucionalidade;
• Inconstitucionalidade (ou o legislador expurga a inconstitucionalidade);
o Fiscalização sucessiva abstrata concentrada no Tribunal Constitucional –
influência austriaca. Conjunto de órgãos, elencados no artigo 281º da
Constituição, suscita ao Tribunal Constitucional que julga:
§ Inconstitucionalidade com força obrigatória geral – não só aquelas normas
deixam de produzir efeitos para o futuro, como os respetivos efeitos produzidos
no passado devem ser destruídos.
§ Constitucionalidade.
o Fiscalização sucessiva concreta difusa – influência norte americana, mas não
para a Constituição de 1976. Recursos de fiscalização concreta, começa em todos
os tribunas. O ponto principal do nosso sistema é o artigo 204º, todos os Tribunais
decidem a questão de inconstitucionalidade, da decisão dos Tribunais (não a
decisão propriamente dita) é que cabe recurso para o Tribunal Constitucional –
artigo 280º. Nem sempre há recurso, há casos em que é obrigatório, como
explicado infra:
§ Aplicação da norma, mas é suscitada a inconstitucionalidade durante o
processo, só chega ao Tribunal Constitucional depois de se esgotarem todos
os restantes recursos.
§ Não aplicação da norma com fundamento na sua inconstitucionalidade,
chega diretamente ao Tribunal Constitucional que julga a questão, passa a ser
fiscalização concentrada:
• Pode ser declarada inconstitucional tal como foi interpretada pelo
Tribunal de onde provém o recurso a quo (juiz que proferiu a sentença
anterior), naquele caso em vigor, tal como foi interpretada e aplicada.
• O tribunal fica obrigado a aplicar a norma, caso o Tribunal
Constitucional não considere inconstitucional – ratio decidendi do caso,
norma decisiva para a solução do caso.
§ Mecanismo de generalização: se isto acontecer em três casos concretos, o
Ministério Público tem que requerer a fiscalização abstrata – artigo 281º nº3.
o Fiscalização por omissão, pode ser:
§ Total (não regula de todo) ou parcial (não regula na totalidade);
§ Absoluta (ao não ser legislado viola o princípio da igualdade) ou relativa (o que
foi legislado viola o princípio da igualdade) – pode haver analogia, pois esta
funda-se no princípio da igualdade para a correção da desigualdade, é a forma
por excelência;

Recurso de amparo?

è O nosso sistema não admite um recurso especial da decisão para o Trinunal


Constitucional em defesa de direitos fundamentais.
è Existe em Espanha com o nome “recurso de amparo” e na Alemanha com o nome
“queixa constitucional”. É possível recorrer ao Tribunal Constitucional de decisões que
se entede que violam qualquer direito fundamental. Permite abrir uma via de recurso

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contra quaisquer decisões de poder público que violem direitos fundamentais, pode-se
questionar a própria constitucionalidade.
è O sistema norte americano tem a “competência das competências”, apenas aceita os
casos relevantes e importantes, decide quais os casos de que quer conhecer, é uma
espécie de filtro que, ainda assim, deixa muitos casos de fora.
è A norma interposta em recurso tem que ser ratio decidendi do caso, ou seja,
decisiva para a solução do caso. A questão de inconstitucionalidade tem que ser
suscitada durante o processo, isto é, não é só depois de uma decisão desfavorável
que se invoca a inconstitucionalidade. Só pode recorrer quem suscitou a questão. É
necessário esgotar todos os recursos ordinários.
è Há uma grande corrente em Portugal que defende este mecanismo.
è O nosso sistema não admite recurso quando a inconstitucionalidade esteja na
própria decisão judicial. Ainda assim, consegue-se transformar uma decisão
numa norma, isto é, aquele juízo não é um caso irrepetível, pois resulta de uma
interpretação normativa de um ou um conjunto de preceitos legais comparados.
Se for interessante os juizes acabam por aceitar analisar como norma aquilo que, em
bom rigor, não passa de uma interpretação normativa que aconteceu apenas uma vez,
fruto de um conjunto de circunstâncias dificilmente repetíveis.
è A norma não é um preceito, o preceito pode não ser inconstitucional, mas a
fiscalização concreta não incide sobre o preceito, se não seria abstrata, incide
sobre a norma que se extrai do preceito e é utilizada na decisão concreta pelo juiz.
Do mesmo preceito podem extrair-se várias normas, incluindo normas
constitucionais e inconstitucionais, há várias interpretações possíveis, pois há todo
um mundo de circunstâncias que faz com que sejam quase irrepetíveis.

Perspetivas de uma mesma realidade: do


“estado de natureza” às Constituições

è Qual o conceito de direitos fundamentais e o que é que os distingue dos outros direitos?
è A mesma realidade pode ser vista numa perspetiva:
o Filosófica: inatos e inerentes – núcleo mais restrito, como diz Vieira de Andrade,
“núcleo de direitos de todos os homens, em todos os tempos e em todos os
lugares”.
o Internacional: catálogo de direitos do homem – de todos os homens em todos os
lugares, mas no tempo presente.
o Constitucional ou Nacional: direitos fundamentais – espaços geográficos mais
restritos, catálogo tendencialmente mais amplo do que é reconhecido
universalmente e, seguramente, mais amplo do que aquele que resulta dos
textos filosóficos desta matéria e remontam a autores como Hobbes, Locke,
etcetera.

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Perspectiva filosófica: direitos naturais

è Esta aceção remonta, não à Grécia Antiga, mas, por ventura, a alguns autores
romanos (Cícero e Terêncio – nenhum homem pode ser estranho àquilo que é
humano), ao cristianismo (ideia de que todos os homens são filhos de Deus e têm- por
isso, a mesma dignidade). Mas, seguramente, ganha outras vestes com o iluminismo
com aqueles que são os grandes teóricos das revoluções liberais (Thomas Hobbes,
John Locke, etcetera).
è Esta ideia também está, profundamente, associada à igualdade entre os homens –
ideia do liberalismo – e conduz ao primeiro movimento de codificação de direitos
dos homens (mais ampla) e direitos dos homens e dos cidadãos (já pressupõe
constitucionalização).
è Num primeiro momento, nos momentos constituintes originais, não existe uma grande
diferença entre os direitos naturais, os direitos fundamentais e direitos dos cidadãos,
mas, progressimavemente, os catálogos vão-se expandindo.

Perspectiva internacionalista: direitos do homem

è A seguir à segunda guerra mundial, à Organização das Nações Unidas, à Declaração


Universais dos Direitos Humanos (não é, originariamente, um tratado nem um
documento jurídico, deveriam ser promovidas Convenções Internacionais que fossem
juridicamente vinculativas para os Estados) e aos sistemas universais e regionais de
proteção dos direitos do homem.
è A Declaração Universal dos Direitos do Humanos foi feita em 1948, tem a sua
concretização num sistema universal e depois regional. É um texto jurídico, devido à
sua sistemática convocação deixa de ser uma mera proclamação política da
Assembleia Geral da ONU, passa a ser um texto de direito internacional público,
consuetudinário com valor de ius cogens.
o Universal (divisão devido ao mundo dividido em blocos):
§ Pacto internacional dos direitos civis e políticos.
§ Pacto internacional dos direitos económicos, sociais e culturais.
o Regionais (há outros sistemas para além do europeu):
§ Conselho da Europa:
• Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
• Carta Social Europeia.
§ Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
è O direito internacional público nasce como um direito em que os sujeitos são os
Estados, é ramo que regula as relações entre os Estados. A partir da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e dos Tratados juridicamente vinculativos que, depois,
são elaborados, o homem passa a ser também sujeito de direito internacional
público, os direitos passam a poder ser invocáveis contra qualquer Estado.

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Perspectiva constitucional: direitos fundamentais (contra a
maioria?)

è Estas três prespetivas de aproximação de uma mesma realidade são importantes.


Mesmo quando estamos preocupados com a dimensão da constitucionalidade, não faz
desaparecer as outras.
è O próprio texto da Constituição, em vários momentos, torna presente as outras:
o Artigo 1º – dignidade da pessoa humana é o cerce da primeira perspetiva, a
filosófica;
o Artigo 18º nº3 – restrições aos direitos fundamentais não podem afetar o
conteúdo esssencial dos direitos;
o Artigo 19 nº6 – núcleo mais incomprimível dos direitos fundamentais da
Constituição, sem os quais a Constituição entraria em crise, nem sequer em Estado
de sítio ou emergência podem ser eliminados – razão que justifica a proteção dos
direitos fundamentais;
o Artigo 15º – equiparação, os direitos dos estrangeiros são os mesmos que os
dos cidadãos portugueses, ideais universalistas dos direitos;

Corolário 1: atipicidade e cláusula aberta (artigo 16º, nº1)

è Não existe um princípio de tipicidade, ou seja, não existe um catálogo fechado de


direitos. A tipicidade também significa que os mesmos direitos podem ter várias
declinações, vários nomes, podem ser inominados, é a possibilidade de criar
direitos, a partir de uma ideia que já está presente em direitos constitucionais
tipificados (ex.: direito de cavalgar fora dos trilhos ou direito a alimentar os pombos do
jardim – livre desenvolvimento da personalidade, artigo 26º).
è A cláusula aberta aceita esta ideia de que podem ser criados direitos implícitos,
declinações novas de direitos consagrados. Mas também diz algo que vai para além
disto, a função dos catálogos não é fechar nem desgraduar os direitos fora do
catálogo, mas é de declarar direitos que, em bom rigor, são pré-existentes.
Nenhuma Constituição pode fechar o catálogo.
è É possível encontrar um critério de fundamentalidade que permita qualificar direitos
fundamentais que estão fora do catálogo como direitos fundamentais:
o Critério de fundamentalidade (material): critério da dignidade da pessoa humana,
não é um critério fácil.
è Cláusula aberta do artigo 16º nº1: podem existir outros direitos fundamentais fora do
catálogo, em normas de direito internacional público e em leis ordinárias (v.g. direitos
de personalidade no Código Civil) e até criados por via consuetudinária.
è A Constituição, na parte I, tem um catálogo que condensa o núcleo essencial dos
direitos fundamentais.
è Há um conjunto de direitos fora do catálogo dispersos ainda dentro da
Constituição (ex.: artigo 167º, direito de iniciativa legislativa popular), ou em
Convenções Internacionais vinculativas do Estado português, ou em lei ordinária
(mesmo não estando na mesma posição hierárquica, são materialmente

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constitucionais), estes últimos são direitos materialmente constitucionais, mas não o
são formalmente.
è Tem que haver abertura a novos direitos fundamentais ainda não consagrados em
lado nenhum, podem surgir por via consuetudinária, jurisprudencial, etcetera (ex.:
direito à atipicidade genética, isto é, a não sermos clonados, à nossa unicidade, este
direito não existia antes de ser possível fazê-lo). Em circunstâncias normais passarão a
estar tipificados.
è Relativamente aos direitos do catálogo também se lhes aplica a abertura, pois podem
ter definições novas para aquilo que era o conteúdo original, pode haver
desdobramento das faculdades que compõem o direito, transformações em vários
fatores (ex.: direito a conhecer as suas origens, antes era por meio de prova
testemunhal e todo um processo longo, complexo e danoso para a família e cujo
resultado era incerto, hoje há testes de ADN mais imediatos, o direito hoje tem uma
amplitude maior).
è O já referido artigo 26º sobre o livre desenvolvimento da personalidade é uma
liberdade inominada, é, em termos simplistas, o direito a fazer tudo aquilo que não
prejudique outros – é o poder e a restrição que têm que ser fundamentados e não
a liberdade, daí a possibilidade de haver direitos inominados.
è Muitas vezes fala-se em direito implícitos, a doutrina e a jurisprudência consideram
que no direito à privacidade está implícito o sigilo bancário (a que o valor e movimentos
das contas bancárias não seja investigados e tornados públicos); ou o direito de defesa
pressupõe um duplo grau de jurisdição (recorrer a outra instância, mas a Constituição
não garante mais do que dois graus).
è As Convenções Internacionais acrescentam pouco em regra, pois o nosso catálogo
é longo, mas, ainda assim, acrescentam (ex.: direito a um prazo judicial razoável era um
direito de uma Convenção que, entretanto, a Constituição tipificou no artigo 20º nº4).
è Em lei ordinária há, desde logo, no Código Civil uma pequeno elenco de direitos de
personalidade que são direitos fundamentais, sem prejuizo de outras disposições
do Código Civil concretizarem outros direitos fundamentais (ex.: direito a contrair
casamento, transmitir por morte a propriedade, direito ao reagrupamento familiar –
principalmente para os imigrantes legais mandarem vir do seu país de origem o cônjuge
e descententes, etcetera). Um exemplo de um direito que nasceu de lei ordinária, mas
acabou por ser consagrado na Constituição é o direito à fundamentação dos atos
administrativos, no atual artigo 267º nº3 da Constituição (caso 1.2), por uma revisão
constitucional posterior.
è Uma vez qualificado um direito fundamental fora do catálogo ou em lei ordinária, coloca-
se a questão do regime, o nível de proteção de que benefícia. Só é materialmente
constitucional, não é formalmente constitucional, não beneficia da posição hierarquica,
nem do regime constitucional. Se este direito for análogo a direitos, liberdades e
garantias, permite-se a aplicação do regime destes, por via do artigo 17º. Os
direitos que estão fora da Constituição, particularmente, em lei ordinária, nunca
podem ter o mesmo nível de proteção.
è Beneficiam de alguma proteção constitucional e não podem ser suprimidos
livremente pelo legislador. É necessário que exista uma fundamentação sólida para
que o legislador intervenha sobre eles e, ou os restrinja, ou condicione o seu exercício
em termos substanciais. Isto equivale a defender que as intervenções legislativas
sobre direitos fundamentais contidos em lei, não deixam de estar sujeitas ao

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princípio da proporcionalidade e ao princípio da proteção da confiança. Este
princípios são comuns aos direitos fundamentais e têm especial relevância em matéria
de restrinções, acabam por se aplicar também aos direitos que são fundamentais
apenas por via da cláusula aberta.
è Estes direitos fundamentais legais não são constitucionalizados, não ganham a
força nem são incorporados formalmente na Constituição, nem têm um valor igual
ou semelhante ao das leis reforçadas ordinárias.

Nota1: não confundir direitos com bens jurídicos que os direitos protegem, uma coisa é o direito
à vida (que pode ser atentado, mas a vida continua intacta) e outra coisa é a própria vida (pode-se
viver e morrer sem o direito à vida ter sido atentado). É fácil explicar quando o bem jurídico tem
base naturalística, é mais difícil quando o próprio bem jurídico seja uma construção do
Direito. Todos os bens precisam de construção jurídica, porque no Estado de natureza não há
direitos.

Nota2: não confundir os direitos fundamentais com as faculdades que os compõem. Muitas
vezes essas faculdades, na linguagem comum, designam-se direitos (ex.: direito de propriedade tem
várias faculdades, transmissão por morte para os herdeiros da propriedade, não ser despojado do
que é seu; o direito ao esquecimento e direito de acesso são faculdades do direito à proteção de
dados). A cláusula aberta também vale para o desdobramento de direitos antigos para novas
faculdades, e não só para novos direitos.

è A abertura é uma consequência da mutabilidade dos direitos, na sua configuração


concreta estes são reativos, procuram responder às ameaças para os bens
jurídicos que prezamos. Quando surgem novas ameaças, surgem também novas
reações (ex.: direito à privacidade, tem que ser muito protegido hoje, mais do que era
antigamente, devido à evolução tecnológica, a suscetibilidade deste direito ser violado é
muito grande – drones, escutas, etcetera).

Corolário 2: Interpretação à luz da DUDH (artigo 16º, nº 2)

è A cláusula aberta aparece junto de uma remissão para a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Quer isto dizer que os direitos fundamentais têm sentido
universalista.
è Discute-se se esta Declaração Universal dos Direitos Humanos faz parte da
Constituição ou não, mas o que importa é que o artigo, que enquadra os direitos
fundamentais em Portugal no âmbito significativo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, significa que hoje em dia esta se configura em ius cogens, intergra o
núcleo restrito de direitos que não estão na disponibilidade dos Estados. Está
acima, hierarquicamente, da nossa e qualquer outra Constituição.
è A interpretação do direitos fundamentais tem que ser sempre sistemática e tem
que se ter em conta as normas jurídicas que estão acima da norma em causa. A própria
Declaração Universal dos Direitos Humanos é um limite ao poder constituinte e ao
poder de revisão constitucional, a própria Constituição reconhece essa superioridade.

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Dignidade da pessoa humana: o consenso possível numa
sociedade aberta
è A dignidade da pessoa humana é a pedra de toque de todas as ordens jurídicas
ocidentais e todos os sistemas jurídicos humanistas e que assentem nos pilares:
o Filosofia grega;
o Direito romano;
o Moral cristã;
è Este princípio está no epicentro das ordens jurídicas ocidentais e, principalmente, na
ordem jurírica portuguesa.
è Consagrada no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo
1º nº1 da Constituição Alemã de Bona. A sua fixação nos textos jurídicos é, em larga
medida, consequência das tragédias humanas da Segunda Guerra Mundial. Desde aí,
expandiu-se para muitos outros textos jurídicos.
è Em Portugal:
o Artigo 1º – base da República, sem prejuízo de outros afloramentos ao longo do
texto constitucional.
o Artigo 13º – igual dignidade de todos os homens.
o Artigo 25º – integridade física, proibem-se penas degradantes.
o Artigo 16º – determina-se que o Estado tem que estabelecer mecanismos de
preservação da dignidade da pessoa humana, quando trata de informações
relativas às pessoas ou às famílais.
o Artigo 67º – na procriação medicamente assistida é fundamental garantir os
respeito pela dignidade da pessoa humana.

De Pico della Mirandola a Gunter Dürig

è O que é a dignidade da pessoa humana em substância?


è Há duas linhas históricas que procuram aproximar-se:
1. Matriz religiosa: todos os homens são filhos de Deus, são, de certa forma, o
reflexo da dignidade de Deus.
§ Giovani Picco della Mirandola (renascentista) – “O Homem é soberano,
artífice de si mesmo”. A dignidade é uma característica, exclusivamente,
humana, é a capacidade de o homem ser soberano e artífice de si mesmo
(pode criar e recriar-se, pode cair e levantar-se; pode, no fundo, decair até
quase ao nível dos animais, mas pode, por força exclusiva do seu ânimo,
levantar-se e elevar-se até quase ao nível quase dos deuses), é a capacidade
de se transformar (natureza camaleónica do homem). Distingue-se de todos
os outros seres vivos, o homem tem capacidade transformativa para decidir
o que quer ser e agir em conformidade com essa decisão para o alcançar,
enquanto que uma árvore será sempre uma árvore.
o Kant – “Cada um de nós deve tratar a humanidade na nossa pessoa como na
pessoa de qualquer outro, sempre, simultaneamente, como um fim e não
apenas como um meio”. Aquilo que há de humano em cada um de nós e aquilo
que há de humano nos outros. Não deve ser tratado exclusivamente como um
meio, mas, simultaneamente, como um fim em si mesmo. O homem não pode

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ser utilizado em nenhuma das suas dimensões (física, intelectual, espiritual,
sexual, etcetera) ao serviço de fins alheios, objetivos de terceiros, de projetos
de poderes, etcetera.
2. Fórmula de Gunter Dürig (constitucionalista alemão) ou do Objeto: teste para a
dignidade da pessoa humana, se numa determinada circusntância alguém é
tratado como uma pessoa ou como um objeto, como um homem ou uma peça
de uma engrenagem, como ser humano ou instrumento. Da dignidade da pessoa
humana decorrem duas proibições fundamentais:
§ Instrumentalização do homem quer pelo poder político, quer por
terceiro: o homem não pode ser submetido, pelo poder político, em qualquer
das suas formas a humilhação, segregações, formas de exclusão social,
decisões arbitrárias, e por isso estão por escrito as formas não
consentidas de experimentação científica em seres humanos, envio de
soldados para missões suicídas, aplicação de penas corporais, programação
dental. Também estão por escritas todas as formas de restrição de direitos
que desumanizem as pessoas e os cidadãos, isto é, que ponham a causa
a sua liberdade de pensamento e os seus direitos mais básicos sobre a
sua própria vida (ex.: liberdade de constituir família, escolher o número de
filhos, etcetera), ainda que estas decisões não sejam decisões sensatas
(ex.: as pessoas poderão dedicar-se à prostituição, pornografia, escolher viver
na rua, etcetera). Impede, de um modo geral, que as pessoas sejam
protegidas contra si próprias. Não vale apenas na relação com o Estado,
é também nas relações entre os sujeitos privados; cabe ao Estado
impedir que determinado grupo de cidadãos, explore e instrumentalize
outro determinado grupo (ex.: contratos de escravatura são juridicamente
inaceitáveis, trabalhadores sujeitar outros a condições desumanas, barrigas
de aluguer havendo exploração económica, é também nesta linha que se
defende o crime do lenocínio).
§ Relegar o homem para condições materiais de vida degradantes: o
Estado não pode deixar cair os seus cidadãos em condições de vida
degradantes e desumanas. Portanto, há duas vertentes:
o O Estado não pode privar os cidadãos daqueles bens materiais ou
níveis de rendimento essenciais para uma vida condigna (há bens e
rendimentos impenhoráveis) – sobrevivência.
o Há a situação inversa, em que a pessoa não tem esses mínimos, por
circunstâncias várias, assim, é mais que uma proibição, é também uma
obrigação positiva de fornecer e providenciar esse o mínimo
material de sobrevivência condigna. Relaciona-se, intimamente, com
o princípio da igualdade e com todos os outros direitos fundamentais.
è Há muitos equívocos acerca do princípio da igualdade, desde logo, que somos todos
iguais. A dignidade dá-nos a medida da igualdade, somos iguais em dignidade e,
consequentemente, em direitos, na raíz temos esta igualdade. Somos diferentes em
muitíssimas coisas. Na linguagem aristotélica, “somos iguais na essência e diferentes
nos acidentes”.
è A dignidade e os direitos fundamentais: há quem veja a dignidade como núcleo
essencial dos direitos fundamentais, no núcleo de todos havia um pouco de
dignidade, não confere autonomia à dignidade.

Rebeca Louro - 2018 13


è Há quem diga que esta relação não é, necessariamente, assim, a dignidade tem um
conteúdo autónomo e tem um efeito irradiante, relativamente aos outros direitos,
importante para iluminar e interpretar o sentido dos outros direitos.
è No fundo, estas duas posições não são excludentes, os direitos mantêm-se na sua
periferia e não podem invadir o seu núcleo (ex.: artigo 18º nº3; 19º nº6; 26º; 16º) –
dado fundamental é a liberdade, sem estas as pessoas desumanizam-se.
o O bebé medicamento é compatível com a dignidade da pessoa humana?
§ O bebé medicamento é um bebé concebido com o intuito de doar de imedito
determinado órgão ou tecido compatível de outro filho ou do casal que esteja
em necessidade séria de tal.
§ Está a ser usado como um meio, a ser objetificado, contudo, Kant utiliza na
sua expressão “simultaneamente, como um fim e não apenas como um meio”,
o bebé será querido, não será menos amado que o ou os outros filhos do
casal, portanto não é um mero meio, objeto, é também e simultanemente
um fim em si mesmo.

Desenvolvimento geracional: um caminho feito


a caminhar

Direitos civis (e direitos de personalidade)

è Nascem a seguir às revoluções liberais, em 1789 com a Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão e com os 10 Aditamentos à Constituição americana.
è Há quem junte os direitos políticos nesta geração, mas nos primeiros tempos os
direitos políticos não eram atribuidos segundo uma regra de universalidade,
estavam sujeitos às condições económicas de cada indivídiuo (ex.: voto censitário ou
voto capacitário). Eram mais privilégios de classe e dos ricos, do que direitos
fundamentais, por isso não se deve englobar na primeira geração.
è Foi uma revolução burguesa e não democrática, daí que alguns dos direitos que
surgiram eram: direito à propriedade; direito à liberdade de iniciativa económica privada
– direitos do homem burguês, chamam à burguesia o exercício dos direitos políticos.
è Direitos à vida: direito à vida, integridade pessoa, garantias em processo penal, não ser
preso sem justa causa; as liberdades.
è A evolução dos direitos fundamentais é particularmente evidente em dois textos:
o Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789):
§ Liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, direito a concorrer
para a formação da vontade geral, igualdade perante a lei, garantias em
processo criminal, liberdade de expressão, liberdade religiosa, controlar as
contribuições públicas (não pagar impostos que não tenham sido criados pela
lei).
§ Propriedade como direito inviolável e sagrado – artigo 17º.
o Bill of Rights (1791), os 10 aditamentos à Constituição Americana:

Rebeca Louro - 2018 14


§ Emenda 1ª: liberdade religiosa, liberdade de expressão, liberdade de
imprensa, direito de reunião e direito de petição.
§ Emenda 2ª: right to bear arms (contra o poder legislativo do Congresso,
acima dos Estados, permite que cada Estado, o povo coletivamente, tenha
uma milícia, para garantirem a sua autonomia e poder federal face ao
Congresso).
§ Emenda 3ª: proibição ao aboletamento (soldado em tempo de paz não pode
aquartelar-se numa casa, tomar posse).
§ Emenda 4ª: segurança das pessoas, (casas contra buscas), direito a ser
julgado perante o juri.
§ Emenda 5ª: direito a não ser privado da vida, da liberdade ou da propriedade
sem ser diante um processo justo (due process of law).
§ Emenda 6ª: direito a uma decisão judicial e com um juri imparcial em caso de
acusação criminal.
§ Emenda 7ª: decisão judicial perante um juíz num processo civel.
§ Emenda 8ª: direito a não ser alvo de penas, multas ou fianças excessivas,
cruéis ou incomuns.
§ Emenda 9ª: cláusula aberta.
è Há uma óbvia sobrevalorização da propriedade e dos direitos fundamentais de
conteúdo económico, ou de natureza económica (liberdade contratual e direito de
iniciativa privada). Caracterizam-se por uma ausência de liberdade de associação.
è Os direitos políticos são configurados em termos censitários, o acesso à
participação política pressupõe património ou um rendimento. O enviezamento da
configuração dos direitos políticos tem uma consequência, os partidos que resultam
das eleições são de elite, conservadores e liberais.
è A própria igualdade é configurada como uma igualdade perante a lei, apenas
rejeita as classes do absolutismo, não é uma igualdade de circunstâncias.

Direitos políticos: de privilégios de classe a direitos universais

è À medida que, ao longo do século XIX, o sufrágio se foi universalizando.


è Alargamento dos direitos políticos, já existiam, as vão progressivamente alargando
no que diz respeito aos seus titulares.
è O sufrágio universal é aquele em que significa que a capacidade política coincide
com a capacidade civil, não que todos votam, v.g. as mulheres não eram cidadãs,
em Portugal só em 1975.
è As primeiras leis de alargamento do sufrágio permitiu o acesso de trabalhadores e
camponeses, do proletariado ao voto, o que fez surgir novos partidos políticos,
que se vieram juntar aos já existentes. Estes partidos começaram a aceder ao
parlamento e, nalguns casos, a influenciar o Governo, foram fundamentais à
transformação do modelo de Estado. Antigamente as pessoas iam para o parlamento e
lá criavam partidos, eram grupos parlamentares, sem vida própria fora do parlamento.
è Quebra o tabu liberal da proibição da liberdade de associação, fazendo surgir os
sindicatos. Surgem as primeiras leis de proteção dos trabalhadores (ex.: horários
mínimos, idade mínima, primeiros rudimentos do sistema de segurança social).

Rebeca Louro - 2018 15


Direitos dos trabalhadores e, depois, direitos sociais

è Durante o século XX, as primeiras Constituições a consagrar os direitos sociais são a


mexicana e a alemã (de Vaimar).
è Nascem como direitos do trabalhador, resultado da questão social e resposta que
o Estado dá a essas questões. Deixa de ser uma igualdade formal e passa a ser
uma igualdade material.
è Começam na lei ordinária, como medidas legislativas, só depois chegam às
Constituições. As relações sociais e económicas entram na Constituição, evolução
consequente da Segunda Guerra Mundial.
è Novas ideologias e políticas começam a modificar o modelo de Estado. Só a seguir
à Segunda Guerra Mundial é que se tornam universais, o Estado foi obrigado, num curto
período de tempo, a socorrer a situações dramáticas no ponto de vista econónico e
humano, duas vezes – resposta à crise de 29; na Europa a resposta à distribuição
resultante pós guerra; intervenção que os Estados fizeram na economia apoiado pelo
Plano Marshall; Plano Beveridge em Inglaterra vem reconfigurar os direitos sociais
como direitos universais, desprendem-se da sua origem laboral e, no caso da saúde e
educação, gratuitos.
è São direitos positivos, em que o Estado tem que atuar, o cidadão é credor de uma
conduta positiva do Estado (papel crescente na proteção dos direitos fundamentais);
os anteriores eram direitos negativos, ou seja, direitos em que o Estado nada tinha
que fazer, apenas garantir que não eram violados (quanto menos Estado mais
liberdade).
o Estado Social a seguir à 1ª Guerra Mundial.
o Estado Providência a seguir à 2ª Guerra Mundial, assume uma função social do
Estado de prestar a todos os cidadãos saúde, educação, segurança social e
habitação.
è Resistências aos direitos sociais:
o Esta mudança não foi pacífica, pois são direitos caros, pressupõe muitos
recursos financeiros.
o Os liberais mais convictos disseram que era o fim do Estado – “Caminho da
Servidão”, as pessoas vão ficar, cada vez mais, depedentes, à mercê do
Estado.
è Os direitos sociais começaram por ser consagrados em Covenções e Tratados
Internacionais. Contudo, devido aos dois grandes blocos: soviético e ocidental, que
admitiam, respetivamente, os direitos económicos, sociais e culturais e os direitos civis e
políticos, criaram-se dois pactos internacionais em 1966, cada Estado aderia ao que
queria, não foi possível fazer uma só Convenção Internacional que abrangesse
todos os direitos fundamentais:
o Pacto Internacional dos direitos económicos, sociais e culturais.
o Pacto Internacional dos direitos civis e políticos.
è A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, feita já depois da queda do
muro de Berlim, voltou a reunir ambas as categorias de direitos, o primeiro grande
texto depois da queda do muro de Berlim e da reunificação da Alemanha e do fim da
divisão do mundo em blocos.
è O surgimento destes direitos transforma os direitos das gerações anteriores, não os

Rebeca Louro - 2018 16


substitui, apenas funcionam como camadas que se acumulam, há um alargamento
progressivo do catálogo.
è Surgem direitos como a liberdade de associação e sindical; direito à greve; direito à
educação, à saúde, à segurança social e à habitação.

Direitos ambientais: um direito sem fronteiras

è Na década de 70 do século passado surge o direito ao ambiente. Achava-se que ia


estar no centro da quarta geração, mas rapidamente foram surgindo outros direitos
que têm pouco a ver com a proteção ambiental.
è Os novos direitos que variam de texto para texto, mas com uma nota comum:
respondem às sucessivas novas ameaças de natureza tecnológica que põe em
causa direitos fundamentais.
è Prolongam-se até aos nossos dias com novos direitos que variam de texto para texto.
São direitos reativos.
è São direitos da era tecnológica: das máquinas fotográficas à clonagem.
è É uma geração heterogénea: direito ao ambiente; direito à identidade genética,
etcetera.
è Os primeiros direitos de todos infra são configurados frente a ameaças Estaduais
(Estado como sujeito passivo), mas foi havendo uma diversificação das fontes de
perigo, das ameaças (sujeitos privados na origem), passam a produzir efeitos nas
relações entre privados.
è O desenvolvimento dos direitos também teve origem no desenvolvimento
tecnológico, como referido supra.

Cada ameaça, cada direito: a natureza reactiva dos direitos

è A evolução dos direitos fundamentais revela que têm uma característica de estarem
sempre em movimento, vão-se desdobrando à medida que vão surgindo novas
ameaças:
o Direito à vida reage conra as execuções sumárias (típico do regime Nazi).
o Integridade física reage contra a tortura.
o Habeas Corpus reage contra as prisões arbitrárias.
o Inviolabilidade do domicílio reage contra as buscas domiciliárias sem uma
autorização legal.
o Inviolabilidade da correspondência reage contra o controlo da PIDE nos correios,
entre outros.
o Liberdade de expressão reage contra a censura.
o Propriedade reage contra a expropriação e requisição.
o Direito ao emprego reage contra o despeimento sem justa causa.
o Direito à privacidade reage contra as máquinas fotográficas portáteis.
o Direito de autor reage contra as fotocopiadoras (Xerox na década de 70 e ainda no
Brasil) e gravadores de vídeo (VCR).

Rebeca Louro - 2018 17


o Direito ao ambiente reage contra a poluição.
o Inviolabilidade das comunicações reage contra as escutas telefónicas.
o Direito à correção e apagamento reage contra as bases de dados.
o Direito ao esquecimento reage contra os motores de busca (Google).

Direitos novos e declinações novas de direitos velhos

è Vão surgindo novos direitos que estão tutelados ao abrigo da cláusula geral do
artigo 16º (ex.: direito à identidade genética), mas também os direitos velhos se vão
desdobrando em novas faculdades (ex.: faculdade de esquecimento do direito à
utilização informática) e novas interpretações do próprio direito que, devido à
evolução tecnológica, são necessárias fazer face às novas ameaças.

Desenvolvimento funcional: a
multidimensionalidade dos direitos
fundamentais

Direitos de (autonomia e) defesa

è Estado como devedor negativo. E

è Os direitos fundamentais são instrumentos de defesa do indivíduo contra condutas


agressivas do Estado (direitos civis).

Direitos a prestações

è Estado como devedor positivo. E

è Direitos dos indivíduos a exigirem prestações dos Estados (direitos políticos, mas não
são a prestações como os direitos sociais).

Rebeca Louro - 2018 18


Direitos eficazes nas relações intersubjetivas privadas

è Vincula os cidadãos e entidades privadas. C C

è Vinculam sujeitos à margem do Estado. Entidades privadas com supremacia sobre


os cidadãos não podem fazer aquilo que foi proibido pelo Estado.
è Direitos pensados contra o Estado não podem ser inexistentes quanto a sujeitos
privados (direitos sociais alargando-se para todos os outros direitos fundamentais,
sendo mais importante para direitos de quarta geração, das ameaças tecnológicas).
è Artigo 18º da Constituição vem dizer que os direitos vinculam, não só as entidades
públicas, mas também as privadas.

Dimensão de proteção estadual

è O Estado tem uma posição de equilibrio, regula as relações de modo a que os


cidadãos da base da pirâmide não ponham em causa os direitos dos outros
cidadãos na base da pirâmide (ex.: direito ao ambiente). E

C C

è Relativamente às suas atuações, o Estado não tem o dever de proteção, tem o dever
de não fazer nada, não tem que proteger os direitos dos indivíduos contra si
próprio, tem um dever de abstenção. Mas tem o dever de evitar que outras pessoas
façam aquilo que o próprio está constitucionalmente proibido de fazer, o Estado
não perde a sua capacidade de lesar estas pessoas, por muito domesticado que esteja
o poder estadual nos dias de hoje (ex.: há sempre abusos policiais), tem que ter uma
conduta que não restrinja arbitrariamente os direitos das pessoas.
è Nem sempre o triângulo é perfeito:
1. Há casos em que a relação é meramente bilateral, não há propriamente um
agressor titular de direitos fundamentais, contra os quais o Estado possa e
deva agir. O agressor também pode estar fora da jurisdição do Estado (ex.:
hacker). O agressor e o lesado podem ser a mesma pessoa (condutas auto
referentes, suicídios, condutas prejudiciais para a saúde, desportos que podem
pôr em causa a integridade física, consumo de álcool e estupfacientes, etcetera).
2. Há relações mais complexas do que um triângulo, caso de consumo do
tabaco, não é necessariamente uma conduta auto referencial, há o problema do
fumador passivo, ainda existem as empresas que produzem e comercializam o
tabaco, a lei restringe os direitos do fumador para proteger o passivo, v.g. não
fumar em espaços fechados. Os comercializadores e produtores também estão
obrigados a fazer publicidade negativa (ex.: as fotografias nos massos de tabaco),

Rebeca Louro - 2018 19


os estebelecimentos comerciais permitirem ou não fumar no estabeleciamento e
aos próprios funcionários.
3. Pode haver um lesado e uma pluralidade de agressores (ex.: atividade de uma
fábrica resultando num rio poluído).
4. Há casos em que a relação triangular não é perfeita, pois o lesado não tem
personalidade jurídica, isto é, não se poderá defender (ex.: feto, interrupção
voluntária da gravidez, embrião humano, gerações futuras).

Princípio da Proporcionalidade:

è O artigo 18º nº2 da Constituição tem uma palavra chave: “salvaguardar”, é de alguma
forma proteção jurídica. O artigo não diz respeito a restrições, visa proteger todos os
direitos fundamentais, no fundo, só é possível restringir para salvaguardar, em
circunstâncias em que essa proteção seja necessária. O que comanda a restrição é
a necessidade de salvaguardar um direito.
è O artigo 18º faz ambas restrição dos direitos do agressor e proteção legal dos
direitos que são postos em causa (ex.: direito de manifestação que começam a atirar
pedras, a agredir e insultar os polícias, que também têm o direito à integridade fiísica – a
polícia não pode matar os manifestantes [proibição do excesso], nem manter-se à
distância sem fazer nada [proibição do défice]).
è Foi identificado muitas vezes como a proibição do excesso na doutrina alemã, está
exclusivamente pensada para as restrições, estas não podem ser demasiado
pesadas.
è Tem que haver, não só proibição do excesso, mas também do defeito ou défice, a
proteção insuficiente, a passividade também não são compatíveis com a proibição do
défice (ex.: ausência de proteção penal do homícidio [vinculação do legislador a
salvaguardar a vida face a potenciais condutas prejudiciais desta], caso a norma fosse
declarada inconstitucional, não é aceitável).
è Visa impedir o legislador de ir longe de mais, mas também o impede de impor
sanções demasiado ligeiras, ineficientes – dupla vertente deste princípio. É uma
primeira linha de controlo.
è O conteúdo essencial do direito é uma segunda linha de controlo, tem que ser
sempre salvaguardado, segundo do 18º nº3, é um limite da restrição, uma imposição na
salvaguarda – mínimo dos mínimos (ex.: caso de greve nos transportes, tem que
haver sempre um número mínimo de transportes a circular, para respeitar os direitos
dos utilizadores dos mesmos).

Rebeca Louro - 2018 20


Determinantes organizativas e direitos procedimentais e
processuais

Multifuncionalidade dos Direitos Fundamentais:

è Há na doutrina quem identifique outras funções, para além destas quatro.


è Vertente objetiva dos direitos fundamentais – determinantes organizativas,
procedimentais e processuais. Não são apenas posições subjetivas dos indivíduos face
ao Estado, entidades privadas.

Organização:

è Há certos direitos que impõem, sobretudo, ao Estado a organização da sua


Administração Pública de uma forma particular, mais concretamente, relativamente
a vários direitos a Constituição impõe que a sua proteção, por parte da Administração
Pública, seja feita por autoridades administrativas independentes, não
dependentes do Governo (ex.: direito de voto; proteção de dados; direito de acesso
aos documentos admnistrativos), funcionam, de um modo geral, junto à Assembleia da
República e têm uma composição plural ou por vezes que integra magistrados para
ajudar à sua independência.
è É o que acontece com o Provedor de Justiça, em geral, com os direitos fundamentais,
não se deve pôr a raposa a guardar o galinheiro. É necessário cirar uma autoridade
administrativa independente, que não responda perante o Governo, para tutelar
com imparcialidade os direitos fundamentais ≠ reguladores (Banco de Portugal;
entidade reguladora do setor elétrico independente relativamente à EDP por exemplo,
têm uma independência relativamente aos players do mercado).
è São mais importantes nuns direitos do que noutros (ex.: a autonomia universitária,
mesmo as universidades públicas e mesmo os órgãos de comunicação social não
podem estar dentro da administração direta).

Procedimentais (Administração Pública) e Processuais (Tribunais):

è Sucessão de atos ordenados a um fim:


o Procedimentais: quando se diz que há determinados direitos que são
procedimentalmente dependentes, quer dizer que:
§ Ou há um procedimento para aceder a um direito (ex.: direito à cidania,
quem quiser nacionalizar-se tem que fazer um requerimento e esperar por
uma decisão, este procedimento tem lá no meio a audiência de interessados);
§ Ou há um procedimento de restrição, agressivo (ex.: expropriação é o
resultado de um processo em que são ponderados vários elementos e, no fim,
a Administração Público decide, não pode ser um ato instantâneo; liberdade
de iniciativa económica e privada pressupõe, muitas vezes, uma licença).

Rebeca Louro - 2018 21


o Processo: há duas vertentes:
§ Direito processuais, propriamente ditos (ex.: habeas corpus, o direito é um
processo, a possibilidade de abrir um processo);
§ Direitos cuja defesa pressupõe o recurso a Tribunal, em bom rigor,
quase todos (ex.: artigo 20º nº5 da Constituição tutela preventiva e
repressiva).

Funções objetivas: institucionais, irradiantes e valorativas

Eficácia irradiante:

è Os direitos fundamentais são importantes na interpretação da lei ordinária, devem


ser interpretados tal como estão consagrados na Constituição, interpretação
conforme – são elementos de interpretação.

Garantia institucional

è Há direitos fundamentais que, para existirem enquanto tal, pressupõem


determinados institutos jurídicos (ex.: casamento e a propriedade pressupõem um
regime jurídico a ele aplicável – traços gerais, o reconhecimento destes direitos
condicionam o legislador quando atua nestas áreas, porque aquele instituto são
pressupostos exercício dos direitos fundamentais).

Dimensão intergeracional e direitos das gerações futuras

è Os direitos fundamentais devem ser consagrados também no interesse das


sucessivas gerações, o exercício tem que ser conciliado com o exercício presente
por outras pessoas, mas também com o exercício futuro desses direitos por
outras pessoas das gerações futuras – direitos consagrados numa perspetiva
perpétua e intemporal.
è Os direitos de uma geração não são absolutos, têm que ser compaginados com
idênticos direitos de gozo das gerações futuras, para que não passem pelos mesmo
sofrimentos e problemas das gerações passadas.

Lüth-Urteil e a ideia de “Estado de direitos fundamentais”

è Compõe-se esta ideia multifuncionalidade dos direitos fundamentais, são omnipresentes


na ordem jurídica e no direito nos dias que correm. Praticamente já não conflitos
jurídicos em que as partes não procurem dirimir com direitos fundamentais.
è Há, hoje, um Estado de direitos fundamentais, é um Estado que toma a sério os

Rebeca Louro - 2018 22


direitos fundamentais na totalidade das suas funções, na totalidade das suas atuações.
Há um novo modelo de Estado, já não é um Estado liberal, nem social.

Unidade ou dualidade: direitos de liberdade e


direitos sociais

Divididos à nascença por um “muro de Berlim”

è Razões ideológicas e políticas impediram a consagração dos direitos sociais com os


anteriores (civis e políticos), embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos os
consagre juntos. Esta dicotomia tem razões políticas:
o Opinião de Marx: as liberdades já consagradas eram direitos do homem
burguês, estes direitos não eram relevantes para o proletariado. Quando
surgiram os direitos sociais, pensou-se que os marxistas os iam acolher, mas não
foi bem assim. Os marxistas ortodoxos, pelo menos, achavam que era uma
forma de atenuar as forças revolucionárias das classes trabalhadoras, não
gostavam, pois o seu objetivo era a revolução, quanto mais agudo o conflito
mais suscetível é a possibilidade de revolução.
o Os liberais também não olhavam com bons olhos para os direitos sociais,
achavam que era o cavalo de tróia do socialismo.
o Os Partidos Democratas Cristãos e os Partidos Socias Democratas,
aceitavam e gostavam estes novos direitos.
è A seguir à Segunda Guerra Mundial o Mundo está dividido em dois blocos:
o Capitalismo: os verdadeiros direitos fundamentais são civis e políticos.
o Socialismo: os direitos fundamentais são importantes, mas o investimento
deve ser feito nos direitos económicos, sociais e culturais, são aqueles que
representam a defesa dos direitos dos trabalhados na relação com o capital.
è Na consagração destes direitos há uma clara separação.
è A Constituição de 1976 procura equilibrar estas duas tendências contrapostas dos dois
grandes blocos geopolíticos.

Indivisibilidade da dignidade da pessoa humana (artigo 1º)

è Hoje ainda faz sentido continuar a insistir nesta dicotomia?


è Se a todos os direitos fundamentais subjaz a dignidade humana, não faz sentido
que esta dicotomia seja extrema. A dignidade humana é ela própria indivisível.
è Roosevelt (política social importante): defende os direitos sociais com a ideia de
liberdade face à necessidade – “Freedom from Want” –, sendo esta uma forma de
servidão. Os direitos da primeira geração seriam a liberdade face ao medo – “Freedom
from Fear”.
è Os direitos sociais são condições para o exercício dos direitos e liberdade e

Rebeca Louro - 2018 23


direitos políticos (ex.: não há sentido na liberdade de expressão se não houver o
mínimo de conhecimetnos; de que interessa a liberdade de escolha de profissão se a
pessoa está doente e não pode trabalhar; as proibições das autoridades de intromissão
do domicílio não faz sentido se a pessoa não tiver habitação). A satisfação, pelo
menos ao nível elementar, de alguns direitos sociais é condição sine qua non para
o pleno exercício dos vários outros direitos.
è É preciso encontrar linhas distinção para separar direitos civis e polítcos (direitos,
liberdades e garantias) e direitos sociais (direitos económicos, sociais e culturais).

Todos os direitos têm custos

è Associada à ideia de direitos positivos e negativos, vem a de que os direitos sociais


têm custos.
è É necessário que o Estado tenha recursos para que existam direitos sociais. A
verdade é que todos têm custos, mas os direitos sociais têm mais custos que os
outros (ex.: a polícia e os Tribunais [recursos humanos e materiais] são necessários
para manter a integridade física e manter a nossa sociedade pacífica; organizar eleições
para garantir o direito de voto; construção de estradas para garantir a liberdade de
circulação).
è Não é uma diferença qualitativa, mas sim uma diferença quantitativa.

Carácter negativo versus carácter positivo

Os direitos civis e políticos são negativos:

è Por exemplo o direito à vida, a não ser executado pelas autoridades judiciais ou, no
caso portugues, a não ser condenado à morte.
è Mas não apenas isto, pois também tem que haver um conjunto de condições materiais
mínimo que garantam a sobrevivência, v.g. alimentos e rendimento mínimo para não
morrer à fome, neste sentido é um direito positivo também.
è O direito à saúde exige prestações do Estado e dos seus serviços na relação com os
seus cidadãos, essencialmente os doentes. Mas uma campanha de vacinação
obrigatória já passa a fronteira para um sentido negativo do direito, ou seja, as pessoas
têm a pretensão de recusar a vacinação, invocando o direito à saúde (se houver dúvidas
sobre os efeitos secundários da vacina); política que obriga a fazer determinados tipos
de exames médicos, há exames que pressupõe radiações, por isso as pessoas podem
recusar intervenções médicas, cirúrgicas, exames, etcetera. Aproxima-se muito do
direito à integridade física.

Rebeca Louro - 2018 24


Os direitos económicos, sociais e culturais são positivos:

è Por exemplo o direito à habitação, direito dos cidadãos a exigirem uma habitação ou,
pelo menos, apoio do Estado no acesso à habitação. Mas a generalidade das pessoas
não precisa disso, para estas pessoas o direito à habitação é negativo – recusa –,
pressupõe o direito a não ser privado arbitrariamente da sua habitação (ex.: tanto pelo
senhorio, como, se eu for proprietária, pelo Estado na execução do meu património por
dívidas).
è Todos os direitos implicam prestações, mas os direitos sociais são direitos com
uma dimensão, seguramente, positiva, são direitos a prestações, é aqui que está a
diferença. A questão está em saber onde estão as prestações.

Onde estão as prestações considerando o direito fundamental como um todo (todas


as faculdades)?

è Nos direitos sociais as prestações estão no núcleo, pois estes são direitos a
prestações.
è Nos direitos civis e políticos as prestações estão a seguir ao núcleo, também têm
prestações, mas têm uma função mais secundária e auxiliar às faculdades que estão
no núcleo.

Determinabilidade versus indeterminabilidade constitucional

è Os direitos civis são constitucionalmente determináveis, o seu conteúdo está


determinado na própria Constituição – normas percetívas, exequíveis por si mesmas.
è Os outros pressupõem uma intervenção discricionária do legislador ordinário –
normas programáticas, não exequíveis por si mesmas.
è Em termos práticos há um problema de relação entre a Constituição e o legislador
ordinário (ex.: artigo 20º Constituição, direito de acesso aos Tribunais, a justiça não é
gratuita, é um direito civil com uma dimensão programática; artigo 41º da Constituição,
a objeção de consciência remete para a lei, não é exequível por si mesma; há direitos
sociais percetívos, por exemplo o direito dos trabalhadores [todos os trabalhadores têm
direito a descanso semanal e à greve] e a organização do sistema de segurança social
também têm normas não programáticas).
è Há direitos determináveis no plano da Constituição e outros só no legal.
è A justicialidade dos direitos fica, muitas vezes, condicionada pelo legislador ordinário –
condição de justicidade – pois não foram concretizados e desenvolvidos pela
Constituição ao ponto de serem invocados em Tribunal.
è Há então:
o Direitos originários a prestações – as prestações extraídas da Constituição.
o Direitos derivados a prestações – as prestações retiram-se da lei ordinária, é
preciso que o legislador ordinário intervenha.

Rebeca Louro - 2018 25


Radical subjectivo versus reserva do possível

è Os direitos civis são subjetivos; os direitos sociais estão sob uma condição ou
reserva do financeiramente possível.
è Os direitos sociais pressupõe amplos recursos financeiros, mas é possível limitar o
conteúdo destes direitos, por exemplo, substituindo a regra da universalidade de
atribuições, pela regra da seletividade, isto é, não signfica que todos os indivíduos
tenham que receber do Estado todas as prestações em todos os domínios. A
generalidade tem capacidade para aceder, no mercado, a prestações nesse domínio. O
papel do Estado é conceder a pessoas previamente selecionadas, que não
conseguem aceder a esses bens jurídicos sem apoio público – reduz o encargo dos
direitos sociais.
è Há quem encare, sobretudo na Alemanha, os direitos sociais como direitos de quota
parte, ou seja, como os recursos são limitados, o direito social significa o direito a
aceder, através de um procedimento justo, a um determinado bem.
o Na Alemanha o Tribunal decidiu um caso estabelecendo o numerus clausus,
procedimento justo de acesso, o direito social não garante a todos uma fatia do
bolo, mas sim um processo justo para aceder a uma no fim, ou não (ex.: acesso à
universidades pública de medicina não é absoluto para todos; o direito à saúde não
significa que todas as pessoas que precisam de um transplante de órgãos tenham
acesso a um, estes são escassos e, por isso há uma lista de espera com fatores de
prioridade). Uma das consequências é o respeito pela equitatividade, o princípio
da igualdade e os outros princípios constitucionais, proteção contra todas as
formas de discriminação no acesso aos bens disponíveis.
è Há diferenças entre estas categorias de direitos, mas não é radical. Há muitas zonas
cinzentas nesta distinção e dentro de cada uma destas categorias de direitos
também há diferenças significativas (ex.: dentro dos próprios direitos civis e políticos
há diferenças significativas e nos direitos sociais também – os direitos civis e políticos
são eles próprios muito diferentes, ninguém vota sem organização das eleições).
è Os típicos direitos sociais não são mais positivos que os direitos civis e políticos. Nos
direitos sociais os recursos são finitos, nos políticos e civis não (o número de
votos não é limitado – não deixam de ser direitos políticos em que se espera que o
Estado organize as eleições e as campanhas eleitorais). Os próprios direitos,
liberdades e garantias (civis e políticos) não são a mesma coisa, as garantias são
instrumentais de outros direitos (a punição da pena de morte é uma garantia do
direito à vida). Nos direitos sociais há direitos universais e há direitos de pessoas
especialmente vulneráveis, desprotegidas (ex.: os direitos das crianças, idosos,
deficientes).
è Há um catálogo de direitos fundamentais que não tem dois direitos iguais,
independentemente da sua natureza. Há alguns direitos que a própria
Constituição consagra divididos pelos dois títulos (ex.: direitos, liberdades e
garantias – direitos dos trabalhadores ao não despedimento sem justa causa,
integridade física; respetivamente, direitos económicos, sociais e culturais – direito ao
apoio de desemprego, direito à saúde).

Rebeca Louro - 2018 26


Direitos de natureza análoga (artigo 17º): a analogia possível

è O artigo 17º da Constituição manda aplicar o regime dos direitos, liberdades e


garantias aos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos do título II –
igualdade ou aproximidade de estrutura.
è Mas há uma analogia relativamenta a quê?
o Direitos fora do título II, que podem estar entre os direitos económicos sociais do
título III, espalhados pelo resto da Constituição ou até mesmo fora da
Constituição. A todos esses direitos pode-se aplicar por analogia o regime dos
direitos, liberdades e garantias, do título II (direitos, liberdades e garantias
pessoais, de participação política, dos trabalhadores).
o É uma analogia difícil de fazer, relativamente, aos direito de propriedade e de
liberdade de iniciativa privada – fruto do contexto histórico em que foi feita a
Constituição foram consagrados nos artigos 61º e 62º, com o intuito de os
desvalorizar, junto dos direitos económicos, sociais e culturais. A doutrina e
jurisprudência tem vindo a considerar que têm natureza análoga a direitos,
liberdades e garantias (entre outros: 167º iniciativa legislativa popular, 268º
fundamentação e impugnação dos atos administrativos, etcetera).
è O regime dos direitos, liberdades e garantias têm três componentes, segundo Jorge
Miranda:
§ Material – elencados.
§ Orgânica – consta do artigo 165º nº1 b), reserva relativa à Assemblea da
República da totalidade do regime.
§ Revisão constitucional, são um limite material.
o Quando se diz que o regime se aplica aos direitos de natureza análoga, significa
alargar a competência da reserva da Assembleia da República a esses
mesmos direitos?
§ Jorge Miranda diz que apenas se aplica à componente material e não à
orgânica.
§ O Tribunal Constitucional tem vindo a dizer que não, também é a
componente orgânica que se aplica ao artigo 17º, mas só no seu núcleo
é que há reserva.
1. O argumento do Tribunal não sobrevive a uma leitura do artigo 165º,
relativamente, ao direito de propriedade (embora seja só no seu núcleo
essa reserva, formas de restrições em nome do interesse público e
regimes específicos não entraria na reserva), nomeadamente às alíneas
l), x), z) e e) que falam em expropriação entre outros temas
relacionados com a propriedade privada. Se fosse da reserva pela
alínea b) dos direitos fundamentais, estas alíneas enunciadas não
fariam qualquer sentido, há vários regimes legais e diplomas que
limitam esta possível reserva. A reserva restringe-se ao núcleo da
propriedade, é o argumento do Tribunal constitucional.

Rebeca Louro - 2018 27


Titularidade (e exercício) dos direitos
fundamentais

è Atribuição ou adjudicação dos direitos fundamentais, isto é, que sujeitos têm acesso a
esses direitos.

Princípio da universalidade (artigo 12º)

è Não é fácil a distinção do princípio da universalidade em relação ao princípio da


igualdade. O primeiro só diz respeito à titularidade dos direitos, o segundo diz
também respeito ao conteúdo.
è Este princípio recorta o universo subjetivo dos titulares dos direitos fundamentais.
Não exclui a existência de direitos fundamentais particulares, ou seja, de algumas
categorias particulares de cidadãos (ex.: direitos dos jornalistas, pais, mães, filhos,
idosos, deficientes).
è Algumas categorias são abertas, mas outras nem tanto. A existência de direitos
particulares não põe em causa a universalidade, todos os que integram essa
categoria são titulares desses direitos.
è Diferentes são as que dizem respeito a uma condição particular de vida, embora
nos reduzamos a elas (ex.: direito dos consumidores, dos administrados), são de
todos, mas sobrelevam essencialmente em relações jurídicas especiais, isto é, com
determinados tipos de sujeitos.
è Projeção no domínio dos direitos sociais interessante, há direitos sociais universais
(saúde) e paticulares (idosos). A universalidade dos direitos é à priori, não significa
que na concretização desses direitos, nas prestações disponibilizadas para a
concretização desses direitos, não haja seletividade, não são accionáveis por todas
as pessoas, não põe em causa a universalidade (seleciona-se as prestações de
recursos escassos e não a titularidade do direito).
è O nº2 deste artigo também inclui as pessoas coletivas como titulares de direitos
fundamentais, o problema está em saber de quais será titular, é necessária uma dupla
compatibilidade:
o Natureza de pessoa coletiva.
o Natureza específica daquela pessoa coletiva.
è Exemplos de direitos:
o Direito a contrair casamento, não podem.
o Direito de voto, não têm direitos políticos em geral.
o Direito à vida, não em sentido próprio, mas há determinadas pessoas coletivas que
têm direito a não serem extintas.
o Liberdade de criação cultural, depende do fim que prosseguem, mas por normas as
Fundações e algumas Sociedades Comerciais, v.g. editoras.
o Direito ao bom nome, têm, traduzindo-se na credibilidade.
o Reserva da intimidade da vida privada, as empresas têm arquivos, sedes, bases de
dados.

Rebeca Louro - 2018 28


o Garantias em processo penal, pois podem ser responsabilizadas criminalmente,
logo, têm as mesmas garantias de defesa.
è O facto de serem também titulares, não quer dizer que estes direitos tenham o
mesmo alcance e sentido que os das pessoas singulares, há um conjunto de
adaptações a serem feitas (ex.: o direito à boa reputação tem muito mais alcance e
força numa pessoa singular do que numa pessoa coletiva).
è Há direitos fundamentais que têm, simultaneamente, uma dimensão individual e
coletiva (ex.: direito à greve é da pessoa coletiva, mas os trabalhadores aderem se
quiserem; direito à religião é coletivo, das instituições e igrejas, mas as pessoas
decidem prestar culto ou não; o direito de imprensa é dos órgãos de comunicação social
e dos jornais, não é só dos jornalistas).
è Estas dimensões individuais e institucionais dos direitos podem conflituar entre elas (ex.:
participação política dos membros dos partidos pode ser postos em causa pelos pelo
próprio partido).
è O artigo 18º impõe o respeito por esses direitos.

Princípio da igualdade (artigo 13º)

è Há três momentos históricos e visões dogmáticas diferentes deste princípio:


1. Princípio formal de igualdade perante a lei: assumia que a lei era geral e
abstrata e não fazia aceção de pessoas em função da classe em que tinha
nascido – identifica-se com a generalidade e abstração da lei – artigo 18º nº2 as
leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm que ser gerais e
abstratas – primeira garantia do princípio da igualdade, mas não chega.
2. Retoma o princípio aristotélico de tratar igual o que é igual e diferente o que é
diferente. É um princípio comparativo, para averiguar da natureza
discriminatória ou não do tratamento jurídico, é preciso olhar para os dois
objetos em confronto – termo de comparação axiológicamente válido (o artigo 13º
nº2 tem uma lista de categorias suspeitas, termos de comparação que,
historicamente, tiveram na base de discriminações arbitrárias, não quer dizer
que todas as discriminações, com base nestas categorias, sejam arbitrárias,
nem estas categorias são exclusivas, isto é, não é um elenco fechado e trata-se
de um mero alerta para um particular cuidado nestas categorias – inversão do
ónus da prova, cabe ao legislador avançar com um regime que não é
discriminatório; ao contrário das restantes categorias em que cabe ao Tribunal
demonstrar que é discriminatório, pois basta uma razão material bastante para
discriminar). Se forem diferentes à luz do termo de comparação axiologicamente
válido, quer dizer que está legitimado um tratamento diferenciado, não quer
dizer que seja imposto; se forem iguais trata-se de forma igual; há situações
diferentes, mas cujo problema está na medida da diferença – proporcionalidade,
o tratamento tem que ser compatível com as situações em questão (se forem
relativamente próximas, não pode haver um tratamento radicalmente
diferenciado). Tratamento na exata medida da diferença.
3. Não está em causa já apenas a proibição do arbítrio, está também em causa
reconhecer que, mesmo inexistindo no direito positivo discriminações

Rebeca Louro - 2018 29


contrárias a determinadas categorias de pessoas, ainda assim, a realidade
resiste a esta visão do princípio da igualdade e subsistem desigualdades
significativas (ex.: entre homens e mulheres; população branca e população de
outras raças, etcetera). O Direito e princípio da igualdade, em particular, assumem
a transformação da realidade como uma tarefa, procuram, ativamente,
eliminar estas diferenças, que já não são jurídicas, mas são diferenças
factuais e materiais (ex.: daí as soluções das quotas e as proibições de
discriminação, contratação nos escritórios de Lisboa estão a contratar 50-50 de
homens e mulheres, o que leva a que muitas mulheres fiquem de fora). O princípio
da igualdade sai do terreno tradicional de proibições de arbítrio e entra numa fase
de combate às desigualdades mais persistentes – igualdades estatísticas e não
tanto jurídicas.

Princípio da pessoalidade (artigo 14º)

è Relativamente a cidadãos portugueses (pressuposto do artigo) que se encontrem ou


residam no estrangeiro gozam de proteção do Estado português (se articularmos com o
artigo 12º inclui pessoas singulares e coletivas).
è Divide-se em três dimensões:
o Direitos – critério de compatibilidade jurídica e material, o Estado tem dever de
apoiar e colaborar com os cidadãos portugueses para permitir o seu
exercício.
o Deveres – o Estado tem o ius avocandi, isto é, direito de chamar, mas só
pode ser atendido de forma voluntária, mas se não for atendido de forma
voluntária o Estado não tem o poder de executar essa decisão, através de forças
policiais ou outras entrar em território estrangeiro, pode, apesar de tudo, pedir a
extradição mas pode pôr em causa a boa relação com o outro Estado.
o Proteção diplomática e consular – abrange, quer os direitos dos cidadãos
portugueses decorrentes da ordem jurídica portuguesa e que são exercidos
em face do Estado português, quer os direitos dos portugueses que resultam
das Convenções Internacionais que são defendidos e exercidos em face do
Estado em que se encontrem – estatuto de ius internacional, não pode invocar
os direitos do ordenamento português noutro país. Este instituto da proteção
diplomática é antigo e, tradicionalmente, assentava em quatro pilares distintos:
1. Subsidiariedade – um Estado só pode interceder os cidadãos seus
junto de outro Estado, se estiverem juntados as vias normais de defesa
desse cidadão, em conformidade com o Direito do Estado de
residência. Mantém-se tal como está hoje.
2. Funda-se no vínculo de cidadania ou de nacionalidade – tendência é
para reconhecer que a cidadania é um pressuposto, mas a proteção
diplomática se funda na proteção dos direitos fundamentais. Decorre do
direito interno, de os indivíduos hoje serem sujeitos de direito
internacional e de existirem vários sistemas de proteção – a cidadania é
um pressuposto, mas o fundamento para a proteção não é apenas a
cidadania, é também o estatuto ius internacional do indivíduo, ao qual

Rebeca Louro - 2018 30


está associado um conjunto de direitos básicos humanos.
3. Direito do Estado independente da posição substantiva do indivíduo,
era uma prerrogativa soberana do Estado – já não é compatível com o
estatuto ius internacional dos intivíduos, se o indivíduo não tem uma
posição substantiva em face do Estado de acolhimento, dificilmente, o
Estado da nacionalidade consegue excercer o seu direito de proteção
diplomática de forma consequente, isto é, sem uma proteção substantiva
do indivíduo a proteção está condenada ao insucesso.
4. Direito interno dos Estados contraria esta visão do direito internacional
– na visão tradicional a proteção diplomática é uma prerrogativa de livre
exercício, ou exercício discricionário, por parte do Estado (e tiver boas
relações diplomáticas, pode optar por não exercer a proteção diplomática
para não prejudicar as suas relações Estado a Estado, há um princípio da
oportunidade de defender a sua posição estratégica). Há Estados que
internamente, por força do seu direito constitucional, retiram esta
prerrogativa, esta possibilidade de discricionariedade, aos respetivos órgãos
dos Estados que tomam estas decisões. As entidades diplomáticas e
consulares, quer em solo pátrio, quer no pais de acolhimento, são
obrigados a desenvolver os mecanismos à proteção desses indivíduos,
cujos direitos fundamentais estão a ser violados.

NOTA3: a proteção diplomática e consular está regulada por um regime jurídico razoavelmente
detalhado. A proteção consular é mais uma proteção de apoio em situações de calamidade,
infurtunio e outras. A proteção diplomática é uma proteção que diz, essencialmente, respeito a
situações em que os cidadãos do Estado enfrentam a justiça do país de acolhimento, ou são
alvo de medidas duras, como por exemplo, expropriatórias, ou afins, dos seus bens (ex.: processos
que possam conduzir à pena de morte noutros países, esses países tem a obrigação de notificar
os respetivos serviços diplomáticos e consulares para que possam exercer a proteção
diplomática e consulares [o EUA não têm feito isso e têm condenado à morte muitos cidadãos
estrangeiros]; nacionalizações, empresas cujos os bens, num determinado Estado, são
nacionalizados, sem indemnização e por governantes não inteiramente legitimados num ponto
de vista democrático, o Estado intervém em defesa do direito de propriedade das empresas do
respetivo país).

Princípio da equiparação (territorialidade) (artigo 15º)

è Por oposição ao princípio da pessoalidade: em que os cidadãos portugueses no


estrangeiro podem invocar direitos fundamentais contra o Estado português (direito ao
voto), mas em que segundo o artigo 15º os estrangeiros segundo o princípio da
territorialidade podem usufruir dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Rebeca Louro - 2018 31


Força jurídica das normas jusfundamentais:
“direitos como um todo”

Bens jusfundamentalmente protegidos: uma realidade


estratiforme

è Os direitos fundamentais são, normalmente, apresentados como um todo, mas este


todo é suscetível de ser desagregado, isto é, seccionado em inúmeras faculdades.
Os direitos fundamentais não são blocos de mármore incindíveis.
o Direito à greve: as suas faculdades têm destinatários diferentes e titulares
diferentes:
§ Para o trabalhador: composto por duas faculdades – direito a fazer greve ou
direito a não fazer greve. Não quer dizer que cada um dos trabalhadores
possa exercer individualmente ou espantaneamente, está dependente de um
outro sujeito, o Sindicato.
§ Sindicato: que convoca a greve.
§ Quanto à entidade empregadora: também tem direitos, desde logo, o pré-
aviso de greve, para evitar que o objetivo da greve possa ser satisfeito sem
necessidade da própria greve. Bem como o direito a serviços mínimos, pois
pode haver danos irreversíveis se a atividade cessar completamente (ex.:
médicos num serviço de urgência; forno de uma siderurgia).
o O direito à greve começa por ser um direito em face do Estado – também é o
direito a que o Estado não intervenha, repressivamente, no conflito laboral (pois
muitas vezes quando havia greve era reprimida opressivamente pelo Estado).
è Tudo isto faz parte do direito fundamental como um todo, muitas vezes as
diferentes faculdades constam da Constituição, explicita ou implicitamente,
noutros casos a lei ordinária tem que continuar a obra da Constituição e explicitar
algumas destas faculdades, positivas e negativas, que integram o direito
fundamental como um todo.
è Até as normas penais incriminadoras que tutelam os bens jurídicos fundamentais, fazem
parte do direito como um todo, pois sem tutela penal o direito esvaziar-se-ia em larga
medida (ex.: a norma que pune o homicídio é importantíssima para o direito à vida).

Armadura jurídica: entre o centro e a periferia; entre o objetivo


e o subjectivo; entre a Constituição e a lei

è Os direitos fundamentais são armaduras dos bens jurídicos, do núcleo do direito,


as faculdades protegem-no.
è Há faculdades centrais, núcleares, mais próximas do núcleo, e faculdades
periféricas, nem sempre estão presentes nas relações fundamentais. Quando se
fala no confronto com outros direitos significa que algumas faculdades têm que ser

Rebeca Louro - 2018 32


suprimidas, isto é, comprimidas na exata medida do necessário para que outros
direitos possam ter espaço para o seu exercício.
è Estas faculdades costumam ser divididas entre subjetivas e objetivas nas dimensões
dos direitos fundamentais:
o Subjetivas: concedem ao particular uma permissão normativa de
aproveitamento de um determinado bem:
§ Faculdades positivas (implica prestações concretas – obrigação de facere
ou de dare).
§ Faculdades negativas (implica abstenção – não interferência).
o Objetivas: o titular do direito, em bom rigor, desvanece-se e aquilo que fica
apenas um interesse objetivo que o legislador deve tutelar.
§ Direitos que ainda não têm sujeito, ainda que mereçam tutela (vida intra
uterina, procriação medicamente assistida).
§ Normas que consagram direitos fundamentais, simultaneamente, têm
efeitos valorativos relativamente a determinados institutos (adoção,
maternidade, família), que têm que ser moldados pelo legislador de modo a
que estes valores sejam promovidos ou protegidos – ninguém pode casar se
não existir um regime de casamento; normas de organização, procedimento e
processo; não há direito de propriedade se não houver regime – há uma
conformação do ordenamento jurídico necessário ou favorável aos direitos
existentes, para que, na sua dimensão subjetiva, possam ser exercídos.
è Pressupõem uma articulação significativa entre a Constituição e a lei.

Aplicabilidade imediata (artigo 18º, nº 1)

è O artigo 18º nº1 da Constituição diz que os direitos, liberdades e garantias são
diretamente aplicáveis. Trata-se de uma reação contra o passado (Constituição de
1933, os direitos fundamentais eram meras proclamações políticas), consagrava um
conjunto significativo de direitos fundamentais e remetia para o legislador ordinário (que
não era um legislador democrático) a sua regulamentação, o modo concreto de
exercício que, na prática, acabava por suprimir esses direitos (também a Constituição
de Bona reage contra a Constituição de Vaimar alemã que permitiu a subida de Hitler
ao poder).
è Afirmação de recusa de um modelo jurídico passado, em que se diz hoje que os
direitos, liberdades e garantias valem na ausência de lei e mesmo contra a lei. Os
direitos fundamentais não vivem à margem da lei.

Relações das normas constitucionais com os Tribunais (artigo 18º nº1):

è Definição de um princípio de uma vocação das normas constitucionais sobre direitos,


liberdades e garantias que cumpre aos Tribunais interpretar e aplicar. Quer dizer
que, perante uma situação em que determinado direito constitucionalmente consagrado
carece de tutela jurisdicional, cabe aos Tribunais, com as ferramentas próprias da
sua atividade, extrair delas o máximo de conteúdo possível, para poder tutelar o

Rebeca Louro - 2018 33


direito na ausência de lei e, se necessário for, contra a própria lei. Dito de outra
forma, estabelecer obrigações dos Tribunais de extrair das normas constitucionais
aquele conteúdo que permita tutelar os direitos, ainda que o legislador não esteja a
ajudar.
è Nem sempre se concretizam, pois não se podem substituir ao legislador ordinário,
não têm a legitimidade democrática deste.

Relações entre as normas constitucionais e o legislador:

è Não se confunde com a classificação das norma constitucionais como exequíveis,


não exequíveis e programáticas.
è Exequíveis: tentar, na medida do possível, aplicá-las diretamente – mais fácil.
è Não exequíveis: a vocação de aplicabilidade imediata mantém-se, mas o nível de
determinabilidade da norma é baixo, é preciso a intervenção do legislador
ordinário. Em caso de omissão legislativa é um desafio para os Tribunais extrair um
conteúdo suficiente para aplicar diretamente – sobretudo quando há omissão absoluta,
pois não há nenhum regime para se aplicar via analogia.
o Artigo 41º nº6 – não exequibilidade das normas, remissão para o legislador
ordinário.
o Artigo 22º – responsabilidade civil do legislador ordinário.
è Programáticas: é necessário lançar mão de instrumentos, de um programa de ação
política, operações materiais administrativas, para além da intervenção do
legislador ordinário – poucas normas programáticas em direitos, liberdades e
garantias.

Vinculação das entidades públicas: legislador, administração e


tribunais (artigo 18º, nº 1)

è O artigo 18º nº1 diz que vinculam as entidades públicas, mas as entidades
públicas já estão sujeitas à totalidade da Constituição, segundo o artigo 3º nº3.
O artigo 18º nº1 tem que dizer mais qualquer coisa do que o que já resulta do
artigo 3º nº3.
è O artigo refere-se ao Estado e todas as entidades públicas (fuga para o direito
privado [utilização mais tendencial de formas jurídicas de direito privado], limitação
intransponível, não há fuga quanto aos direitos fundamentais), todas as funções
do Estado a começar pela política, mas também a legislativa, a administrativa e a
jurisdicional.
è Na função política: a vinculação significa, antes de mais, que o Governo não pode
negociar Convenções Internacionais contrárias aos direitos fundamentais. A
Assembleia da República não pode aprovar Convenções Internacionais contrárias
aos direitos fundamentais. O Presidente da República não pode ratificar
Convenções Internacionais contrárias aos direitos fundamentais. O Estado
português não pode integrar Convenções Internacionais contrárias aos

Rebeca Louro - 2018 34


direitos fundamentais.
o Mas também há uma obrigação positiva, de não desrespeito e de promover a
salvaguarda
è Na função legislativa: a mais valia deste segmento normativo do artigo 18º, está
na vinculação positiva do legislador, traduz-se numa vinculação a um conjunto
de deveres legiferantes.
o Em primerio lugar, um dever de concretização das normas constitucionais não
exequíveis (ex.: artigo 41º nº6 e artigo 20º).
o Um dever de conformação, não há um imperativo constitucional expresso de
legislar, mas há, no fundo, uma necessidade de quadros normativos, em
particular no Direito Civil, para que determinados direitos fundamentais possam
ser exercídos (ex.: regime do casamento; regime do direito de propriedade,
designadamente, a transmissão por morte).
o Dever de proteção, como determinados bens jusfundamentais estão sujeitos
a determinadas ameaças, o legislador tem o dever de proteção, relativamente, a
esses mesmos bens, as ameaças vão-se sucedendo no tempo, a realidade não
é estática, tem a obrigação de estar atento, de vigiar as alterações (ex.:
desenvolvimento científico, sempre que se descobre que determinado composto
químico é cancerisno, o legislador deve retirar do mercado bens que o contenham).
Há uma necessidade de avaliação ou correção das funções jurídicas vigentes.
A liberdade do legislador está vinculada a deveres.
o Este dever de vigilância também vale para a Administração Pública.
è Na função administrativa: também aqui estão em causa as diferentes atividades
desenvolvidas pela Administração Pública: esta exerce uma função regulamentar
não fazia sentido que esta estivesse mais liberta que a legislativa; pratica também atos
administrativos individuais e concretos, que também podem ser violadores e, por
isso, impugnáveis; atividades materiais, principalmente por causa das polícias (ex.:
artigo 272º dupla função da polícia – proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos
e a vinculação no exercício da sua atividade aos direitos fundamentais); a atividade de
planeamento (ex.: artigo 267º audiência dos interessados tem uma função
preventiva, permite a Administração Pública melhorar a decisão e evitar decisões
que ponham em causa os direitos dos administrados – vinculação a todos os
direitos fundamentais dos cidadãos e não apenas aos que se designam direitos
fundamentais dos administrados, que é um grupo específico relativo à relação que têm
com a Administração).
o Questão controversa é a de saber se a Administração fiscaliza a
constitucionalidade das leis, se também se aplica o artigo 204º. A
Administração não tem as mesmas competências dos juízes, contudo, não
temos que responder a esta questão em termos genéricos, a questão é diferente
quando estão em causa decisões administrativas especialmente violadoras
dos direitos fundamentais.
§ Era o caos? Não, há uma hierarquia na Administração Pública, só o topo
pode tomar essa decisão e há casos em que a norma já foi considerada
inconstitucional no caso concreto, não faz sentido que continue a aplicar
leis inconstitucionais. Em última análise, estas decisões de recusa de
aplicação de leis com base na sua inconstitucionalidade por violação de
direitos fundamentais, também podem ser questionadas pelo Ministério

Rebeca Louro - 2018 35


Público na sua vertente de defesa de legalidade. Quando a razão
determinante da inconstitucionalidade da lei é a violação de direitos
fundamentais não faz sentido obrigar a Administração Pública a cumprir
para no final ter uma decisão de inconstitucionalidade.
è Na função jurisdicional: dos Tribunais e do Ministério (ex.: artigos 202º e 20º nº5 –
processos especialmente céleres, para direitos, liberdades e garantias de natureza
pessoal), dá-se por duas vias: fiscalização concreta (artigo 204º) e a de interpretar a
lei em conformidade com os direitos fundamentais que resulte numa decisão
favorável a um amplo exercício dos direitos fundamentais.

Vinculação das entidades privadas (artigo 18º,


nº 1): uma sucessão de equívocos

Aparente polissemia da expressão

è O artigo 18º nº1 fala na vinculação de entidades públicas e entidades privadas.


è O pressupostos deste problema é uma visão dos direitos fundamentais, que assenta
naquela ideia clássica de John Locke, quando o Homem entra no Estado de
Sociedade há direitos irrenunciáveis, que o cidadão não está disposto a abdicar, o
Estado está numa posição superior e os direitos fundamentais são um
instrumento de proteção nesta relação hierarquica.
è De certa forma, parece ser disruptiva a afirmação de que também valem nas relações
com sujeitos privados.
è Do ponto de vista dogmático, foi a partir do acórdão do Tribunal Constitucional Alemão
(anos 70) que se começou a discutir o tema, também vinculam os privados – relação
entre o trabalhador e empregador, o sujeito passivo não é o Estado. Todavia, a
primeira geração de direitos fundamentais (civis e políticos), surgiu com as revoluções
liberais e, mais tarde, no século XX, nos anos 70: os direitos civis já existiam nas
relações civis disciplinados no direito civil, não eram questões de direito
constitucional.
è Verticalizam-se direitos existentes, mas que eram questões de direito civil e não
constitucional, passam a ser direitos constitucionais nas relações com o Estado,
vinculando-o também. Este tema é simultaneamente muito antigo, como recente, da
década de 70.
è Vem-se dar razão a Hobbes, que dizia que não é apenas o Estado que é inimigo dos
direitos dos cidadãos, mas também estes útlimos, “o homem é o lobo do homem”.
è Ambas as perspetivas são importantes e se complementam, pois na sociedade há
inúmeras ameaças aos direitos fundamentais.

Rebeca Louro - 2018 36


Direitos civis fundamentais versus normas de direito público

è Problema de direito privado: tema polémico, associado a um conjunto de casos e


exemplos que deixa os civilistas nervosos, os constitucionalistas querem entrar no
direito civil, mas, na generalidade, não acontece.
è Há uma vinculação dos sujeitos privados ao princípio da igualdade, artigo 13º da
Constituição, é uma regra de atribuição de direitos, não é ela própria um direito,
embora haja circunstâncias em que ganha uma dimensão subjetiva, via artigo 26º
da Constituição (proibe todas as formas de discriminação: proibição de arbítrio;
imperativo de igualação; obrigação de proteger aqueles cidadãos que por qualquer
razão estão a ser discriminados relativamente a outros, não quer dizer que em todos os
casos se transfiram direitos subjetivos, mas conferem-se-lhes instrumentos para a
correção dessas desigualdades – não podemos transformar todas as relações
contratuais privadas em concursos públicos, o empregador privado fica, como o
empregador público, desprovido de autonomia privada).
è É importante delimitar os casos que são verdadeiramente problemáticos de outros
que são absolutamente óbvios – autonomia privada também é, ela própria, um direito
fundamental – é preciso balancear os direitos fundamentais.
è Às vezes é um problema de direito privado, mas nem sempre é, pode ser um problema
de direito penal, etcetera.
è Muitas vezes este problema também é confundido com as situações de eficácia
horizontal quando existe, efetivamente, é mais complexa. Mas a vinculação vai mais
além que isso, há casos em que as relações entre privados não são
verdadeiramente horizontais, embora não tenha ius imperii, está numa relação de
superioridade. Cada vez mais há desigualdades económidas, de informação, de
poder de facto (muitas vezes não se encontram na mesma jurisdição), etcetera.
è Dilema de Aristóteles e Platão (não há espaço para as liberdades de cada um, rigidez,
vinculação absoluta): que tipo de sociedade temos?

Eficácia mediata, imediata e terceira via

è Há duas doutrinas possíveis de vinculação dos privados aos direitos fundamentais:


eficácia mediata ou imediata. Infelizmente, é muito mais complicado:
o Formulação constituinte expressa: quando a Constituição consagra já
vinculando os privados, configura os direitos já nesses termos.
o Eficácia irradiante: a unidade do ordenamento jurídico obriga que o Direito
Privado não possa ser interpretado desconsiderando a ordem e valores
constitucionais, dentro destes está o catálogo dos direitos fundamentais.
o Eficácia mediata Stricto Sensu: progetam-se as relações entre privados
através das normas e institutos do Direito Civil, desde logo, os conceitos
indeterminados (boa fé, bons costumes, ordem pública e abuso de direito),
direitos de personalidade, deveres de segurança no tráfego (obrigações não
escritas dos contratantes).
o Eficácia em relação a terceiros: admissibilidade de um desvio para um outro

Rebeca Louro - 2018 37


cidadão, admite a vinculação excecionalmente de terceiros, eficácia externa.
o Vinculação do legislador do direito privado: o legislador ordinário está
vinculado a Constituição, não pode estabelecer regimes que permitam a violação
de direitos fundamentais e valores constituintes pelas partes contratantes.
o Deveres estaduais de proteção: teoria a meio caminho entre a vinculação
mediata e imediata. Está em causa uma relação triangular, mas não há
vinculação entre os particulades, só indiretamente via Estado – há sempre
deveres de respeito entre os particulares, os direitos fundamentais vinculam os
sujeitos privados enquanto tal.
o Vinculação supletiva ou excecional dos Tribunais: se o legislador faltar com a
sua obrigação, os tribunais podem suprir – se os Tribunais podem suprir, significa
que têm eles próprios que concretizar aquela vinculação pré-existente que
resulta da Constituição.
o Vinculação dos poderes privados: quanto maior o desequilibrio, mais
importante a proteção dos direitos fundamentais.
o Vinculação ao conteúdo essencial\dignidade da pessoa humana: reconhece
que essa vinculação existe, mas quando esteja em causa o conteúdo essencial
do direito ou a dignidade da pessoa humana, o peso a dar à tutela dos
direitos fundamentais tem que ter um peso superior, e a autonomia privada,
muitas vezes, ceder.
o Vinculação intersubjetiva plena (eficácia imediata): não significa sem
ponderação, é uma vinculação de geometria variável, o Estado está 100%
vinculado aos direitos fundamentais, quanto aos particulares, a sua
vinculação é já gradativa, é mais forte quando a relação é desequilibrada, ou
os direitos têm uma maior ressonância ética, ou quando está em causa o
conteúdo essencial do direito ou a relação pode colocar uma das partes
numa posição indigna.

Certeza negativa, certeza positiva e incerteza

è Zona de inclusão expressa: manifestamente se aplicam na relação entre privados


(ex.: direitos dos trabalhadores, proibição de censura).
è Zona de exclusão expressa: casos de direitos que se aplicam apenas nas relações
com o Estado, salvo casos extremos (ex.: garantias de processo penal, mas pode
haver processos sancionatórios entre privados, nas relações laborais; habeas corpus).
è Zona de incerteza: depois desta distinção há direitos sobre os quais a Constituição
nada diz, pelo modo como os direitos fundamentais estão enunciados, mas não pode
haver zonas de incerteza, desde logo, por os direitos que aqui se situam serem
nobres, como o direito à vida, à integridade física, à liberdade religiosa.
è Os direitos fundamentais sempre vigoraram nas relações de sujeitos privados,
mesmo após o constitucionalismo, aí foram verticalizados, mas não deixaram de existir
em relação às relações entre privados.
è A patir da década de 70, depois do reconhecimento que uma nova geração de direitos
fundamentais (direitos dos trabalhadores) não tinha como destinatário principal o
Estado, o que houve foi uma re-horizontalização de direitos que foram vistos, durante

Rebeca Louro - 2018 38


muitos anos, como verticais – têm, simultaneamente, como destinatário os direitos
privados e o Estado.

Deveres estaduais de protecção: redescoberta


tardia de uma função antiga

Perigos e riscos: humanos, naturais e internacionais

è Relações triangulares já mencionada.


è Esta ideia não é pacífica, da existência de deveres estaduais de proteção, há duas
teses negativistas:
o Solução dos direitos de defesa: o agressor é o Estado porque permite a
prática daquela atividade, não é correto, converter aquelas relações em verticais
(ex.: quando uma empresa polui, é o Estado que o permite, ao não proibir a
conduta, permite). Não se pode lesar os direitos de outrem, ainda que não
estejam proibidos na lei.
o Terceira via entre a eficácia imediata e a tese da eficácia mediata: superam
esta dicotomia entre eficácia mediata e imediata dos direitos fundamentais, é o
Estado que se relaciona com o agressor e o lesado, entre estes não há
nenhuma relação. A vinculação é sempre mediata, mas não necessariamente em
função do Direito pré-existentes, muitas vezes a vinculação é feita em função do
Direito a constituir. Se houver um potencial agressor, o Estado tem a obrigação
de restringir, o legislador interpõe-se a uma vinculação que não resulta
expressamente da Constituição – é artificial, versão sofisticada da teoria da
vinculação mediata, a diferença é que esta vincula em função do direito constituído
e pela necessidade do legislador intervir nas relações particulares para proteger.
Não basta o direito constituído, é preciso direito novo.
è Esta visão permite uma releitura do artigo 18º da Constituição, da sua força
normativa do nº1 e não das restrições do nº2 e 3. As restrições justificam-se para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
è O próprio princípio da proporcionalidade tem que ter uma dupla leitura como,
simultaneamente, proibição do excesso e do défice (nº2). Há um mínimo do
conteúdo do direito fundamental que pode ser exercido pelos cidadãos e não
deve ser restringido (nº3).

1º Polo da Relação: agressor

è Há diferença entre perigo e risco?


o Perigo: conceito mais antigo, cujas causalidades estão já estabelecidas, sabe-
se que determinada conduta tem determinado efeito (ex.: amianto em estado de

Rebeca Louro - 2018 39


degradação pode gerar cancro). Por vezes a causalidade depende da
quantidade (ex.: mercúrio).
o Risco: condutas cujos efeitos não estão já previstos, não se sabe se
determinada conduta produz determinados efeitos (ex.: radiações das antenas
de telémoveis sobre a saúde; doença das vacas loucas transmissíveis ou não a
humanos).
è O legislador não pode reagir a todos os perigos e todos os riscos da mesma maneira.
Quanto mais intenso o perigo, maior é o dever de atuação.
è O legislador tem que fazer uma avaliação do risco (diferente da mera perceção do
risco, de um modo geral, temos uma perceção distorcida dos riscos), geri-lo e
comunicá-lo, mas quando se comunica um risco a maior parte das pessoas tem
tendência a sobrevalorizá-los.
è Nos riscos há quatro questões que podem ser suscitadas (falamos quase só dos riscos
e perigos das entidades privadas):
o Há uma corresponsabilidade do Estado (ex.: o ruído de uma estrada, empresa
poluente), não é fácil estabelecer a fronteira do que é um dever de proteção do
Estado contra atividades privadas e aquilo que já é um dever de abstenção
do Estado, isto é, o Estado nunca tem um dever de proteção quanto a si próprio, já
uma relação vertical entre os indivíduos e o Estado.
o Temos a perceção de que o agressor é um ente privado (ex.: agressor é um
indivíduo que mata o outro, proteção penal), todavia, pode haver perigos da
natureza (o agressor é um tremor de terra; um incêndio), há uma diferença ténue
com os perigos humanos (ex.: nos tremores de terra o que mata não é a terra a
tremer, mas as construções humanas; muitas vezes os incêndio têm por trás a mão
humana). Faz ainda sentido falar em dever de proteção? O Estado continua a ter
que um dever de proteção preventivo, o legislador tem que estabelecer
regras de segurança; não quer dizer que depois não existam ainda deveres de
proteção civil que acudam as pessoas, que ainda cabem dentro da
Administração Pública.
o Perigos originados por ou em Estados estrangeiros, o problema é que o
agressor está fora da jurisdição do Estado, este não controla o agressor (ex.:
hacker, domínio ambiental, terrorista, portugueses no estrangeiro [Almaraz une-se
com o Tejo, se houver um acidente a água fica radioativa e mata os peixes]). O
Estado nem sempre tem o domínio sobre o facto, há deveres de proteção
com configuração diferente (Portugal faz parte de uma convenção internacional
para a proteção nuclear; portugueses fora beneficiam de proteção diplomática).
Mesmo quando não é possível impedir o agressor de agir, é sempre possível
informar os eventuais agredidos das melhores formas de evitar a agressão.
o Perigos causados pelo proprio titular do direito – renúncia (ex.: fumandores) –
ver infra.
è Princípio da irrelevância da origem da ameaça e da indivisibalidade da proteção.

Rebeca Louro - 2018 40


2º Polo da Relação: lesado

è Quais os bens jurídicos que têm que ser protegidos através destes deveres Estaduais:
o Direitos passíveis de vincular os privados, por exemplo, não faz sentido falar de
habeas corpus. Direitos negativos, idóneos a produzir efeitos nas relações
entre privados (ex.: vida, saúde, integridade física, privacidade).
o Também deve proteger os direitos das gerações futuras? Já adiantado supra.
o Perigos causados pelo próprio titular do direito (ex.: fumador, mas há
fumadores passivos, há outros agressores: empresas que produzem e outras que
comercializam, outras que permitem que se fume nos seus estabelecimentos, o
Estado cobra os impostos), infra.
è Que influência têm na definição, dos deveres estaduais de proteção, as características
dos bens jusfundamentais ameaçados dos respetivos titulares?
o Admite-se a existência de uma ordem de valores constitucional – a ordem é
razoavelmente flexível até meio da tabela, mas quanto mais elevada a posição
de um bem jurídica na ordem de valores constitucional, maior é a proteção.
o Se forem as lesões reversíveis, é conjeturável um sistema de proteção à
posteriori – quanto mais acentuada a irreversibilidade das lesões, mais
intenso é o dever de proteção.
o Quanto maior a fragilidade do titular do direito, mais intensa é a necessidade
de proteção.
§ Este problema de proteção surgiu com o tema do aborto.

3º Polo da Relação: Estado

è Como protege o Estado legislador?


o Por meio de emanação de normas:
§ Sancionatórias – Código Penal.
§ De organização (existência de autoridades administrativas independentes,
regras de funcionamento da Comunicação Social), procedimento (audiência
prévia, procedimento disciplinar) e processo (acesso ao tribunal).
§ Sobre informação – caixa de medicamentos, elevadores, eletrodomésticos.
§ De segurança – construção civil os capacetes dos operários, cinto de
segurança.
§ De compensação de posições desigualitárias – cerne do direito do trabalho
e do consumo, há regras imperativas ou inverte-se o ónus da prova (ex.: gozo
de férias é indisponível, mesmo que queira trabalhar 12 meses não pode;
contratos de seguro, em casos de conflito há inversão do ónus da prova, é a
seguradora que tem que demonstrar que informou).
è Quando o Estado legislador não protege?
o Pode a Administração Pública proteger sem o Estado legislador (ex.: caso do
Aquaparque, não havia normas deproteção suficientes, os tubos eram muito
grandes e uma criança foi sugada por um deles).
o Violação do princípio da proibição do défice, fiscalizável pelos Tribunais

Rebeca Louro - 2018 41


(específica vinculação dos direitos fundamentais, tem que compensar o défice
deixado pelo legislador).
è Há especiais deveres de proteção pelo Estado das pessoas contra si próprias,
desde logo, porque as pessoas são especialmente sensíveis quando estão
internadas numa instituição do Estado, estão à sua guarda (contexto escolar
também) – reforça o dever de proteção, há quase uma relação contratual. Proteger a
pessoa contra si própria só acontece quando a pessoa, livre e esclarecida, se agride
a si mesma, de modo geral o Estado não pode proteger as pessoas contra si
próprias.

Restrições legais e intervenções restritivas


(artigo 18, nºs. 2 e 3)

è O artigo 18º nº 2 e 3 trata de restrições legais a direitos fundamentais.


è Estão funcionalizadas à proteção de outros direitos, mas nem sempre é assim, pode
ser para proteger outros direitos ou outros interesses constitucionalmente
protegidos, muitas vezes não há direitos a exigir proteção do outro lado (ex.: Estado de
Direito, interesse público, segurança nacional). Também há restrições de direitos em
que não há possível agressor privado, só nas relações entre o indivíduo e o Estado.
è A Constituição é exigente quanto a estas retrições, impõe 6 requisitos de validade:
princípio de natureza ou do caráter restritivo das restrições.
è As restrições legais devem ser distinguidas de figuras afins:
o Delimitação do âmbito de proteção – faculdades que já estão fora do direito,
se alguma das faculdades previamente colocadas no âmbito de proteção dos
direitos for comprimida, já é restrição.
o Limites ao exercício do direito – por exemplo, antes de exercer o direito, fazer
uma comunicação, seria puramente formal, seria um pré-requisito para o
exercício do direito, mas pode passar a fronteira para a restrição, como o pedido
de autorização.
o Regulamentação – os regulamentos administrativos carecem de uma lei
prévia e não podem ser inovadores àquilo que consta da lei.
o Conformação e concretização legislativas – a lei ordinária monta o direito e
não o restringe.
o Deveres fundamentais ou os direitos-deveres – implica, para o titular do direito,
um conjunto de deveres que limitam a sua liberdade (ex.: direito ao ambiente, de
voto, dos pais educarem os filhos).
è O artigo 18º só trata de restrições legais, mas não faria sentido que não vinculasse a
Administração e os Tribunais, logo, também tem que ser aplicado àquilo que são as
intervenções restritivas indivíduais e concretas feitas pela Administração Pública
e os Tribunais. Estes não o podem fazer sem uma lei prévia, segundo o princípio da
legalidade, mas não se pode excluir em absoluto que venha a acontecer em alguns
casos, sobretudo, quando o legislador não estabeleceu de forma geral e abstrata as
restrições, mas tendo em conta as circunstâncias concretas, é necessário tutelar

Rebeca Louro - 2018 42


direitos e interesses, privando indivíduos de determinados direitos. Fora deste
contexto são as agressões originadas por sujeitos privados.
è Condições de validade das restrições legais:
o Reserva de lei.
o Autorização constitucional expressa?
o Proporcionalidade.
o Generalidade e abstração.
o Proibição da retroatividade.
o Intangibilidade do conteúdo essencial.

Reserva de lei:

è De acordo com o artigo 165º nº1 b) as restrições têm que ser feitas por Lei da
Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado. Contudo, não podem ser
leis puramente formais, têm que ter um nível de densidade que permita afirmar que,
quem restringe, é o legislador, não podem ser cheques em branco passados à
Administração, Tribunais ou privados.
è A lei tem que ter uma regulação da matéria suficientemente densa, para se dizer que
o essencial dos elementos da restrição é definido pelo legislador, designa-se por
princípio da determinabilidade da lei, isto é, perante aquilo que está exposto na lei, os
respetivos destinatários têm que conseguir extrair, com alguma segurança, as
consequências quais para si e para os seus interesses na aplicação da lei
restritiva.
è Não pode ser uma cláusula legal, nem ter conceitos muito indeterminados (ex.: “atos
sexuais de relevo”, levaria à necessidade de uma tipificação destes atos), se não, a lei
de restrição não é válida. Também não pode ser uma mera lei habilitante para um
regulamento independente, também não pode haver deslegalização, uma vez legislado.
è No que diz respeito à Administração, a discricionariedade administrativa deve ser
reduzida\limitada.

Autorização constitucional expressa?

è Há casos em que a lei autoriza a restrição, contudo, há casos em que a Constituição


nada diz. Há direitos que autorizam a restrição e outros que não, mas no confronto
com outros direitos têm que ser restringidos, ainda há casos em que é a própria
Constituição que restringe.
o Ver artigos: 57º nº3 (direito à greve), 50º, 37º nº3 (parâmetros da restrição), 34º
nº2.
è A doutrina não encontra, de forma explícita, uma autorização do Direito Constitucional
para restringir:
o Limites imanentes (Jorge Miranda), é o mesmo que restrição não autorizada.
Não há um critério seguro que permita restringir. Na melhor das hipóteses,
corresponderiam os limites imanentes à delimitação do âmbito de proteção do
direito.

Rebeca Louro - 2018 43


o Os direitos fundamentais são princípios (Alexi), são direitos que podem ser
realizados na medida do possível, mas há princípios e regras, de sinal
contrário, que impedem a plena realização dos direitos, é inevitável que se
tenham de conciliar uns com os outros.
o Reserva geral de ponderação (Reis Novais), é, no fundo, um apelo ao princípio
da proporcionalidade – a autorização expressa não implica, necessariamente,
um enunciado linguístico, mas significa, sim, que, quado analisada a
Constituição, no todo do sistema dos direitos fundamentais, é imperativo
reconhecer a necessidade de uma restrição de direitos fundamentais (ex.: se
queremos restringir o direito à greve, temos que encontrar a justificação no direito
da saúde).

Princípio da proporcionalidade:

è A proporcionalidade abrange o excesso e o défice, exige uma ponderação numa


ordem de valores constitucional:
o Adequação ou eficácia – eficácia do meio utilizado para atingir o fim.
o Necessidade ou eficiência (comparativa de meios) – quanto mais gravoso, mais
eficaz, mas deve escolher-se o menos gravoso para os direitos dos cidadãos.
o Proporcionalidade em sentido estrito ou justa medida: compromisso.

Generalidade e abstração:

è A generalidade e a abstração visam dar execução prática ao princípio da igualdade.


è Se uma lei for individual e concreta, nem vale a pena ponderar, pois a lei está mal feita.

Irretroatividade:

è A proibição da retroatividade protege o princípio da proteção de confiança. Também


é de retrospetividade? De modo geral, entende-se que é apenas proibição de
retroatividade em sentido próprio.
è Se a lei for retroativa, está mal feita, não vale a pena ponderar.

Intangibilidade do conteúdo essencial:

è É um limite da própria ponderação do princípio da proporcionalidade. Se a restrição


tocar no conteúdo essencial de um direito, no seu núcleo, a ponderação está mal
feita – 18º nº3.
è Só podem comprimir ou eliminar direitos que estão na periferia, mas se suprimimos
algumas dessas faculdade, o direito pode ficar deformado – o conteúdo do direito
muda consoante o objeto da propriedade.

Rebeca Louro - 2018 44


o Teoria absoluta versus teoria relativa:
§ Absoluta: limite isolado, o que está no núcleo é absolutamente intocável.
§ Relativa: núcleo essencial conjugado com o princípio da proporcionalidade,
não há limites rígidos contra as ponderações sempre necessárias.
Mistura entre o requisito da intangibilidade e o princípio da proporcionalidade,
o núcleo pode ser cada vez mais reduzido, consoante os argumentos
para o limitarem.
o Teoria objetiva versus teoria subjetiva:
§ Objetiva: o núcleo é o núcleo desenhado pela norma de direto
fundamental, não está em causa um direito fundamental enquanto direito
de um indivíduo em concreto, mas um direito enquanto instituto jurídico,
que tem consequências diversas. É necessário preservar o âmbito de
proteção da norma constitucional.
§ Subjetiva: é necessário que cada indivíduo preserve o núcleo do seu
direito fundamental.
o Último reduto contra a proporcionalidade?
§ Posição de Jorge Pereira da Silva, garantia última contra a ponderação
de bens que é sempre feita quando se fala de restrições a direitos
fundamentais.

Disponibilidade dos direitos fundamentais: a


eterna tentação do paternalismo

Autolesão, auto-colocação em perigo e renúncia

è Ao contrário do que se pode imaginar, a ideia de que os indivíduos são zelosos e


cuidadosos no modo como preservam ou se relacionam com os seus direitos, há
inúmeras condutas em que os indivíduos lesam os seus direitos.
è Há questões eticamente discutidas que se referem às condutas suicidas, à recusa de
tratamento médico, greve de fome, condutas de auto-mutilação (ex.: piercings,
tatuagens). Mas, para além destes casos, há condutas de auto-lesão dos direitos
fundamentais, v.g. utilização de estupfacientes, prostituição, duplos de cinema, através
de contratos de trabalho, bombeiros, militares, intervenções cirúrgicas, desportos de
elevado risco, circulação de automóveis, pornografia, experimentação em seres
humanos.
è Condutas de autocolocação em perigo – referentes ao titular ao direito, o titular do
direito, pela sua conduta, aumenta o risco normal para a integridade do bem
jurídico protegido pelo direito.
è Condutas autolesivas – referentes ao titular ao direito, lesão direta do bem jurídico
de direito.
è Condutas renunciantes em sentido amplo – há um terceiro envolvido que não tem
que ser um beneficiário da conduta (vinculação jurídica perante terceiros, v.g.

Rebeca Louro - 2018 45


contrato de trabalho).
o As fronteiras não são estanques.
è O Estado está encarregado e vinculado a um dever de proteção das pessoas contra
si mesmas, condutas adotadas por quem não possui uma ou as duas capacidades
em baixo referidas:
o Menores.
o Portadores de deficiências ou doença mental.
o Pessoas sob coação.
o Incapacidade acidental.
è A situação é problemática quando as condutas são adotadas por quem:
o Em concreto (informação em concreto que justifique que o Estado intervenha
como forma de preocupação, qual o seu papel neste tipo de situações), tem
capacidade para
o Formar corretamente a sua vontade e para
o Se determinar\agir em conformidade com essa mesma vontade consciente.
§ Recusar tratamentos médicos, a informação é importante; suicídio a questão
da informação aqui não é importante, só a é quando o senso comum não nos
diz as consequências de determinada conduta; piercings e desportos radicais,
os riscos não são conhecidos dos respetivos praticantes, normalmente, quem
gosta de uma coisa, tende a achar que não é perigosa – a conduta deve ser
adotada em concreto por quem tenha a informação necessária para a
adotar.
è São condutas que comportam riscos ou são lesivos apenas de direitos
fundamentais do respetivo titular. Mas há condutas que, sem prejuízo da
autoprejudicialidade, colocam também em perigo ou são suscetíveis de atentar
contra direitos fundamentais de outras pessoas (ou, por ventura, contra certos
valores constitucionais ou interesses comunitários), v.g. o tabaco: direito a ser deixado
em paz?
o Questão da pornografia evitável – anúncios na televisão de linhas eróticas – e
pornografia não evitável – anúncios que aparecem no computador.
o Alguns direitos fundamentais transformaram-se também em deveres
fundamentais, designadamente, para reduzir os riscos: usar capacete na
construção civil, usar cinto de segurança.
è Há situações em que os Estado não protege, mas nas que protege, importa distinguir:
o Proteção (não forçada) em relação a condutas do próprio titular do direito.
o Proteção (forçada) contra a vontade do próprio titular do direito, os
particulares resistem, alguns direitos fundamentais transformam-se,
verdadeiramente, em deveres fundamentais.
o Proteção contra terceiro – sem excluir o Estado – relativamente aos quais o
titular do direito consentiu na agressão desse mesmo direito ou renunciou ao
seu exercício.

Rebeca Louro - 2018 46


(In)disponibilidade dos Direitos Fundamentais:

è Posições jurídicas indisponíveis.


è Posições jurídicas inteiramente disponíveis, nas relações jurídicas entre sujeitos
privados os direitos fundamentais são, em princípio, disponíveis, isto é, condutas
adotadas para quem em concreto as adotar e se determinar com a sua vontade e
comportem os riscos apenas dos respetivos titulares dos direitos fundamentais,
vale esta ideia de disponibilidade, para o livre desenvolvimento da personalidade,
mas há outros direitos fundamentais que justificam a impossibilidade de o Estado
se opor à conduta renunciativa, autolesiva ou de auto colocação em perigo, como
a integridade moral, direito à imagem (tatuagens e piercings, ainda que daí resultem
danos para a saúde do próprio), liberdade religiosa (jeovás recusão transfusões de
sangue), liberdade de escolha de profissão, liberdade de investigação científica. Os
direitos fundamentais não devem funcionar como direitos boomerang, isto é, que
representam uma vantagem para o particular, mas depois o obrigam a ter uma
conduta padronizada e razoável, não há nenhum princípio geral de uso razoável de
direitos fundamentais (ninguém pode ser obrigado a viver uma vida digna que o seja
única e exclusivamente aos olhos dos outros).
è Posições intermédias sobre a renúncia:
o Nunca a todos os direitos, ou seja, a cada direito e não à totalidade dos direitos
(ex.: contrato de escravatura).
o Nunca ao direito fundamental como um todo, abrangendo todas as suas
faculdades (ex.: suicídio, está prestes a atirar-se e alguém empurra ou a polícia
dispara, aí a pessoa não reunciou).
o Exercício e não titularidade.
o Nunca indefinidamente, existe revogabilidade, as condutas são sempre
revogáveis (ex.: combate de boxe, maternidade de substituição).

Harm principle

è A única vez que pode ser exercido contra a vontade do titular é para evitar
prejuízos para terceiros (ex.: vacinação).
è “A única finalidade pela qual o poder pode, de pleno direito, ser exercido sobre um
membro da comunidade política contra a sua vontade, é a de evitar que prejudique
outros. O seu próprio bem, físico ou moral, não é justificação suficiente. Ninguém
pode ser obrigado justificadamente a praticar ou a não praticar determinados actos,
porque isso seria melhor para si próprio, porque o faria mais feliz, ou porque, na opinião
dos demais, isso seria mais acertado ou até mais justo. A única parte da conduta de
cada pessoa pela qual está é responsável perante a sociedade é aquela que se
refere aos outros. Na parte em que apenas concerne a si mesma, a sua independência
é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo, sobre o seu próprio corpo e mente, o
indivíduo é soberano” – Stuart Mill, “On liberty”.

Rebeca Louro - 2018 47


Autotutela, proteção jurisdicional e
administrativa

Acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20º)

è Tutela geral dos direitos fundamentais, em particular, dos direitos, liberdades e


garantias.
è Acesso ao direito: questão de conhecimento.
è Acesso aos tribunais: questão processual, via feita pelo legislador.
è Visa reconstiruir, tanto quanto possível, a ordem jurídica, pois há lesões
irreversíveis, como o dano morte.
è O acesso ao direito é prévio ao acesso aos tribunais. O primeiro não é em Portugal
um objetivo prioritário da Administração Pública, são relativamente escassos os serviços
que desempenham esta função. Não existe uma estrutura global montada de
prestação de informações jurídicas aos cidadãos.
è O acesso aos tribunais não pode ser denegado por falta de meios económicos.
Este é acompanhado pelo direito de patrocínio judiciário, ou a expensas do próprio,
ou no regime em que a ordem dos advogados designa um defensor oficioso.
è Consagra uma decisão num prazo razoável. Há discrepância entre a justiça cível e a
justiça administrativo-fiscal, daí a explosão de tribunais arbitrais e meios alternativos de
resolução de conflitos e litígios.
è O nº5 diz que para a defesa de direitos, liberdades e garantias pessoais, há uma
incumbência do legislador de procedimentos judiciais caracterizados pela
celeridade e prioridade, de modo a obter tutela a tempo útil contra ameaças e
violações já consumadas desses direitos.
è O nº3 fala em adequada proteção do segredo de justiça. Trata-se de uma norma
não exequível por si mesma, o segredo de justiça é um instituto bifronte: é um direito
fundamental da pessoa que está a ser objeto da investigação – é fundamental para
proteger o bom nome e reputação das pessoas que podem ser inocentes, daí a
presução de inocência até trânsito da sentença, esta vincula o Estado e as diferentes
instâncias do sistema judiciário, mas não vincula as convicções pessoais do
cidadão, há um ónus sobre Ministério Público de provar que determinados factos
ocorreram efetivamente; e uma garantia de eficácia do processo penal e de
investigação – em fases preliminares é decisivo para que as pessoas não
esconderem provas, etcetera.
è Não quer dizer que não haja casos de autotutela, no direito civil são:
o Legitima defesa.
o Ação direta.
o Estado de necessidade – direito civil.

Rebeca Louro - 2018 48


Direito de resistência (artigo 21º) e outras formas de autotutela

è O direito de resistência é uma forma de autotutela dos direitos fundamentais.


è Só faz sentido quando a ordem, que ofende os direitos, liberdades e garantias, parte
de uma autoridade pública. Este direito tem, na prática, por efeito de isentar os
resistentes do crime de desobediência.

Proteção jurisdicional efectiva (artigos 20º , 32º e 268º)

è Na tutela de direitos fundamentais é importante no princípio de tutela jurisdicional


efetiva, é necessário que o conjunto de meios processuais disponíveis seja capaz
de conferir aos particulares uma tutela jurisdicional efetiva.
è Há quem diga que esta tutela é um direito escasso, esta tutela não é um argumento
paspatur sempre que não se vê as pretensões satisfeitas.
è Começa no artigo 20º e aparece noutros dois domínios particulares:
o Processo penal (32º): processo criminal assegura todas as garantias de defesa,
isto é, todas aquelas que são necessárias, incluindo o recurso. Há um duplo grau
de jurisdição, pelo menos uma possibilidade de recurso, ou seja, pronunciar-se
duas vezes sobre a mesma questão. A estes recursos acrescem os recursos
especiais. É assim porque se presume inocente até trânsito em julgado e tem
direito a um defensor, há uma limitação da investigação às provas obtidas
legalmente apenas (nº8).
o Processo administrativo-fiscal (268º): direitos dos cidadãos na qualidade de
administrados, um desses é o direito a impugnar as decisões administrativas,
independentemente da sua forma; direito à adoção de medidas cautelares
adequadas.

Recurso de constitucionalidade (artigo 204º)

è Recurso constitucionalidade, possibilidade de suscitar a inconstitucionalidade das


normas jurídicas potencialmente aplicáveis.
è Todos os tribunais podem recusar a aplicação de uma norma com fundamento na sua
inconstitucionaidade – qualquer inconstitucionalidade.

Responsabilidade civil dos poderes públicos (artigo 22º)

è Responsabilidade civil do Estado e demais Pessoas Coletivas Públicas no


exercício de qualquer uma das funções do Estado pelos danos causados aos cidadão,
pelas suas ações ou omissões.
è Esta é solidária com os tribunais, os órgãos\funcionários ou agentes (caso do artigo

Rebeca Louro - 2018 49


501º do Código Civil que aplica o regime do 500º sobre a relação de comissão).
è O particular demanda, na maioria dos casos, o Estado (que tem uma garantia
patrimonial maior):
o Pode haver responsabilidade civl só do Estado ou só ao
órgão\funcionário\agente.
o Tem direito de regresso do titular do órgão, funcionário ou agente, se tiver agido
com dolo – quando o Estado paga ao particular.
è Não significa que a responsabilidade do Estado só exista quando haja responsabilidade
do órgão, funcionário ou agente.

Provedor de Justiça (artigo 23º) e autoridades administrativas


independentes

Entidade Administrativa Independente:

è Via suis generis de proteção dos direitos fundamentais levada a cabo por autoridades
administrativas independentes. São entidades administrativas muito específicas, não
integram a administração direta, indireta ou autónoma, que estão sempre sujeitas a
poderes de direção, tutela e superintendência por parte do Governo [artigo 199º d)].
è Segundo o artigo 267º nº3, a lei pode criar entidades administrativas
independentes, mas a Constituição também pode criar entidades que não estão
sujeitas a poderes do Governo. Não têm exatamente a mesma natureza.
è A mais importante é o Provedor de Justiça (artigo 23º), tem a função de defesa dos
cidadãos em face das instituições públicas para tutela dos respetivos direitos,
esta é uma competência genérica para todos os direitos fundamentais. Não tem
poderes decisórios, ele formula recomendações, mas estas têm poder significativo.
Como é nomeado pela Assembleia da República, estes últimos tinham um perfil
demasiado suave nos últimos anos.
è Há outras entidades administrativas independentes que têm competências
específicas para a tutela de determinados direitos:
o Artigo 35º – Comissão Nacional de Proteção de Dados.
o Artigo 38º – no domínio da Comunicação Socia há a Entidade Reguladora da
Comunicação Social, visa proteger a privacidade, bom nome e reputação, não é
saudável a sua politização.
o Artigo 48º e seguintes – Comissão Nacional de Eleições, proteção dos direitos
políticos – uma parte significativa é composta por Magistrados.
o Artigo 92º – Conselho Económico-Social, importante para os trabalhadores, uma
vez que faz as negociações entre trabalhadores e empregadores.
o O próprio Ministério Público, com vocação suis generis, anda a paredes meias
com a função administrativo e jurisdicional – evolução clara para o reforço da sua
independência.

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Regulação de Setores de Mercado

è Não confundir com as entidades reguladoras que também se dizem independentes,


nestas, o que está em causa a supervisão e regulação de determinados setores de
mercado (ex.: Banco de Portugal, ANACOM, CMVM, ERSE, ERAR).
è Há domínios da atividade económica em que, no passado, o Estado tinha um papel
muito importante, era até muitas vezes detentor de empresas monopolistas, em
que o Estado se retira, entram várias empresas em concorrência, mas o Estado cria
uma entidade reguladora desse mesmo sub-setor.
è São opções dos Governos que acham que aqueles setores são melhor regulados não
de forma direta, mas por entidades reguladores independentes.

Fiscalização administrativa da constitucionalidade (18º, nº 1, e


266º)

è Artigos 18º nº1 e 266º, já adiantado supra (página 38).

Direitos sociais: fonte de infindáveis dilemas

Direitos a prestações

è Podemos falar dos direitos sociais num sentido histórico da expressão e aí começa-
se pelos direitos dos trabalhadores, como direitos de classe que visavam protegê-
los na sua relação com o empregador.
è Na Constituição há direitos dos trabalhadores quer do lado dos direitos, liberdades e
garantias, quer no lado dos direitos económicos, sociais e culturais. O critério é um
critério estrutural.
è Tendencialmente aparecem como direitos positivos, como direitos a prestações por
parte do Estado (podem ser materiais [educação ou saúde] ou pecuniárias
propriamente ditas [Segurança Social]), em que a Constituição fixa, por regra, em
termos universais a titularidade do direito e, depois, estabelece um conjunto de
incumbências do Estado para a concretização desses mesmos direitos. Neste
quadro, os direitos dos trabalhadores aparecem entre os que têm estrutura negativa
(ex.: direito à greve ou não ser despedido sem justa causa) e os que têm estrutura
positiva (ex.: subsídio de desemprego, direito a condições de higiene e segurança no
local de trabalho).
è Não é o único caso em que, no conjunto temático de direitos, aparece repartido, como
acontece no direito à educação.
è Há, portanto, um critério histórico (identifica os direitos sociais como os direitos dos
trabalhadores) e um critério estrutural (olha para os direitos como direitos a

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prestações do Estado, em larga medida, dependentes da capacidade do Estado para
a sua realização).
è Nem todos os direitos sociais colocam o cidadão como credor de prestações por
parte do Estado (ex.: saúde, segurança social, habitação); também há alguns direitos
sociais são eficazes nas relações entre privados, dizem respeito aos empregadores.
è O direito ao ambiente tem alguma proximidade com alguns direitos sociais, mas é de
uma outra geração, portanto, diferente, em que há uma estrutura triangular, o Estado
tem que coordenar as diferentes esferas de liberdade entre os sujeitos jurídicos.
è A doutrina persegue a distinção entre direitos, liberdades e garantias e direitos
económicos, sociais e culturais, mas não se apercebe de duas categorias unitárias,
mesmo nos direitos sociais não há um direito igual ao outro, como o direito à saúde
(tendencialmente gratuito) e à segurança social (por regra, pressupõe prestações dos
beneficiários durante um determinado tempo).
è Há direitos sociais que também se impõem nas relações entre privados e não apenas
com o Estado.
è Os direitos, liberdades e garantias também têm dimensões positivas e os direitos
económicos, sociais e culturais também têm dimensões negativas.

Direitos de pessoas especialmente necessitadas

è Nem sempre os direitos sociais significam direitos a prestações. Na maior parte dos
casos são direitos derivados a prestações, isto é, a subjetivação do direito não surge
apenas da norma constitucional, supõe uma concretização legislativa.
è Pode ser visto na perspetiva de pessoas particularmente frágeis ou carenciadas, não
são, necessariamente, universais. Pois, depois dos direitos sociais, há a família, a
juventude, os deficiente, os idosos, etcetera. Estes não são universais como os do início
do catálogo dos direitos sociais, são, sim, dentro de cada uma das suas categorias (os
direitos dos idosos são universais a todos os idoso; os direitos de maternidade não
podem ser invocados por quem não têm filhos).
è Estes grupos necessitam de uma especial proteção que estes grupos têm no conjunto
da população.

Direitos de acesso procedimentalmente justo

è Mas podem ser, também, vistos de uma prespetiva procedimental, ou seja,


considerando que os recursos são sempre limitados, estes podem ser um direito de
quota parte, um direito procedimentalmente justo, v.g. o direito de acesso à
universidade, pois não há vagas para todos os alunos, o direito à educação neste caso
é o direito de que exista um procedimento justo de acesso.
è Em qualquer circunstância os recursos são sempre escassos, por exemplo, no direito
à saúde, os órgãos são escassos, é preciso desenhar um processo com critério
objetivos, para além da ordem, da condição natural, critérios de urgência, dar
prevalência a um fumador ou não, etcetera.

Rebeca Louro - 2018 52


Custo dos direitos: o problema da reserva do materialmente
possível

è Os direitos sociais constam, na maior parte dos casos, de normas programáticas,


estas impõem atividade ao legislador e à Administração, mas a sua concretização
depende de recursos financeiros.
è Cabe ao Governo e à Assembleia da República repartir os recursos. É
pacificamente aceite, mas significa que o nível de concretização dos diferentes
direitos sociais pode variar de acordo com cada um dos momentos e exercícios
orçamentais que estiverem em causa.

Proibição do retrocesso?

è Aquela ideia era usada em conjunto com uma outra, que se designava, normalmente,
por proibição do retrocesso, ou proibição do retrocesso social.
è Esta tem uma origem claramente marxista e, no fundo, estava associada à ideia de
que a história tem um caminho pré-definido de emancipação dos trabalhadores e
melhoria de condições de vida destes.
è No fundo, estas ideias, reserva do financeiramente possível e proibição do
retrocesso, são inconciliáveis uma com a outra. Para se proibir o retrocesso é
preciso ter garantido que os recursos financeiros crescem sempre, o que não é
verdade.
è Esta ideia de “transição para o socialismo”, “irreversibilidade das nacionalizações” que
aparecia nalguns preceitos constitucionais, acabou por ser reduzida no seu alcance.
è Há um acórdão do Tribunal Constitucional de 1984 que foi redigido por Vital Moreira,
militante do partido comunista, a propósito do serviço nacional de saúde, que não
existia, mas cuja existência a Constituição impunha – houve uma lei que impunha a
existência e o Governo seguinte revogou essa lei, o legislador não pode desfazer ou
incumprir o que já tinha feito – esta ideia foi difícil de sustentar.
o Não há uma proibição do retrocesso absoluta, apenas relativa.
o O que não pode haver é um retrocesso sem justificação ou fundamentação.
è Esta ideia foi perdendo fôlego e a jurisprudência foi reduzindo esta figura, vindo a
sustentar um outro princípio que se designa: princípio da proteção da confiança.

Fiscalização das omissões inconstitucionais

è Se a Constituição estabelece um conjunto de imperativos para a concretização dos


direitos sociais, esses imperativos implicam, antes de mais, produção legislativa,
que caso não surja, acaba por constituir uma inconstitucionalidade por omissão
fiscalizável ao abrigo do artigo 283º da Constituição.

Rebeca Louro - 2018 53


è O problema é que estas normas de direitos sociais são normas que dão ao legislador
significativa liberdade de conformação, e por outro lado, o Tribunal Constitucional
não pode decidir se em determinado contexto existem ou não recursos financeiros
para concretizar determinado direito social.
è Do ponto de vista prático, esta questão não tem uma relevância transcendente porque,
atualmente, praticamente todos os direitos sociais têm legislação suficiente que os
concretize, pelo que não há omissões significativas que precisem de ser
preenchidas. Mas o Tribunal Constitucional não é, de qualquer forma, o órgão
adequado para fazer juízos acerca da disponibilidade, ou não, orçamental para
concretizar normas programáticas.
è Assim, as únicas decisões relevantes neste domínio são a do rendimento social de
inserção (aqui está em causa a dignidade da pessoa humana e não aquilo que estamos
a falar) e a do subsídio de desemprego relativamente aos trabalhadores do setor
público que vêem o seu vínculo laboral cessar (inconstitucionalidade por omissão
porque a norma constitucional que consagra o direito à assistência material em caso de
desemprego foi concretizada para os trabalhadores do setor privado, mas não para os
trabalhadores do setor público).

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