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Apontamentos de Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional

Vera Galhardo Simões

2019/2020

Prof. Jorge Pereira da Silva

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0. Sobre a ideia de Justiça Constitucional

0.1. Jurisdicional: o mais “separado” dos três poderes

Art.º 16º DDHC à “Uma sociedade em que não esteja assegurada a garantia
dos direitos nem estabelecida a separação de poderes não tem uma
constituição”.

Ø Constituição é simultaneamente uma forma de separação de poderes e


de garantia de direitos fundamentais.

Ø Separação de poderes à Justiça constitucional e fiscalização da


constitucionalidade é um tópico importante na separação de poderes.

- Montesquieu definia 3 poderes, atribuía a órgãos diferentes, mas é


nos EUA que surge a interpretação das separação de poderes que
diz que no exercício da função jurisdicional cabe aos tribunais
julgar a constitucionalidade das leis (conformidade com a
constituição).

- Murbury v. Madison à Tribunal recusa aplicar uma lei dizendo


que é desconforme com a constituição, e que por isso é nula

ü Interpretação particular da separação de poderes.

ü Tribunais passam a ter força muito grande nos EUA


(confere-se poder muito mais forte do que aquele que os
europeus estavam dispostos a conferir aos tribunais) à
Europa o poder mais importante era o poder legislativo
(confiam em demasia nas leis).

- Fiscalização da constitucionalidade não é uma decorrência


necessária da separação de poderes à Interpretação particular
deste princípio.

- França à Tribunais até há pouco tempo não se podiam pronunciar


sobre a constitucionalidade.

0.2. Paradoxo do constitucionalismo e “judicial self restraint”

A questão da fiscalização da constitucionalidade levanta um problema que foi


identificado e formulado por Charles Evans Hughes à Paradoxo do
constitucionalismo.

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Ø Vivemos sob uma constituição, mas a constituição é aquilo que os juízes
dizem que ela é.

Ø Constituição só produz efeitos através da boca dos juízes (através das


decisões dos juízes).

Ø Objetivo da constituição é limitar o poder (garantir a separação de


poderes e garantir direitos fundamentais), mas são os juízes em última
análise que decidem o que decorre da constituição à Assim são os juízes
os soberanos e não o povo.

Como se quebra este paradoxo? à “Quem guarda os guardas?”

Ø Judicial self restraint / Separação de poderes funcionalmente adequada

- Juiz constitucional tem, na análise que faz, de conceder ao


legislador um crédito de confiança à Só se pode pronunciar pela
inconstitucionalidade se essa inconstitucionalidade tiver um grau
de evidência significativo.

- Juiz constitucional não tem a mesma amplitude, na apreciação que


faz, que o legislador à Têm que fundamentar as suas decisões
numa evidente desconformidade entre a lei e a constituição.

- Legislador não deixa de ser um intérprete particularmente


qualificado da constituição.

Ø Sociedade aberta de intérpretes da Constituição

- Enquanto povo soberano, temos de ter um olhar crítico sobre


aquilo que são as decisões dos tribunais constitucionais.

- Se queremos que os juízes não ultrapassem as suas funções de


guardas da constituição, temos de estar vigilantes e entrar neste
debate em que vários intérpretes constitucionais são todos
chamados a participar.

- É absurdo a ideia de que temos sempre que respeitar as decisões


dos tribunais à Temos de as respeitar, mas não temos de deixar de
as criticar quando tal se demonstre necessário.

Ø Revisão constitucional

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- Perante uma determinada jurisprudência, os parlamentos acabam
por rever a constituição à Inviabilizar determinadas linhas
jurisprudenciais.

- Soberano aí, através do parlamento, altera a própria Constituição,


vinculando o poder jurisdicional.

Judicial self-restraint à Em que se traduz?

Ø Questões políticas: political question doctrine à Tribunais


constitucionais não se podem pronunciar sobre as questões políticas
subjacentes às leis aprovadas.

Ø Mérito legislativo e política legislativa à Mérito legislativo fora do


controlo jurisdicional.

Ø Questões jurídico-constitucionais

Diferentes graus de intensidade do controlo jurisdicional

Ø US v. Carolene products (1938) à Reserva o strict scrutiny a casos de:

- Clara violação de proibições constitucionais.

- Discriminação de minorias.

- Proteção de direitos básicos.

- Violação de regras essenciais ao processo democrático.

Ø Mitbestimmung (1979) distingue materialmente 3 níveis de controlo:

- Intensificado de conteúdo.

- Sustentabilidade.

- Evidência.

Sociedade aberta de intérpretes

Ø Os cidadãos e os juízes: os donos e os guardas da Constituição. A “única


palavra” e a “última” palavra no “espaço público”.

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Ø Verdadeira sociedade aberta pessoas não se devem autocensurar por não
serem especialistas.

Revisão constitucional

Ø Princípio da sustentabilidade (direitos das gerações futuras).

Ø Limites ao défice e ao endividamento (regra de ouro).

0.3. Sistemas de fiscalização da constitucionalidade

Há várias formas de fiscalizar a constitucionalidade:

Ø EUA à Confere-se a todos os tribunais este poder.

- Fiscalização constitucional difusa.

Ø Europa à 1ª defesa da fiscalização da constitucionalidade é feita pela


mão de Hans Kelsen.

- Sustenta a existência de um tribunal com competência específica


para fiscalizar a constitucionalidade da lei (não deve ser
qualquer tribunal a ter esta competência particular) à Tribunal
Constitucional.

- 1920 à Áustria institui pela primeira vez na história um tribunal


constitucional

ü Atua como “legislador negativo” (tem composição


semelhante a um parlamento, mas não decide casos concretos
à aprecia em abstrato a constitucionalidade das leis que lhe
são submetidas para aplicação).

ü Objetivo é a cassação das leis inconstitucionais.

- Fiscalização constitucional concentrada.

Ø França à Foi resistindo a este movimento, mas na atual constituição


acabou por reconhecer um modelo de fiscalização preventiva.

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- Antes da lei entrar em vigor pode ser submetida a fiscalização
constitucional (Conselho constitucional pode ser solicitado pelo PR
para decidir sobre a constitucionalidade da lei).

0.4. Sistema português de fiscalização

É um sistema que tem componentes dos 3 sistemas (fiscalização difusa,


concentrada e preventiva).

Ø Inconstitucionalidade por ação

- Preventiva à Art.º 278º e 279º CRP.

ü AR ou Governo aprovam lei ou DL e enviam ao PR para


promulgação e o PR tem 3 alternativas à Promulgar,
vetar politicamente, ou suscitar a fiscalização preventiva.

É sempre concentrada, pois apenas o TC faz fiscalização


preventiva, e é sempre abstrata (não pode ser apreciada a
constitucionalidade da norma em casos concretos, visto que a
norma ainda não entrou em vigor).

ü TC tem 25 dias para responder – Pronuncia-se pela


inconstitucionalidade ou pela não inconstitucionalidade.

o Inconstitucionalidade à PR tem de vetar.

o Não inconstitucionalidade à PR veta politicamente


ou promulga.

Nota: Se a lei for promulgada após ser declarada como não inconstitucional,
não significa que esteja imune ao resto dos mecanismos de fiscalização da
constitucionalidade.

- Sucessiva

ü Abstrata à Envio para o TC, por um conjunto de entidades


públicas (Art.º 281º CRP) e TC tem de decidir sobre a
constitucionalidade dessas normas.

o É sempre concentrada, visto que apenas o TC a pode


efetuar uma fiscalização sucessiva abstrata da
constitucionalidade.

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o TC declara com força obrigatória geral (decorre da
força obrigatória geral da própria lei à para a afastar
da ordem jurídica, é preciso um ato em sinal
contrário) a inconstitucionalidade, ou não declara a
inconstitucionalidade.

o Efeito não é o mesmo de uma lei revogatória à De


um modo geral as leis revogatórias só revogam para o
futuro.

§ Declaração de inconstitucionalidade em
princípio destroem todos os efeitos produzidos
pela lei enquanto esta esteve em vigor (eficácia
retroativa), a não ser que seja determinado algo
em contrário.

ü Concreta à Ao abrigo do Art.º 204º da CRP, todos os


tribunais portugueses, no exercício da sua função normal,
podem e devem fazer fiscalização da constitucionalidade
(herança do sistema americano - dever funcional).

o Pode ser concentrada (Art.º 280º CRP) ou difusa


(Art.º 204º CRP).

o Difusa

§ As partes podem suscitar a questão da


constitucionalidade das leis, cuja aplicação
pode ser feita pelo tribunal

§ Se acharem que a lei é inconstitucional, eles não


podem aplicar a lei na decisão que vão proferir.

§ Tribunais não suspendem o processo para a


decisão ser proferida pelo TC à Tribunal
decide o caso sem aplicar a lei que considera
inconstitucional. Da decisão que toma há depois
recurso.

§ É este o instrumento que os práticos do direito


têm quando entendem que determinada norma

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viola um direito fundamental, por exemplo do
seu cliente

o Concentrada à Trata da decisão do TC dos recursos


das decisões dos tribunais.

§ Das decisões tomadas pelos tribunais em


fiscalização difusa cabe recurso para o TC

§ 280º à Dicotomia marcada

§ 2 tipos de decisões à Decisões que apliquem e


que recusem a aplicação.

§ Isto é importante porque o regime de recurso para


o TC é diferente quando se trata de decisão de
aplicação e de decisão de recusa de aplicação.

§ Recusa de aplicação à Quer dizer que o juiz está


convencido de que a norma é inconstitucional e o
recurso é direto para o TC e em alguns casos
obrigatório para o MP.

§ Aplicação à Questão de constitucionalidade foi


aplicada, mas o juiz não se deixou convencer.
Ainda assim esta questão foi suscitada e vão
conseguir chegar ao TC, mas vão ter de percorrer
todos os recursos ordinários. Para o recurso ser
aceite pelo TC, a questão tem de ser efetivamente
suscitada durante o processo

Em fiscalização concreta o TC julga (bem como os tribunais ordinários).

Art.º 281º nº3

Ø Ponte da fiscalização concreta para a abstrata à Quando há 3


decisões de fiscalização concreta a dizer que uma norma é
inconstitucional, o MP pode requerer a abertura de um processo de
fiscalização abstrata

- Processo de generalização.

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Ø Trata-se de afastar da ordem jurídica uma norma que por 3 vezes já foi
julgada inconstitucional em casos concretos

Norma ≠ Preceito legal

Ø Preceito legal à Enunciados linguísticos

Ø Norma à Aquilo que se extrai por interpretação do enunciado


linguístico. É a norma que vai ser remetida para fiscalização. Assim, uma
norma pode ser julgada inconstitucional por ser objeto de uma
interpretação não adequada do enunciado linguístico.

Ø Inconstitucionalidade por omissão à CRP é programática – Faz


sentido este tipo de inconstitucionalidade e da sua fiscalização.

- Ex.: Art.º 29º nº 6 e 41º nº 6 CRP à Se não houver lei, a CRP é


violada por omissão.

- Em termos práticos, há muito tempo que não acontece.

0.5. Recurso de amparo?

Ø Instituto que permite recorrer de qualquer tribunal para o TC, quando há a


violação de um direito fundamental.

Ø Em qualquer tribunal, sempre que uma decisão judicial que


eventualmente viole um determinado direito, o TC é convocado pelas
partes (parte vencida) que entendem que esse direito foi violado.

Ø Este recurso de amparo, porém, carece de um filtro à Um


critério/parâmetro para que estas decisões não tenham de ser todas
apreciadas no TC.

- O nosso sistema também não deixa de permitir recurso para o TC.

- Diferença fundamental relativamente a outros sistemas em que há


recurso de amparo à Em Portugal precisamos de imputar a
inconstitucionalidade à norma jurídica (não pode ser da decisão
judicial em si mesma).

Ex.: Juiz condena arguido por crime que ele próprio inventou à A
inconstitucionalidade está na própria decisão judicial. No nosso

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sistema este tipo de problemas não são passíveis de recurso – só
pode ser questionada a constitucionalidade de normas jurídicas.

- É necessário fazer um esforço por demonstrar que o problema está


na norma em que a decisão judicial se baseia e não na decisão em
si.

Ø Em Espanha e na Alemanha o critério é outro à Tem haver com a


relevância da questão.

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1. Perspetivas de uma mesma realidade: do “estado natureza” às
Constituições

1.1. Perspetiva filosófica

Direitos naturais à São direitos pré-jurídicos, inerentes a todo o homem que


nasce.

Ø A preocupação dos autores liberais é a de que os homens, quando passem


do estado natureza para o estado sociedade, não sejam privados destes
direitos.

Ø São direito inalienáveis à Ideia que surge no momento inical do


constitucionalismo para dizer que quando os homens entram no estado
sociedade não alienam os seus direitos ao estado.

Ø A noção filosófica de direitos naturais ganha conteúdo jurídico quando


passam a ser positivados nas declarações de direitos e nas constituições.

- Declarações não têm a pretensão de criar direitos. Têm função de


relevar, tornar evidentes aqueles mesmos direitos e de impô-los ao
poder como limitação.

- Noutros países não se fizeram declarações de direitos, e portanto a


constituição reúne tanto a organização do poder como os direitos
fundamentais.

- A partir do momento em que são positivados em textos jurídicos,


passamos a falar em direitos fundamentais – catálogo de direitos
que tem uma posição superior aos direitos ordinários.

ü Conjunto de direitos que contêm uma nota de


fundamentalidade

1.2. Perspetiva internacionalista: direitos do homem

Em meados do século XX, depois da 2ª GG desenvolve-se uma 3ª dimensão dos


direitos fundamentais à Dimensão internacional.

Ø A partir da 2ª GG, a comunidade internacional inicia um esforço de


construção de um sistema universal, e depois de vários sistemas regionais
de proteção dos direitos do homem.

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Ø O que está aqui em causa já não é defender indivíduos relativamente ao
seu estado, mas sim independentemente do país ou estado onde se
encontram.

Ø O sistema das Nações Unidas, que é universal, começa com a DUDH e


depois tem 2 pactos concretizadores à Pacto internacional sobre os
direitos civis e políticos e pacto internacional sobre os direitos
económicos, sociais e culturais.

Ø DUDH à Começa por ser declaração meramente política.

- Resolução da assembleia geral das nações unidas.

- Não é tratado e não tem valor jurídico vinculativo.

- Concretizada através de 2 tratados.

- Hoje em dia é considerada norma ius cogens (de direito


internacional público).

1.3. Perspetiva constitucional: direitos fundamentais (contra a maioria?)

A partir do momento em que passam a ser consagrados em textos jurídicos,


passam também a ser direitos contra a maioria e contra o poder.

Ø Tal como a separação de poderes visava evitar o abuso de poder, os


direitos fundamentais servem também aqui como instrumento de defesa
dos indivíduos contra o poder e contra as maiorias conjunturais.

Ø Confronto com pensamento de Rosseau à Defende que a vontade da


maioria não tem limites.

- A lógica dos direitos fundamentais é a de que há um conjunto de


regras que vinculam o próprio poder, e de que em democracia o
poder é exercido através da maioria. Neste sentido os direitos
fundamentais são direitos que estão a salvo de maiorias
conjunturais (não pode uma maioria subtrair direitos do catálogo).

Ø Assim, temos uma dimensão filosófica e uma dimensão jurídico-


constitucional dos direitos

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1.4. Corolário 1: atipicidade e cláusula aberta (artigo 16º nº1)

Art.º 16º nº1 CRP à Estabelece-se uma cláusula aberta (princípio da


atipicidade.

Ø Os direitos fundamentais não são realidade estáticas, estão em constante


mutação à Há tendência para o reconhecimento de novos direitos
sempre que há novas ameaças.

Ø Esta cláusula aberta permite que existam novos direitos, que surjam no
futuro, e que sejam incorporados na CRP à Rigidez constitucional faz
muitas vezes com que surjam novos direitos na legislação ordinária e em
convenções.

- Ex.: Proibição da clonagem (garantia do direito à identidade


genética) à Surgiu numa convenção internacional.

Ø Há direitos que hoje em dia estão na CRP mas que surgiram em primeiro
lugar na lei ordinária.

Ø Significa que os direitos fundamentais não têm de estar no catálogo


constitucional à Podem estar na CRP mas fora do catálogo (Ex.: Art.º
268º nº4 – conjunto de direitos fundamentais dos administrados), fora da
CRP e em convenções internacionais, e em leis ordinários (Ex.: Direito
ao reagrupamento familiar – está regulado pela legislação ordinária que
prevê que cidadãos estrangeiros em Portugal se reagrupem com a sua
família).

Ø Atipicidade é diferente disto à Só significa que pode haver direitos


fundamentais que não têm nome.

- Liberdade que resulta da CRP é inominada à Permite fazer tudo


aquilo que não está proibido na lei.

Conclusão à Uma das características dos direitos fundamentais é não se


esgotarem no catálogo e de por vezes surgirem liberdades sem nome

1.5. Corolário 2: Interpretação à luz da DUDH (artigo 16º nº2)

Precisamos depois de um critério de fundamentalidade.

Ø Os direitos que estão fora da CRP nem todos merecem esta qualificação.

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Ø Critério de fundamentalidade é a dignidade da pessoa humana.

Ø Art.º 16º nº2 à Direitos fundamentais consagrados na CRP devem ser


interpretados e integrados à luz da DUDH

- Princípio geral de interpretação de acordo com as normas


superiores à Corolário óbvio de que o direito inferior deve ser
interpretado de acordo com o direito superior.

- DUDH à Ius cogens – representa um limite ao poder constituinte


(legislador constituinte não dispõe de total liberdade).

ü Limite q decorre do direito internacional.

- Em bom rigor, na prática não se retiram muitas consequências à


DUDH é bastante mais restrita que a nossa CRP.

- Direito internacional normalmente é o mínimo denominador


comum entre todos os estados.

Dignidade da pessoa humana

Ø Art.º 1º DUDH à Refere-se à dignidade da pessoa humana à “Todos os


seres humanos nascem iguais em dignidade e em direitos”.

- Não quer dizer que não deixem de ser iguais e que não percam a
liberdade ao longo da vida.

- Igualdade é apenas na dignidade à Temos talentos, capacidades,


vícios diferentes, mas somos iguais nessa raiz, e consequentemente
somos também iguais em direitos.

- É muito diferente sermos iguais e iguais em direitos à Igualdade


em direitos é um 2º patamar que decorre da igual dignidade.

Ø América do Norte: Declaração de Direitos da Virgínia (1776).

Ø França: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Declinações

Ø Constituição de Bona – Art.º 1º.

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- Impõe dever estadual de respeito e proteção estadual.

Ø CRP – Art.º 1º

Ø Constituição Brasileira à Art.º 1º

Ø Carta dos direitos fundamentais da UE à Art.º 1º.

- Retoma ideia da Constituição alemã.

- Inclui também os poderes não estatais.

1.6. De Pico della Mirandola a Gunter Dürig

Há posições variantes relativamente ao significado da dignidade humana.

Matriz religiosa à Todos os homens são filhos de Deus, e são de certa forma o
reflexo da dignidade de Deus.

Ø Giovanni Pico della Mirandola à “Soberano artífice de si mesmo”.

- A dignidade é uma característica exclusivamente humana. É a


capacidade do homem de ser soberano e artífice de se mesmo.

- Distingue-se de todos os outros seres vivos, com a sua capacidade


transformativa para decidir o que quer ser e agir em conformidade
com essa decisão para uma alcançar.

Ø Emanuel Kant à “Trata a humanidade (existente na tua pessoa), na tua


pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre simultaneamente como
um fim e nunca apenas um meio”.

- Aquilo que há de humano em cada um de nós é aquilo que há de


humano nos outros. Não deve ser tratado exclusivamente como um
meio, mas simultaneamente como um fim e um meio.

- O homem não pode ser utilizado em nenhuma das suas dimensões


(física, intelectual, espiritual, etc.) ao serviço de fins alheios,
objetivos de terceiros, etc.

Fórmula de Gunter Dürig

Ø Gunter Dürig à “Fórmula do objeto”.

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- Ordem jurídica, seja em qualquer das suas dimensões, nunca pode
transformar uma pessoa num objeto, numa máquina.

- Contraposição entre pessoas e coisas à Ideia de que em nenhuma


circunstância uma pessoa pode ser instrumentalizada, transformada
numa máquina complexa.

Quando queremos saber se determinado direito merece a qualificação como


direito fundamental, temos de perguntar qual a relação que esse direito tem com
a dignidade humana, e se é uma armadura jurídica que visa proteger a dignidade
humana.

1.7. Dignidade da pessoa humana: o consenso possível numa sociedade aberta

Ø A dignidade da pessoa humana é a pedra de toque de todas as ordens


jurídicas ocidentais e de todos os sistemas jurídicos humanistas e que
assentem nos pilares:

- Filosofia grega.

- Direito romano.

- Moral cristã.

Ø Este princípio está no epicentro das ordens jurídicas ocidentais e,


principalmente, da ordem jurídica portuguesa.

Ø Consagrada no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos


Humanos e no Art.º 1º nº1 da Constituição Alemã de Bona. A sua fixação
nos textos jurídicos é, em larga medida, consequências das tragédias
humanas da 2ª GG. Desde aí expandiu-se para muitos outros textos
jurídicos.

Ø Em Portugal:

- Art.º 1º à Base da República, sem prejuízo de outros afloramentos


ao longo do texto constitucional.

- Art.º 13º à Igual dignidade de todos os homens.

- Art.º 25º à Integridade física, proíbem-se penas degradantes.

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- Art.º 16º à Determina-se que o Estado tem que estabelecer
mecanismos de preservação da dignidade humana, quando trata
informações relativas às pessoas ou às famílias.

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2. Desenvolvimento geracional: um caminho feito a caminhar

2.1. Direitos civis (e direitos de personalidade)

Ø Estes são os direitos consagrados nas primeiras declarações de direitos e


constituições, a seguir às revoluções liberais.

Ø Pré-existem, ou seja, já existiam no momento em que foram recolhidos


nas declarações/constituições.

Ø Eram aplicáveis nas relações entre cidadãos.

Ø São transformados em direito na relação entre os indivíduos e o Estado.

Ø São direitos que já tinham tutela nos ordenamentos penais e


constitucionais.

Ø Servem de instrumentos de defesa dos indivíduos para garantir a sua


defesa relativamente ao estado.

Ø Declarações e primeiras constituições não criam estes direitos do zero à


São herdeiras da tradição jurídica do direito ordinário anterior.

Ø Bens jurídicos fundamentais não nascem com as revoluções liberais à O


que é importante aqui é o facto de pegarem nesses direitos e terem
verticalizado estes direitos (direitos existiam em relações entre sujeitos
privados e passam a ser garantidos também nas relações com o poder
político).

Ø Os direitos da 1ª geração à Vida, integridade física, propriedade,


liberdade de circulação e contratual, etc.

Ø São essencialmente direitos negativos à Direitos a que o estado não


interfira na esfera individual

- Direitos de defesa contra o Estado.

- Reserva de ação dos indivíduos face a possíveis agressões do


Estado.

Ø Ainda hoje estes direitos figuram também nas ordens jurídicas civis à
CC tem um conjunto de direitos de personalidade.

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- Estes direitos no CC são também direitos fundamentais através da
cláusula de receção.

ü Art.º 16º CRP à Direitos de personalidade são direitos


fundamentais provenientes de lei ordinária.

2.2. Direitos políticos: de privilégios de classe a direitos universais

Ø São contemporâneos dos direitos civis.

- Aqui declarações e constituições são mais inovadoras.

- Direito de voto, de se apresentar a eleições, de constituir partidos


políticos, liberdade de expressão que pode ter uma prorrogação
política.

Ø Todavia, o contexto de consagração destes direitos é ainda um contexto


muito pouco democrático e por isso, apesar de terem sido consagrados
como tal, estes direitos políticos são mais privilégios de classe do que
propriamente direitos fundamentais

- Não há direitos fundamentais sem igualdade (reconhecimento da


igual dignidade de homens e mulheres) à Sem igualdade, atribuir
a alguém um poder não é atribuir-lhe um direito fundamental, é
atribuir um privilégio inerente a um estatuto económico ou social.

- Sufrágio não era universal à Alargamento do sufrágio é um


processo muito demorado.

Ø Para Rosseau, a soberania residia em todos os indivíduos da comunidade,


e por isso, só existe democracia quando cada um desses indivíduos exerce
direito de voto pessoalmente à Democracia Direta.

Ø Para Montesquieu, a soberania residia no conjunto dos indivíduos, na


nação. Para que a nação se faça representar no Parlamento, basta que
alguns votem (os mais qualificados, os com posição social mais elevada)
à Democracia Representativa.

Ø Os direitos políticos têm vindo a expandir-se no sentido de intensificar a


participação dos cidadãos.

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Ø A democracia representativa assenta numa desconfiança significativa
relativamente ao voto popular (apesar de ter acabado por evoluir para o
sufrágio universal).

Ø Democracia portuguesa (Art.º 1º CRP) à Combinação entre uma base


representativa, mas com instrumentos que visam favorecer a cidadania
ativa, que não votar apenas de 4 em 4 anos.

Ø Direitos políticos são contemporâneos dos direitos civis. Do ponto de


vista da sua consagração jurídica são na verdade direitos que se vão
desenvolvendo e ganhando caráter de direito fundamental ao longo do
Séc. XIX e XX.

Ø Direitos políticos são por vezes vistos como uma 2ª geração que se vai
desenvolvendo ao longo do tempo.

2.3. Direitos dos trabalhadores e, depois, direitos sociais

Ø Geração seguinte de direitos.

Ø Vão nascendo progressivamente nas leis ordinárias.

Ø A sua primeira aparição é a seguir à 2ª GG.

Ø 2 realidades historicamente diferentes:

- 1º momento à São essencialmente direitos de classe, dos


trabalhadores, de proteção dos trabalhadores nas relações laborais
(ter jornada de trabalho, dia de descanso semanal, garantias
mínimas de retribuição, direito à greve, direito de associação
sindical, direito a condições de trabalho condignas).

- 2ª momento à Depois da 2ª GG com a universalização dos direitos


sociais (todos têm direito a saúde, educação, SS, e em alguns
casos, à habitação).

Ø CRP à Entre os direitos dos trabalhadores (1º momento) e direitos


sociais (2º momento) há grande diferença.

- Os primeiros direitos dos trabalhadores nem sequer eram


verdadeiramente positivos à Eram direitos de classe mas não
deixavam de ser direitos contra agressões concretas, direitos de

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proteção dos trabalhadores face aos empregadores, e por vezes
contra o estado).

ü 1ª fase à Os direitos dos trabalhadores não são positivos,


não são direitos a prestações sociais.

- Só no 2º momento é que os direitos sociais ganham natureza


positiva e prestacional à Direitos de crédito dos indivíduos a
prestações estaduais.

Conclusão à Na sua origem os direitos desta geração são dos trabalhadores,


face a ameaças que encontram nas empresas e na relação com os empregadores.

Assim, e considerando que os direitos políticos devem ser autonomizados à


Temos já 3 gerações de direitos

Ø Há quem diga que esta metáfora das gerações não é correta.

- Normalmente, nos ciclos geracionais, nasce nova geração e as mais


antigas vão morrendo.

- Aqui, o processo é mais de acumulação de direitos, do que


propriamente de substituição de gerações.

Ø Ainda assim, há que reconhecer que cada vez que nasce nova geração,
isto transforma as gerações antigas.

2.4. Direitos ambientais: um direito sem fronteiras

Ø Surge a seguir a “geração verde” dos direitos fundamentais à Década de


70 Séc. XX.

Ø Tem como centro a preservação do ambiente.

Ø Fortemente influenciados por Hans Jonas.

Ø Direito ao ambiente tem estrutura particular.

- Não é bem um direito social como a educação, a saúde e a SS.

- Não exige da parte do estado o mesmo tipo de prestações.

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Ø Este direito todavia acabou por ficar sozinho à Esta geração não gerou o
surgimento de outros direitos a par do direito ao ambiente.

Ø Prolongam-se até aos nossos dias à São direitos reativos.

2.5. Direitos da era tecnológica: das máquina fotográficas à clonagem

Ø São direitos que surgem de ameaças de natureza tecnológica.

Ø Geração a seguir aos direitos ambientais.

Ø Direitos de autor são consagrados como direitos fundamentais em vários


textos.

- As ameaças mais recentes contra os direitos de autor são a


máquina fotocopiadora, gravadores de áudio, gravadores de vídeo,
etc. à Levam a cópias ilegais de coisas protegidas por estes
direitos

- A perspetiva dos direitos de autor mudou à Se não há garantia do


processo artístico, os artistas vão deixar de criar.

- Não é eticamente neutro copiar obras protegidas por direitos de


autor.

2.6. Cada ameaça, cada direito: a natureza reativa dos direitos

A evolução dos direitos fundamentais revela que têm uma característica de


estarem sempre em movimento, vão-se desdobrando à medida que vão surgindo
novas ameaças.

Ø Direito à vida à Reage contra as execuções sumárias (típico do regime


Nazi).

Ø Integridade física à Reage contra a tortura.

Ø Habeas Corpus à Reage contra as prisões arbitrárias.

Ø Inviolabilidade do domicílio à Reage contra as buscas domiciliárias sem


uma autorização legal.

Ø Inviolabilidade da correspondência à Reage contra o controlo da PIDE


nos correios, entre outros.

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Ø Liberdade de expressão à Reage contra a censura.

Ø Propriedade à Reage contra a expropriação e requisição.

Ø Direito ao emprego à Reage contra o despedimento sem justa causa.

Ø Direito à privacidade à Reage contra as máquinas fotográficas portáteis.

Ø Direitos de autor à Reage contra as fotocopiadoras e gravadores de


vídeo.

Ø Direito ao ambiente à Reage contra a poluição.

Ø Inviolabilidade das comunicações à Reage contra as escutas telefónicas.

Ø Direito à correção e apagamento à Reage contra as bases de dados.

Ø Direito ao esquecimento à Reage contra os motores de busca (Google).

2.7. Direitos novos e declinações novas de direitos velhos

Vão surgindo novos direitos que estão tutelados ao abrigo da cláusula geral do
Art.º 16º CRP (Ex.: Direito à identidade genética), mas também os direitos
velhos se vão desdobrando em novas faculdades (Ex.: Faculdade de
esquecimento do direito à utilização informática) e novas interpretações do
próprio direito que, devido à evolução tecnológica, são necessárias fazer face às
novas ameaças.

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3. Desenvolvimento funcional: multidimensionalidade dos direitos
fundamentais

3.1. Direitos de (autonomia e) defesa

Ø Neste caso vamos ter o Estado como devedor negativo.

Ø Os direitos fundamentais surgem como instrumentos de defesa do


indivíduo contra condutas agressivas do Estado (direitos civis).

Ø Há uma relação vertical ascendente à Titular do direito é um sujeito


privado, e o sujeito passivo é o Estado.

Ø Este esquema dominou o pensamento durante muito tempo, mas esta


visão olha para o direito fundamental como um direito absoluto, como se
o titular pudesse utilizar o direito como uma armadura que indica para
fora que aquele é o seu sítio reservado, que é o titular que manda, e só se
entra lá com autorização, exceto se se criar uma lei (no Parlamento com
legitimidade à O círculo não é absolutamente inultrapassável, mas supõe
uma autorização prévia.

Ø Em última análise, o Estado tem de se abster à Quanto menos o Estado


fizer, mais intacta fica a esfera do titular.

Ø Direitos negativos.

Ø Os direitos políticos não se enquadram neste modelo pois se o Estado


nada fizer, os cidadãos não têm esse tipo de direito,

- São direitos que implicam que o Estado aja.

- Direitos positivos, mas que também são negativos pois organizado


o processo eleitoral, o Estado não pode interferir na escolha dos
eleitores, condicionando o exercício do direito de voto.

- Isto serve de indicação que não podemos olhar para um catálogo de


direitos e dizer que aquele é apenas negativo ou positivo, pois em
última análise, podem ter características de ambos.

- Não são blocos de mármores pois têm diferentes dimensões, que se


arrumam estruturalmente em diferentes “gavetas”, sendo positivos
ou negativos.

24
3.2. Direitos a prestações

Ø Neste caso vamos ter o Estado como devedor positivo.

Ø Os direitos fundamentais surgem como direitos dos indivíduos a exigirem


prestações dos Estados.

Ø Séc. XX à Dá-se uma afirmação dos direitos sociais, que têm uma
estrutura radicalmente diferente dos direitos de defesa (Ex.: Educação,
saúde, trabalho, habitação).

- Cidadão surge como credor do estado pois tem um direito de


crédito que lhe permite exigir do estado prestações nestes
domínios.

- Os cidadãos não têm este direito em igual medida (Ex.: Na


habitação, depende da sua riqueza), mas há prestações que são
iguais para todos (Ex.: Educação básica para todos,
independentemente de quem são os seus titulares ativos é uma
estrutura que põe o Estado como sujeito passivo e as prestações a
que o Estado está obrigado são de facto à Por exemplo, a escola,
professores etc. – condições necessárias para prestar o serviço da
educação).

Ø Estes direito tinham a mesma dignidade que os direitos anteriores, mas há


autores que defendem o contrário, pois dependem de recursos financeiros
do estado.

Ø O sujeito ativo e passivo são sempre o Estado e o individuo. Os direitos


fundamentais continuam a ser concebidos como relações verticais nuns
casos ascendente, noutros descendente.

3.3. Direitos eficazes nas relações intersubjetivas privadas

Ø Direitos que vinculam cidadãos e entidades privadas.

Ø Vinculam sujeitos à margem do Estado à Entidades privadas com


supremacia sobre os cidadãos não podem fazer aquilo que foi proibido
pelo Estado.

Ø Direitos pensados contra o Estado, que não podem ser inexistentes quanto
a sujeitos privados (direitos sociais alargando-se para todos os outros

25
direitos fundamentais, sendo mais importante para direitos de 4ª geração,
das ameaças tecnológicas).

Ø Art.º 18º CRP à Vem dizer que os direitos vinculam, não só as


entidades públicas, mas também as entidades privadas.

Ø Surge na Alemanha, nos tribunais de trabalho à Relação entre


trabalhador e empregador não é uma relação contratual paritária, pois um
dos sujeitos tem uma posição de prevalência sobre o outro.

- Relação de poder não público, mas sim de poder privado.

- O poder privado deve ter uma postura de respeito para com o


trabalhador como se exige ao Estado.

- Quebra o dogma dos direitos fundamentais serem de defesa, pois


direitos como a vida, integridade física moral já eram reconhecidos
pelas ordens jurídicas civis antes.

- Thomas Hobbes e John Locke à Quando se passa do estado


natureza para estado sociedade, o inimigo passa a ser o estado, daí
que fosse necessário estes direitos de defesa.

3.4. Dimensão de proteção estadual

Ø O Estado tem uma posição de equilíbrio à Regula as relações de modo a


que os cidadãos da base da pirâmide não ponham em causa os direitos
dos outros cidadãos na base da pirâmide.

Ø O Estado continua a manter a posição de abstenção, e noutros casos de


prestador, mas cada vez mais assume a função de coordenação das
esferas jus-fundamentais dos cidadãos à Esta função exige restringir em
larga medida, de cima para baixo, a posição jus-fundamental do agressor,
para proteger as posições dos lesados.

26
Ø Os direitos estão mais expressos numa perspetiva de defesa, e os direitos
sociais como forma de prestação, mas já existem alguns direitos que
refletem o Estado como coordenador (direitos de autor, proteção de dados
e direito ao ambiente).

- Ex.: No direito ao ambiente, os agressores são todos aqueles que


produzem substâncias poluidora, e os lesados são aqueles que
sofrem com isso.

Ø Do Estado exige-se que este aja e não se abstenha. Essa atuação começa
com uma atuação legislativa e depois a sua execução de forma positiva,
de modo pecuniário ou normativo. Não deixa de existir uma relação
horizontal entre lesado e agressor, mas o lesado exige a defesa do Estado.

- Ex.: Tomemos um fumador como agressor. O que o Estado faz é


restringir a liberdade do agressor em fumar, dizendo que ele não
pode fumar em certos sítios. Esta restrição é em nome da proteção
da saúde dos não fumadores. Também coloca obrigações de
informações para as empresas, e neste caso o triângulo passa a um
quadrado.

Ø Nem sempre o triângulo é perfeito:

1. Há casos em que a relação é meramente bilateral, não há


propriamente um agressor titular de direitos fundamentais contra os
quais o Estado possa e deva agir. O agressor também pode estar
fora da jurisdição do Estado (Ex.: Hacker). O agressor e o lesador
podem ser a mesma pessoa (condutas auto referentes, suicídios,
condutas prejudiciais para a saúde, desportos que podem pôr em
causa a integridade física, consumo de álcool e estupefacientes,
etc.).

2. Há relações mais complexas do que um triângulo, como é o caso


do consumo de tabaco, que não é necessariamente uma conduta
autorreferencial. Há o problema do fumador passivo, v.g. não
fumar em espaços fechados. Os comercializadores e produtores
também são obrigados a fazer publicidade negativa (Ex.:
Fotografias nos maços de cigarros).

3. Pode haver um lesado e uma pluralidade de agressores (Ex.:


Atividade de uma fábrica resultando num rio poluído).

4. Há casos em que a relação triangular não é perfeita, pois o lesado

27
não tem personalidade jurídica, isto é, não se poderá defender (Ex.:
Feto, interrupção voluntária da gravidez, embrião humano,
gerações futuras).

O artigo 18º também é essencial para perceber o problema do triângulo


jus-fundamental:

Quando o Art.º 18º diz que vinculam entidades públicas e privadas, a


vinculação de entidades públicas não é apenas um dever de respeito à O nº1 só
faz sentido quando a vinculação também é uma vinculação positiva – direito a
desenvolver um clima adequado à proteção dos direitos fundamentais.

No caso de vinculação jurisdicional é que tem que promover nas suas decisões a
proteção dos direitos fundamentais.

nº2 à A palavra chave da interpretação deste nº é “salvaguardar”.

Ø Muitas vezes pensa-se apenas nas restrições do artigo, mas o sentido do


artigo é o contrário disto à Epígrafe do artigo diz “força jurídica” – ideia
de força, contrária à restrição.

Ø A vinculação dos poderes públicos é uma vinculação à salvaguarda e


proteção desses mesmos direitos. As restrições são o instrumento que
eventualmente é necessário em nome da salvaguarda dos direitos
fundamentais, não se justificam por si mesmas.

Ø É por isso que quando nós fazemos esta análise e confrontamos vários
direitos que nos surgem em determinado caso, temos de começar semrpre
numa perspetiva de “vamos maximizar o conteúdo de um direito, ou pelo
menos vamos procurar conferir a um direito uma força compatível com a
sua consagração constitucional, o que poderá implicar a restrição de
direito de outras pessoas”.

O dever de proteção existe sempre, eventualmente podendo haver necessidade


de restringir à Isto dá um sentido completamente diferente ao princípio da
proporcionalidade.

Ø Proporcionalidade não é apenas proibição do excesso à Essa é apenas


uma vertente do princípio.

Ø Outra vertente é a proibição do défice, da insuficiência de proteção.

Ø Temos de estar focados na promoção do exercício dos direitos.

28
Qual a medida de proteção que tem de dar aos direitos que tem de
proteger?

Ø Quanto mais vulnerável for o titular de um direito, e menos capacidade


tiver de autodefesa, quanto maior for a probabilidade de lesão desse
direito, mais forte tem de ser a proteção estadual.

- O primeiro caso que levou a esta discussão da medida da proteção


e da restrição, foi o da interrupção voluntária da gravidez.

- Neste caso temos um estado legislador, que normalmente protege a


vida através da incriminação do homicídio, mas também pela
administração, polícias, sistema judiciário.

- Questão particular no aborto à A vida está localizada num ser que


ainda não tem personalidade jurídica. Tribunais constitucionais
disseram que não significa que a vida humana não mereça proteção
na mesma.

- Todas as normas incriminadoras implicam uma restrição


significativa da liberdade de quem adota determinadas condutas à
Norma penal implica uma restrição da liberdade das pessoas.

- Irreversibilidade diz que o estado tem dever de proteção? à Todos


os tribunais concordam que o estado tem o dever de proteger a vida
intrauterina – discussão é quanto ao instrumento de proteção. Uns
dizem que é penal, outros dizem que pode ser social (a
generalidade das legislações evolui da proteção penal para a
económico-social).

Isto traz outra luz para o princípio da proporcionalidade à 2 dimensões:

1. Proibição do défice à Obriga o legislador a conferir suficiente proteção


aos direitos fundamentais.

2. Proibição do excesso à Quando o legislador é obrigado a restringir


outros direitos em nome dessa proteção, essa restrição não pode ser
excessiva.

29
3.5. Determinantes organizativas e direitos procedimentais e processuais

Dos direitos fundamentais decorrem ainda efeitos objetivos, organizacionais,


procedimentais e processuais:

Organizacionais

Ø Quer dizer que os direitos fundamentais não podem ser inteirados apenas
como parâmetros de relacionamento entre sujeitos numa lógica de
direitos de crédito ou direitos a exigir prestações e os deveres
correspetivos à São também parâmetros objetivos que fundamentam a
ordem jurídica no seu conjunto.

Ø Há direitos que para o seu normal exercício pressupõem determinadas


formas de organização de entidades públicas e privadas.

- Ex.: Órgãos de comunicação social têm de ter uma organização


interna que permitam aos jornalistas desenvolver o seu trabalho
com independência (liberdade de imprensa) – espaços de liberdade
onde as pessoas encontrem uma atmosfera propícia ao
desenvolvimento da sua atividade.

Ø Há determinadas pessoas coletivas que têm elas próprias de se organizar


como espaços de liberdade.

A CRP determina a existência de uma autoridade administrativa independente


à Porque o estado ele próprio também coleciona dados das pessoas. Não se
pode pôr uma entidade administrativa dependente do Governo a guardar dados
da população, e ao mesmo tempo permitir que o Estado utilize os dados das
pessoas com padrões menos exigentes.

Procedimentais

Ø Há muitos direitos que estão sujeitos a um procedimento.

- Ex.: Naturalização – Tem de haver um requerimento à AP, e


depois há uma decisão administrativa – nessa decisão deve haver
um momento de participação, de audição do interessado.

Ø Quando se diz que há determinados direitos que são procedimentalmente


dependentes, quer dizer que:

30
- Ou há um procedimento para aceder a um direito (Ex.:
Naturalização).

- Ou há um procedimento de restrição, agressivo (Ex.:


Expropriação é o resultado de um processo em que são ponderados
vários elementos e, no fim, a AP decide. Não pode ser um ato
instantâneo).

Processual

Ø Há 2 vertentes:

- Direitos processuais, propriamente ditos (Ex.: Habeas corpus, o


direito é um processo, a possibilidade de abrir um processo).

- Direitos cuja defesa pressupõe o recurso a Tribunal, em bom


rigor, quase todos (Ex.: Art.º 20º nº5 CRP).

3.6. Funções objetivas: institucionais, irradiantes e valorativas

Por vezes aponta-se ainda aos direitos fundamentais uma função valorativa,
irradiante:

Ø Quer dizer que os direitos também se apresentam por vezes como valores.

Ex.: Direito à família (Art.º 67º ) à Valoração positiva da família como


estrutura fundamental da sociedade. É uma instituição, instituto jurídico
que tem de ser individualizado como um todo.

3.7. Dimensão intergeracional e direitos de gerações futuras

Significa não apenas que os direitos vão evoluindo e refinando com o tempo,
mas também que as gerações presentes têm de fazer uso de alguns direitos
fundamentais de modo que as gerações futuras possam beneficiar do exercício
desses direitos.

Ex.: Direito à iniciativa privada ou à propriedade privada prejudicam o direito


ao ambiente; Liberdade de investigação científica.

Ø Princípio da sustentabilidade à Modo como são exercidos estes direitos


tem que ser matizado pela garantia de que isso não compromete que as
gerações futuras venham a ter o mesmo acesso ao tipo de direitos que nós
temos hoje.

31
3.8. Lüth-Urteil e a ideia de “Estado de direitos fundamentais”

Ø Compõe-se uma ideia de multifuncionalidade dos direitos fundamentais


à São omnipresentes na ordem jurídica e no direitos nos dias que
correm.

- Praticamente já não há conflitos jurídicos em que as partes não


procurem dirimir com direitos fundamentais.

Ø Há hoje um Estado de direitos fundamentais, um Estado que leva a


sério os direitos fundamentais na totalidade das suas funções, na
totalidade das suas atuações.

- Há um novo modelo de Estado que já não é um Estado liberal nem


social.

32
4. Unidade ou dualidade: direitos de liberdade e direitos sociais

4.1. Divididos à nascença por um “muro de Berlim”

Ø A partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, houve uma


separação do mundo em blocos, que se refletia também nos direitos
fundamentais.

Ø Até ao muro de Berlim, os direitos estavam divididos em 2 tipos:

- Bloco ocidental afirma superioridade dos direitos civis e políticos.

- Bloco oriental afirma a superioridade dos direitos económicos,


sociais e culturais.

Ø O que importa ver aqui é o que há de verdade nesta separação, o que há


de errado, e o que em última análise deve ser o futuro dos direitos.
fundamentais

Ø Esta dicotomia não é propriamente uma dicotomia de direita vs. esquerda.

- Quando os direitos fundamentais nasceram, os marxistas olhavam


para os direitos fundamentais como os direitos do homem burguês
à Numa primeira aceção estão muito marcados pelo direito de
propriedade e liberdades económica.

- Marxistas à De que serve o direito de propriedade se um pobre


não tem propriedade?

- A primeira reação dos partidos marxistas é a de rejeitar aqueles


direitos como direitos de homem abstrato e não direitos de um
homem concreto à Direitos que não deixavam de ser um
privilégio de classe (daqueles que podem aceder à propriedade,
fundar empresas, etc.) à Não eram direitos que protegessem
pessoas concretas, reais.

Ø Quando surgiram os direitos sociais, os marxistas (sobretudo os marxistas


ortodoxos) também os rejeitaram à Marxistas querem a revolução, não a
reforma do capitalismo. Olham para os direitos sociais também numa
lógica de rejeição, acreditando que se tratavam de uma espécie de
suborno pago aos trabalhadores para manter o modelo de Estado.

33
Ø Do ponto de vista ideológico, quem vai fazer mais avanços nos direitos
sociais são os partidos democratas cristãos

- Os liberais olham os direitos sociais com muita desconfiança à O


Estado vai-se impor, vai ganhar poder, o que significa esmagar a
liberdade.

Ø Séc. XX à Consome-se nesta discussão, em larga medida ideológica, do


que é que são os verdadeiros direitos.

- Liberais diz que tudo o que depende do estado não são verdadeiros
direitos à Verdadeiros são os direitos civis e políticos.

- Marxistas ortodoxos rejeitam todos.

- Doutrina social cristã à Quer que os direitos sociais se juntem aos


da 1ª geração como direitos verdadeiros e próprios.

Ø Na Europa ocidental progressivamente se vai aumentando a margem de


apoio político à Gerou-se um amplo consenso a favor dos direitos
sociais, ainda que este amplo consenso não se tenha traduzido nas
constituições propriamente ditas.

Ø Situação suis generis à Fizemos constituição em 1976, e no Parlamento


havia 2 correntes muito claras:

- Partidos mais à direita queriam que os direitos civis e políticos


estivessem em primeiro lugar na CRP.

- Partidos mais à esquerda queriam que os direitos económicos


sociais e culturais estivessem em primeiro.

Ø Há como que um compromisso entre os direitos civis e políticos, e os


direitos económicos, sociais e culturais à À época nenhuma outra
Constituição ocidental tinha um catalogo de direitos sociais tão amplo.

4.2. Indivisibilidade da dignidade da pessoa humana (Art.º 1º)

Faz sentido manter a divisão?

Ø Resposta politicamente correta à O fundamento de todos os direitos é a


dignidade da pessoa humana. Neste sentido, há algo de comum a todos os
direitos, portanto a dignidade tanto justifica a proibição da tortura, como

34
justifica que o estado tenha de tirar as pessoas de uma situação de
miséria.

- Se a todos os direitos fundamentais subjaz a dignidade humana,


não faz sentido que esta dicotomia seja extrema. A dignidade
humana é ela própria indivisível.

Ø Um determinado nível de proteção de uns direitos é condição de exercício


dos outros direitos à Sem educação, o direito de voto está em larga
medida esvaziado de sentido.

- Os direitos sociais são condições para o exercício dos direitos civis


e políticos.

Ø Todos os direitos sociais são de certa forma pressuposto do exercício de


várias liberdades.

4.3. Todos os direitos têm custos

Ø Associada à ideia de direitos positivos é negativos, vem a de que os


direitos sociais têm custos.

Ø É necessário que o Estado tenha recursos para que existam direitos


sociais. A verdade é que todos têm custos, mas os direitos sociais têm
mais custos que os direitos civis e políticos.

Ø Não é uma diferença qualitativa, mas sim uma diferença quantitativa.

4.4. Caráter negativo versus caráter positivo

Nesta lógica, os direitos de liberdade são essencialmente negativos, e os


direitos sociais são essencialmente positivos.

Direitos de non facere e direitos de facere à Isto é verdade ou mentira?

Ø Se pensarmos no rendimento social de inserção à Direito à vida tem uma


dimensão negativa mas também uma positiva.

- Pessoas têm de ter o mínimo de condições de sobrevivência à Ou


as pessoas conseguem alcançar c trabalho, ou em última análise
tem de ser o Estado.

35
Ø O direito à saúde pode também ter uma dimensão negativa à Direito a
recusar tratamentos médicos ou outro tipo de intervenções na nossa
saúde.

Ø O direito à habitação é normalmente é visto como positivo à Direito a


quem não tem habitação condigna, de aceder a uma habitação financiada
por uma instituição pública.

- Mas a maior parte das vezes o que é posto em causa é de natureza


negativa à Significa que na lei ordinária, o inquilino que cumprir
escrupulosamente o seu contrato não pode ser despejado
arbitrariamente. Isto obriga a que o senhorio não possa ter o poder
arbitrário de privar o inquilino do direito à habitação.

Podemos assim dizer que todos os direitos são simultaneamente positivos e


negativos à Podem ser mais positivos ou mais negativos, mas todos têm ambas
estas dimensões.

Ø A diferença está na localização geográfica dos aspetos positivos e


negativos.

- Nos direitos sociais o núcleo do direito normalmente é positivo


(dimensões prestacionais – exigências de prestações estaduais),
sendo que as dimensões negativas acabam por estar na periferia do
direito.

- Nos direitos de liberdade acontece o contrário, sendo que o núcleo


é negativo, e a generalidade das dimensões positivas acabam por
estar na periferia.

Ø A questão está em saber qual a dimensão no núcleo e na periferia dos


direito.

4.5. Determinabilidade versus indeterminabilidade constitucional

Este aspeto consiste em saber se o conteúdo do direito resulta das próprias


normas constitucionais (são suficientemente densas para, por via interpretativa,
extrairmos do direito o conjunto das faculdades em que esse mesmo direito se
traduz) ou se a CRP traduz apenas uma indicação para o legislador ordinário
depois concretizar o conteúdo do direito.

Ø Relativamente aos direitos civis, as normas constitucionais são suficiente


para se chegar ao conteúdo do direito.

36
- Normas exequíveis por si mesmas à Não exigem intervenção do
legislador.

Ø Relativamente aos direitos sociais, estes carecem de interposição do


legislador ordinário para a sua concretização.

- Normas não exequíveis à Exigem intervenção.

- Programáticas à Enumeram conjunto de objetivos que a AP e o


legislador ordinário têm de concretizar no longo prazo.

Assim, temos 3 densidades diferentes à Determinabilidade constitucional só


teriam as normas exequíveis. As normas não exequíveis e as normas
programáticas teriam níveis diferentes de indeterminabilidade.

Em termos simples mas não corretos, os direitos liberdades e garantias estariam


determinados no plano constitucional, enquanto que os direitos sociais seriam
indetermináveis no plano constitucional, apenas determináveis na lei ordinária.

Ø Mas não é assim à Temos direitos liberdades e garantias que claramente


constam de normas constitucionais não exequíveis por si mesmas.

Ex.: Art.º 46º nº6 CRP – Objeção de consciência; Art.º 20º nº1 – Direito
ao acesso a tribunal (direito positivo – ninguém acede a tribunal se não
houver tribunal; mas a primeira dimensão do direito é negativa – ninguém
pode ser impedido de ir defender um direito lesado a tribunal).

Isto não significa que nos direitos sociais típicos o legislador tenha muita
mais liberdade para decidir quando é que esses direitos prima facie se
tornam em direitos concretos:

Direito à segurança social à A CRP vai dizendo as eventualidades em que é


desencadeado este direito:

Ø Protege as pessoas em que circunstâncias? à Doença, etc. – Direito à


segurança social.

Ø As pessoas têm direito a uma pensão de velhice quando? à Lei ordinária


é necessária para definir certas coisas.

- Idade, valor da pensão (critério de número de anos de trabalho)

37
- Prestação de segurança social contributiva à Pessoas recebem
porque pagaram, porque descontaram.

Ø O contributo do legislador ordinário para definir o conteúdo do direito é


muito grande.

Os direitos a prestações não são ordinários (não derivam diretamente da


legislação) à É o legislador ordinário que decide em que condições é que se
recebem prestações.

Há então:

Ø Direitos originários a prestações à As prestações extraídas da CRP.

Ø Direitos derivados a prestações à As prestações retiram-se da lei


ordinária. É preciso que o legislador ordinário intervenha.

4.6. Radical subjetivo versus reserva do possível

Ø Diz-se que os direitos civis são subjetivos e que os direitos sociais estão
sob uma condição ou reserva do financeiramente possível.

- Os direitos sociais pressupõem amplos recursos financeiros, mas é


possível limitar o conteúdo destes direitos, por exemplo,
substituindo a regra da universalidade de atribuições, pela regra da
seletividade, isto é, não significa que todos os indivíduos tenham
que receber do Estado todas as prestações em todos os domínios. A
generalidade tem capacidade para aceder, no mercado, a prestações
nesse domínio. O papel do Estado é conceder a pessoas previamente
selecionadas, que não conseguem aceder a esses bens jurídicos sem
apoio público – reduz o encargo dos direitos sociais.

Ø Há quem encare, sobretudo na Alemanha, os direitos sociais podem ser


direitos subjetivos se forem vistos como direitos de quota parte à Ideia
de que as pessoas não têm direito a uma prestação determinada, têm o
direito a partilhar o que são os recursos disponíveis – é preciso que o
acesso a esses recursos seja feito equitativamente.

- Acabam por ser direitos de acesso procedimentalmente justo.

- Direito que não se traduz exatamente na prestação, mas em cada


uma das pessoas poder concorrer com os seus méritos a esses
direitos.

38
- Procedimento de acesso aos direitos transparente e justo.

Conclusão:

Ø É evidente que há diferenças entre direitos liberdades e garantias e


direitos económicos sociais e culturais, mas não há nenhuma dicotomia
radical.

Ø Há tendências, mas em bom rigor não há nenhuma fronteira radical entre


as 2 categorias.

- Os direitos civis e direitos políticos são muito diferentes em termos


de estrutura.

- Nos direitos liberdades e garantias, os direitos e liberdades são


diferentes, e as garantias são instrumentais para os direitos

- Assim, não podemos dizer que há 2 blocos, quando mesmo nos


blocos há distinções.

4.7. Direitos de natureza análoga (Art.º 17º): a analogia possível

Ø O Art.º 17º da CRP manda aplicar o regime dos direitos liberdades e


garantias aos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos do
Título II – igualdade ou proximidade de estrutura.

Ø Mas há uma analogia relativamente a quê?

- Direitos fora do Título II, que podem estar entre os direitos


económicos sociais do Título III, espalhados pelo resto da CRP, ou
até mesmo fora da CRP à A todos esses direitos pode-se aplicar
por analogia o regime dos direitos liberdades e garantias do Título
II.

- É uma analogia difícil de fazer relativamente aos direitos de


propriedade e de liberdade de iniciativa privada à Fruto do
contexto em que foi feita a CRP, foram consagrados nos artigos
61º e 62º, com o intuito de os desvalorizar, junto dos direitos
económicos, sociais e culturais.

ü A doutrina e a jurisprudência rem vindo a considerar que


têm natureza análoga a direitos, liberdades e garantias.

39
Ø O regime dos direitos, liberdades e garantias tem 3 componentes,
segundo Jorge Miranda:

- Material à Elencados.

- Orgânica à Consta do Art.º 165º nº1 b) – reserva relativa à AR da


totalidade do regime.

- Revisão constitucional à São um limite material.

Ø Quando se diz que o regime se aplica aos direitos de natureza análoga,


significa alargar a competência da reserva da AR a esses mesmos
direitos?

- Jorge Miranda diz que apenas se aplica à componente material e


não à orgânica.

- O Tribunal Constitucional tem vindo a dizer que a componente


orgânica também se aplica ao Art.º 17º, mas que só no seu núcleo é
que há reserva.

ü O argumento do Tribunal não sobrevive a uma leitura do


Art.º 165º relativamente ao direito de propriedade (embora
essa reserva seja só no seu núcleo, formas de restrições em
nome do interesse público e regimes específicos não
entrariam na reserva), nomeadamente às alíneas l), x), z) e e)
que falam em expropriação, entre outros temas relacionados
com a propriedade privada.

ü Se fosse da reserva pela alínea b) dos direitos fundamentais,


estas alíneas enunciadas não fariam qualquer sentido – há
vários regimes legais e diplomas que limitam esta possível
reserva.

ü A reserva restringe-se ao núcleo da propriedade, é o


argumento do TC.

40
5. Titularidade (e exercício) dos direitos fundamentais

5.1. Princípio da universalidade (artigo 12º)

Ø Jorge Miranda à Princípio diz respeito à titularidade dos direitos


fundamentais, enquanto que o princípio da igualdade tem haver com o
conteúdo do direito.

Ø Este princípio recorta o universo subjetivo dos titulares dos direitos


fundamentais. Não inclui a existência de direitos fundamentais
particulares, ou seja, de algumas categorias particulares de cidadãos (Ex.:
Direito dos jornalistas, pais, mães, etc.)

Ø Art.º 12º à Vale essencialmente por causa dos direitos fundamentais das
pessoas coletivas porque nem todos os direitos são universais.

- Há direitos fundamentais que se dizem particulares (Ex.: Direitos


dos cônjuges só dizem respeito a pessoas casadas).

Ø Nem se pode dizer que sejam categorias abertas.

- Há casos em que direitos são particulares mas categorias são


abertas à Direitos dos jornalistas – acesso à profissão de jornalista
é aberta; Direitos dos trabalhadores não podem ser aproveitados
por jovens, mas são categorias abertas; Direitos dos consumidores
– são poucos os casos que pessoas não são consumidoras de nada.

- O direito de voto não se pode qualificar como um direito particular,


visto que apenas diz respeito a pessoas maiores de 18 anos.

- Assim há direitos dos particulares abertos, menos abertos ou


fechados.

Ø As pessoas coletivas podem ser titulares de direitos fundamentais à Não


são porém, seguramente, titulares de todos os direitos fundamentais.

- Têm direito ao bom nome, mas não à integridade física, por


exemplo.

- Pode uma pessoa coletiva invocar o direito à vida para não ser
extinta? à Questão que não é pacífica.

41
- Temos de recorrer a uma ideia de dupla compatibilidade entre o
com a personalidade coletiva, e com o tipo de pessoa coletiva

ü Normalmente sintetiza-se esta ideia com a invocação do


princípio da especialidade à Há direitos incompatíveis
com a personalidade coletiva, e direitos incompatíveis com
os fins e natureza da pessoa coletiva.

- Mesmo o direito à vida é incompatível com a personalidade


coletiva à Podem ter direito a existir, mas não é o direito à vida do
Art.º 24º que impede a sua extinção.

- Direito à liberdade de criação cultural à É compatível com a


personalidade coletiva, mas não com qualquer pessoa coletiva.

ü Apenas as pessoas coletivas como revistas, editoras, galerias,


etc., poderiam invocar esta liberdade.

- Direito ao voto à Incompatível.

- Direito ao bom nome e reputação à Todas as pessoas coletivas


podem ser titulares – mesmo uma sociedade comercial precisa de
um crédito que respeita ao seu bom nome.

- Direito à reserva da intimidade da vida privada à Compatível.

Ø O facto de pessoas singulares e coletivas serem titulares do mesmo direito


não significa que o nível de proteção seja igual em qualquer dos casos,
que o alcance de proteção devida seja idêntico.

- Nunca podemos prescindir de uma análise caso a caso e considerar


todas as condicionantes quando um direito fundamental é usado
como fundamento a litígio.

Ø Há direitos fundamentais que são específicos de pessoas coletivas à A


CRP prevê determinados direitos das pessoas coletivas:

- Ex.: Direitos dos partidos políticos.

Ø Há direitos pensados como direitos de pessoas singulares que também


podem ser invocados por pessoas coletivas. Há direitos só de pessoas
coletivas. Por fim, há direitos que têm dimensão individual, mas também
institucional (Ex.: Liberdade de imprensa; liberdade religiosa).

42
Ø Devemos também pensar no problema dos direitos fundamentais das
pessoas individuais nas instituições em que se inserem.

- Direitos dos trabalhadores no sindicato (entrar ou sair do sindicato,


etc.).

- Direito dos fieis na confissão religiosa (permitem ingressar numa


confissão mas também sair).

- Direitos dos jornalistas na empresa de comunicação social de que


fazem parte (instrumento de defesa face à direção da empresa de
comunicação social).

5.2. Princípio da igualdade (artigo 13º)

Há uma metodologia de aplicação do princípio da igualdade:

Ø Implica identificar as 2 situações em confronto.

Ø Princípio comparativo à Nada é igual a si mesmo (isto é a identidade).

- Igualdade implica 2 situações em confronto, e só identificando bem


o que está em confronto é que depois podemos aplicar o aforismo
“tratar de forma igual o igual e de diferente o diferente”.

Ø Temos de identificar A e B (realidades em confronto) e fazer a pergunta


“São iguais ou diferentes?” à Esta pergunta só faz sentido se tivermos
definido previamente para que é que queremos comparar estas pessoas.

Art.º 13º identifica um conjunto de critérios suspeitos à Encontramos entre


critérios suspeitos a instrução.

Ø Não podem ser tratadas de forma diferente as pessoas conforme a sua


instrução? à A instrução está lá porque há uma finalidade em concreto
para a qual não podemos tratar as pessoas de forma diferente.

Ø Se quisermos definir quem pode exercer a profissão de médico, podemos


tratar diferente as pessoas por causa da instrução à A instrução está lá
por causa de um objetivo para o qual não podemos distinguir as pessoas
em função da instrução, o direito de voto.

- Está lá para proibir o voto censitário.

43
Como então fazemos esta comparação entre A e B? à Comparação tem de ser
valorativa.

Ø Temos de encontrar critérios valorativamente aceitáveis à Por isso é que


aquele aforismo em bom rigor não diz nada, porque temos sempre de
fazer uma valoração.

Ex.: Licença de aleitamento à Para saber quem tem direito para efeitos de
amamentação, como as mulheres são diferentes dos homens, podemos tratá-los
de forma diferente para este efeito.

Art.º 13º nº2 à O que está em causa é a identificação de critérios que a CRP
considera que de modo geral não são valorativamente aceitáveis para comparar
A e B.

Ø Se a diferença é apenas essa, o resultado deve ser que A e B são iguais.

5.2. Princípio da igualdade (artigo 13º)

1ª fase

É estabelecido logo nas Revoluções Liberais (nas primeiras constituições


escritas e declarações de direitos) à Significava nesta altura que a lei tinha de
ser geral e abstrata – não há nenhum problema senão garantir que é aplicada.

Ø Significa que deixam de haver classes à Todos iguais perante a lei.

Ø Ao mesmo tempo desconhece que as pessoas na sua vida concreta se


encontram em circunstâncias muito diferentes.

Ø Porém, isto não resolve todos os problemas do princípio da igualdade.

2ª fase

Ø Princípio passa a significar proibição do arbítrio.

Ø Retoma fórmula aristotélica à Tratar de forma igual o igual e diferente o


diferente

44
3ª fase

Ø Séc. XX à Princípio da igualdade passa a implicar a mobilização do


próprio Estado, sendo que o Estado tem de corrigir as desigualdades
existentes.

Ø A máxima da proibição do arbítrio ainda hoje é válida mas tem de ser


aplicada com muito cuidado.

- Princípio é neutro quanto à determinação do que é igual e do que é


diferente.

- Também é neutro quanto ao tratamento ou conteúdo do tratamento


que as diferentes situações devem ter.

Ø Princípio tem de ser preenchido valorativamente à Passos para


concretização prática do aforismo:

- Quando temos 2 realidades, não se comparam automaticamente à


Temos de ter um termo de comparação.

ü O termo de comparação tem de ser escolhido em função do


fim para o qual estamos a fazer a comparação. Quando
comparamos 2 realidades temos sempre de fazer um
exercício de abstração.

ü Quase nunca conseguimos comparar 2 coisas relativamente à


sua totalidade à Temos 2 objetos, 1 termo de comparação, e
esse termo de comparação vai assentar sobre uma
característica.

- O termo de comparação não pode ser escolhido arbitrariamente

ü Ex.: Nota do exame de Fundamentais é um exercício


comparativo entre alunos. Se aplicar de forma igual,
acriticamente, pode-se dar 17 a todos os loiros, e 8 a todos os
morenos à Estou a tratar igual o igual e diferente o
diferente.

o Mas não posso escolher a cor do cabelo, a altura, o


sexo à O termo de comparação é o conhecimento
revelado pelo aluno no exame.

45
- Muitas vezes é necessário ter um conjunto de termos de
comparação para haver uma comparação razoável.

ü Dificilmente podemos ter uma comparação de todas as


características de uma pessoa à Temos de escolher aquelas
que são relevantes.

ü É neste sentido que devemos interpretar o artigo 13º à


Conjunto de critérios que a CRP identifica, em princípio,
como não sendo axiologicamente aceitáveis (Ex.: por vezes
a instrução é relevante mas surge no artigo como um critério
suspeito!).

- Os poderes públicos têm de fazer um conjunto de escolhas à


Critérios que podem ser utilizados.

- Isto só nos diz o que é igual e o que é diferente.

ü Se chegarmos à conclusão que A e B são iguais, então o


tratamento jurídico de ambos tem de ser igual

ü Se chegarmos à conclusão que são diferentes o tratamento


jurídico deve ser em princípio diferente, mas como e quanto
diferente? à Aqui o princípio da igualdade cruza-se com o
princípio da proporcionalidade

o O tratamento diferente tem de ser na exata medida da


diferença.

Ex.: Durante os anos da crise financeira (2010 a


2012), colocou-se a questão de saber se os
trabalhadores do setor público e privado eram iguais
relativamente às medidas de austeridade. O Tribunal
considerou que os trabalhadores eram diferentes,
aceitando que em contexto de grave crise de
remuneração os trabalhadores do setor público
poderiam ser mais penalizados. A partir de certo
ponto, o TC diz que o tratamento não pode ser tão
diferenciado como o legislador estava a determinar.
Os trabalhadores privados não estavam a ter cortes
significativos, enquanto que trabalhadores públicos
estavam a ter cortes por vezes de 2/3 do salário.

46
ü O princípio de igualdade não cessa de operar quando as
situações são diferentes à Opera com o princípio da
proporcionalidade para evitar tratamentos excessivamente
discrepantes.

- Na prática o princípio da proporcionalidade é bastante difícil de


aplicar.

ü De um modo geral diz se que a igualdade tem preferência


sobre a desigualdade à Podem existir fundamentos para
tratar 2 realidades de forma diferente, mas o facto de existir
este fundamento não significa que o tratamento igualitário
seja arbitrário

ü O facto de haver algumas diferenças não significa que não


nos possamos abstrair juridicamente dessas diferenças
por serem juridicamente irrelevantes.

ü Há casos em que sendo possível o tratamento diferente,


temos de aceitar o tratamento igual à Não é possível o
direito reconhecer todas as pequenas diferenças!

Ø Séc. XX à Quando se eliminam os regimes gerais discriminatórios,


verifica-se que algumas discriminações se mantêm (Ex.: Entre homens
e mulheres).

- Existe um gap salarial significativo entre homens e mulheres.

- O princípio da igualdade atua agora como uma forma de correção


dessas mesmas desigualdades à CRP não se limita a proibir a
discriminação, estabelecendo nalguns casos imperativos de
correção destas realidades fácticas persistente.

- Princípio vai fundamentar e impor medidas de discriminação


positiva à Medidas que visam promover ativamente a igualdade
no trabalho de acesso a cargos públicos (faz-se através de sistema
de quotas, por exemplo).

- É neste contexto que a lei ordinária, durante muito tempo sujeito ao


princípio da igualdade à proibição da discriminação, vem
estabelecer discriminações positivas em situações persistentes
de desigualdade fáctica.

47
- Na CRP encontramos fundamentos para a especial proteção dos
trabalhadores jovens, do trabalho das mulheres durante a gravidez
à Pessoas vulneráveis a diferentes tipos de discriminação.

Ø Aplicação do princípio no âmbito das relações privadas

- Ex.: Trabalhadores de uma vinha acabam um dia de trabalho, e


tendo trabalhado uns mais horas que outros, o seu empregador
decide distribuir salários exatamente iguais

- Se o empregador fosse o Estado (pessoa coletiva de direito


público), teríamos uma violação do princípio da igualdade por
indiferenciação.

ü O tratamento jurídico de diferentes situações foi exatamente


igual. Não é um problema de indiferenciação arbitrária, mas
de tratar igual situações claramente diferentes

- Se o empregador for um privado a questão é diferente à


Empregador pode invocar a sua autonomia privada ou até mesmo
direito de propriedade, para justificar um tratamento diferenciado.

- Se for dono de uma empresa, e estiver a fazer recrutamento de


trabalhadores, tenho de fazer uma comparação objetiva de
todos os trabalhadores que concorrem, ou posso fazer uma
comparação subjetiva? à Em última análise é um confronto
entre pensamento platónico (tudo pode ser dirigido centralmente;
membros de comunidade são meras peças de engrenagem pré-
definida) e aristotélico (liberdade individual não pode ser
aprisionada dentro de parâmetros demasiado estreitos).

Ø O princípio da igualdade pode ser violado por:

- Discriminação arbitrária à Tratamento jurídico dado a situações


iguais é diferente.

- Indiferenciação à Tratamento jurídico dado a situações


diferentes é igual.

ü Pelo menos se forem trabalhadores do estado; trabalhadores


privados pode haver alguma margem do empregador.

48
- Diferenciação desproporcionada à A medida do tratamento
indiferenciado é inconsistente com as diferenças entre os sujeitos.

ü Quando analisamos o regime legal, nem sempre estas


discriminações aparecem da mesma maneira à Silêncio
excludente, tratamento discriminatório, lacuna que se resolve
por analogia (analogia é um corolário do princípio da
igualdade).

ü Dá-se à situação análoga um tratamento igual ao previsto na


lei por força do princípio da igualdade à Analogia funda-se
axiologicamente no princípio da igualdade.

ü A tem direito a x mas B não tem direito a x à


Discriminação expressa – Se A e B são iguais, temos um
tratamento inconstitucional.

ü A tem direito a x mas B tem direito a y à Se y for menos


que x, temos de verificar se A e B são iguais. Se tal
acontecer temos uma situação de discriminação por duplo
tratamento à Situações expressamente previstas na lei, são
iguais, mas têm tratamento diferente.

ü Na prática todos querem o alargamento do regime mais


favorável, mas muitas vezes isto não é possível.

o Quem se queixa de desigualdade é sempre aquele que


está na situação mais desfavorável, mas normalmente
isto não dá direito a que todos venham a beneficiar do
regime melhor.

5.4. Princípio da pessoalidade (artigo 14º)

Ø Art.º 14º à Significa que os cidadãos portugueses, quando estão no


estrangeiro, ainda assim têm acesso a um conjunto de direitos
fundamentais consagrados na CRP. Esses direitos fundamentais são para
ser invocados perante o Estado português.

Ø Direitos da CRP vinculam o Estado português.

Ø Dever de proteção que o Estado tem relativamente aos seus cidadãos que
se encontram no estrangeiro à Feita pela via diplomática e pela via
consular.

49
Ø Normalmente o fundamento para a proteção era a cidadania à Hoje em
dia diz-se que a proteção pode fundar-se na titularidade de um conjunto
de direitos fundamentais, não incompatíveis com ausência.

- Fundamento é facto de portugueses manterem os seus direitos no


estrangeiro.

Ø Para o direito internacional, a proteção diplomática é discricionária à


Alguns estados, internamente, estão vinculados a proceder a essa
proteção diplomática (constituições, ordenamento).

- Neste caso este artigo vincula o Estado a essa proteção.

50
Questão do estado de sítio e estado de emergência

A CRP prevê no seu Art.º 19º 2 estados de exceção constitucional à Estado de


sítio e estado de emergência.

Objetivo: Suspensão de direitos, liberdades e garantias

Ø O nº 2 e 3 do artigo 18º estabelecem o regime das restrições legais a


direitos, liberdades e garantias (que se aplica analogicamente a outros
direitos fundamentais) à Regime de restrições bastante exigente.

- Regime muito restrito à Todas as autorizações têm de ser


aprovadas constitucionalmente e de respeitar o conteúdo essencial
dos direitos fundamentais.

- É um regime muito apertado e, em última análise, todas as


restrições têm de respeitar o “conteúdo essencial” dos direitos
fundamentais.

- O Art.º 19º permite ir muito mais longe, embora apenas por


períodos limitados de tempo, se o PR, em concertação com os
demais órgãos de soberania (AR e Governo), declarar o estado de
sítio ou o estado de emergência à Suspender na totalidade os
direitos fundamentais (sem preservar o seu conteúdo essencial mas
por períodos limitados de tempo).

ü Para tal é preciso que o presidente declare o estado de sítio


ou emergência.

Pressupostos materiais (Art.º 19º CRP e 8º e 9º Lei nº 44/86)

1. Agressão efetiva ou eminente por forças estrangeiras

2. Grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional

3. Calamidade pública

O estado de emergência é menos grave e, portanto, a sua aplicação é subsidiária


relativamente ao estado de sítio (Art.º 19º nº3) à Deve ser aplicado se as
medidas que envolve forem suficientes para equacionar as situações que
justifiquem proteção constitucional.

51
O Art.º 9º da Lei associa o estado de emergência às situações de calamidade
pública.

A declaração é fundamentada, em termos absolutos e quanto à modalidade


adotada (sobretudo “proibição de excesso”, mas também “proibição de défice”).

Ø Fundamentada quanto à necessidade de exceção constitucional, e quanto


à modalidade usada (fundamentar porque é que estado emergência é
suficiente, ou em caso de estado de sítio, porque é que o estado de
emergência é insuficiente).

Procedimento decisório (Art.º 19º CRP e 10º e 11º da Lei nº 44/86)

Ø Competência própria do PR à Art.º 134º d) e 138º CRP

Ø Pressupõe autorização da AR (em plenário, ou, se este não estiver


reunido, pelo comissão permanente – neste caso deve ser aprovado pelo
plenário logo que este se reúna) à Art.º 161º l) e 179º nº2 f) CRP

Ø Audição do Governo (necessária, mas não vinculativa) à Art.º 197º f)


CRP

Ø Audição do Conselho de Estado (não necessária) à Art.º 145º CRP

Ø Audição das Regiões Autónomas (necessária) à Art.º 229º CRP

Forma do ato à Decreto do PR, sujeito à referenda do Governo, que depois


vai para o DR.

Natureza do ato à Ato com força afim da força de lei.

Ø Jorge Miranda refere-se a este decreto como um ato com força afim da
força de lei à Tem conteúdo normativo como a lei, produz efeitos como
a lei, e vincula entidades públicas e privadas no geral.

Conteúdo do decreto do PR

Ø Âmbito territorial à Parte ou todo o território.

Ø Duração à Máxima de 15 dias, sem prejuízo de renovação.

Ø Especificação dos direitos cujo exercício é, total ou parcialmente,


suspenso.

52
Ø Especificação dos poderes das autoridades públicas (forças armadas e de
segurança).

Nestas 2 especificações, o principal a ter em conta é o princípio da


proporcionalidade à Se os poderes das AP puderem ser menos, não serão
mais.

Para além disto, vai-se ter de ter atenção ao princípio da igualdade.

Limites materiais absolutos (Art.º 19º nº6 CRP e 2º da Lei nº 44/86)

Direitos insuscetíveis de suspensão à Art.º 19º nº6

Ø Vida (24º)

Ø Integridade pessoal (física e moral) (25º)

Ø Identidade pessoal, direito à capacidade civil e à cidadania (26º)

Ø Não retroatividade da lei penal (29º)

Ø Direito de defesa dos arguidos (32º)

Ø Liberdade de consciência e de religião (41º)

Este artigo revela uma hierarquia constitucional à Não existe uma ordem
fixa de importância, mas este artigo muitas vezes é indicado como indicando
direitos que, apesar de tudo, não podem ser violados nem nestas situações, e que
portanto, estão em primeiro.

Não há uma hierarquia estrita à Valia dos direitos tem de ser analisada em
razão da situações concreta, mas é evidente que o artigo tem aqui importância.

Efeitos: alguns direitos suscetíveis de suspensão (Art.º 19º CRP e 14º da Lei
44/86)

Ø Direito de deslocação e emigração (44º)

Ø Direito de reunião e de manifestação (45º)

Ø Liberdade de iniciativa económica (61º)

Ø Direito de propriedade (62º)

53
Ø Reserva de intimidade na vida privada (26º)

Ø Direito à liberdade e à segurança (27º)

Ø Garantias relativas à expulsão de estrangeiros (33º)

Ø Inviolabilidade do domicílio e da correspondência (34º)

Ø Proteção de dados pessoais (35º)

Ø Liberdade de expressão e de informação (37º)

Ø Liberdade de culto (41º)

Ø Liberdade de criação cultural (42º)

Ø Liberdade de aprender e de ensinar (43º)

Ø Liberdade de associação (46º)

Ø Liberdade de escolha e exercício de profissão (47º)

Ø Direito à greve (57º)

Outros efeitos (Art.º 19º CRP e Lei nº 44/86)

Ø Execução à Compete ao Governo (Art.º 17º, 20º, 21º)

Ø Reforço dos poderes discricionários das autoridades civis e das


autoridades militares (com eventual sujeição daquelas a estas à Art.º 8º,
14º e 19º)

Ø Crime de desobediência à Previsto no Código Penal, e traduz-se em não


obedecer a ordens dadas pelas autoridades públicas. É uma forma de
garantir q instituições são respeitadas.

- Em contrapartida a CRP consagra o direito de resistência (Art.º


21º) à Quando não se pode recorrer à AP, o artigo serve como
causa de justificação.

Ø Acompanhamento da execução do estado de sítio ou emergência (Art.º


18º e 28º); Procedimento de revisão (Art.º 12º); Regime de cessação
(Art.º 13º).

54
Ø Fiscalização administrativa e jurisdicional (Art.º 6º, 18º e 22º) à O Prof.
crê que não abrange a fiscalização preventiva pelo TC

- Refere-se a medidas adotadas durante o estado de sítio ou de


emergência.

55
6. Força jurídica das normas jusfundamentais: “direitos
como um todo”

6.1. Bens jusfundamentalmente protegidos: uma realidade estratiforme

Os direitos fundamentais são realidades muito complexas à Não são blocos de


mármore, realidade incindíveis, desagregam-se num conjunto diversificado
de faculdades:

Ø Faculdades à Traduzem-se em diferentes conteúdos, diferentes


destinatários, e diferentes titulares.

Ø Direitos entram numa das suas faculdades em conflito com outros


direitos.

- Questão do estado de emergência à A liberdade religiosa tem


dimensão individual e coletiva (do culto). Aquela que foi suspensa
em estado de emergência foi só a liberdade de culto. Assim, a
liberdade religiosa não está suspensa em bloco.

Ø Há um conjunto diversificado de ligações cruzadas entre diferentes


titulares de direitos fundamentais e destinatários desses mesmos direitos.

6.2. Armadura jurídica: entre o centro e a periferia; entre o objetivo e o


subjetivo; entre a Constituição e a lei

Por outro lado, os direitos fundamentais não se esgotam no plano constitucional

Ø Ex.: Direito à vida à Tem dimensões de várias naturezas (positiva e


negativa). Tem dimensões plasmadas no direito ordinário (Ex.:
Incriminação do homicídio está consagrada no direito ordinário, nos
códigos penais).

Ø É ilusório pensar que as normas constitucionais se bastam para definir o


conteúdo dos direitos fundamentais.

Cada direito fundamental é como se fosse uma célula à Tem um núcleo, e


depois uma periferia.

Ø Quer no núcleo, quer na periferia encontramos diferentes faculdades à


Quando se fala em restringir um direito fundamental e se diz que não

56
pode atingir o núcleo essencial do direito, resulta que a restrição implica
suprimir algumas das faculdades na zona periférica

Também é importante distinguir aquilo que é o núcleo (linha que separa a


periferia do espaço exterior), porque essa linha distingue o âmbito de proteção
constitucional do direito, no confronto com outras realidades que já não estão
protegidas pelo próprio direito.

Ø A liberdade de expressão não permite atentar contra o bom nome e


reputação de terceiros. Acontece que, considerando o efeito que tem na
esfera jurídica de terceiros, está fora do âmbito de proteção
constitucional.

Os direitos fundamentais são então um conjunto complexo de diferentes


dimensões.

Ø Dimensões subjetivas à Concedem ao particular uma permissão


normativa de aproveitamento de um determinado bem:

- Faculdades positivas à Implica prestações concreta, obrigação de


facere ou de dare.

Ø Dimensões objetivas à O titular do direito, em bom rigor, desvanece-se,


e aquilo que fica é apenas um interesse objetivo que o legislador deve
tutelar.

- Direitos que ainda não têm sujeito, ainda que mereçam tutela
(vida intra-uterina, procriação medicamente assistida).

- Normas que consagram direitos fundamentais,


simultaneamente, têm efeitos valorativos relativamente a
determinados institutos (adoção, maternidade, família), que têm de
ser moldados pelo legislador, de modo a que estes valores sejam
promovidos ou protegidos.

ü Ninguém pode casar se não existir um regime de casamento;


normas de organização, procedimento e processo; não há
direito de propriedade se não houver regime – há uma
conformação do ordenamento jurídico necessário ou
favorável aos direitos existentes, para que, na sua dimensão
subjetiva, possam ser exercidos.

Ø Pressupõem uma articulação significativa entre a CRP e a lei.

57
6.3. Aplicabilidade imediata (artigo 18º nº1)

nº1 à Afirma a aplicabilidade direta dos direitos liberdades e garantias (DLG)

Ø Vale para DLG, DLG de natureza análoga, e para outros direitos, na


medida em que tenham uma dimensão negativa imediatamente exequível

- Mesmo nos direitos sociais encontramos dimensões que têm


pretensão de aplicabilidade direta.

Ø Aparece como reação à realidade pré-constitucional à Surge contra


teoria da Constituição de Weimar, de que a liberdade exerce-se segundo a
lei – DLG têm normatividade baixa. Os direitos fundamentais eram
colocados na mão do legislador ordinário. Isto era não democrático, e
acabava por inviabilizar exercício dos direitos.

Ø Contra a Constituição de Weimar e a CRP de 1933 à Os direitos


fundamentais em situações limite valem na ausência da lei, e mesmo
contra a lei.

- Obrigação de poderes públicos de reconhecer a normatividade real


das disposições que consagram os direitos. fundamentais

Ø A aplicabilidade direta é uma vocação da normas constitucionais de DLG


à Vocação que nem sempre pode ser concretizada, mas que deve ser
concretizada no máximo possível.

Ø Tribunais sempre que resolvem casos submetidos ao julgamento devem


extrair das normas DLG à Diretriz dirigida aos tribunais não autoriza
que se transformem em legislador. Compele-os a, dentro das coordenadas
metodológicas, extraírem o máximo conteúdo das normas sobre DLG e.
mais amplamente das normas sobre direitos fundamentais.

Ex.: Objeção de consciência (Art.º 41º nº6) à Era usada para alguns
jovens, que eram incorporados nas forças armadas, não o serem,
invocando a objeção de consciência, obrigados a prestar serviço militar

- Em Espanha não houve, durante muito tempo, uma lei que


regulasse isto. Havia um conjunto de jovens que invocavam isto,
mas havia o argumento de que enquanto não houvesse lei, não era
permitida objeção. O tribunal vem dizer que há aplicabilidade
direta, e assim todos os que invocarem isto não serão obrigados.

58
6.4. Exequibilidade, não exequibilidade e programaticidade

O ponto acima não se confunde com a classificação das normas constitucionais


como exequíveis, não exequíveis e programáticas.

Ø Exequíveis à Tentar, na medida do possível, aplicá-las diretamente. É


mais fácil.

Ø Não exequíveis à A vocação de aplicabilidade direta mantém-se, mas o


nível de determinabilidade da norma é baixo, é preciso a intervenção do
legislador ordinário. Em caso de omissão legislativa, é um desafio para os
tribunais extrair um conteúdo suficiente para aplicar diretamente,
sobretudo quando há omissão absoluta, pois não há nenhum regime para
se aplicar via analogia.

Ø Programáticas à É necessário lançar mão de instrumentos, de um


programa de ação política, operações materiais administrativas, para além
da intervenção do legislador ordinário – poucas normas programáticas em
direitos liberdade e garantias.

Exequibilidade e não exequibilidade à Diz respeito à relação entre normas


constitucionais e o legislador. Diretriz para legislador concretizar norma
constitucional.

Aplicabilidade direta à Diretriz para tribunais

Relação entre estas duas dimensões:

Ø Se norma for não exequível ou programática, é mais difícil para os


tribunais a aplicabilidade direta.

Ø Se tivermos uma norma como a do Art.º 41º nº6, claramente é uma norma
não exequível, mas isto não dispensa que os tribunais não tentem aplicar
no caso concreto.

Ø Art.º 22º à Prevê a responsabilidade civil do próprio legislador por leis


inconstitucionais. Isto não impediu que os tribunais responsabilizassem o
Estado por omissões legislativas nacionais.

59
- O artigo não é exequível por si mesmo, mas quando se trata de
responsabilidade civil, há um conjunto de disposições comuns, que
os tribunais podem usar nas suas decisões.

Ø A aplicabilidade direta das normas sobre direitos fundamentais é uma


diretriz para os tribunais, enquanto que a classificação das normas está a
pensar na relação entre as normas constitucionais e o legislador.

6.5. Vinculação das entidades públicas: legislador, administração e tribunais


(artigo 18º, nº1)

Vinculação de entidades públicas à Vinculam estado e demais entidades


públicas.

Ø Este nº1 tem de significar mais que o princípio da constitucionalidade


consagrado no Art.º 3º nº3 à Para fazer sentido tem de acrescentar algo
ao Art.º 3º nº3.

- Acrescenta que a vinculação aos DLG é mais intensa, e não é


apenas negativa à Aquilo que se espera dos poderes públicos não
é simplesmente que não se violem esses direitos.

Quando se fala de vinculação de entidades públicas, é no exercício de qualquer


uma das funções do estado à Legislativa, política, jurisdicional,
administrativa.

Ø Por outro lado esta vinculação e também um limite à fuga para o direito
privado à Em muitas áreas do direito publico, por uma questão de
agilidade, as entidades públicas recorrem a instrumentos de direito
privado.

Ø Isto não pode significar uma subtração total da vinculação das entidades
públicas aos DLG à Privados têm regime menos intenso de vinculação,
mas as entidades públicas, mesmo quando procuram fugir para o direito
privado, não se podem subtrair a uma total vinculação aos DLG.

Função política à Significa que o governo não pode negociar, a AR não pode
aprovar e PR não pode ratificar convenções internacionais que ponham em
causa o catálogo de direitos fundamentais consagrados na nossa CRP.

Ø Portugal não deve favorecer o ingresso em organizações internacionais de


países que não respeitem direito fundamentais à Ex.: Adesão da Guiné
Equatorial à CPLP, país liderado por um ditador.

60
Ø Proteção diplomática e consular à Quando algum português no
estrangeiro se encontra em situação de dificuldade, Portugal tem a
obrigação de o assistir, por exemplo, num processo de julgamento.

Ø Política de emigração e de direito de asilo tem de ser conforme com os


parâmetros constitucionais

Função legislativa à Torna-se claro que o nº1 do artigo diz mais que o nº3 do
Art.º 3º. A vinculação do legislador aos direitos fundamentais não é apenas
negativa, mas também positiva

Ø É uma liberdade vinculada a deveres à Estes deveres dependem dos


direitos em causa, e das normas constitucionais que a consagram.

Ø Onde começa o regime do direito de propriedade? à É no CC

Ø Relativamente a estes direitos, a conformação destes institutos de direito


privado é absolutamente decisiva

Ø Aquilo que se pede é um dever de proteção à Quando está em causa


proteger os cidadãos relativamente a ameaças que existem na sociedade,
nas relações sociais por parte de outras pessoas.

Ø Existem ainda deveres de emanação de normas de organização,


procedimentais, processuais à Deveres são primários mas também
secundários

- Deveres que implicam uma produção legislativa inicial, mas que


também implicam, depois, um acompanhamento do legislador
ordinário (avaliação do impacto da produção legislativa, e
correção).

Ø Há aqui um conjunto diversificado de deveres à Liberdade de


conformação vinculada a deveres, mas também parâmetros materiais de
cada um dos direitos (deveres são diferentes de direito para direito).

Função administrativa à Temos de ir ao Art.º 266º. Não estamos a falar


apenas da vinculação da AP aos direitos dos administrados (dos cidadãos nesta
qualidade) – o direito a aceder aos procedimentos que interfiram com próprios
direitos, direito à notificação, etc. Esta vinculação é a todos os direitos.

61
Ø Abrange quer a produção de regulamentos, quer a produção de atos
individuais e concretos (atos administrativos), quer as operações
materiais (categoria mais relevante àEx.: Intervenções policiais
encontram-se reguladas no Art.º 272º. Há uma ampla discricionariedade
da policia na escolha dos meios concretos de atuação), quer a atividade de
planeamento.

Ø Operações materiais à Ex.: Manifestação violenta – não há um ato


legislativo prévio que diga à polícia o que deve fazer nestas
circunstâncias. Há uma ampla liberdade de escolha, daí que o Art.º 272º
invoque o padrão da proporcionalidade.

Ø Atividade planificadora à Sobretudo no âmbito do direito do ambiente.


É muito impactante na liberdade de iniciativa económica e no direito de
propriedade.

- Ex.: Plano urbanístico à O traço do arquiteto que separa a zona de


expansão urbana da reserva ecológica tem um impacto grande
sobre o valor. Pode mudar completamente o valor de terrenos.

Ø Audiência do interessado à Em todas as decisões administrativas, os


titulares dos direitos são os cidadãos. São chamados a participar, e é
nessa audiência que eles podem fazer valer os seus direitos.

- Canal que deve ser usado para evitar que a AP produza decisões
que violem direitos fundamentais à Canal importante do ponto de
vista da tutela dos direitos fundamentais na relação entre cidadãos
e AP. Este instituto encontra-se regulado no CPA.

Ø Questão controversa à A AP fiscaliza a constitucionalidade das leis,


aplicando o Art.º 204º? Pode a AP eximir-se ao cumprimento de uma lei
dizendo que é inconstitucional por violação dos DLG?

- A AP não tem as mesmas competências dos juízes, contudo, não


temos que responder a esta questão em termos genéricos. A
questão é diferente quando estão em causa direitos fundamentais.

- Um dos argumentos à Se todo o funcionário administrativo


pudesse vir desaplicar a lei, o que seria do princípio da legalidade?

ü Todavia, sabemos que a AP tem uma hierarquia, e em última


análise, o Governo tem poderes de direção (Administração
direta), superintendência (Administração indireta) e tutela

62
(Administração autónoma) à Quando se defende a
fiscalização administrativa, pressupõe-se que as decisões
neste aspeto só podem ser tomadas pelo topo da hierarquia, e
não por qualquer funcionário administrativo

ü Não está em causa todos os funcionários fiscalizarem


constitucionalidade, nem está em causa atribuir à AP o poder
de avaliar no geral a constitucionalidade à É apenas
relativamente a violações dos DLG

- Em última análise, estas decisões de recusa de aplicação de leis com


base na sua inconstitucionalidade por violação de direitos
fundamentais também podem ser questionadas pelo Ministério
Público, na sua vertente de defesa da legalidade.

ü Quando a razão determinante da inconstitucionalidade da


lei é a violação de direitos fundamentais, não faz sentido
obrigar a AP a cumprir para no final ter uma decisão de
inconstitucionalidade.

ü O direito de resistência funciona como argumento para dizer


que não faz sentido a lei mandar aplicar leis violadoras dos
DLG, e ao mesmo tempo conferir aos cidadãos o direito de
resistirem contra leis violadoras dos DLG.

- Art.º 18º à A vinculação aos DLG é diferente da vinculação à


generalidade das normas constitucionais.

ü A tutela de direitos fundamentais deve ser preventiva (a


audiência de interessados é muito importante para prevenir a
violação).

Função jurisdicional

Ø Dos Tribunais e do Ministério Público (Ex.: Art.º 202º e 20º nº5 à


Processos especialmente céleres, para direitos liberdades e garantias de
natureza pessoal).

Ø Dá-se por 2 vias:

- Fiscalização concreta (Art.º 204º).

63
ü Os tribunais podem e devem recusar a aplicação de normas
contrárias a direitos fundamentais.

- Interpretar a lei em conformidade com os direitos fundamentais que


resulte numa decisão favorável a um amplo exercício de direitos
fundamentais.

ü A ideia é a mesma que a do Art.º 16º CRP à Os DLG


devem ser interpretados em conformidade com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem.

ü Na interpretação da lei ordinária, temos de escolher aquela


que é a mais conforme com os direitos fundamentais.

6.6. Vinculação das entidades privadas (artigo 18º nº1)

Este problema é muito polémico, e vai ser tratado no próximo ponto.

64
7. Vinculação das entidades privadas (artigo 18º, nº1): uma
sucessão de equívocos

7.1. Aparente polissemia da expressão

Ø Este problema é novo? à Não. É um problema bastante antigo, que


remonta às próprias revoluções liberais, mas como problema doutrinal,
surgiu como problema novo na década de 70 do Séc. XX, nos tribunais de
trabalho alemães.

Ø Locke vs. Hobbes

- A preocupação de Hobbes é proteger os direitos das pessoas face ao


inimigo mais evidente e mais comum, o outro homem (ideia de que
o homem é o lobo do homem; estado natureza é guerra de todos
contra todos). Para ele os direitos e a sua preservação é uma questão
que se coloca nas relações sociais.

- A revolução americana consagra perspetiva de Locke. Ele olha este


problema como sendo na relação entre indivíduo e poder publico
(Estado). Ideia dos direitos fundamentais em relação vertical, em
que indivíduos se protegiam contra Estado. O direito à vida, por
exemplo, é o direito a não ser morto pelo Estado. A generalidade
dos direitos era configurada nesta perspetiva.

Ø Na década de 70 do Séc. XX nos tribunais de trabalho alemães, começa a


colocar-se um problema.

- A relação entre trabalhador e empregador é também uma relação


de poder, uma relação em que o trabalhador está sujeito a ordens e
instruções concretas durante um largo período do seu dia.

- Ao olharem para a relação trabalhador-empregador, os tribunais


começam a detetar uma complicação valorativa à O empregador
não estava limitado aos direitos que os cidadãos tinham perante o
estado. Não se podia permitir ao particular um conjunto de
condutas que não se permitia à autoridade publica

- Esta ideia evidente é disruptiva, ao arrepio do que eram os direitos


fundamentais desde as revoluções liberais (até aí viam a relação
apenas como relação vertical).

65
Ø A verdade é que se olharmos para trás, em bom rigor, os direitos
fundamentais (ou pelo menos alguns), já eram protegidos por normas de
direito civil e penal, mesmo antes das Revoluções Liberais.

- Estes ordenamentos já protegiam a vida, integridade física,


propriedade, bom nome e reputação, mesmo antes das revoluções
à Faz sentido que se enalteça, nas Revoluções Liberais, o facto de
se ter dirigido esses direitos a direitos fundamentais, mas isto não
significa que o que era verdade no passado o tenha deixado de ser.

7.4. Direitos civis fundamentais versus normas de direito público

Ø Uma das razões pela qual este problema é muito debatido é o facto de se
entender que é um problema de direito privado, de invasão do direito
privado pelo público

- Constitucionalistas entram como bulldozer para dentro do direito


civil (liberdade contratual, etc.) .

- Erro óbvio à O problema de vinculação dos privados não e


exclusivamente de direito privado. Grande parte dos crimes
catalogados no CP protegem bens jurídicos que são também bens
jusfundamentais.

- O crime de homicídio tem como bem penal a vida (bem


jusfundamental) à Protegido o a vida através da criminalização do
homicídio.

Ø Há uma infinidade de crimes que protegem bens jurídicos que também


são protegidos pelos direitos fundamentais à Isto é a vinculação dos
privados.

- No direito penal, em bom rigor, às normas sancionatórias


corresponde uma norma impositiva implícita (há uma outra norma)
à Proibição do homicídio – Não matarás.

- Relações regidas entre vizinhos à Reguladas pelo direito do


urbanismo que é um ramo do direito público.

- Não é um problema exclusivo do direito privado à Mas é um tema


que causa ansiedade aos civilistas.

66
ü Conceitos podem estar em causa por causa da invasão dos
direitos fundamentais para o universo do direito privado.

Outra confusão à Vinculação dos privados e eficácia horizontal.

Ø De certa forma este problema não é muito horizontal à Antes de mais, a


vinculação justifica-se quando as relações entre entes privados não são
verdadeiramente igualitárias (situações de desigualdade entre sujeitos
privados).

- O problema das relações laborais tipicamente não é horizontal à


O empregador tem normalmente uma vantagem contratual quanto
ao trabalhador.

- O direito do trabalho justifica-se para tentar reequilibrar uma


relação que à partida não é horizontal à Contrato de trabalho
deixou de estar no CC e passou a estar num ramo de direito
autónomo porque se reconhece que num contrato de trabalho não
existe a simetria que existe nas relações regidas pelo direito civil.

- Só é horizontal no sentido em que não temos uma autoridade


publica.

Outra dificuldade à Proximidade que existe entre a vinculação dos


privados aos direitos fundamentais e ao princípio da igualdade.

Ø O princípio da igualdade, como está configurado, não é em si mesmo um


direito fundamental à Se olharmos para a sistemática da CRP, a questão
da vinculação dos privados, será que a igualdade é relativa aos direitos
propriamente ditos, ou ao regime de atribuição dos direitos? Será que
estes princípios também valem nas relações entre sujeitos privados?

Ø Questão difícil, sobretudo por causa do princípio da igualdade, e porque


há uma tendência para a subjetivação do princípio da igualdade à
Começa por ser um princípio subjetivo de atribuição de direito, mas por
exemplo, o Art.º 26º, está a reconhecer a todos os particulares o direito a
proteção legal contra qualquer forma de discriminação (trata-se de
proteção legal contra qualquer forma de discriminação fáctica).

Ø Não é apenas um principio objetivo de atribuição de direitos, é um direito


a não ser discriminado à É neste contexto que vemos muitos casos
práticos de invocação do principio da igualdade contra discriminações

67
perpetradas por sujeitos privados (Ex.: Empregadores que discriminam
mulheres).

Muitas vezes, esta questão é colocada nos seguintes termos à A vinculação


dos privados aos direitos fundamentais é inevitável, a questão está em saber
não se há vinculação, mas se ela é mediata ou imediata.

7.3. Eficácia mediata, imediata e terceira via

Eficácia mediata à Vinculação aos DLG através dos próprios institutos do


direito privado. A ordem jurídica concebe se como bipartida (direito privado vs.
direito publico). A vinculação aos DLG faz se através dos conceitos próprios do
direito privado, conceitos indeterminados do mesmo (bons costumes, boa fé,
abuso do direito, ordem publica).

Ø Deixar-se-ia aos privatistas a escolha do instituto próprio para fazer valer


os direitos fundamentais no âmbito das relações jurídicas privadas.

Ø Direitos de personalidade à Tradução privatística dos direitos


fundamentais (catálogo muito menor que o de direitos fundamentais).

Ø Outra ideia à Deveres de segurança no trafego jurídico.

- Por exemplo à Um prestador de bens ou serviços tem deveres de


informação relativamente aos consumidores para que não sejam
prejudicados. Quem vende bens, quem presta serviços, tem um
conjunto de deveres que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a
elaborar. Estão subordinados ao respeito da vida, integridade e
saúde dos consumidores.

Eficácia imediata à A ordem jurídica é una. Quer se trate de direito publico


ou direito privado, os direitos fundamentais valem como tal.

Temos 10 visões diferentes quanto a estas teorias:

Teoria da formulação constitucional expressa à Sem dúvida que há


vinculação direta dos privados quando a CRP expressamente configura um
direito nesses termos.

Ex.: Art.º 16º CRP à Direito ao bom nome e reputação. Este direito não está
consagrado numa relação especial com o poder público. A todos é reconhecido

68
este direito, mas há muitos outros casos em que os direitos são formulados
claramente contra o Estado.

Ø A vinculação dos privados depende diretamente da formulação dos


direitos fundamentais, da sua consagração constitucional.

Teoria da eficácia irradiante à Estes autores dizem que os direitos


fundamentais não são só subjetivos na relação entre poder público e privados.
São direitos objetivos que se aplicam nas relações entre privados. Não se
aplicam enquanto direitos, mas enquanto padrão interpretativo nas relações
privadas. A sua aplicação é remota.

Teoria da eficácia mediata em sentido estrito à Mesma teoria acima


descrita.

Teoria da eficácia em relação a terceiros à A e B têm uma relação


obrigacional, um conjunto de direitos recíprocos. Depois vem um terceiro
desencaminhar uma das partes no cumprimento das obrigações. Este terceiro
pode ser atingido pelos vínculos estabelecidos entre A e B? Pode C ser
associado ao incumprimento por B das obrigações?

Ø Tese muito curta, porque no fundo continua a achar que os direitos


fundamentais vinculam o indivíduo e o Estado, mas acessoriamente,
podem também ter efeitos em relação a outro privado.

Ø Isto faz sentido em alguns casos (Ex.: Direito de voto à O sujeito ativo é
o cidadão, titular do direito de voto. O sujeito passivo é o estado, que tem
de organizar o processo eleitoral. Pode ainda haver aqui uma eficácia
quanto a terceiros, se no dia das eleições existir um conjunto de
trabalhadores que estejam a exercer a sua atividade sem irem votar. O
efeito quanto a terceiros é a necessidade de os empregadores libertarem
trabalhadores para estes irem votar.

Ø Esta eficácia quanto a terceiros não explica a generalidade dos problemas


de vinculação dos privados.

Teoria da vinculação do legislador de direito privado à Os direitos


fundamentais aplicam-se diretamente nas relações de direito privado, então o
legislador tem de ter estes em conta quando faz leis no âmbito do direito
privado. Em bom rigor, esta teoria é uma derivante da tese da eficácia mediata.

Teoria dos deveres estaduais de proteção à O que está aqui é uma derivação
da tese da eficácia do legislador de direito privado.

69
Ø Triângulo jusfundamental à Entre o agressor e o lesado (sujeitos na base
do triângulo), não há propriamente uma relação. O que há é um dever do
Estado de proteger o lesado relativamente ao agressor. O lesado tem
direito a proteção estadual, e portanto a relação é vertical.
Ø Isto é absurdo à Tomemos por exemplo um caso de direito penal. A, é o
lesado, e tem direito à, e B é o agressor e potencial homicida.

- O que esta tese diz é que entre A e B não há relação. O Estado tem
o dever de proteger A, e tem de estabelecer uma norma de
incriminação do homicídio.

- O Prof. considera que é porque os sujeitos privados estão


reciprocamente vinculados a respeitar vida uns dos outros que o
Estado tem de incriminar homicídio.

- O dever de proteção surge da vinculação recíproca dos particulares


ao respeito dos direitos uns dos outros. A vinculação recíproca dos
sujeitos privados é um imperativo constitucional, não surge depois
do Estado exercer o seu dever de proteção.

Teoria da vinculação supletiva ou excecional dos tribunais à Vinculação


dos imediatos é só supletiva ou excecional dos tribunais, quando a ordem
jurídica não consiga resolver o problema adequadamente através de conceitos
indeterminados (institutos de direito privado). Não são os tribunais que criam a
vinculação, que criam direito. Ou a vinculação já existe no plano constitucional,
ou temos um problema sem solução.

Teoria da vinculação dos poderes privados à As constituições estabelecem a


vinculação dos poderes públicos. Por mimetismo, temos de aplicar as mesmas
vinculações aos poderes privados. Trata se de uma vinculação dos poderes
privados semelhante aos poderes públicos. A vinculação justifica se tanto mais,
quanto maior for o desequilíbrio. A vinculação dos poderes privados é o núcleo
mais importante, mas não significa que não possa haver situações de relativa
proximidade de poder que estejam sob a égide desta vinculação.

Teoria da vinculação ao conteúdo essencial/dignidade da pessoa humana à


No âmbito do direito privado, a vinculação é apenas ao conteúdo essencial dos
direitos, ou à dignidade da pessoa humana.

Ø Estabelece ponderação entre direitos fundamentais/princípio da


igualdade, e por outro lado da autonomia privada, etc.

70
Teoria da eficácia intersubjetiva plena à Dizer que a ordem jurídica é una, e
os direitos fundamentais valem em todos os ramos jurídicos. A vinculação e
variável, temos de ver direito a direito (há direitos que fazem mais sentido em
determinadas situações).

7.2. Certeza negativa, certeza positiva e incerteza

Um universo tripartido? à Zona de exclusão; zona de incerteza; zona de


inclusão expressa.

Ø Habeas corpus à Não é um direito que possa ser exercido entre


privados. De um modo geral, as garantias em processo penal são direitos
fundamentais cuja direção é vertical quanto ao Estado

- Zona de exclusão.

Ø Direitos configurados a partida como direitos para vincular entes privados


à Ex.: Direitos dos consumidores (Art.º 60º). Na maior parte dos casos,
enquanto consumidores, relacionamo-nos com entidades privadas. Estes
direitos já estão configurados como direitos a fazer valer entre sujeitos
privados.

- Zona de inclusão expressa.

Ø Isto não quer dizer que relativamente a todos os outros possa haver
verdadeiramente incerteza.

- Quanto à vida, integridade física e saúde não há incerteza, pela


simples razão de que não passa pela nossa cabeça achar que nós
indivíduos não estamos reciprocamente vinculados ao direito à
vida, etc., uns dos outros.

- Portanto, há um princípio geral da ordem jurídica de não lesar o


direito alheio, sob pena de responsabilidade à Responsabilidade
reciproca acontece relativamente à maior parte dos direitos à

- Mesmo que na CRP sejam configurados, pela história, contra o


Estado (Ex.: liberdade de expressão é configurada contra censura),
mas isto não significa que estejamos numa zona de incerteza.

- Independentemente de haver direitos que só fazem sentido contra o


Estado, de haver direitos já configurados na CRP para valerem nas
relações jurídicas contra o Estado, a zona de incerteza só valerá

71
para casos particulares, porque a regra é a vinculação dos sujeitos
privados.

72
8. Deveres estaduais de proteção: redescoberta tardia de uma
função antiga

8.1. Perigos e riscos: humanos, naturais e internacionais

Deveres estaduais de proteção à Triângulo jusfundamental (Estado-


Agressor-Lesado). O triângulo é uma simplificação de uma realidade que por
vezes é mais complexa (pode haver pluralidade de lesados, pluralidade de
agressores, Estado pode desdobrar-se), mas para efeitos de estudar este
problema é uma boa forma de começar.

Há um conjunto de teses que negam estes deveres estaduais de proteção à


Dizem que tudo não passa de uma visão parcelar da relação estado-cidadãos
titulares de direitos fundamentais, defendendo a solução dos direitos de
defesa.

Ø Diz que se alguém agride os direitos de outrem, ou essa agressão é ilícita,


ou é permitida pelos quadros legais.

- Na prática é o Estado que agride e não um terceiro à Se uma


empresa poluente polui, ou o ato é ilícito, ou se é permitido pela
licença que permite poluir, em bom rigor como é o Estado que
licencia, é ele que viola o direito fundamental dos indivíduos.

Ø Isto desvaloriza a responsabilidade dos privados pelos seus atos à


Não é uma visão compatível com a visão de privados como sujeitos
responsáveis. A violação é sempre imputada ao estado.

Outra forma de ver problema à É de olhar para ela como via intermédia entre
eficácia imediata e mediata dos direitos fundamentais entre privados.

Ø Olhar para o triângulo e dizer que entre o agressor e o lesado, não há uma
relação jusfundamental. Apenas existem 2 relações jusfundamentais -
entre o agressor e o Estado e o lesado e o Estado.

Ø O Estado tem de controlar as atividades do agressor, e o vínculo relativo


ao lesado é apenas uma pretensão que o lesado pode fazer valer para o
Estado defender os seus direitos frente a um agressor.

Ø Transforma-se o Estado numa espécie de “seguradora” contra violação de


direitos fundamentais de toda a gente.

73
Visão do Prof. à Olha para o Art.º 18º, e faz uma leitura centrada na força
normativa e não nas restrições.

Ø O objetivo do preceito é salvaguardar os direitos, ainda que para isso


muitas vezes seja necessário restringir outros direitos.

Ø Devemos adotar uma perspetiva de garantir o conteúdo dos direitos tanto


quanto possível.

Ø Permite-nos olhar para a proporcionalidade de forma mais aberta à


Proibição do excesso bem como do défice. Encontrar uma zona
intermédia entre a proibição do défice e do excesso, onde o legislador se
pode movimentar com alguma facilidade.

Ø Do Art.º 18º resulta uma zona de vinculação negativa, mas também


positiva (não podem haver medidas de proteção insuficientes
relativamente ao conteúdo dos direitos fundamentais que se procuram
salvaguardar).

Ø Liberdade do legislador é limitada por estas duas zonas.

Ø Quando se estabelece, por exemplo, um conjunto de restrições à liberdade


de circulação, não podem ser mais que as necessárias para atingir o fim
em vista, mas também não menos do que as que são indispensáveis para
atingir aquele fim.

Ø Conteúdo essencial (Art.º 18º nº3) à Não é apenas o conjunto de


faculdades nucleares do direito que não podem ser atingidas pelas
restrições. É também um conjunto de faculdades que o legislador tem de
garantir que, em quaisquer circunstâncias, está disponível para ser
exercido pelos particulares.

8.2. Primeiro polo da relação: agressor

Ø Avaliação do perigo ou do risco à O dever de proteção reage contra


perigo ou risco.

- Perigo à A causalidade está estabelecida entre a causa e o efeito.


Determinada causa está na origem de determinado efeito.

- Risco à Suspeitamos que determinada causa pode originar


determinado efeito.

74
Ø O corona vírus é um perigo. Mas há muitas tecnologias que não sabemos
se verdadeiramente causam dano à saúde (radiações de antenas dos
telemóveis), e que portanto, constituem uma situação de risco.

Ø De um modo geral, quando temos um perigo identificado, dizemos que


temos de atuar para evitar dano. No risco vamos ter um estado de
precaução. Em termos práticos, significa que as restrições de direitos são
mais facilmente justificadas quando temos um perigo, do que quando
temos um risco.

Ø Para sabermos como reagimos a perigos e riscos, temos de fazer


avaliação. Nesta avaliação o direito não basta. O decisor jurídico tem de
ter em conta dados de ciência. Partindo dessa avaliação vamos para uma
gestão do risco.

Ø A avaliação objetiva do risco é diferente da perceção do risco à Ex.:


Durante um período em Israel em que havia ataques suicídas, as pessoas
tinham pânico de vir a morrer naquelas circunstâncias. Consideravam um
perigo grande, mas nesse período morriam mais pessoas nas estradas
israelitas do que nesses atentados terroristas.

- A nossa reação psicológica é causa de uma perceção do risco, que é


diferente da avaliação objetiva do mesmo.

Ø Gestão do risco significa fazer escolhas à É impossível defender de


todos os perigos e riscos. Passamos das escolhas dos perigos e riscos mais
importantes, e investimos neles, para a fase de comunicação do risco.

Ø A fase da comunicação é muito dilemática à Há perigos e riscos


evitáveis. Se há uma comunicação muito forte do risco, cria um efeito de
disponibilidade na mente das pessoas que faz com que estas se sintam
muito mais ameaçadas do que realmente estão.

Ø O excesso de comunicação e informação, e a pouca fiabilidade da


informação, faz com que as pessoas entrem em estado de ansiedade que
não tem correspondência na realidade do perigo ou do risco.

Ø Uma comunicação austera objetiva é muito difícil em momentos de risco


à Numa sociedade democrática, havendo liberdade de imprensa, a
informação não pode ser controlada por fontes oficiais.

Ø Corresponsabilidade estadual à Determina que medida é que a


responsabilidade se reparte entre o Estado e os sujeitos privados que

75
geram efetivamente os perigos e riscos para os direitos dos concidadãos
(Ex.: As centrais nucleares são geridas por empresas privadas, mas a
licença de funcionamento é dada pelo Estado).

- De um modo geral, numa economia de mercado, o Estado só pode


responsabilizado, pelo menos na íntegra, pelos perigos e riscos que
gera ele próprio, ou se a sua posição é determinante para esse
perigo ou risco à Não faz sentido que todos os perigos e riscos
sejam imputados ao Estado.

- A corresponsabilidade não transforma este problema num


problema de verdadeira restrição pelo estado de direitos
fundamentais. Continuamos a ter um triângulo. O facto do
particular atuar num contexto organizado para o Estado não
transfere para ele a responsabilidade.

- Uma participação não determinante do Estado num processo que


vem originar uma atividade perigosa ou de risco não deve ser
pretexto para não atuarmos em relação aos agressores.

Ø Perigos da natureza à Também há dever estadual de proteção quando


se trata de um perigo da natureza?

- É muito difícil separar perigos da natureza de perigos humanos


(Ex.: Num terramoto, a generalidade das pessoas diz que é um
perigo da natureza mas a verdade o que mata não é o tremer da
terra. são as construções humana).

- Há muitas vezes uma interligação entre conduta humana e


situações de natureza que não dispensa a atuação estadual nestes
casos (Ex.: Se as pessoas não construírem em leito de cheia, as
cheias resolvem-se porque as águas fluem para os rios e dos rios
para o mar – cheias têm consequências, mas por causa de
construção desordenada).

- O dever de proteção é focado no lesado. Não faz sentido dizer que


só há dever de proteção se pudermos atuar sobre o agressor. Para
isso há instituições (proteção civil, etc.) que podem ser
organizadas.

- Isto não quer dizer que este dever de proteção implique pelo
Estado assumir uma obrigação de resultado à Quanto maior o

76
perigo, menor é a possibilidade de imputarmos ao Estado uma
obrigação de resultado.

Ø Perigos originados por, ou em Estados estrangeiros à O que é


particular aqui é a dificuldade que o poder público de um determinado
Estado tem em controlar o agressor, visto que este não está sob sua
jurisdição (agressor pode ser um grupo terrorista, um hacker, etc.)

- O Estado pode tomar medidas para evitar que o grupo terrorista se


organize para preparar o atentado no seu território, mas essa
preparação pode ser feita no exterior.

- Hacker à Pode estar do outro lado do mundo a causar danos para


direitos como a privacidade de um cidadão nacional

- Estes perigos devem estar incluídos no dever de proteção do


Estado, mas temos de perceber que o Estado está limitado na sua
capacidade de limitar o agressor.

- Pode criar um escudo de defesa contra estas agressões à Se tem


conhecimento de uma ameaça que está localizada noutro Estado, se
houver uma colaboração entre os 2 Estados, esse problema pode
ser resolvido.

Ø Perigos causados pelo próprio titular do direito à Situação paradoxal


em que no triângulo, o agressor e o lesado são a mesma pessoa, ou seja,
estamos a falar de condutas em que pomos em causa a nossa vida,
integridade física, saúde, etc.

- Haverá um dever de proteção do Estado dos próprios titulares do


direito? à Vamos deixar a questão em aberto para falar mais tarde.

- Problema das condutas renunciativas de direitos fundamentais à


Dever de proteção do estado persiste se a agressão tem origem no
próprio titular do direito (proteger pessoas delas próprias)?

Ø Conclusão: Princípio da irrelevância da origem da ameaça e da


indivisibilidade da proteção à A origem da ameaça é, em princípio,
irrelevante. O dever de proteção subsiste independentemente da origem
da ameaça, a proteção é que varia.

77
- Podemos estabelecer princípio da indivisibilidade da proteção. Não
podemos dividir perigos e riscos entre os que geram e não geram
dever de proteção.

8.3. Segundo polo da relação: lesado

Que direitos?

1. O Estado tem dever de proteção relativamente a direitos negativos,


idóneos a produzir efeitos jurídicos nas relações entre privados à
Não há dever de proteção de direitos que só podem ser violados pelo
Estado.

Ø Vida, integridade física, saúde, mas também privacidade…

Ø Os direitos têm de ser idóneos a vincular sujeitos privados.

2. O Estado tem dever de proteção de direitos das gerações futuras? à O


modo como se exercem determinados direitos no presente pode afetar
negativamente o exercício direitos de gerações futuras.

Ø Direitos cujo exercício irrestrito ou irrazoável hoje, pode gerar


danos significativos, e em particular danos ambientais que vão ser
sofridos por gerações futuras.

Ø Prof. concorda com Hans Jonas à A nossa obrigação é de que haja


vida futura compatível com a dignidade da vida humana.

3. Proteção dos direitos contra os próprios titulares? à Se o agressor e o


lesado forem a mesma pessoa, o que é que o Estado deve fazer?

Que influência têm, na definição do dever de proteção, as características dos


bens jusfundamentais ameaçados e dos respetivos titulares? Na definição do
dever de proteção e na sua graduação, que características dos bens
jusfundamentais ameaçados é que devem ser consideradas à 3 coisas:

a) Quanto mais elevada a posição de um direito fundamental na ordem de


valores constitucional, mais intenso é o dever de proteção, mais
facilmente se impõe ao Estado um dever de proteção (é diferente
defender dever de proteção da vida de dever de proteção da propriedade
privada).

78
b) Quanto mais acentuada a irreversibilidade das decisões, mais fácil
defender o dever de proteção à Se houver efetivamente uma lesão, pode-
se voltar atrás.

Ø Quanto maior a fragilidade do titular do direito (física, recursos


inteletuais ou financeiros) mais se justifica o apoio do estado na
proteção dessa pessoa.

Ø De um modo geral, os deveres de proteção justificam-se mais


relativamente a direitos como a vida, integridade física, saúde, e
são mais intensos relativamente a pessoas mais frágeis.

8.4. Terceiro polo da relação: Estado

Como é que o Estado protege

Ø Antes de mais, protege através das suas funções. A primeira forma de


proteção é a emanação de normas legais adequadas a criar a “armadura”
que protege os bens jusfundamentais dos potenciais lesados.

É possível identificar vários tipos de normas usadas neste tipo de proteção:

Ø Sancionatórias à Punindo como crimes e contraordenações as condutas


que agridam bens jusfundamentais, ou que representem perigo para esses
bens. Têm uma função de prevenção geral, mas também de retribuição.
Há norma sancionatórias que punem apenas a criação de danos e riscos
sérios para bens jusfundamentais. Nas atuais ordem jurídicas são normas
particularmente restritivas. Forma mais generalizada de proteger direitos
fundamentais

Ø De organização, procedimento e processo:

- De organização à Há direitos cujo desenvolvimento pressupõe


determinadas norma organizatórias (liberdade académica pressupõe
que as instituições universitárias reconheçam um determinado
estatuto aos seus professores).

- De procedimento à Há direitos cujo exercício pressupõe um


determinado procedimento.

ü O direito de propriedade pressupõe que haja um


procedimento para o exercício da requisição civil à Não
pode ser um ato instantâneo do poder público, tem de seguir

79
procedimento. O alvo da medida requisitória tem de fazer
valer as suas razões.

- De processo à Normas de funcionamento dos tribunais (âmbito já


não da AP). O acesso aos tribunais é uma forma indispensável de
tutela de direitos (sucessiva e preventiva).

Ø Sobre informação à Tudo o que são substâncias de consumo humano


(medicamentos, alimentos) têm um conjunto de informação associado,
para que quem os consome, tenha toda a informação disponível sobre a
composição, e, ou, os efeitos secundários do produto.

- Todo o folheto informativo nas caixas de medicamentos tem


função de proteção da saúde de cidadãos. São importantes porque
ninguém se consegue proteger contra perigos e riscos que
desconhece.

Ø De segurança à Existem para a circulação automóvel por exemplo. O


objetivo das regras do código da estrada é o de proteger a vida e
integridade física dos automobilistas, peões, etc.

- Temos por um lado os produtores de automóveis, mas por outro os


automobilistas que circulam

Ø De compensação de posições desigualitárias à Tem haver com o facto


de a relação entre o agressor e o lesado ser muitas vezes uma relação
desigualitária.

- Desde logo, quando um dos sujeitos privados tem mais informação


que o outro, mais poder económico, ou está numa posição de
supremacia sobre o outro juridicamente.

- Para equilibrar o triângulo, o Estado introduz disposições legais


que visam, por exemplo, inverter o ónus da prova (contrato de
seguro – é o segurador que tem de demonstrar que passou todas as
informações necessárias ao segurado).

- Estas normas podem também ser através de regras imperativas à


O direito do trabalho autonomiza-se do direito civil porque há uma
grande restrição da autonomia privada, e existem, portanto, normas
imperativas para compensar a desigualdade.

80
Se olharmos para a ordem jurídica no seu conjunto, encontramos um número
significativo de normas cujo objetivo é proteger bens jusfundamentais nestas
relações entre sujeitos jurídicos privados à O Estado não é o agressor. Entra
como coordenador de esferas de liberdade. É responsável por criar situações
reais, para respeito recíproco de direitos fundamentais pelo Estado.

E quando o Estado (legislador) não protege (ou não protege de forma


suficiente)?

Ø Ex.: Produto em bem vendido ao público contém produto cancerígeno e


Estado não protege.

Ø A resposta é simples à Inconstitucionalidade por omissão.

- Não é uma inconstitucionalidade por omissão passível de


fiscalização pelo 283º - está previsto para a não emanação de
normas constitucionais não exequíveis por si mesmas

Ø Muitas vezes o problema não é de ausência total de proteção, mas sim de


proibição do défice (atuação do Estado deve ser adequada e suficiente
para a proteção deste bem jusfundamental).

- Problema de proporcionalidade à Ela vincula o Estado legislador,


a um nível satisfatório de proteção dos bens jurídicos quando o
risco seja suficientemente sério, caraterizado. Quando existe um
perigo sério ou uma probabilidade elevada de ocorrência de danos
em bens jusfundamentais, o Estado tem de intervir.

Ø Violação do princípio da proibição de défice, fiscalizável pelos


tribunais.

81
9. Restrições legais e intervenções restritivas (artigo 18º, nº 2 e 3)

9.0. Figuras afins das restrições legais

Art.º 18º nº2 e 3 à Estabelecem as restrições que o legislador pode fazer


(restrições legais).

Isto não significa que não existam figuras afins, que não são restrições em
sentido técnico-jurídico, mas são figuras próximas:

Ø Delimitação do âmbito do conteúdo do direito.

- Algo que se faz antes de se restringir.

- Temos o núcleo do direito e a periferia. A delimitação do conteúdo


do direito é traçar a linha sobre o conteúdo das faculdades que
ainda está incluído no direito.

ü Ex.: Insultar uma pessoa não está compreendido no âmbito


da liberdade de expressão à Se o conteúdo é insultuoso,
quando se proíbe e penaliza o insulto, a ofensa ao bom nome
e reputação, estamos a dizer que esse tipo de condutas não
está compreendido no âmbito de aplicação do direito. Não
estamos a restringir o direito.

- Por vezes isto pode ter alguma dificuldade à Ex.: Não é


absolutamente líquido que a liberdade de escolha de profissão não
tutele atividades profissionais que estão tradicionalmente
associadas a condutas imorais (como a prostituição por exemplo).

- Há teorias mais amplas (acham que o conteúdo do direito é muito


alargado e que depois temos de ir restringindo), e teorias que
acham que o conteúdo antes de restrições já é, ele próprio, mais
limitado.

Ø Limites ao exercício dos direitos.

- O que está em causa não é o conteúdo do direito, é apenas e só as


possibilidades de exercício do direito.

- Ex.: Direito à greve à Limite ao exercício traduz-se no sindicato


que convoca a greve ter de notificar com antecedência a entidade
empregadora, para esta estar prevenida.

82
- Há um pré-requisito para o exercício do direito.

Ø Regulamentação à Nem todas as leis sobre direitos fundamentais são


leis restritivas.

- Há muitas leis que se limitam a regulamentar o exercício dos


direito.

- Há direitos que pressupõem mais regulamentação (intervenção


legislativa).

Ø Concretização ou conformação legislativa

- Concretização à Normalmente usada quando as normas


constitucionais são não exequíveis por si mesmas, e têm
claramente uma remissão que diz que o legislador deve concretizar
determinado direito.

ü O Art.º 283º estabelece o mecanismo da fiscalização da


inconstitucionalidade por omissão com base nesta falta de
concretização

ü As normas não exequíveis por si mesmas carecem de


concretização.

- Conformação à Não se trata de uma exigência da CRP de criar


um regime jurídico.

ü Muitas vezes esses regimes já existem há muito tempo à


Institutos de direito privado que são pressuposto de um
direito fundamental.

ü Criam-se os quadros normativos necessários para o exercício


de um determinado direito.

ü É o legislador que define o conteúdo do próprio direito que a


CRP protege.

ü Conformação dos institutos que são fundamentais para que


os direitos sejam uma realidade.

83
ü Ex.: A liberdade de contrair casamento só existe na medida
em que o CC prevê um regime para o casamento à CC é
conformador do direito a casar nestes aspetos.

Ø Deveres fundamentais.

- Alguns direitos fundamentais são simultaneamente também


consagrados como deveres.

- O exercício do direito de voto corresponde a um dever cívico à


Não pode haver sanções pelo incumprimento do dever de voto.

- Direito do ambiente está associado a um dever de preservação do


ambiente à Art.º 66º CRP – Determina que há um direito e um
dever.

- De um modo geral os deveres não são simétricos do direito.

Ø Intervenções restritivas individuais e concretas.

- A AP, autorizada por lei, e os tribunais, cumprindo a lei, podem


tomar decisões que restringem, em situações individuais e
concretas, os direitos fundamentais.

ü Ex.: Decisões condenatórias a pena de prisão restringem a


liberdade de circulação das pessoas. Mas estamos no plano
individual e concreto.

- O facto do Art.º 18º nº 2 e 3 falar em restrições legais não impede


este tipo de intervenção à Este Art.º fala apenas em leis restritivas
gerais e abstratas.

Ø Agressões originadas por sujeitos privados.

- Estas agressões acontecem muitas vezes, e frequentemente são


ilícitas.

- Ex.: Se uma lei permite a instalação de uma determinada fábrica


poluente e há uma decisão administrativa que o permite, a poluição
pode significar uma compressão do direito ao ambiente dos
vizinhos que vivem perto da fábrica.

Ø Suspensão de direitos.

84
- Restrições (Art.º 18º)

ü Todos os direitos.

ü Permanentes.

ü Reserva de lei (Lei ou DL autorizado)

ü Proporcionalidade.

ü Autorização constitucional expressa.

ü Generalidade e abstração (Princípio da igualdade).

ü Irretroatividade (Princípio da proteção da confiança).

ü Intangibilidade do conteúdo essencial.

- Suspensão (Art.º 19º)

ü Alguns direitos (mas não “como um todo”).

ü Transitória.

ü Declaração do estado de exceção.

ü Proporcionalidade.

ü Autorização constitucional expressa.

ü Igualdade.

ü Irretroatividade (Princípio da proteção da confiança).

ü Intangibilidade do conteúdo essencial.

9.1. Reserva de lei, determinabilidade e competência legislativa

Condições de validade constitucional das restrições à Art.º 18º nº2 e 3


CRP

1. Reserva de lei.

85
2. Autorização constitucional expressa.

3. Proporcionalidade (Ideia de necessidade).

4. Generalidade e abstração.

5. Proibição da retroatividade.

6. Intangibilidade do conteúdo essencial

Reserva de lei

Ø A CRP, sem prejuízo de afirmar no Art.º 18º nº1 a aplicabilidade direta


dos DLG, não confia ao legislador ordinário a totalidade do regime dos
diferentes direitos.

Ø Há uma espécie de reserva de constituição. Todavia, é inevitável que esta


reserva tenha de ceder perante a necessidade de comprimir o conteúdo do
direito.

Ø Só é possível com lei parlamentar ou DL autorizado à O Art.º 165º


reserva à AR a matéria dos DLG (alínea b)).

- Se a regulamentação concretização ou conformação é reserva da


AR, por maioria de razão a restrição também o é.

- Decorre também desta ideia que a lei não pode ser um cheque em
branco passado a quem a vai aplicar. A lei tem de ser
suficientemente densa e determinável quanto ao seu conteúdo.

ü O legislador tem de, com densidade, definir ele próprio o


alcance das restrições necessárias e admissíveis.

ü Isto significa também que não podem haver regulamentos


independentes (regulamentos em que a lei limita-se a fixar a
competência objetiva e subjetiva, o órgão e a matéria).

Ø Não pode também haver deslegalização (legislador revogar a lei e dizer


que a matéria passa a ser tratada por regulamento)

Ø Deve haver um esforço para reduzir a discricionariedade administrativa


à Lei tem de ser geral e concreta.

86
9.2. Autorização constitucional expressa e limites imanentes

Autorização constitucional expressa

Ø Aqui, ninguém se entende.

Ø Há casos em que a CRP claramente autoriza restrição e outros casos em


que não o faz.

- É inevitável que alguns direitos em que a CRP não admite


expressamente restrição tenham de ser restringidos.

- Ex.: Art.º 24 e 25 à Não há nenhuma autorização para restringir.

Ø Há casos de auto restrição (Art.º 27) à CRP não permite a restrição, mas
restringe ela própria.

- Considerando a importância do direito, a CRP impõe desde logo


um conjunto de restrições.

Ø A autorização constitucional expressa não tem de estar no artigo do


direito que vai ser restringido. Pode estar no artigo que consagra o direito
que fundamenta a restrição.

- Para o Art.º 27º, não só há um conjunto de auto restrições, mas


também há uma possibilidade de encontrar no Art.º 64 uma base
para restrição.

9.3. Princípio da proporcionalidade, ponderação e ordem constitucional

Proporcionalidade

Ø Proporcionalidade tem uma dupla vertente: proibição do excesso e do


défice.

- O legislador, quando estabelece restrições, tem de evitar tanto o


excesso como o défice.

Ø A proporcionalidade tem uma dimensão contra intervenções


administrativas demasiado graves, onerosas, e por outro lado uma
dimensão de salvaguarda de outros direitos à A liberdade do legislador é
uma liberdade vinculada, entre as linhas de proibição do excesso e do
defeito.

87
Ø Um dos pressupostos da proporcionalidade é que tem de haver um
balanceamento dos direitos em causa à Há uma determinada hierarquia
de direitos.

- O direito à vida, por exemplo, claramente não está na mesma


posição que a proteção de dados.

- Os direitos nunca se confrontam todos ao mesmo tempo.

- Os casos reais confrontam 2 direitos, e é relativamente a eles os


dois que temos de efetuar uma valoração.

• 3 testes da proporcionalidade:

- Adequação à Juízo de eficácia. Saber se o meio usado pelo


legislador é idóneo a alcançar o resultado.

- Necessidade à Juízo de eficiência. Encontrar as medidas


eficientes, que sejam adequadas, não demasiado pesadas nem
demasiado leves para alcançar o fim em vista.

- Proporcionalidade em sentido estrito.

ü Podemos recorrer ao exemplo das sanções à A sanção a


aplicar a uma infração tem de ter em conta a gravidade da
infração. É por isso que as normas penais não preveem penas
mas sim penalidades – esta penalidade, a janela entre o
mínimo e o máximo, é justamente para permitir esta “justa
medida”.

9.4. Generalidade, abstração e igualdade

Generalidade e abstração

Ø Primeira garantia de respeito pela igualdade à O legislador decidiu


estabelecer antes de mais esta forma simples de proibir restrições que não
sejam gerais e abstratas.

Ø A lei não pode fazer aceção de pessoas; Não podem haver restrições em
contextos muito concretos

88
9.5. Irretroatividade e proteção da confiança

Irretroatividade

Ø Primeira garantia do princípio da proteção da confiança.

Ø Toda a retroatividade em sentido amplo afeta a confiança.

Ø Mas a CRP de modo geral não proíbe a retroatividade da lei salvo em 3


circunstâncias:

1. Art.º 18º nº 3.

2. Leis penais incriminadoras (Art.º 29).

3. Leis fiscais (que criam encargos para os consumidores) à Art.º


103º.

Ø Entende-se que esta proibição vale essencialmente para a retroatividade


em sentido próprio.

- Muitas leis são retrospetivas à Seria uma limitação terrível se esta


proibição abrangesse também a retrospetividade.

9.6. Intangibilidade do conteúdo essencial

Intangibilidade do conteúdo essencial

Ø É um limite da própria ponderação do princípio da proporcionalidade. Se


a restrição tocar no conteúdo essencial de um direito, no seu núcleo, a
ponderação está mal feita (Art.º 18º nº3).

Ø Só podem comprimir ou eliminar direitos que estão na periferia, mas se


suprimirmos algumas dessas faculdades, o direito pode ficar deformado –
o conteúdo do direito muda consoante o objeto da propriedade.

Ø Teoria absoluta vs. teoria relativa:

- Absoluta à Todos os direito tem um conteúdo essencial que não


pode ser tocado (temos de definir o núcleo duro).
Independentemente do contexto o núcleo é sempre igual.

89
- Relativa à Núcleo essencial conjugado com o princípio da
proporcionalidade. Não há limites rígidos contra as ponderações
sempre necessárias. Mistura entre o requisito da intangibilidade e o
princípio da proporcionalidade. O núcleo pode ser cada vez mais
reduzido, consoante os argumentos para o limitarem.

Ø Teoria objetiva vs. teoria subjetiva:

- Objetiva à Olham essencialmente àquilo que é o conteúdo dos


direitos nos textos normativos.

- Subjetiva à Olham para o que é o conteúdo na esfera jurídica dos


indivíduos. A questão está em saber o que é que eu numa
circunstância particular posso exercer do meu direito.

Ø Último reduto contra a proporcionalidade? à Posição do JPS – Garantia


última contra a ponderação de bens é sempre feita quando se fala de
restrições a direitos fundamentais.

9.7. Discussão em aula relativamente à situação do COVID-19

Questão polémica à Saber se a restrição ao direito à proteção de dados (35º


CRP) pode justificar-se como instrumento de combate à atual pandemia. Se é
admissível restringir esse direito com o propósito de proteger a saúde de pessoas
e, em última análise, proteger vidas.

Ø Há 2 hipóteses mais discutidas:

1. Fazer georeferenciação de pessoas à Identificar os contactos


que as pessoas têm ao longo do dia através da sua localização.

2. Disponibilização para a comunidade científica dos dados de


saúde das pessoas infetadas à Conhecendo em pormenor os
dados de saúde dos infetados com muito detalhe pode ser uma
ferramenta importante no combate à doença.

Ø Este é um problema de restrições à Direito consagrado na CRP e na


Carta Europeia de Direitos Fundamentais, regulamentado por uma lei
europeia.

- Qualquer destas 2 hipóteses implica uma restrição substancial ao


direito à proteção de dados.

90
- Não é só este direito que está em causa à A liberdade de
circulação também significa que podemos deslocar-nos sem que
sejamos localizados; os dados de saúde também têm haver com o
nosso direito à proteção da saúde.

Debate

Ø Defesa da anonimização dos dados.

Ø Art.º 35º CRP à Tem uma autorização constitucional expressa – desse


ponto de vista é possível avançar para uma restrição.

Ø Os decretos apenas restringiram este direito na medida em que pediram


que as operadoras de telemóveis facultassem os números dos telemóveis
dos seus clientes para a DGS enviar mensagens de advertência à Apenas
com este alcance é que o decreto de declaração do estado de emergência
suspendeu o direito à proteção de dados.

Ø Disponibilização de dados à comunidade científica.

- Só é aceitável se os cientistas demonstrarem um interesse naqueles


dados, e a demonstração desse interesse legítimo corresponde a
poderem dar um contributo para o combate a doença à Cientistas
têm de ter um background de investigação naquele domínio, e tem
de haver um interesse legítimo.

- Está fora de questão os dados serem não anonimizados, mas o


problema é que nunca há anonimização completa à Juntando
dados, não há nenhuma anonimização que seja completamente
segura, que permita com total certeza que não se chegará ao nome
da pessoa.

- Outro dado importante é o local de residência. A doença tem tido


percursos de avanço muito diferentes dependendo da geografia. Há
regiões mais e menos resilientes. O local de internamento também
é importante (os resultados de mortalidade dependem de local para
local).

Ø Geolocalização

- Havendo autorização constitucional expressa, o problema passa


para o passo seguinte à Proporcionalidade.

91
- A proporcionalidade começa com a questão de quem vamos
georeferenciar à Proporcionalidade diz que vamos georeferenciar
o menor número de pessoas possível para garantir algum ganho de
combate à doença

- Quem podemos georeferenciar? à Pessoas infetadas


(transmissores da doença); pessoas suspeitas de estarem infetadas
(probabilidade mais elevada de estarem infetadas); pessoas de risco
(maior propensão a serem infetados e de poderem vir a ser vítimas
mortais); toda a população.

- Proporcionalidade significa comprimir o universo ao menor


número de pessoas possível.

- No caso dos infetados, a finalidade é evitar a transmissão.

- Em matéria de limitação à liberdade de circulação, temos vários


graus à Pessoas em confinamento (infetados), pessoas de
quarentena (existe uma razão acrescida de dúvida sobre o estado de
saúde da pessoa), dever geral de recolhimento domiciliário.

- Há 3 formas técnicas de fazer georeferenciação, que são diferentes


do ponto de vista da intrusividade:

1. Torres das operadoras de telemóveis à Conseguem identificar onde


estão os telemóveis, sendo que se pode aceder a estes dados com ordem
judicial.

ü Problema à O facto de se fazer esta georeferenciação


não significa que tenha alguma utilidade para controlo
da doença. Não é muito preciso, não consegue dizer se
2 portadores de telemóveis estão a 1 ou a 50 metros de
distância.

ü Do ponto de vista da proporcionalidade, há um


problema de adequação à Comprime-se a liberdade
das pessoas sem nenhum efeito útil.

ü Podemos esquecer esta solução.

2. GPSs incorporados nos telemóveis à Georeferenciação por satélite.

92
ü Esta é a forma mais intrusiva à Só será admissível se
houver outra forma menos intrusiva e mais eficiente.

ü É idónea para saber exatamente onde estão as pessoas,


mas conta a vida toda das pessoas à Permitir o acesso
a estes dados pessoais significa despir a pessoa
completamente da sua privacidade.

3. Meio que nem sequer implica georeferenciação em sentido próprio à


Através de app com bluetooth.

ü Se tiver a app ligada e a outra pessoa também, se eu


me aproximar dela, isto pode gerar um sinal de alerta.

ü Não diz onde está a pessoa, nem faz um mapeamento


dos seus movimento, só dá sinal de alerta quando 2
pessoas se aproximam excessivamente e quando 1
dessas pessoas pode constituir um risco para a outra.

ü Esta app COVID teria de ser instalada pelos


utilizadores dos telemóveis à Um dos maiores
problemas é que nos grupos de maior risco (pessoas de
idade mais avançada), seria muito difícil de
implementar esta medida.

ü Instalação desta app é voluntária ou coerciva?

ü Um dos problemas da declaração do estado de


emergência é a relativização da restrição de direitos à
Direitos não podem ser relativizados a não ser que se
demonstre que isso terá um efeito útil.

- Dever de proteção de saúde alheia constitui fundamento para


restrição do Art.º 44 e da liberdade de circulação.

- A georeferenciação tem sido utilizada para medir os efeitos das


restrições gerais à liberdade de circulação à A partir do momento
em que foram implementadas as medidas de restrição da liberdade
de circulação, é possível perceber a redução do movimento através
de certas apps, para saber se as medidas estão a funcionar ou, onde
estão a funcionar melhor, etc.

93
Ø Quando nós vimos quais os diferentes requisitos que têm de ser
respeitados para que as restrições legais sejam válidas, o último é o
conteúdo essencial.

- Restrição tem de respeitar o conteúdo essencial do direito à


Requisito que justifica a necessidade de suspensão dos direitos.

- Se houver mais uma renovação do estado de emergência, como vai


ser possível manter pessoas em casa, preservando ao mesmo tempo
o conteúdo essencial da sua liberdade de circulação?

- Se não houver 3ª renovação do estado de emergência como vai ser


possível restringir sem atingir conteúdo essencial à Terá de ser
numa base voluntária?

Ø O direito à proteção de dados (previsto no Art.º 35º) está hoje em dia


amplamente regulamentado por um regulamento europeu.

- Regulamento é uma lei e portanto o conteúdo do direito está


desagregado em múltiplas faculdades neste regulamento.

- Problema à O legislador está vinculado pela lei portuguesa e


europeia. O legislador nacional não pode alterar, suspender,
comprimir aquilo que consta do regulamento.

- O Art.º 18º, mesmo que se cumpram os requisitos, não permite


desrespeitar o regulamento europeu à Qualquer compressão deste
regulamento tem de ser feito ao nível da UE.

- A Carta de Direitos Fundamentais também tem uma regra quanto a


restrições no seu Art.º 52º à O Art.º 18º não é caso único. Várias
constituições, e também a carta, têm regras sobre restrições.

- É possível restringir o que está no RGDP (regulamento europeu),


mas não está ao alcance do legislador de um único Estado-
membro, a não ser naqueles casos em que o próprio regulamento
reconhece aos próprios Estados-membros uma margem de
discricionariedade.

- Conclusão à O Art.º 18º é um preceito que tem muitos paralelos.

Ø Tem-se falado nos últimos tempos no regresso à normalidade à Estado


de emergência que corre é, em princípio, o último.

94
- A questão é a de como é que isso é compatível com a ideia de
intangibilidade do conteúdo essencial.

- Conteúdo da liberdade de circulação à Como é que sem estado de


emergência podemos dizer que as pessoas têm de ficar
obrigatoriamente em casa?

Ø Se se vai restringir o acesso à liberdade de circulação a algumas


categorias de pessoas, este critério tem de ser muito cuidado do ponto de
vista do princípio da igualdade.

- Nos direitos dos trabalhadores, aparentemente a idade é uma


categoria suspeita à Qualquer empregador, de modo geral, prefere
contratar pessoas mais novas.

- Proteção da saúde de pessoas com mais de 70 anos à Não podem


ser proibidas de sair à rua, têm é de ser advertidas para os riscos
que correm.

95
10. Disponibilidade dos direitos fundamentais: a eterna tentação
do paternalismo

10.1. Autolesão, auto-colocação em perigo e renúncia

1. Condutas de autolesão à Condutas através das quais colocamos em


perigo os nossos bens jusfundamentais.

2. Condutas autolesivas à Condutas através das quais lesamos os nossos


próprios bens protegidos por direitos fundamentais.

3. Condutas renunciantes em sentido amplo à Condutas através das


quais dispomos ou renunciamos perante terceiros aos nossos bens
jurídicos.

Ø 4 casos mais debatidos:

- Condutas suicidas.

- Recusa de tratamento médico.

- Greve de fome.

- Automutilação.

Ø Conjunto de condutas muito mais vulgares no dia-a-dia:

- Consumo de tabaco.

- Consumo de estupefacientes.

- Consumo excessivo de álcool.

- Automedicação.

- Consumo elevado de fast food.

- Prática de desportos radicais.

- Pugilismo.

96
- Condutas relativas à circulação rodoviária (não uso de cinto ou de
capacete).

- 2 conjuntos de fenómenos que têm um enorme impacto moral à


Prostituição e pornografia (assumindo que são voluntárias).

- Colocação de piercings.

- Solários.

- Relações sexuais não protegidas.

- Intervenções estéticas.

ü Condutas auto-referentes à Não resultam de um acordo


de vontades em que uma das pessoas beneficia claramente
da disponibilização que a outra faz do seu direito. São
praticadas isoladamente sem existir alguém que beneficie.

Ø Conjunto de condutas resultante de acordo de vontades de natureza


contratual à Ex.: Relações contratuais em que se estabelece que
alguém vai ser segurança de outrem; Reality shows (disponibilização
reserva da intimidade da vida privada).

Disponibilidade e renúncia: pressupostos

Para equacionarmos os problemas no contexto de direitos fundamentais, temos


de fazer algumas distinções:

1ª distinção à Pessoas “maiores e vacinadas” e outras:

a) Condutas adotadas por quem:

a) em concreto, tem capacidade para

b) formar corretamente a sua vontade e para

c) se determinar em conformidade com essa mesma vontade


consciente.

97
b) Condutas adotadas por quem não possui uma ou duas capcidades
referidas:

a) menores

b) portadores de deficiência/doença mental

c) pessoas sob coação

d) incapacidade acidental

e) …

2ª distinção à Diz respeito às condutas.

1. Condutas que comportam riscos ou são lesivas apenas de direitos


fundamentais do respetivo titular.

2. Condutas que, sem prejuízo da sua autoprejudicialidade, colocam


também em perigo, ou são suscetíveis de atentar contra direitos
fundamentais de outras pessoas (ou porventura, contra certos valores
constitucionais ou interesses comunitários): direito a ser deixado em
paz?

São raras as situações que são completa e totalmente auto-prejudiciais e


que não têm rigorosamente nenhum efeito para terceiros.

Ø A generalidade das pessoas não tem um direito a ser deixado em paz, de


não ser confrontado com atitudes agressivas à Este tipo de
demonstrações não é uma forma de causar stress emocional a outras
pessoas?

Ø Isto tem relevância na pornografia não solicitada à Uma coisa é assistir a


pornografia livremente, outra coisa é aparecerem mensagens de teor
pornográfico na televisão num anúncio à As pessoas têm direito a não
serem perturbadas.

Ø Temos sempre de balancear o que significa ter só efeitos para o titular e


ter efeitos para terceiros à Mesmo que uma pessoa se suicide, isso tem
efeitos, por exemplo, para a sua família.

98
3ª distinção à Há situações em que o Estado não protege, mas nas que
protege, importa distinguir:

1. Proteção (não forçada) em relação a condutas do próprio titular do direito


(Schutz vor sich selbts).

2. Proteção (forçada) contra a vontade do próprio titular do direito (Schutz


gegen sich selbs)

3. Proteção contra terceiros – sem excluir o Estado – relativamente aos


quais o titular do direito consentiu na agressão desse mesmo direito ou
renunciou ao seu exercício.

(In)disponibilidade dos direitos fundamentais

Doutrinalmente existem várias ideias sobre esta questão:

1. Posições jurídicas indisponíveis à Há várias linhas de pensamento que


justificam estas posições

Ø Contrato social à Quando o homem entra do estado sociedade,


saído do estado natureza, há direitos dos quais não pode prescindir.

- O contrato social, tal como pensado nos finais do Séc.


XVIII, à maneira de Locke, é um contrato que visa proteger
os indivíduos contra o Estado.

- Esta irrenunciabilidade dos direitos fundamentais foi


estabelecida contra o Estado, que era o principal agressor
dos direitos fundamentais à Irrenunciabilidade do direito de
propriedade significa que o Estado não o pode suprimir na
sua relação com os particulares.

- Art.º 34º CRP à Podemos fechar a nossa porta, e temos o


direito a que ninguém entre. O estado, para entrar, tem de ter
autorização judicial.

ü Mas a verdade é que nada impede que se abrirmos a


porta a polícia entre.

ü Não há aqui nada de irrenunciável à Mesmo na


relação com o Estado, dispõe-se de um direito
fundamental à inviolabilidade do domicilio.

99
- A ideia da indisponibilidade resulta de um equívoco que é o
contrato social, de que a pessoa não pode dispor ou
renunciar um conjunto de direitos fundamentais quando
passa para o estado sociedade.

- Justifica que alguns direitos fundamentais sejam


caraterizados como invioláveis (como o do Art.º 24º) à Mas
n podemos sobrevalorizar esta expressão literal de
“inviolável”

2. Posições jurídicas inteiramente disponíveis (integridade moral,


direito à imagem, liberdade religiosa, liberdade de escolha de
profissão, liberdade de investigação)

Ø Fundam-se no livre desenvolvimento da personalidade à Dispor


do exercício de um direito ou renunciá-lo é ainda uma forma de
exercer o direito.

- Permite-nos tomar decisões essenciais na nossa vida, mesmo


que estas não sejam razoáveis.

- Ex.: A liberdade de escolha de profissão justifica que


pessoas desempenhem atividades particularmente perigosas.

Ø Mas claro que há aqui limites à Seria absurdo que renunciasse,


por exemplo, em bloco, à minha liberdade de expressão, mas é
normal que alguém se vincule a não falar sobre determinado
assunto (Ex.: Os futebolistas muitas vezes têm cláusulas
contratuais que os impedem que falar em questões internas da
equipa).

Ø Elementos de mitigação

- Nas relações entre sujeitos privados

- Nunca a todos os direitos

- Nunca ao direito fundamental como um todo à Apenas


aquelas faculdades que o titular coloca na disponibilidade da
contraparte.

100
- Exercício e não titularidade à Se estivesse em causa a
disposição da titularidade, seria difícil de explicar como é
que a pessoa poderia retomar a sua posição jusfundamental

- Nunca indefinidamente à Disposições são sempre


revogáveis!

3. Posições intermédias à Existem várias posições deste género.

a) Aquela que diz que é possível renunciar, mas nunca a todos os


direitos.

Ø Não é incompatível com a ideia de que as posições jurídicas


são inteiramente disponíveis.

Ø Se uma pessoa renunciasse a todos os direitos renunciava à


sua humanidade à Questão de dignidade da pessoa humana

b) Nunca se renuncia ao direito fundamental como um todo.

Ø Ideia do direito fundamental como um todo é a de que os


direitos são realidade complexas, têm muitas faculdades que
por vezes relacionam muitos sujeitos.

- Ex.: 2 pugilistas estão no ringue. Uma terceira pessoa


entra no ringue e dá murro. Esta pessoa não é
beneficiária da disponibilização dos direitos
fundamentais efetuadas pelos pugilistas, portanto essa
pessoa pratica um crime.

Ø A renúncia muitas vezes é feita relativamente a uma pessoa,


mas não em relação a outras àAs pessoas nunca dispõem dos
seus direitos na totalidade.

- Ex.: Mesmo quando alguém contratualmente renuncie


falar sobre determinado assunto, não é razoável que
renuncie à sua liberdade de expressão na totalidade da
sua extensão.

c) Renuncia-se ao exercício e não à titularidade.

Ø Renúncia à titularidade seria definitiva.

101
Ø A renúncia é apenas ao exercício do direito.

d) Nunca indefinidamente (revogabilidade).

Ø Isto não significa que a revogabilidade não possa acarretar


consequências (como por exemplo a responsabilidade civil),
mas todas estas condutas devem poder ser reversíveis.

Ø Quando não são reversíveis, quando a lesão é definitiva, é


preciso ser muito mais cauteloso com os pressupostos
apresentados anteriormente (capacidade da pessoa de formar
vontade de forma livre e esclarecida, e determinar-se em
conformidade com essa vontade).

Prof. à Sem prejuízo de aceitar posições intermédias, alinha com a ideia de


que as posições jurídicas são disponíveis nas relações entre sujeitos privados.
Na relação com o estado já não é assim (posição de supremacia do Estado leva-
nos a desconfiar das condições de liberdade em que a decisão foi tomada
(decisão tem de ser livre e esclarecida).

4. A disponibilidade tem como limite a dignidade da pessoa humana


(barreira inultrapassável para o poder que o titular tem de dispor do
direito).

Ø Existe aqui um perigo de colocarmos na mão de outrem a


possibilidade de decidir o que é a nossa dignidade.

Ø Não podemos numa sociedade moral, complexa, prescindir da


opinião de que cada um tem da sua própria dignidade (opinião do
Prof.) à O papel principal na definição da dignidade de cada um
tem de partir do próprio.

10.4. Harm principle

Ø “A única finalidade pela qual o poder pode, de pleno direito, ser exercido
sobre um membro da comunidade política contra a sua vontade, é a de
evitar que prejudique outros. O seu próprio bem, físico ou moral, não é
justificação suficiente. Ninguém pode ser obrigado justificadamente a
praticar ou a não praticar determinados actos, porque isso seria melhor
para si próprio, porque o faria mais feliz, ou porque, na opinião dos
demais, isso seria mais acertado ou até mais justo. A única parte da
conduta de cada pessoa pela qual está é responsável perante a sociedade é
aquela que se refere aos outros. Na parte em que apenas concerne a si

102
mesma, a sua independência é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo,
sobre o seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano” – Stuart Mill

Ø A única vez que um direito pode ser exercido contra a vontade do seu
titular é para evitar prejuízos para terceiros (Ex.: Vacinação).

Um exemplo: dever de defender a saúde?

Ø Dever consagrado no Art.º 64º CRP à Temos 5 hipóteses diferentes


quanto ao seu significado:

1. Dever de não atentar (de forma direta ou indireta, por ação ou


omissão), contra a saúde alheia (isto é, contra a saúde dos demais
membros da comunidade individualmente considerados) à Prof.
considera isto indiscutível.

2. Dever de contribuir (ativa ou passivamente) para a


preservação/promoção da saúde pública à Ex.: A vacinação
explica-se em larga medida para haver a imunidade coletiva – se
pessoas não forem vacinadas há um problema de as doenças
contagiosas voltarem.

3. Dever de preservação ou promoção da saúde própria perante a


comunidade em geral (e perante as instituições estaduais que a
representam) à Este dever claramente não é permitido pelo Art.º
64º! – Ideia de que por existirem hospitais, instituições com
obrigação de tratarem de saúde, isto não permite que o Estado
obrigue pessoas a certas condutas (Ex.: O Estado não pode obrigar
pessoas a não fumar).

- Não podemos transformar os direitos sociais em direitos


boomerang, que depois são usados para restringir as nossas
liberdades mais fundamentais.

4. Dever de preservação ou promoção da saúde própria em face de


terceiros determinados, biológica ou socialmente dependentes da
pessoa cuja saúde se trata à Também não podemos dizer que há
este dever!

- Com exceção do caso particular que é a gravidez (quando mãe


tem conduta perigosa que pode afetar o feto).

103
5. Dever de preservação ou promoção da saúde própria diante de si
mesmo à Não temos este dever jurídico perante nós próprios; dever
de ordem moral.

Exemplo concreto:

Ø Saiu há um tempo um projeto que impedia as pessoas de colocarem


piercings em locais mais sensíveis e que provocassem deformações.

Ø As pessoas colocam os piercings em lojas, estabelecimentos mais ou


menos regulares, licenciados à Depois problemas surgem e pessoas vão
ao SNS e há um problema com o direito fundamental à saúde.

Ø Assumimos que quem vai às lojas é maior e vacinado (Não estamos a


falar de jovens abaixo dos 18 anos, etc.).

Ø Opinião Aluna à Acha que muitas outras condutas são auto-prejudiciais


e causam uma necessidade de recorrer ao SNS (Ex.: Doenças provocadas
pelo tabagismo), mas que o Estado não pode proibi-las só por porem um
causa um direito fundamental.

Outro exemplo à Homem bomba

Ø Consideremos um anão cuja profissão é ser bomba no circo. É


introduzido dentro de um canhão como se fosse bala e depois há um
número de circo que consiste em simular explosão e anão é projetado e
vai aterrar numa outra parte do circo com aparato. Quid iuris?

Ø Opinião aluna à Se a vontade for esclarecida e livre, à luz da liberdade


de escolha de profissão deveria ser legítimo.

Ø Argumento de Jorge Miranda à É o da dignidade da pessoa humana.


Ele argumenta que a conduta em si é indigna, que pessoa está a ser usada
para gáudio do público.

- Há no fundo, nas verdadeiras posições intermedias, quem diga que


sim devemos considerar a vontade da pessoa, mas que há um limite
último que nunca podemos ultrapassar, que é a dignidade
humana.

- Aqui já pode haver um aproveitamento da pessoa (Ex.: Posição


económica da pessoa) para aproveitamento de outros.

104
Ø Prof. à Percebe esta argumentação, mas tem um perigo grande de
colocarmos a maioria a determinar o que é digno e o que não é.

- O que é mais precioso na dignidade humana é dar-nos a capacidade


de decidirmos o nosso próprio destino. Podemos dar uma
possibilidade a um tirano, por exemplo, de determinar o que é a
dignidade para todos.

- Então e se o anão não puder escolher esta profissão? à Vai


procurar outra profissão.

ü Acabar por não conseguir arranjar outra profissão porque a


sociedade é discriminatória.

ü Jorge Miranda diz, então, que ele deve recorrer ao subsidio


de desemprego à Mas ele só tem esta possibilidade porque
teve o trabalho anterior que o permite.

ü Não pode o anão ter uma visão de si próprio que considera


mais digno arriscar a vida do que estar numa situação que
considera degradante de desemprego? à É muito difícil,
quando o desemprego é de longa duração, as pessoas
conseguirem sentir-se outra vez válidas.

ü É mais digno uma pessoa estar dependente de outros


para subsistência, ou exercer esta atividade, que outros,
não ele, consideram indignas?

105
11. Autotutela, proteção jurisdicional e administrativa

11.1. Direito de resistência (Art.º 21º) e outras formas de autotutela

Ø Autotutela à Direito de resistência (Art.º 21º) – É essencialmente uma


causa de justificação da ilicitude relativamente ao crime de
desobediência previsto no Código Penal.

- Se alguém for destinatário de uma ordem ou instrução que ponha


em causa os seus direitos fundamentais, pode invocar o seu direito
de resistência à Em última análise, conduz à absolvição ou
atenuação da medida da pena.

- Um dos principais problemas que vamos enfrentar quando sairmos


do estado de emergência à Decretos de estado de emergência – O
primeiro decreto suspendia o direito de resistência, para que as
pessoas que resistam às autoridades não sejam absolvidas em
tribunal.

- Suspender o direito de resistência é quase um paradoxo, tendo em


conta que este direito constitui uma última arma contra o arbítrio.

- O direito não existe por causa do Art.º 21º, é um afloramento


daquilo que já resulta do direito natural.

11.2. Acesso ao direito e a tribunais

Art.º 20º (heterotutela jurisdicional nacional) à Significa que não podem


existir obstáculos jurídicos no acesso a tribunal. Não podem existir disposições
legais que determinem que determinada pessoa não pode recorrer a tribunal ou
que determinada situação não é passível de tutela jurisdicional.

Ø Direito (negativo) de acesso aos tribunais

Ø Direito à conformação de meios processuais adequados à Dever do


legislador de conformar o direito ordinário de modo a que existam meios
processuais adequados às diferentes pretensões.

Ø Direito (positivo) a apoio judiciário (direito social) à A justiça, regra


geral, não é gratuita. Nesta dimensão, o Art.º 20º é no fundo um direito
social. Quem não tem dinheiro tem de ter uma isenção de custos.

106
Ø Direito a patrocínio judiciário e a fazer-se assistir por advogado (Art.º 32º
nº3) à Direito de quem não tem meios, a que seja nomeado um defensor
oficioso para o assistir. Garante a todos o direito de se fazer assistir por
um advogado.

Ø Processo equitativo à Significa que não pode haver um enviesamento a


favor da acusação. A oportunidade de apresentar argumentos tem de ser
igual. Significa que tem de haver igualdade de armas entre sujeitos
processuais

Ø Decisão num prazo razoável à Realizado por via da jurisprudência do


tribunal europeu dos direitos humanos. A justiça para ser justa tem de
conseguir produzir uma decisão num prazo razoável (Portugal foi
inúmeras vezes condenado por violação deste direito).

Ø Segredo de justiça à Instituto muito polemico. Tem uma natureza


bifronte, sendo que por um lado ele próprio é um direito fundamental de
quem é objeto de investigações (visa salvaguardar a privacidade das
pessoas), e por outro lado protege o interesse de investigação penal
(certas pessoas, quando estão a ser investigadas, convém que não saibam
que o estão a ser).

Ø Vias processuais especiais: pela celeridade (Art.º 20º nº5) e pela natureza
(ação popular – Art.º 52º nº3)

- nº5 à Por vezes é necessário a celeridade de certas decisões para


evitar a consumação de determinados danos. Pela função
preventiva destes processos, eles têm de ser rápidos.

- Diz respeito apenas a DLG pessoais à A urgência processual em


última análise é um bem escasso ?

11.3. Proteção jurisdicional efetiva (artigos 20º, 32º e 268º)

Ø Heterotutela jurisdicional

1. Jurisdicional: acesso aos tribunais (não haver barreiras que


obstem a que as lesões ou os perigos de lesões aos direitos
fundamentais sejam encaminhados para um juiz) e proteção
jurisdicional efetiva (garantir os meios processuais disponíveis
são capazes de conferir aos particulares uma proteção jurisdicional
efetiva).

107
- Art.º 20º à Constitui a porta de abertura deste edifício
jurídico.

- Art.º 32º à Garantias no processo penal.

ü Processo criminal assegura todas as garantias de


defesa, isto é, todas aquelas que são necessárias,
incluindo o recurso.

ü Há um duplo grau de jurisdição, pelo menos uma


possibilidade de recurso, ou seja, pronunciar-se duas
vezes sobre a mesma questão. A estes recursos
acrescem os recursos especiais.

ü É assim, porque se presume inocente até trânsito em


julgado e tem direito a um defensor, há uma limitação
da investigação às provas obtidas legalmente apenas
(nº8).

- Art.º 268º nº4 e 5 à Tratam do acesso ao tribunal e proteção


jurisdicional efetiva nos tribunais administrativos.

2. Jurisdicional: princípio da responsabilidade

- Art.º 22º à É o chapéu para este princípio.

- Art.º 27º nº5/29º nº6 à Casos de responsabilidade pelo


exercício da função jurisdicional.

ü Estamos aqui claramente perante atos ilegais.

- Art.º 62º nº2 à Aqui o que está em causa é o direito a uma


indemnização por expropriação. A expropriação é um ato
lícito, mas o que está em causa é a indemnização, não pela
ilicitude, mas sim pelos especiais sacrifícios que uma pessoa
faz em prol da comunidade.

ü Estamos aqui claramente perante atos legais.

- Art.º 117º nº1 à Responsabilidade civil e penal dos titulares


de cargos políticos.

108
- Art.º 157º nº1 à Visa pôr os deputados a salvo de acusações
quando criticam outros. A bem de um debate democrático
desinibido, estabelece a regra da irresponsabilidade dos
deputados pelos seus votos e opiniões emitidos no exercício
das suas funções.

- Art.º 271º nº2 à Exclui a responsabilidade do funcionário


ou agente que atue de acordo com ordens do superior
hierárquico, caso este obedeça a uma ordem que lese outrem,
havendo reclamação do inferior hierárquico ou exigência da
transmissão da ordem por escrito.

ü Caso a ordem se consubstancie na prática de um


crime, de acordo com o nº3, cessa o dever de
obediência.

11.4. Recurso de constitucionalidade (Art.º 204º)

Ø Aquele artigo que trata da fiscalização concreta da constitucionalidade.

Ø Instrumento, por excelência, de colocar os tribunais a tutelar os direitos


fundamentais.

Ø É aqui que tudo começa à Sempre que temos uma questão resultante da
aplicação de uma lei, regulamento, em que duvidamos sobre se há ou não
cumprimento de direitos fundamentais, temos de apontar para este artigo.

- Podemos pedir a qualquer tribunal independentemente das


instancias que faça fiscalização concreta da constitucionalidade à
Fiscalize se a norma em causa é ou não conforme com os direitos
fundamentais.

Ø O juiz vai proferir uma de 2 decisões: inconstitucionalidade ou não


inconstitucionalidade.

- Pode recusar a aplicação da norma por inconstitucionalidade, ou


pode dizer que o requerente não tem razão e que a norma tem de
ser aplicada (destas decisões há recurso para o TC).

Ø O tribunal tem dever de oficio de efetuar esta fiscalização, e caso decidir


pela inconstitucionalidade, determina a desaplicação aquela norma
naquele caso concreto.

109
Ø Direito à resistência à Serve como instrumento de tutela do direito
fundamental do arguido e da liberdade de circulação, e do direito à
liberdade do Art.º 27º.

Ø Artigo para ter sempre no bolso e para pôr em cima da mesa sempre que
há uma divergência sobre a interpretação de um preceito de uma decisão
de que estamos a ser alvo.

Ø A CRP não tem recurso de amparo à Não posso recorrer diretamente


contra atos, tenho sempre de ter uma norma.

Ø Fiscalização de base difusa feita por todos os tribunais.

Ø Praticamente todas as questões objeto de decisão pelos tribunais podem


ser questionadas do ponto de vista da sua constitucionalidade, por
eventual violação de direitos fundamentais.

Ø Art.º 280º à Fiscalização concreta concentrada.

- Se a decisão da fiscalização difusa for de aplicação, o recurso é


direto para o TC (nº4).

Ø Quais os pressupostos do recurso de decisões de aplicação?

1. Prazo de 10 dias (nos termos do Art.º 75º lei do TC).

2. Identificação de uma norma (fiscalização é de normas e não de


decisões).

- Não é a mesma coisa que enunciado linguístico, é o que


resulta do processo interpretativo.

- O que é passível de recurso é uma norma como ela foi


aplicada na decisão do tribunal recorrida.

- Pode o mesmo enunciado linguístico ter varias interpretações


à Aquilo que vai ser analisado em sede de recurso da
decisão tomada à luz do 204º é a interpretação do preceito
pelo tribunal naquele caso (o que conta é o sentido concreto
com que foi aplicada pelo tribunal recorrido).

- Problema prático à Como distinguir aquilo que são as


normas com este sentido, daquilo que é a própria decisão?

110
ü Não vamos questionar a decisão nem a sentença, mas
sim a norma em que o tribunal se baseou para extrair
aquela decisão concreta.

- Ex.: Se tivermos um tribunal que condena alguém pela


prática de um crime não previsto na lei, não há recurso para o
TC, porque o vício não está na lei, mas sim na própria
decisão judicial.

3. Aplicação, pela decisão recorrida, dessa norma (norma tem de


ser efetivamente aplicada pela decisão recorrida).

- A norma tem de ser ratio decidendi da questão (não pode ser


uma consideração lateral, um simples argumento que o
tribunal utiliza).

- É bom que a aplicação seja expressa, mas pode ser implícita


à Se tivesse que ser expressa, bastava o tribunal não
apresentar de forma expressa a norma em que baseia a
decisão para deixar de haver recurso.

- Tem de haver uma decisão judicial em que o juiz tinha


consciência de que havia uma questão de constitucionalidade
para decidir, e decidiu implicitamente à Juiz não precisa de
suscitar a questão em todas as instâncias. Tem de, na decisão
recorrida, suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade.

4. Suscitação durante o processo da questão de


constitucionalidade.

- Questão colocada aos tribunais anteriores, no momento em


que ainda pudessem conhecer delas. É preciso manter essa
questão em cada instancia.

- Há um ónus de clareza do recorrente quanto à forma como


apresenta a questão de constitucionalidade.

- Nota excecional relativamente a este requisito à Muito


excecionalmente, o tribunal aceita recursos baseado no
caráter imprevisível daquela norma.

111
ü Não era de todo previsível que o tribunal resolvesse o
caso através daquela norma. Se o tribunal surpreende
de forma anómala as partes com a aplicação da norma,
nessas circunstâncias muito excecionais, o TC já
admitiu alguns recursos, dizendo que a parte não pode
suscitar durante o processo a questão de
inconstitucionalidade daquela norma, porque não fazia
ideia de que podia ser aplicada naquele caso.

5. Interposição pela parte que suscitou a questão.

6. Não admissibilidade de recurso ordinário (tem que haver


esgotamento dos recursos ordinários).

- Depende do número de graus de recurso. Só se chega ao TC


se se tiverem esgotado os recursos ordinários.

11.5. Heterotutela não jurisdicional

Ø Acesso ao direito e à informação jurídica (Art.º 20º) à Ordem dos


advogados tem aqui uma função essencial. O Diário da República
electrónico também.

Ø Direito de petição (Art.º 52º nº1) à Direito relativo a todos os órgãos de


soberania. Tem mais impacto quando é dirigida à AR.

Ø Participação procedimental (sempre que a lei regula determinados


procedimentos que permitem aos cidadãos proteger os seus direitos
dentro desses mesmos processos) e audiência dos interessados (é em
principio individual – cada decisão é antecedida por um procedimento e
dentro desse procedimento os particulares têm de ter um momento em
que são ouvidos) (Art.º 267º nº5).

Ø Reclamação e recurso hierárquico à A reclamação é para o próprio


órgão que profere a decisão. O recurso hierárquico pode ser próprio ou
impróprio (se houver ver verdadeira e própria hierarquia e para o superior
hierárquico – próprio –, senão é para quem está acima – impróprio).

11.6. Provedor de justiça (art.º 23º) e autoridades administrativas independentes


(≠ Art.º 267º nº3)

Ø São diferentes das autoridades reguladoras (Art.º 267º nº3).

112
Ø Provedor de justiça (Art.º 23º) à A entidade mais importante é o
Provedor de Justiça. Tem função de defesa dos cidadãos em face das
instituições públicas, para tutela dos respetivos direitos (competência
genérica para todos os direitos fundamentais). Não tem poderes
decisórios (formula recomendações, que têm poder significativo).

- Não tem poderes sancionatórios, ao contrário do resto das


entidades administrativa independentes (poder sancionatório
consiste na aplicação de coimas).

Ø Entidade reguladora de proteção de dados (Art.º 35º) à Visa a


proteção de dados pessoais; Amplamente regulado no RGDP (UE).

Ø Entidade reguladora da comunicação social (Art.º 39º).

Ø Comissão nacional de eleição (deduz-se dos artigos 48º e ss.).

Ø Conselho económico e social (Art.º 92º).

Ø Comissão de acesso aos documentos administrativos (Art.º 268º nº2)


à Cidadãos têm direito a aceder aos arquivos administrativos.

Ø Ministério publico (Art.º 219º e ss.) à Tem competências relativas a


ação penal, mas está vinculado ao principio da legalidade. Também
defende interesses difusos (direitos dos trabalhadores, proteção do
ambiente, etc.).

Órgãos independentes consultivos ou de fiscalização

Ø Conselho nacional de educação.

Ø Comissão da liberdade religiosa à Funções de registo das diferentes


confissões religiosas em Portugal; confissões têm determinados direitos à
luz da liberdade de religião (regista confissões para que possam
beneficiar desses direitos).

Ø Conselho de fiscalização do sistema de informação da República à


Composto por deputados da AR e peritos independentes. A sua missão é
controlar a atividade destes serviços particulares do Estado cuja área de
atuação é muito problemática do ponto de vista de direitos fundamentais.

- Meta-dados à De acordo com a CRP, as escutas telefónicas


podem ser feitas no âmbito de uma investigação criminal, com

113
autorização de um juiz (o conteúdo das nossas comunicações só
pode ser ouvido ou visualizado nestes contextos).

- Art.º 34º nº4 CRP à Autorização constitucional para restringir.

- A questão em causa é a de saber se os serviços de informação


podem ter acesso aos meta-dados, mas não aos conteúdos (numa
chamada se podem saber quem liga a quem, durante quanto tempo,
e a que horas)

- Ainda assim, só com isto, consegue ter-se muita informação à


Estava em causa era a possibilidade dos serviços de informação
acederem aos meta-dados sem autorização judicial.

- Isto já foi submetido 2 vezes ao TC, e ambas as vezes o TC negou


esta possibilidade.

Ø Conselho nacional de ética para as ciências da vida à Dá pareceres sobre


questões dilemáticas (aborto, procriação medicamente assistida, drogas
leves, etc.), matérias eticamente delicadas.

Administração dependente (266º nº1) à Também, evidentemente, há


entidades que têm por função a tutela de direitos fundamentais.

Ø Forças e serviços de segurança – polícia (Art.º 272º) à Têm uma


função de tutela preventiva e repressiva dos direitos fundamentais.

Ø Serviços diplomáticos e consulares (Art.º 14º) à Função relativamente


aos portugueses que se encontram no estrangeiro, que em caso de
violação dos seus direitos têm um direito à sua proteção.

Ø Proteção civil à Proteção de direitos como a vida, integridade física,


saúde, em situações de calamidade, etc.

Ø Alto comissariado para a imigração.

Ø Comissão para a cidadania e igualdade de género à Instituição que


parece querer censurar todas as mensagens que considera
discriminatórias.

Entidades privadas/ONGs à Entidades que têm atividade neste domínio.

Ø Amnistia internacional à Entidade transnacional.

114
Ø Conselho português para os refugiados à Entidade nacional.

Ø Associações de defesa do ambiente à Entidade nacional.

Ø Sindicatos à Ação fundamental na defesa dos direitos dos trabalhadores.

Ø Partidos políticos à A CRP impõe a democraticidade interna dos


partidos, que têm de respeitar direitos dos seus militantes. A defesa dos
direitos por parte dos partidos políticos é para fora, mas também tem de
ser para dentro.

11.7. Vinculação da AP à CRP (266º) e aos direitos liberdades e garantias (18º


nº1): fiscalização administrativa da constitucionalidade?

Ø A vinculação consta do Art.º 266º, mas é reforçada pelo Art.º 18º nº1 à
O Art.º 18º nº1 só faz sentido neste contexto se vier reforçar aquilo que
decorre do Art.º 266º.

Ø Tem a AP um dever de fiscalizar a constitucionalidade das leis, ao menos


quando estas são violadoras de DLG à Aplicar à AP um regime
semelhante ao do art.º 204º.

Ø A fiscalização administrativa traduz-se em a AP verificar se não há uma


violação de DLG à Não faz sentido penalizar os cidadãos com uma lei
violadora de DLG e depois estes terem de impugnar em tribunal a decisão
administrativa.

Ø Várias posições à O Prof. entende que a AP, pelo menos quando a


inconstitucionalidade é clara, não deve aplicar a lei:

1. Os cidadãos têm direito de resistência se a AP violar DLG.

2. Quando se diz que a AP pode, não quer dizer que qualquer


funcionário da AP possa tomar decisões sobre se se aplica a lei ou
não.

3. Estas decisões da AP podem sempre ser impugnadas pelo Ministério


Público à Não faz sentido vincular acriticamente a AP a leis
violadoras de DLG.

115
12. Direitos sociais: fonte de infindáveis dilemas

Ø O problema da dignidade constitucional (e da unidade/dualidade dos


direitos fundamentais).

- Há muitos países que acham que os direitos sociais não têm


dignidade constitucional (Ex.: A Alemanha continua a raciocinar
em esquema dual, reservando dignidade constitucional aos direitos
civis e políticos à Acredita que na Constituição não devemos
consagrar promessas, e os direitos sociais são em larga medida
promessas; os direitos sociais devem ser mantidos na legislação
ordinária, porque esta pode ser mudada com maior facilidade).

- Em Portugal, tivemos um problema claro de dificuldade de


cumprimento da nossa CRP social no período em que vivemos sob
controlo da Troika em 2010, e muito provavelmente também
vamos ter muitas dificuldade agora com esta pandemia.

Ø O problema da justiciabilidade.

12.1. Direitos a prestações

Ø Direitos (originários/derivados) a prestações (materiais/financeiras).

- Prestações à Podem ser materiais (Ex.: Entrega de materiais


escolares), ou financeiras (Ex.: Direito à segurança social traduz-se
quase sempre em prestações financeiras).

- O que se discute é saber se estes direitos a prestações são


originários (a sua justiciabilidade é uma realidade a partir do
próprio texto da CRP) ou derivados (para a sua justiciabilidade é
necessária a intervenção do legislador ordinário).

- Na maior parte dos casos, a justiciabilidade só vem com o


desenvolvimento ordinário. Só muito pontualmente é que estes
direitos podem ser originários.

- Ex.: Ninguém pode, simplesmente porque não tem casa, intentar


uma ação em tribunal e exigir uma casa. Esta pretensão só é válida
se existir um regime legal concretizador que atribua efetivamente o
direito a uma habitação a quem preencha determinados requisitos.

116
- Essencialmente, temos direitos derivados a prestações, e muito
pontualmente, conseguimos encontrar direitos originários.

12.2. Direitos de acesso procedimentalmente justo

Ø Noutros casos, o direito fundamental consiste no acesso


procedimentalmente justo a um determinado bem.

Ø Ex.: Acesso ao ensino superior publico à Há um número de institutos de


ensino público em que o numero de vagas é limitado. Aqui o direito
fundamental apenas assegura um processo de candidatura
procedimentalmente justo. Este tem de ser equitativo, aberto. O direito ao
acesso ao ensino superior publico não garante uma vaga, visto que os
recursos não são ilimitados.

Ø Um direito com este conteúdo restrito é justiciável!

Ø Ex.: Nos cuidados de saúde, há alguns que são inevitavelmente limitados


quanto aos recursos. Nos transplantes de órgãos, não há órgãos
disponíveis para todos os candidatos a transplantes. O acesso a um
coração para efeitos de transplante não é algo que o Estado consiga
resolver. Exige-se um direito de acesso procedimentalmente justo. As
pessoas que carecem de um órgão são colocadas numa lista de espera, de
acordo com determinados critérios.

12.3. Direito a um mínimo de sobrevivência condigna

Ø Visão minimalista à A nossa CRP vai muito mais longe.

Ø Não corresponde necessariamente ao rendimento social de inserção.

Ø É o ultimo dos direitos sociais à Quando nenhum dos outros direitos


sociais se aplica, o nº3 do Art.º 63º, relativo ao rendimento social de
inserção, é um ultimo direito social face aos que podem haver.

Ø O que está aqui em causa é sobretudo a ideia de que o Estado deve


garantir a todos os cidadãos que não descem abaixo de um determinado
patamar que é essencial para preservar a sua dignidade.

Ø Há quem sustente que independentemente da maior ou menor


justiciabilidade dos direitos sociais, eles tem sempre de ser justiciáveis no
que diz respeito a este mínimo de sobrevivência condigna.

117
Ø Redução do conjunto dos direitos sociais a uma função de tutela da
dignidade humana.

12.4. Direitos de pessoas especialmente necessitadas

Ø Os direitos sociais devem ser, ou também são, direitos de categorias de


pessoas especialmente necessitadas e frágeis

Ø Problema que se prende com a universalidade à Há quem diga que


perante uma escassez de recurso, os direitos sociais devem deixar de ser
direitos universais, e passar a ser direitos destas categorias.

Ø Há também quem diga que há sempre direitos sociais destas categorias de


pessoas à Direitos relativos a paternidade e maternidade, infância,
juventude, portadores de deficiência, terceira idade, etc.

Ø Art.º 63º à Todos têm direito à segurança social (afirmação da


universalidade dos direitos na CRP), ainda que as prestações de
concretização destes direitos não sejam necessariamente universais.

Ø Podemos defender que estes direitos devem deixar de ser direitos


universais à Independentemente da nossa opção neste domínio, temos de
reconhecer que há direitos que serão inevitavelmente de pessoas mais
necessitadas ou fragilizadas.

12.5. Custo dos direitos: o problema da reserva do materialmente possível

Ø Por vezes os direitos sociais implicam prestações materiais, e noutros


financeiras à Quer sejam materiais, quer financeiras, têm um custo
avultado (cerca de 2/3 do orçamento do estado é gasto nos direitos à
saúde, à segurança social e à educação).

Ø Mas também não é rigorosamente verdade que estes direitos sejam caros
e os outros sejam baratos, ou a custo 0 à O direito à vida, por exemplo,
pressupõe a polícia e os tribunais (é importante que a policia e tribunais
estejam incluídos no OE para salvaguardar este direito).

Ø Sem dúvida que o peso dos direitos sociais é brutal, mas não há direitos
grátis, todos têm custos, o que varia é o seu impacto orçamental.

Ø Ainda assim, quando pensamos na justiciabilidade dos direitos sociais,


esta depende das leis ordinárias concretizadoras à São elas que depois

118
vão ter um reflexo no OE. Não é possível extrair muito conteúdo das
normas constitucionais (programáticas).

Ø É a lei ordinária que vai cumprindo, na medida do financeiramente


possível, as incumbências da CRP. O legislador ordinário é que
quantifica as prestações a que os cidadãos têm direito.

12.6. Proibição do retrocesso (social)?

Ø Muitas vezes diz-se proibição do retrocesso social à Esta associação não


é necessária. A doutrina que começou por lançar para cima da mesa este
principio, mas foi depois mitigando as consequências desta ideia;.

- Houve uma associação originaria da proibição do retrocesso à ideia


de transição para o socialismo, de conquistas irreversíveis dos
trabalhadores (ideia de raiz marxista).

Ø Esta ideia foi depois desconstruída progressivamente, e foi-se evoluindo


para uma ideia de que o que é proibido é o retrocesso injustificado à
Aproximação às restrições do Art.º 18º nº2 e 3.

- O que é proibido é o retrocesso, quando este viola a segurança


jurídica à Aproximação do principio da proporcionalidade.

História jurisprudencial do princípio

Ø Há um acórdão do TC de 1984 que acolhe esta ideia de proibição de


retrocesso. Tinha sido aprovada uma lei por um governo transitório que
edificava o SNS, e o governo posterior revogou essa lei.

- TC diz que esta revogação é inconstitucional, pois incumpre-se


uma obrigação que resultava da CRP para o legislador ordinário à
Solidificou este princípio.

- Desde aí, todas as decisões do TC foram no sentido ou de fugir à


proibição do retrocesso, ou de reconhecer que ela não existe como
principio autónomo da proporcionalidade ou da segurança jurídica.

Ø Acórdão das propinas TC (aumento de propinas no ensino superior) à


TC é confrontado com uma regra constitucional do Art.º 164º nº2 alínea
e) que determina a progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino.

119
- O TC pega em propinas e atualiza-as em função da inflação,
dizendo que só há inconstitucionalidade na medida em que há um
aumento de propinas. Só há inconstitucionalidade no excesso (para
lá do que seria justificado pela inflação), que na verdade é muito
pouco à TC procura uma solução salomónica.

Ø Decisão posterior (crédito bonificado) à Estava em causa o direito à


habitação e a norma do Art.º 65 nº3. O crédito bonificado a habitação era
um mecanismo que visava ajudar pessoas que estavam a comprar
habitação própria, e o Estado ajudava com parte do pagamento.

- TC reconhece liberdade de conformação ao legislador, que pode


optar por apoiar mais a habitação arrendada, a habitação social, ou
a aquisição de habitação própria.

Ø Acórdão sobre rendimento social de inserção (nova versão) à Na versão


original, este rendimento abrangia todas as pessoas que preenchiam certas
condições, e que fossem maiores de 18 anos. A nova versão dizia o
mesmo, mas para maiores de 25 anos.

- O TC invoca o principio da dignidade da pessoa humana, que


significava que o Estado não podia abandonar pessoas em situação
de extrema necessidade, criando um vazio entre os 18 e 25 anos, e
deixando as pessoas desamparados à Há um direito a
sobrevivência condigna.

Ø Visão do Prof. deste problema à A proibição do retrocesso tem


relativamente pouca filiação no problema dos direitos sociais. O
problema não é estarmos num domínio da constituição social, mas de
vermos normas sociais e vermos que imperativo é que resultam delas para
o legislador.

- É indiferente se estamos perante este tipo de imperativo, ou se


estamos perante um imperativo resultante de outra norma qualquer
à O problema não é de proibição de retrocesso, mas sim o
problema de reconstituir inconstitucionalidades por omissão.

- Se há um dever de legislar, e legisla-se, não se pode descumprir


esse dever, não é possível reconstituir a situação de omissão à
Não tem nada haver com o conteúdo dos próprios direitos, este
conteúdo pode ser alterado dependendo dos recursos disponíveis.

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12.7. Fiscalização das omissões inconstitucionais

Ø O Art.º 283º prevê um mecanismo de fiscalização abstrata das omissões


constitucionais.

Ø O Art.º 283º é um meio processual especifico para fiscalizar em abstrato


determinado tipo de omissões constitucionais. A maior parte das
omissões resultam de um dever proteger direitos fundamentais.

Ø O silêncio do legislador acaba por se tornar numa norma contraria àquele


que é o programa constitucional, podendo constituir uma norma implícita
passível de fiscalização.

Ø Ex.: Subsídio de desemprego à A CRP estabelece o direito ao subsídio


de desemprego como um dos direitos sociais dos trabalhadores. Significa
que os trabalhadores têm direito a assistência social quando
involuntariamente se encontrem em situação de desemprego.

- O regime legal do subsídio de desemprego foi criado há muitos


anos atrás, apenas para os trabalhadores do setor privado. Os
trabalhadores do setor publico não tinham direito, porque não havia
desemprego voluntário na AP (se perdesse o emprego era porque
havia uma causa para o desemprego).

- O Estado e as pessoas coletivas foram alargando os modos de


empregar dos trabalhadores, e por isso passámos a ter
desempregados do setor publico. Um desempregado do setor
publico veio dizer que havia uma omissão relativa (só não estavam
abrangidos os empregados do setor publico).

- Esta questão acaba por ser colocada ao TC, e este diz que há uma
omissão legislativa parcial à As omissões não correspondem a um
nada. Muitas vezes correspondem a uma resposta negativa a uma
norma que tem um sentido contrario relativamente ao conteúdo
constitucional.

- O trabalhador que ficou em desemprego recebe uma indemnização


fixada pelo TC em montante idêntico ao que teria recebido através
do subsidio à Entretanto o legislador acaba por reconhecer que o
subsidio de desemprego não podia ser exclusivo dos trabalhadores
do setor privado.

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NOTA à Sempre que usarmos o princípio da proporcionalidade em direitos
sociais, devemos citar o Art.º 2º da CRP (deriva do estado de direito
democrático).

Ø O Art.º 18º não se aplica aqui, a não ser que consideremos que são
direitos análogos aos DLG.

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