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DIREITO CONSTITUCIONAL

PROFESSOR JOÃO MENDES -TJSP 2ª FASE

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

A jurisdição constitucional consiste no conjunto de órgãos responsáveis pela


interpretação constitucional, pelo controle de constitucionalidade, por dar a última
palavra sobre o que é a Constituição.

Quando se fala em jurisdição constitucional, se pergunta, primeiramente, sobre a


sua natureza jurídica. Para uma primeira corrente, cuida-se de uma função legislativa
negativa – ordem de natureza política. Função de retirar a norma do ordenamento
jurídico (prevalece que a norma inconstitucional é norma nula). Nesse caso, o juiz
constitucional atua como uma espécie de 2ª Câmara ou de instância política suprema.
Nessa concepção, o juiz não se dedica à análise de casos concretos, mas, sim à análise
da norma em tese, o que tradicionalmente é conhecido como controle concentrado
abstrato.

Para uma 2ª corrente, a jurisdição constitucional tem natureza jurisdicional-


função jurisdicional de resolver conflitos (conflito entre uma norma e a CF, e não o
conflito entre partes). Kelsen defende essa natureza jurisdicional, mas Canotilho afirma
que, na verdade, esse posicionamento do autor é mitigado, porque há o exercício da
jurisdição, mas, também, há o exercício de uma função legislativa negativa. Assim, há
quem interprete a posição de Kelsen como uma posição intermediária entre a natureza
política e uma função jurisdicional clássica (apesar de ele defender a natureza
jurisdicional).

Para Canotilho, a jurisdição constitucional é jurisdição, mas com


especificidades (chamadas, pelo autor, de “especificidades metódicas”
em relação ao restante da atividade jurisdicional). Quais são elas?

a) Dimensão política: a jurisdição vai resolver questões políticas, temas de


poder. Aquilo que é relacionado e derivado do próprio poder político. Assim,
a jurisdição constitucional se converte em um regulador político.

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Há autores que, inclusive, fazem um paralelo entre essa especificidade e a ideia
de um quarto poder. Há quem entenda que a figura do poder moderador seria uma
espécie de embrião histórico do que chamamos de jurisdição constitucional.

Pergunta de um aluno: função criativa da jurisdição constitucional. Há quem


sustente, em uma posição mais conservadora, que a jurisdição constitucional somente
pode exercer a função legislativa negativa, não podendo atuar como legislador positivo.
O professor vai trabalhar os modelos decisórios da jurisdição constitucional em outra
aula.

Voltando para Canotilho.

b) Dimensão interpretativa: de alguma forma, distancia do restante da


jurisdição, - o que não significa dizer que o restante da jurisdição não tenha
função interpretativa. Dentro dessa dimensão interpretação, existem três
pontos relevantes:

- primazia da Constituição: pense em uma determinada situação concreta que


sofre a incidência do CC. Aqui, se tem uma referencia de análise pautada na lei. Quando
se interpreta uma norma do CC, se tem uma referência superior ao CC, que é a CF. no
entanto, quando se interpreta a própria CF, não há, acima dela, uma referência
normativa superior. Nesse ponto, alguns vão perguntar sobre a existência de valores
supraconstitucionais. Há, inclusive, quem defenda que existem limites extrajurídicos
sobre a própria CF. No entanto, para quem defende esses valores suprapositivos, esses
valores estão fora do Direito positivado. Para fins de interpretação usando como
referência uma norma, não existe, acima da CF, outra norma (e a CF está acima das
demais normas e tem primazia sobre as demais).

- competência decisória em última instância (juiz constitucional como último


intérprete da CF): ele tem a última palavra sobre a CF. Dizer que ele é último intérprete
não significa dizer que ele é o único intérprete, mas, sim, que é dele a última palavra
sobre a interpretação constitucional. Aqui, se deve considerar que as normas serão
interpretadas conforme a CF; e a própria norma constitucional será interpretada. Mas,
nesse contexto, quem é o controlador desse juiz constitucional (quem é que diz que a
interpretação do juiz constitucional está ou não correta?). Na verdade, sempre se terá
esse problema de “última palavra” – isso porque, se se colocar um controlador acima

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desse primeiro controlador, esse segundo passará a ter a última palavra (e quem fará o
controle?).

- falta de cânones metódicos indiscutíveis: quando se fala em cânon no sentido


bíblico, se pensa em “conjunto de livros sagrados indiscutíveis”. Não há um método ou
conjunto de métodos de interpretação constitucional que seja unânime. Existem vários
métodos de interpretação constitucional que podem, inclusive, levar a resultados
diferentes. Não há um consenso entre esses métodos.

TENSÃO ENTRE, DE UM LADO, O ESTADO DE DIREITO, E, DE OUTRO LADO, A DEMOCRACIA

Conceitualmente, ambos podem entrar em rota de colisão.

A ideia basilar de Estado de Direito está na juridicização do poder, ou seja,


tornar um poder político jurídico, estabelecendo os limites desse poder. Seguramente, se
recorda, aqui, da primeira geração dos direitos fundamentais envolve os direitos da
liberdade – ideia do Estado Liberal.

Por outro lado, democracia consiste na soberania do povo, na soberania da


maioria (ou na regra da maioria). O poder é uma manifestação da vontade do povo, que
é a soberania. Se a maioria decide por tal caminho, num conceito estritamente de
democracia, aquela decisão, por conceito, é uma decisão soberana, e, portanto,
democraticamente legítima.

Porém, se se coloca que esse poder soberano tem limites, haverá algum
momento de tensão: ou a soberania se sobreporá aos limites (isso significa dizer, em
última análise, que não há limites); ou a vontade da maioria é válida até determinado
ponto. Por isso, ambos os conceitos, se forem radicalizados, significarão uma
vulneração recíproca (um vai vulnerar o outro, se sobrepondo ao outro em eventual rota
de colisão).

O Constitucionalismo, em uma de suas propostas, procura um ponto de


equilíbrio ótimo entre o Estado de Direito e a democracia, levando a construção de um
Estado Democrático de Direito. É nesse sentido que as Constituições modernas
estabelecem conteúdos mínimos que devem ser respeitados pelos órgãos representativos
da vontade majoritária. A vontade majoritária deve ter garantida a liberdade, desde que

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respeitados limites mínimos (assim, não se confere uma liberdade absoluta; mas,
também, não se sufoca a democracia com limites excessivos).

Tudo o que foi dito se conecta com a seguinte ideia de Bobbio: o jogo é a
democracia, os jogadores são os agentes políticos (todos os agentes que vivem a
realidade constitucional, em um conceito amplo, que inclui os particulares) e o manual
de regras é a CF. Nesse caso, quem é o árbitro do jogo? A jurisdição constitucional.
Então, quem define como o jogo deve ser jogado, à luz de sua interpretação
constitucional, é a jurisdição constitucional.

O controle judicial de EC colocaria em evidência a tensão latente que


existiria entre a soberania popular e o Estado de Direito (ADI 5316).

A sutileza que se coloca perante a Corte é, portanto, a de


encontrar o ponto ótimo de equilíbrio entre a deferência em relação
às decisões do constituinte derivado e a salvaguarda dos princípios e
valores mais fundamentais do Estado Democrático de Direito. Nesse
quadro, o controle de constitucionalidade das emendas deve ser
reservado aos casos de inequívoca violação ao núcleo das cláusulas
pétreas, o que, como se verá a seguir, entendo ocorrer na hipótese.

A CF estabeleceu limites mínimos que devem ser observados pelos agentes


políticos. Isso não significa que a democracia está sendo subjugada, mas que mesmo a
democracia deve respeitar limites mínimos dispostos na CF. O STF, em relação ao
controle judicial das EC’s, deve manter uma posição conservadora, de salvaguarda: não
é papel da Corte adotar uma posição ativista a ponto de invadir a liberdade decisória do
constituinte reformador (a não ser que haja uma inequívoca violação ao núcleo das
cláusulas pétreas). MS 33351.

Outro julgado citado pelo professor - MS 32262.

A questão trazida no presente mandado de segurança


envolve um aspecto extremamente sensível da teoria constitucional
contemporânea. No constitucionalismo democrático, as Constituições
desempenham dois grandes papéis: (i) o de preservar os direitos
fundamentais, inclusive e sobretudo das minorias; e (ii) o de
assegurar o governo da maioria, cujos representantes foram
livremente eleitos. Não é incomum, no mundo plural e complexo em

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que vivemos, que surjam tensões entre esses dois polos, vale dizer,
entre os direitos fundamentais de uma minoria e a vontade da
maioria. É disso, precisamente, que trata a presente demanda, na
qual se contrapõem interesses dos povos indígenas e a vontade (ao
menos potencial) do Congresso Nacional.

Dentro desses limites mínimos, encontramos os direitos fundamentais. Cuidam-


se de um limite imposto pelo povo, em favor do próprio povo, porém, contra o
próprio povo. Se, por alguma questão circunstancial, houver a formação de uma
vontade majoritária que viole direitos fundamentais, essa vontade deve ser subjugada
pelos direitos fundamentais (nesse caso, o direito fundamental é imposto contra a
própria vontade majoritária). Ex.: Ulisses voltando da guerra em um barco X canto das
sereias (ele se amarra ao mastro para não cair no canto das sereias, e pede para que não
o soltem, ainda que ele venha a pedir para solta-lo).

Outro exemplo usado pelo professor envolvendo a participação de um


adolescente em um latrocínio que resultou na morte de uma criança: os momentos de
comoção nacional trazem consigo o risco de formação de uma maioria ocasional, que
pode vir a tomar uma decisão que, em última análise, viole direito fundamental. Os
direitos fundamentais devem ser protegidos contra as maiorias ocasionais.

DA LEGITIMIDADE DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Quais são os riscos democráticos a essa legitimidade?

a) Ausência de controle democrático de decisões: a jurisdição constitucional


é o último intérprete da CF, não sujeita, portanto, a um órgão de controle.
Ademais, não há controle democrático das decisões da jurisdição
constitucional (no sentido da existência de um órgão que seja composto por
representantes do povo).

PODER LEGISLATIVO
- composto por representantes do povo;
- as decisões emanadas do Poder Legislativo são emanadas da vontade
majoritária do povo;

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JURISDIÇAO CONSTITUCIONAL
- membros não eleitos pelo povo;
- déficit de representatividade popular;
- essa decisão NÃO é fruto de representantes eleitos pelo povo – logo, nesse
sentido, não é representativa.

Suponha que a lei (fruto da vontade do povo) seja declarada inconstitucional


(nula “ab ovo”). Essa decisão se converte em uma decisão contramajoritária. É nesse
sentido que muitos autores afirmam que a jurisdição constitucional exerce função
contramajoritária. Isso significa dizer que essa decisão é antidemocrática? Uma
definição tradicional de democracia sustenta que ela se constitui na vontade da maioria.
No entanto, uma visão contemporânea sustenta que a democracia é vontade da maioria,
desde que ela não se volte contra o próprio povo. Quando a jurisdição constitucional
atua na proteção do próprio povo, ela será contramajoritária, mas não antidemocrática.
Ela será democrática no sentido contemporâneo de democracia.

Mas existem mecanismos na CF que tentam atenuar esses dois problemas


supramencionados (letras “a” e “b”). Existe uma possibilidade de o legislador se impor
à vontade do juiz constitucional. É o que chamamos de EC reprogramadora da
interpretação constitucional. No nosso caso, o STF interpreta a CF e o legislador pega
o mesmo conteúdo daquela lei e o transforma em uma EC. Isso é legítimo, desde que as
cláusulas pétreas não tenham sido violadas.

Mas isso resolve o problema? Não. Isso porque, mesmo as EC’s criadas nesse
contexto, podem ser objeto de controle de constitucionalidade, e, portanto, de
interpretação do STF (é uma espécie de “ping-pong”). Assim, as EC reprogramadoras
têm limites e estão sujeitas à jurisdição constitucional.

b) Não eletividade dos julgadores: déficit de representatividade popular.

Quanto à segunda questão, se pode argumentar, em última análise, que os


membros do STF não são eleitos pelo povo, mas são escolhidos pelos eleitos pelo povo.
Isso lhes daria uma legitimidade ou representatividade. Esse argumento se sustenta de
pé? Não. Dizer que o ministro do STF é escolhido pelos representantes do povo não
significa dizer que ele é escolhido pelo povo. Isso atenua o problema, mas não o
resolve.

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ADI 2860 (Min. Sepúlveda Pertence).

Além desses dois principais problemas, o professor coloca outros problemas


adicionais:

- posição institucional: na prática, a jurisdição constitucional está numa posição


em que não é nem bem Poder Legislativo nem bem Poder Judiciário (posição
institucional eclética). Aqui, não se está olhando para o STF enquanto órgão do
Judiciário, mas, sim, enquanto jurisdição constitucional.

- abertura do texto constitucional ou o que alguns chamam de “plasticidade


do texto constitucional”: o texto constitucional tem uma textura aberta. O texto
constitucional tem ductilidade (maleabilidade) – o texto constitucional é composto de
termos que são plásticos, que têm conceitos abertos. Por exemplo, o que é dignidade da
pessoa humana? Princípio do devido processo legal? O que é igualdade?

Neste ponto, o professor faz um parêntese: essa ideia de textura aberta está
diretamente ligada à ideia de princípios. Quanto maior a carga principiológica, maior
será a textura aberta da CF (maior será a carga axiológica da Constitucional; e, por via
de consequência, maior será o poder do intérprete). Os princípios constitucionais têm
alto grau de abstração e baixa densidade normativa; enquanto que as regras têm
baixo grau de abstração e alta densidade normativa (ex.1.: dignidade da pessoa
humana – conceito muito “poroso”; ex.2: matar alguém – regra art. 121, CP – cuida-se
de situação delimitada).

Caso concreto trazido pelo professor: operação da PF em Rondônia (“efeito


dominó”), que resultou na prisão de membros de todos os Poderes, inclusive um
parlamentar, que era presidente da Assembleia Legislativa do Estado. A interpretação e
a aplicação das normas constitucionais devem se dar dentro do contexto da realidade
fática. A estrita aplicação da regra constitucional naquele caso violaria princípios e
valores constitucionais (todos os crimes ali envolvidos tinham, como suposto chefe,
exatamente o presidente da Assembleia Legislativa). Os demais não teriam autonomia
suficiente para deliberar legitimamente sobre aquela prisão. Por isso, decidiu por manter
a prisão. A análise dessa decisão a partir de uma perspectiva de justiça nos traz uma
ideia de boa fundamentação e de uma decisão correta. A Ministra chega a mencionar
que o risco de impunidade viola, em última análise, a ideia central de Estado de Direito.
Ocorre que, no caso, a Ministra acabou por afastar uma regra constitucional em favor de

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princípios constitucionais que, em última análise, são definidos e interpretados pelo
próprio STF. Uma CF com uma carga axiológica valorativa muito elevada significa uma
potencial concentração de poderes nas mãos da jurisdição constitucional. Cai-se num
risco chamado de “ditatura judicial”, que tem uma roupagem de legitimidade
institucional. Uma ditadura militar, por natureza, já tem uma roupagem de
ilegitimidade. O problema de uma ditadura jurisdicional é que ela se reveste de uma
roupagem de legitimidade institucional.

Outra dificuldade institucional envolve a falta de regras hermenêuticas definidas.


Não há métodos de interpretação constitucional que sejam largamente aceitos. Os juízes
constitucionais vão se valendo de métodos diversos, o que eleva o grau de incerteza e de
insegurança.

Evolução histórica

O Estado legicêntrico tem a lei formal como centro do ordenamento jurídico. As


funções administrativas e judiciárias estão subordinadas a essas leis, que são editadas
pelo Parlamento, o que lhe confere primazia. Ocorre que alguns fatores impõem uma
crise a esse Estado, que acaba perdendo força. Quais são esses fenômenos que geram a
crise do Estado legicêntrico? Crise da democracia representativa e partidária (críticas
sobre compra de votos, etc.); inflação legislativa (volume exacerbado de leis
produzidas); o rearranjo do Estado em sociedades de massa; o reconhecimento
gradativo e crescente da força normativa da CF (as normas constitucionais não são
apenas um protocolo de intenções, uma declaração política, mas, sim, um poder
transformador, de geração de resultado na realidade social – efetividade das normas
constitucionais). A CF passa a ser cada vez mais importante, e, por via de consequência,
o seu intérprete também – a expansão da força normativa da CF leva à expansão do
papel da jurisdição constitucional e ao encolhimento do Estado legicêntrico.

Esse Estado legicêntrico levará ao Estado cujo centro é a Constituição (saímos


de um Estado centrado na lei para um Estado centrado na CF). Com a virada desse
centro gravitacional, a jurisdição constitucional se expande e ganha força. O professor
rememora que a própria ideia de CF surge com a ideia de Estado de Direito. Já temos,
por volta de 1790, quatro documentos constitucionais importantes já nessa época –

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Constituição Americana, Bill of rights, Declaração Francesa dos Direitos do Homem e
do Cidadão e Constituição Francesa: no entanto, no modelo francês, a primazia continua
com o Parlamento (a CF é vista como carta de intenções). Tanto é que a França não
adota, desde já, um modelo de controle de constitucionalidade, porque não vê, na CF, a
força que os EUA enxergam.

No início do sec. XIX, o caso Marbury X Madson, traz esse reforço da força
normativa da Constituição, mas, nessa época, ainda vemos algumas decisões americanas
em um contexto de escravidão. O fenômeno mais global de força normativa da CF
acontece ao longo do sec. XX, mais especificamente a partir de 1920, com Kelsen, na
Áustria; e, especialmente, após a 2GGM com o pós-positivismo e o
neoconstitucionalismo.

“Ontem, o CC; hoje, a CF” – Paulo Bonavides.

Análise dos pensadores

HANS KELSEN – POSITIVISMO JURÍDICO

1881-1973

Ideia central do positivismo: o ponto central da CF é o da sua superioridade em


relação às demais normas. De onde vem a sua superioridade? Principalmente da sua
rigidez, que significa um conjunto de limites à alteração da CF (a alteração segue
procedimentos de alteração próprios e mais rigorosos em comparação ao procedimento
de alteração das leis comuns).

Nessa visão, a CF e as demais leis são ontologicamente iguais – são iguais em


sua essência. Em outras palavras, não é a CF que a diferencia das demais leis, mas, sim,

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a posição hierárquica superior (na pirâmide “kelseniana”, a CF está em seu ápice, tendo,
ainda, acima de si, uma norma hipotética fundamental). Nesse sentido, a interpretação
da CF segue os mesmos critérios clássicos de interpretação das demais leis. Nos
utilizamos dos métodos tradicionais (histórico, teleológico, gramatical, sistemático,
etc.). A interpretação constitucional é meramente subsuntiva (a norma incide sobre o
fato nela descrito). Nessa realidade, o juiz é mera “boca da lei”, de mero revelador da
norma (não tem função criativa).

Na visão positivista, a atuação da jurisdição constitucional não é vista como


ameaça à separação de poderes e à democracia, uma vez que extrai a sua autoridade do
próprio contexto constitucional que a define (ela pode fazer porque o texto
constitucional diz que ela pode fazer – assim, não há questionamento sobre a sua
legitimidade). Mesmo assim, cabe a discussão sobre a proatividade do juiz? Para o
positivismo, o juiz deve agir baseado em 02 aspectos – neutralidade e formalismo
hermenêutico. Quanto mais neutro e formal na hermenêutica (métodos clássicos),
maior será a legitimidade, porque maior o distanciamento em relação às situações.

Ainda no positivismo, o professor relembra a ideia de “escalonamento do


ordenamento jurídico” (pensado na forma de escada), cada norma busca o seu
fundamento de validade na norma imediatamente superior (portaria – decreto – lei –
CF). E a CF? É válida porque se fundamenta na norma hipotética fundamental. O que
caracteriza a CF é a forma, e não o conteúdo, lembre-se disso. Devemos olhar para o
formalismo. Por isso, a norma hipotética fundamental não pode ter um peso axiológico,
um conteúdo de valor. O que será, então, essa norma hipotética fundamental (é um
direito pressuposto, lógico)? Cuida-se de uma ordem – “cumpra-se a CF”. É o preceito
pelo qual se impõe, a todas as demais normas – a começar pela CF- a imperatividade, no
sentido de que as normas devem ser cumpridas. Assim, não importa o que a CF diga; ela
deve ser cumprida. Esse pensamento pode levar a extremos do tipo “ordem dada é
ordem cumprida”- “eu não fiz nada de errado a não ser cumprir ordens” (essa estratégia
foi utilizada pelos nazistas, inclusive). Não cabe juízo de valor sobre a norma- cabe
apenas cumpri-la.

A legitimidade dirá que quanto mais neutra é a posição do intérprete


constitucional e quanto maior o rigor do formalismo, maior será a legitimidade da
jurisdição constitucional.

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O positivismo entende o direito como ciência própria, com características
próprias, que, por sua vez, se assentam dentro da norma positivada, da norma posta.
Nesse sentido, não cabe a nenhum intérprete analisar nenhum viés interpretativo
(qualquer elemento extrapositivo ou suprapositivo), pois isso não seria Direito (seria
moral, ética, etc.).

Visão positivista: você, como juiz, enxerga as normas aplicáveis aos casos,
percebendo, ao final, duas alternativas juridicamente válidas. Qual das 2 soluções deve
ser usada pelo intérprete? Bom senso, bem estar social, dignidade da pessoa humana etc.
estão fora do Direito. Dentro dessa moldura normativa, o aplicador do Direito pode
escolher qualquer solução – ou a A ou a B são legitimamente válidas, pois são
compatíveis com o Direito posto. O que internamente levou o juiz a escolher uma ou
outra alternativa é um problema não-jurídico (é um problema da Ética, da moral, etc.).
Isso leva a uma discricionariedade – dentro da moldura normativa, o aplicador tem
plena discricionariedade.

Dentro dessa lógica, se poderia afirmar que o legislador cria Direito, quando
elabora uma norma, dentro da margem dada pela norma superior, que é a CF. E o juiz
também cria Direito quando cria a norma do caso concreto, dentro da moldura
normativa. Então, a decisão do juiz é um ato cognitivo, no sentido de que cabe ao
magistrado conhecer a norma (ele conhece a norma e dentro da moldura normativa traz
uma decisão). Mas é também um ato volitivo, porque ele vai escolher, dentro da
moldura normativa, uma das soluções possíveis. Então, a atividade volitiva na
interpretação constitucional, que é reconhecida por Kelsen, influenciará a atuação do
intérprete. O juiz constitucional tem um ato de vontade a partir do momento em que ele
faz uma escolha válida. Mas essa escolha é um problema teórico que o positivismo não
resolve, porque ele está fora do Direito (é uma questão não jurídica).

Principais críticas ao positivismo:

- o positivismo enxerga o ordenamento como um sistema completo e coerente.


Ocorre que, muitas vezes, encontramos incoerências, lacunas, omissões no sistema.

- concepção extremamente formal, que leva a uma aplicação mecânica da lei,


que pode levar a visões estapafúrdias (e, lembrando, não cabe ao intérprete fazer
valorações). Ex.: eu te passo uma informação e digo que você não pode falar aquele
segredo para ninguém; você pega e escreve o segredo numa folha de papel. Quando eu

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vou reclamar com você, você responde – ué, mas eu não falei! Você disse que eu não
podia falar; eu simplesmente escrevi o que me passou em um papel. Escrever não é
falar. Por isso, sua conduta foi legítima.

O esgarçamento do positivismo levou ao seu enfraquecimento, sobretudo no


pós22GM. Abriu-se margem para o seguinte pensamento: se o sujeito que massacrou os
judeus não contra o direito alemão positivado, está claro que ele agiu contra alguma
coisa que está além do direito positivado? Aí, se abre margem para uma visão Kantiana
ou neokantiana do Direito, de valorização da dignidade humana. O homem é o fim em
si mesmo. Na medida em que o Direito estiver em contrariedade com o homem, esse
Direito é ilegítimo. A partir dessa ideia pós-positivista, ingressamos também no
neoconstitucionalismo (temas que serão vistos nas aulas seguintes).

Eventuais valores morais não devem ser trazidos para o debate jurídico. O
positivismo não deixa de reconhecer a moral. Ele apenas acredita que a moral faz parte
de outro campo de estudo. Numa perspectiva não moral, no caso do exemplo citado, não
há nada de errado (interpretação formal não valorativa), vez que a pessoa seguiu o meu
comando (não falou a informação para os outros). Mas, do ponto de vista moral, ela
violou o valor de guardar a informação.

OBS.: alguns positivistas mais radicais não aceitam sequer a ideia de uma
interpretação teleológica. E há quem sustente a ideia de interpretação teleológica
desprovida de fundamentos valorativos.

AULA 2.

RONALD DWORKIN – VALORES/ PRINCÍPIOS/ D. FUNDAMENTAIS

1931-2013

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O autor defende uma leitura moral da CF, partindo da ideia de uma
fundamentação moral e universal dos direitos fundamentais. O pensamento do autor
entende o constitucionalismo e o judicial review (revisão judicial ou controle judicial
de constitucionalidade) como uma espécie de “garantia” desses direitos fundamentais
em relação a maiorias legislativas ocasionais. No nosso último encontro, o professor
deu exemplos que evidenciam a formação de uma maioria eventual, o que pode levar a
decisões que, em última análise, se voltem contra o próprio povo.
O constitucionalismo tem o papel de defender os direitos fundamentais frente a
essas maiorias ocasionais, eventuais.
A fundamentação moral desses direitos fundamentais vai legitimar um papel
mais construtivo, mais ativista da jurisdição constitucional. A lógica desse pensamento
acaba sendo predominante nos EUA entre 1753 e 1786 / “Era Warren”– exemplos de
ações afirmativas, proteção de grupos vulneráveis a partir de um ativismo judicial.
Ao defender que a CF deve passar por uma leitura moral, o autor defende que o
ordenamento jurídico é um sistema composto de regras e princípios, onde esses
princípios têm uma valoração moral, e, exatamente nesses princípios morais é que
o magistrado deve buscar a sua fundamentação, principalmente para resolver os
hard cases. Essa ideia de valoração moral se insere no contexto mais amplo chamado,
por alguns, de “virada Kantiana”, sobretudo pós 2º GGM. É A
REVALORIZAÇÃO DAS IDEIAS DE KANT, O QUE GERA UMA
APROXIMAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL.
Neste ponto, o professor retoma a ideia de “imperativo categórico”, que
decorre da razão. É uma espécie de “regra universal que determina que o homem
deve agir de tal modo que sua conduta possa ser universalmente aceita” – de forma
que a conduta do ser humano seja elevada a uma “máxima universal”. Essa ideia de
“imperativo categórico” pode ser trazida para o Direito para falar em uma espécie de
“imperativo categórico jurídico” (não só moral). Para se chegar nesse imperativo
categórico jurídico, é preciso entender a ideia humanista de Kant, que sustenta que o
homem é um fim em si mesmo. Não é o Direito que se autolegitima (como defendido
pelo positivismo - ”teoria escalonada do ordenamento jurídico”, em que uma norma
busca o seu fundamento de validade na norma imediatamente superior), mas, sim, a
ideia de que o homem é um fim em si mesmo. Nesse sentido, o fundamento final do

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Direito é o ser humano. É o ser humano que é o fundamento de validade do Direito (e
não o direito que se fundamenta em si mesmo). E qual o princípio traduziria essa ideia?
O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF 88). Esse princípio passa
a ser uma espécie de “valor fonte” ou de “centro gravitacional do Direito” – o
Direito orbita em torno da dignidade da pessoa humana.
O ser humano é o fundamento último de validade de todas as coisas e do próprio
direito. Daí a juridicização desse conceito na formatação do princípio da dignidade da
pessoa humana. Por via de consequência, se pode afirmar que esses direitos de conteúdo
moral e legitimados no ser humano não podem ser relativizados em favor de uma
maioria eventual, não podem ser relativizados diante de um “projeto coletivo de
bem comum”, porque esse projeto não tem fundamento em si mesmo. Isso poque todas
as coisas buscam o seu fundamento último de validade no ser humano. Logo, se,
eventualmente, esse projeto estiver em contrariedade com valores morais humanos, esse
projeto deve ceder espaço à dignidade, mesmo que se cuidem de leis elaboradas pelos
representantes do povo (mesmo se cuidem de maiorias legislativas).
Como esses valores morais se cristalizam na CF? Por meio dos princípios e dos
direitos fundamentais. Por isso é que muitos autores afirmam que os direitos
fundamentais têm uma carga axiológica, uma carga principiológica (uma carga
valorativa, que decorre da dignidade da pessoa humana). Por isso é que muitos
aspectos da interpretação constitucional de princípios também são utilizados para os
direitos fundamentais. Por isso é que, quando se utiliza a expressão “ponderação,
sopesamento”, se fala em ponderação de princípios, bens e valores. E esse sopesamento
pode ser usado quando direitos fundamentais entram em rota de colisão.
Assim, a moral se cristaliza no direito através dos princípios. Como os seres
humanos vivem em uma comunidade que é permeada de valores morais, vivemos em
uma comunidade de princípios (pois somos agentes morais, que são regidos por valores
morais, que são manifestados na forma de princípios).
Se esses princípios são valores morais, esses valores são manifestados através
do Direito, e não em decorrência do Direito. Ex.: no D. Americano, as leis e os
precedentes judiciais não geram princípios, mas apenas manifestam os princípios. Por
isso é que não é difícil entender, dentro dessa concepção, que um princípio pode ser
explícito ou implícito. Ora, se um princípio não existe “por causa”, e, sim, através, ele
pode ter existência implícita.

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Resumo: direitos fundamentais são direitos morais. Esses valores morais se
manifestam através de direitos fundamentais, e, por isso, estes têm uma carga
axiológica.
Essa lógica leva a uma postura do julgador mais ativa, mais construtivista, mais
criativa em relação à interpretação. Isso porque, “no final do dia”, o que o juiz deve
buscar é uma fundamentação principiológica. Porque esses princípios carregam os
verdadeiros valores morais, que, por via de consequência, carregam os valores morais
de toda ação humana.
Por isso é que a lógica do pensamento subsuntivo não se aplica aqui (típica do
positivismo). Para uma lógica de regra, isso pode até funcionar. Mas para uma lógica
fundamentada em princípios, o método subsuntivo perde relevância, ante a carga
axiológica dos princípios.
Isso fica mais evidenciado quando o juiz (sobretudo o juiz constitucional) se
depara com os chamados “hard cases”, ou casos difíceis, ou casos complexos. Ex.:
fulano matou beltrano. Não há, aqui, um caso difícil. Nestes, não se encontra uma
descrição clara e evidente sobre a situação concreta. Então, se vai buscar nos princípios
a fundamentação. No pensamento positivista, se o magistrado se depara com uma
situação, e, dentro da moldura normativa, verifica a existência de mais de uma solução
para o caso, ele pode se valer de qualquer delas legitimamente. Isso porque qualquer
delas tem uma fundamentação normativa, e, portanto, válida. O que levou o juiz a
decidir dessa ou daquela forma "não é um problema do direito”, mas, sim, de “fora” do
Direito (é uma questão da ciência política, da filosofia, etc.). Essa linha leva a uma
discricionariedade? Sim, porque, dentro da moldura normativa, o juiz pode escolher
qualquer das soluções possíveis. Isso é o que importa juridicamente.
Ao contrário, para Dworkin, não há essa discricionariedade dentro da moldura
normativa. Isso porque se o juiz deve buscar uma fundamentação em princípios, ele está
limitado a eles. Ainda que não haja uma regra clara, o juiz não poderá partir de escolhas
de sua vontade (ato volitivo) de escolher uma solução dentro de uma moldura. Ele
partirá dos princípios para encontrar a solução adequada ao caso. Regra: tudo ou nada.
Princípios: valoração.
Isso pode levar a algumas críticas: o juiz concebido pelo autor é um “juiz
Hércules” (sobre humano), porque o magistrado teria que necessariamente pensar em
princípios e nos valores existentes por trás desses princípios. Para ele, os juízes devem
ser filósofos, mas não no sentido da profissão em si, mas, sim, no sentido de que devem

15
ser obrigados a pensar filosoficamente. Ora, diante da realidade extremamente
complexa e de uma enorme quantidade de casos, seria extremamente impossível que o
juiz pensasse filosoficamente em todos os casos dispostos à sua apreciação. Nem todo
juiz terá condição de tempo para tanto (limitação temporal); ademais, há uma limitação
de pensamento, de formação (nem todos os juízes são preparados para pensarem
filosoficamente todos os casos).

Argumentos de princípios X argumentos de política

Argumentos de política: são aqueles que olham para o resultado, para o


objetivo, para o ponto de chegada (no argumento de política, os “fins justificam os
meios”). Ex.: “Fulano de tal rouba, mas faz” – as práticas não são legítimas, mas os
resultados são bons para a sociedade. No entanto, a teoria de Dworkin se vale de
argumentos de princípios (e não de política), que se fundamentam na moral. Assim, se
os meios usados para se atingir os fins não são moralmente legítimos, serão ilegítimos
na sua essência. Os argumentos de princípios olham para a moral inclusive dos meios
utilizados, ainda que o resultado alcançado seja bom, seja desejável.
Os argumentos de princípios se manifestam nos princípios, nos imperativos
morais, nos direitos fundamentais. Na visão do autor, a jurisdição constitucional trata de
argumentos de princípios – é a sede onde os argumentos de princípios são utilizados.
E, aqui, há um ponto importante: esses argumentos são insensíveis à escolha popular,
à vontade da maioria (ainda que a maioria queira um determinado resultado desejável,
se os meios empregados forem imorais, não se justificarão – tudo estará contaminado
por essa ilegitimidade – “choice insensitive”. Nessa lógica, a jurisdição constitucional é
o espaço dos argumentos de princípios.
Nessa linha de raciocínio (de ser insensível às escolhas populares), muitos
poderiam afirmar que essa linha de pensamento é antidemocrática, na medida em que
pode se opor à vontade da maioria (mormente se se fizer a correlação entre democracia
e vontade da maioria). Aqui, o autor diz que democracia não é simplesmente
democracia majoritária, mas, sim, democracia constitucional, em que os direitos
fundamentais são CONDIÇÕES DEMOCRÁTICAS de LEGÍTIMIDADE de uma
decisão política. Logo, a democracia não prescinde dos direitos fundamentais. Por isso,
se a decisão jurisdição constitucional se fundamenta em princípios constitucionais, essa
decisão é verdadeiramente democrática, no conceito de democracia constitucional,

16
ainda que seja contrária à vontade da maioria. É uma decisão democraticamente
constitucional, ainda que seja contramajoritária.
Ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, essa decisão fortalece a
democracia. Está se dizendo que essa declaração corrobora com a democracia, a
fundamenta ainda mais.
Dito de outro modo: direitos fundamentais constituem uma exigência
democrática e não uma limitação contrária à democracia. São condições da própria
democracia. Não se concebe democracia sem direitos fundamentais. É a democracia
constitucional, e não a democracia puramente majoritária! Nenhuma decisão
democrática pode ser democrática e contrária a um direito fundamental. Na democracia
constitucional, os direitos fundamentais são condições de exercício e de manutenção da
própria democracia.
Isso tudo nos leva a dizer, por exemplo (como no pensamento de Robert Alexy),
que os direitos fundamentais, dentro de todo esse raciocínio, representam uma
“desconfiança” em relação ao legislador, em relação ao processo legislativo, porque
retira dele o poder de decidir sobre determinadas materiais. Afinal, algumas matérias
são protegidas sob a ótica dos direitos fundamentais.
Em resumo: DWORKIN – DIREITOS FUNDAMENTAIS A PARTIR DE
UMA VALORAÇÃO.
Uma das críticas feitas a Dworkin é a de que o seu pensamento pode levar a uma
“ditadura do Judiciário”, que se reveste de aparente legitimidade (dá-se um enorme
poder interpretativo ao juiz constitucional). Há quem faça uma conexão entre as ideias
de Dworkin e de Platão, que defendia a governabilidade pelos sábios (filósofos da
época).

John Rawls: Consenso Sobreposto / Razão Pública

17
1921-2002.

Alguns o enquadram no “liberalismo igualitário”, e, também, em uma visão


contratualista e Kantiana.
A partir do que o autor chama de “uso público da razão” (utilização da razão na
seara pública), é possível se chegar aos “elementos constitucionais essenciais”, que
seriam os seguintes: os princípios fundamentais e os direitos fundamentais. Os
primeiros seriam aqueles estruturantes, que trazem a estrutura do Estado e do processo
político, da manifestação, do exercício do poder político (competências de cada poder
etc.). Por sua vez, os direitos e liberdades fundamentais seriam aqueles que devem ser
respeitados pelas maiorias legislativas. Ou seja, os direitos fundamentais são oponíveis
a essas maiorias legislativas ocasionais.
Esses direitos fundamentais são inalienáveis, formam um sistema coerente e
são direitos que se fundamentam ou existem em função do indivíduo e das liberdades
do próprio indivíduo, e nunca pensando no coletivo no sentido de “bem estar geral”.
Eles buscam as liberdades fundamentais, e não o bem-estar geral. Isso leva a uma visão
mais limitada no sentido da extensão e do volume de direitos.
O autor concebe uma espécie de “espaço” (situação hipotética) em que as
pessoas estariam em um “estado de natureza” (em um dado momento da história), e
esses indivíduos que são livres, racionais e razoáveis, definiriam quais são os
elementos constitucionais e os princípios de justiça. Esse ambiente é chamado, por ele,
de “posição original” – é um ambiente hipotético, histórico, de indivíduos livres,
razoáveis e racionais, que estariam despojados de seus próprios vieses, de suas
próprias pré-concepções (“véu da ignorância”). Esse véu denota um desconhecimento
de situações de relativas a status social, condição econômica etc. - são indivíduos que
estão em um “estado puro”, desconstituídos de qualquer pré-definição da coletividade
ou da vida social.

18
Rawls não ignora que cada pessoa possa ter sua própria concepção de bem, de
justiça. OBS.: toda vez em que se ouve o termo “pluralismo”, se deve pensar na
coexistência de mundividências distintas. O autor não ignora o pluralismo da
sociedade- cada indivíduo, por ser racional, pode ter a sua concepção de bem e de
justiça. Mas ele avança para entender que, através do uso público da razão, possa ser
realizado um consenso obtido por sujeitos que são livres, iguais e racionais, que por sua
vez, por um consenso (consenso que se sobrepõe a essas visões individuais), podem
chegar a uma concepção ampla e aceita (overleping consensus ou consenso
sobreposto) – mesmo com as concepções particulares, pela razão pública, os indivíduos
poderiam chegar a uma espécie de “concepção mínima de justiça”. A respeito dessa
noção básica de justiça, não haveria divergência.
Pelo consenso sobreposto, chegamos à formulação de princípios básicos de
justiça e de direitos fundamentais, que serão reconhecidos no plano constitucional e que
se sobrepõem a todas as diferenças ou concepções individuais (princípios “aclamados”
por uma sociedade composta por indivíduos livres, iguais e racionais).
Ele pressupõe a capacidade dos indivíduos de superar as suas concepções em
nome de uma concepção que se sobrepõe. A crítica que se faz é que, na teoria de Rawls,
se deve partir do pressuposto de que isso é possível. Outra crítica que se faz é a de essa
posição original é, na verdade, inexistente. Não há como os indivíduos partirem uma
“base zero”, despidos de suas concepções, de seus vieses.
A partir do autor (elementos constitucionais básicos, mínimo composto a partir
de um consenso), a CF é uma CF “garantia”, que é aquela que foca no mínimo para
garantir a vida em sociedade, a ordem do Estado. Essas CF se preocupam com a
organização do Estado e com as liberdades individuais (os direitos sociais já iriam além
desse mínimo).
Como a jurisdição constitucional se manifesta? A jurisdição constitucional é a
sede da razão pública. Pela razão pública se chegará a esse consenso sobreposto, sobre o
qual não há divergência ou há ampla aceitação. Se uma determinada lei é analisada pela
jurisdição constitucional e essa chega à conclusão, pela razão pública de que a lei viola
o consenso sobreposto, ela será antidemocrática porque se sobrepõe à vontade máxima
do povo, que, por sua vez, se manifesta nesse consenso sobreposto.
Qual é o fundamento de legitimidade da jurisdição constitucional? nessa visão, a
legitimidade da jurisdição está em ser a sede, a instituição do uso público da razão (onde
o consenso sobreposto é formulado). Aqui, também se faz uma crítica: se acaba

19
´pressupondo que o juiz terá a capacidade de se despir de suas pré-concepções de seus
valores predefinidos, para chegar, através de um consenso racional, a esses valores
básicos.
A partir da visão do autor, se pode afirmar que a CF não é o que os juízes dizem
que ela é, mas, sim, o que o povo permite que eles digam, através dessa razão pública.
Se o tribunal constitucional é a sede da razão pública, uma de suas atuações é a
de ser um articulador do debate público, exatamente para se chegar a essas concepções
básicas, sobre as quais não haverá divergência. A jurisdição constitucional não atua
como mero legislador negativo (apenas exclui a lei do ordenamento jurídico), mas, sim,
como articulador do debate público, para se chegar ao consenso sobreposto (e promover
a razão pública).
Sintetizando: Kelsen – pensamento positivista/ atuação dentro da moldura
normativa; Dworkin - fundamento da jurisdiça9o constitucional é atuar com base em
argumentos de princípios, que revelam valores morais, em que os direitos fundamentais
que são condições da democracia, e não limites a ela. Rawls – a jurisdição
constitucional é a sede onde se manifesta o uso público da razão. Jurisdição
constitucional como articulador do debate público, para o uso da razão, na busca desse
consenso sobreposto.

John Hart Ely: Autocontenção Judicial

1938-2003

O ponto central da jurisdição constitucional será o de proteger, defender a lisura


do processo democrático. Ele entende que a jurisdição constitucional deve proteger a
higidez do procedimento democrático. Então, na visão do autor, se o processo
legislativo que levou à elaboração de uma determinada norma teve o seu procedimento

20
democrático observado, o resultado desse procedimento legítimo também é legítimo.
Então, não cabe ao juiz constitucional olhar para a norma e analisar as escolhas
substantivas ou as escolhas morais feitas pelo legislador. Cabe, ao juiz constitucional,
analisar se o procedimento utilizado para se chegar àquela lei foi democraticamente
legítimo. Então, o juiz vai se conter; não vai adentrar no conteúdo da norma para
verificar se ele é ético, moral. Ele não adentra nas escolhas substantivas (escolhas de
conteúdo moral, valorativo).
E o que seria um procedimento democraticamente legítimo? Um procedimento
de elaboração da norma é democraticamente legítimo se as minorias (ou as vozes
minoritárias) tiveram participação política. Se os direitos fundamentais de participação
política, inclusive das minorias, foram observados, o procedimento é legítimo.
Para o autor, há duas soluções equivocadas no contexto da jurisdição
constitucional: o juiz constitucional não deve adentrar nas opções valorativas daqueles
que elaboraram a CF (lá atrás). Afinal, isso seria subordinar a vontade dos vivos à
vontade dos mortos. A CF não é patrimônio dos mortos, mas, sim, dos vivos. Não se
pode submeter a uma geração futura ao pensamento de uma geração passada. A CF não
é patrimônio de uma geração passada.
Outro pensamento rejeitado pelo autor é o de que o juiz constitucional pode
adentrar nas opções legislativas do legislador hoje. Para ele, não cabe fazer isso, porque
a sociedade é extremamente plural, sendo praticamente impossível se chegar a um
conjunto de valores morais universalmente válidos (Dworkin) ou de valores morais
consensados, acordados (Rawls). Assim, não seria legítimo ao juiz se impor sobre esses
valores morais, porque isso levaria a uma ditadura.
E qual seria a terceira via proposta pelo autor (a primeira via estaria em olhar
para as escolhas originais (originalismo); a segunda via está em olhar para as escolhas
morais do legislador hoje)? A autocontenção judicial, de modo que o Judiciário não
invade sobre as escolhas morais do legislador, mas verifica se as condições
democráticas foram observadas. A legitimidade da CF é monitorar a lisura do
procedimento democrático.
O autor dispõe sobre três critérios que devem ser seguidos pelo juiz em suas
decisões:
- o juiz deve se ater, tanto quanto possível, ao texto constitucional (verificar se a
lei violou frontalmente o texto);

21
- o juiz constitucional deve analisar se os canais de participação política estavam
abertos (sufrágio universal, liberdade de expressão, participação política direta do povo
etc.);
- verificar se houve violação aos direitos das minorias, dos grupos
subrepresentados. Subrepresentado significa “não ter voz”. Termos equivalentes:
grupos insulares (grupos “ilhados”, que não conseguem se manifestar). Um termo que
foi muito utilizado no passado e que caiu em desuso é a expressão “minoria”, que
denota muito mais um viés quantitativo (e não necessariamente voltado para a
qualidade do grupo).
Se uma lei passar por esses três critérios, será considerada legítima.
A essência da jurisdição constitucional é a disciplina do processo
democrático. Os administrativos devem seguir as escolhas políticas. Se as escolhas
foram feitas a partir de um processo legítimo, “está tudo bem”.
Dworkin concorda com esse pensamento, dizendo que as decisões políticas
cabem mesmo, inicialmente, aos representantes do povo. Porém, não há consenso sobre
o que é um procedimento democrático. A crítica de Hart a Dworkin é no sentido de que
não consenso sobre quais são os valores morais em uma sociedade plural. Assim,
Dworkin devolve a crítica “na mesma moeda”. Isso porque, ao fim e ao cabo, se se
disser, por exemplo, que o processo democrático é aquele que respeita “A, B, C”, isso
significa uma escolha moral do intérprete. Para o juiz constitucional dizer o se o
procedimento foi democrático, ele tem que definir o que é procedimento democrático, e,
para isso, ele deve fazer uma escolha moral. Dizer que os subrepresentados devem ser
salvaguardados no futuro é fazer uma escolha moral. Desse modo, Dworkin diz que, por
mais que Hart tenha feito um trajeto diferente do seu, eles chegam ao mesmo resultado,
que indica que o juiz deve fazer escolhas morais sim. Tratam-se de escolhas
substantivas. A ironia de tudo é a de que as duas teses acabam coincidindo: a
democracia deve ser respeitada, a partir do respeito a certos valores. “Ao final do dia”,
ambos acabam defendendo escolhas substantivas.

Jürgen Habermas: Teoria Discursivo-Dialógica

22
1929-

A teoria do autor é procedimentalista, tanto sob o ponto de vista da


democracia, como sob o ponto de vista dos direitos fundamentais. Quando se fala em
teoria procedimentalista dos direitos fundamentais, se quer dizer que os direitos
fundamentais são condições de viabilização da democracia, das decisões democráticas.
Habermas também encontra a legitimidade da jurisdição constitucional nos direitos
fundamentais, porém, por um caminho próprio.

O ponto de tensão que iremos encontrar é o ponto de tensão de atuação entre, de


um lado, o juiz constitucional, e, de outro, o legislador ordinário. A legitimação da
formação da vontade democrática, na visão do autor, não está em valores morais
comuns ou consuetudinários, que se consolidam pelo costume ao longo do tempo (linha
mais próxima de Dworkin). Por outro lado, o autor também diz que a legitimação da
vontade democrática não está numa ideia transcendental (próxima do jusnaturalismo).
A formação da vontade democrática e sua legitimação estão em construir essa vontade
democrática através dos melhores argumentos desenvolvidos em um processo
deliberativo comunicativo, que é o que ele chama de “democracia deliberativa”.

Então, pensemos o seguinte: nessa democracia deliberativa, temos um processo


em que se inclui o indivíduo não apenas como participante do processo, mas,
simultaneamente, como autor e destinatário dos próprios direitos fundamentais. Eu e
você, quando ingressamos nesse processo deliberativo, em que há uma ampla
comunicação entre nós, somos autores e destinatários desses direitos fundamentais que
se constroem a partir desse processo deliberativo. Então, o princípio discursivo é o que
fundamenta o Direito.

23
E em que ponto Habermas se diferencia de Dworkin? O autor entende que a
moral não antecede o Direito, e, portanto, não o fundamenta. Tanto o Direito quanto
a moral derivam do princípio discursivo. Pelo princípio discursivo, os indivíduos
participam de um processo deliberativo e comunicativo, em que, pelos melhores
argumentos, definem o que é direito e o que é moral. Assim, direito e moral são
cooriginários (um não existe antes do outro), porque se originam a partir do mesmo
ponto, que é o princípio discursivo. Por isso é que o indivíduo, aqui, é tanto autor
como destinatário do próprio direito (e da própria moral).

Assim, essa lógica se separa de todas as linhas de raciocínio que entendem que a
moral fundamenta o Direito (de que uma norma seria legítima quando se fundamentasse
na moral).

Quando se afirma que a legitimidade da função da jurisdição constitucional está


em proteger os direitos fundamentais, não se deve entende-los no sentido de valores
morais, como compreende Dworkin, mas, sim, a partir da ideia de que os direitos
fundamentais são condições que viabilizam a participação do indivíduo na deliberação
pública da formação do próprio Direito e da moral.

Neste contexto, o professor destaca dois conceitos importantes: autonomia


privada – esfera de liberdade individual; e autonomia pública – liberdade dentro do
espaço público.

Se a liberdade é um direito fundamental e se o direito fundamental não é um


valor moral (logo, a liberdade não é um valor moral), a liberdade é uma construção do
princípio discursivo. Para esse princípio, tanto o indivíduo na esfera privada quanto o
indivíduo na esfera pública (autonomias pública e privada do indivíduo) são igualmente
importantes na formação do princípio discursivo e na formação do Direito. Isso porque,
sem a autonomia pública e sem a autonomia privada, o indivíduo não participa dessa
deliberação comunicativa. E, sem isso, não há formação legítima do direito. Assim, a
autonomia privada não antecede a autonomia pública.

Estamos condicionados a pensar que o indivíduo antecede o coletivo. Neste


cenário, a minha liberdade individual fundamenta a minha liberdade coletiva. Habermas
não segue essa lógica. Ele dirá que tanto a autonomia privada quanto a autonomia
pública são coexistentes, sendo que ambas são condição de gênese do próprio direito,

24
posto que viabilizam a participação do indivíduo na deliberação das decisões (da
deliberação pública no amplo espaço de comunicação).

Nesta senda, a jurisdição constitucional deve analisar as condições


procedimentais do processo de formação das leis. De acordo com essas condições, o
indivíduo usufrui do seu direito de autodeterminação (autonomia privada) e do de
participar do processo coletivo (autonomia pública), onde um não precede ao outro.
Ambos são igualmente importantes na formação da vontade democraticamente legítima.

Habermas e Dworkin convergem no sentido de que a jurisdição constitucional


deve respeitar as condições democráticas do processo de formação da vontade
majoritária. Mas divergem na fundamentação filosófica a para se chegar a esse ponto.
Enquanto Habermas vê os direitos fundamentais como condições procedimentais na
formação dessa democracia discursiva, Dworkin enxerga os princípios fundamentais
como valores morais, válidos e aceitos por todos em uma democracia constitucional.

ADI 2010 – “O STF é guardião da CF por expressa delegação do poder constituinte.


Não pode renunciar ao exercício desse encargo. Pois, caso contrário, a a integridade do
sistema político, a estabilidade do ordenamento jurídico, a segurança das relações jurídicas, a
legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidos. O
inaceitável desprezo pela Constituição não pode se constituir em prática governamental
consentida, ao menos enquanto houver um Poder Judiciário independente, consciente de sua
autorresponsabilidade política, social e constitucional”.

Relação do trecho desse julgado com a aula de hoje: quando a STF afirma que é
guardião da CF por expressa delegação do Poder Constituinte, ele está querendo dizer que
existe uma norma superior estabelecida pelo Poder Constituinte que delega o meu poder (visão
positivista – o fundamento do poder está em uma norma positivada). Se a Suprema Corte falhar
nisso, a integridade do sistema política restará ameaçada – ou seja, denota o papel da
jurisdição constitucional como guardiã da higidez de um processo democrático na formação da
vontade política. Proteção das liberdades públicas – jurisdição constitucional como protetora
dos direitos fundamentais. Estabilidade do ordenamento normativo – da ordem normativa, da
legitimidade escalonada do ordenamento jurídico. Segurança das relações jurídicas – higidez
do direito como sistema como higidez do indivíduo dentro desse direito (de novo, remete a ideia
dos direitos fundamentais). Jurisdição constitucional como guardiã da legitimidade das outras
instituições. Ou seja, as outras instituições atuam legitimamente na medida em que atuam de
acordo com o que determina a jurisdição constitucional. “Ao final do dia, tudo o que os
pensadores dizem é importante de alguma forma”.

25
ADI 4029

Em suma, o princípio discursivo é o processo deliberativo de indivíduos


detentores da autonomia pública e da autonomia privada na formação da vontade, onde
há um amplo processo de comunicação. Denota o processo de participação de
indivíduos livres, onde, a partir dos melhores argumentos, chegam a uma decisão. E é
isso o que legitima tanto o direito como a moral. Ambos (direito e moral) são
legitimados pelo mesmo ponto. O agir comunicativo indica um agir do indivíduo dentro
desse processo deliberativo. O discurso e a comunicação, dentro de Habermas, são
muito importantes, não há deliberação discursiva se não houver ampla comunicação.

AULA 3.

INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Quando se fala em interpretação constitucional, é importante tecer algumas


diferenciações conceituais.

Um dos sentidos mais utilizados para a expressão interpretação é a de que


interpretar é extrair da norma o seu sentido e o seu alcance. Essa seria uma definição
bastante tradicional. Alguns autores afirmam que, quando se fala em “extrair” da norma,
essa expressão pode levar uma indicação de que o sentido está contido no texto e não
passa pelo intérprete. Uma linha de pensamento mais contemporânea, no entanto,
sustenta que interpretar não é “extrair da norma”, mas, sim “atribuir à norma”. No
primeiro caso, o intérprete tem uma posição mais neutra, mais imparcial. No segundo
caso, o intérprete tem influência sobre o conteúdo, sobre o resultado da interpretação.
Assim, quem sustenta a expressão “atribuir” defende que não há texto que não
passe pela interpretação. Todo texto deve ser interpretado de alguma forma.

Quando ouvimos a expressão: “o texto é claro”, o simples fato de dizer que o


“texto é claro” já é interpretar. Interpretação é uma atividade intelectual empreendida
pelo intérprete com o objeto de atribuir ou definir ou determinar o sentido daquele
texto. Então, se há uma atividade intelectual de se olhar para o conjunto de palavras e
entender que ele dispõe sobre X ou Y, isso já é interpretar. Ex.: palavra “concreto” –
você pode ter pensado no material de obra, ou, então, em uma situação concreta, real.
Esse significante, que é a palavra, tem um significado, mas esse significado pode variar

26
de pessoa para pessoa. Se se utiliza da palavra “blue”, já se pensa na cor azul em inglês.
Mas se o professor resolve falar “azul” em “mandarim”, para nós, não ia ter significado
algum, porque sequer conhecemos a expressão. O significado não está na palavra, mas,
sim, no intérprete que analisa a palavra. Nesse sentido, a interpretação é uma atividade
do intérprete, que atribui, à norma, o seu significado. As palavras têm o significado
atribuído a elas a partir de uma convenção social.

A interpretação passa, então, por uma influência do intérprete. Essa é uma


posição mais arrojada e que pode, em última análise, levar a um ativismo do intérprete,
sobretudo do juiz. O examinador, no entanto, sustenta que o intérprete define ou
determina o sentido, mas não atribui o sentido (não se trata também de extrair o
sentido, porque envolveria uma atuação muito neutra do intérprete).

Por mais clara que a norma seja, já há uma interpretação.

E hermenêutica? Seria a ciência da interpretação. Seria a sistematização das


técnicas, dos métodos utilizados para interpretar. Quando eu leio os dispositivos de
determinada lei e procuro entender o que o texto está dizendo, eu estou interpretando. E,
ao fazer isso, eu me utilizo de ferramentas. A mais comum envolve o método
gramatical, em que o intérprete se volta para o significado das palavras.

Cuida-se, assim, de uma sistematização de técnicas e métodos para


interpretar.

Em que pese fazermos essa diferenciação, na prática, as duas palavras são


utilizadas como sinônimas. O examinador vai nessa direção.

E o que seria aplicação? Significa definir o conjunto normativo que incidirá


sobre determinado fato ou situação ou caso concreto. Ex.: esse fato vai sofrer a
incidência dessa norma. Na atividade da aplicação, eu preciso entender o que a norma
diz sobre aquele fato. E, ao fazer isso, eu estou interpretando. Logo, interpretação e
aplicação caminham juntas.

E no que tange à interpretação constitucional? Há quem diga que não há uma


interpretação puramente constitucional. O que há é uma interpretação de normas
jurídicas. No entanto, uma doutrina mais moderna sustenta que é possível, sim, falar em
interpretação constitucional. A interpretação de uma norma constitucional tem
características próprias em relação à interpretação de outras normas: não há, acima da

27
norma constitucional, outra norma jurídica positivada superior que sirva de
interpretação. Uma outra característica que separa a interpretação constitucional da das
demais normas é a de que não há métodos exclusivos e unânimes que digam que essa ou
aquela é a forma correta de se interpretar a constitucional. Como o próprio examinador
defende, esses métodos são, por muitas vezes, complementares entre si.

Outra característica peculiar é a de que a norma constitucional tem


“plasticidade” (ductilidade, abertura). Dúctil é algo maleável. Alguns falam em
porosidade. A norma pode ser permeada de outras influências – isso vem
principalmente dos princípios, que envolvem conceitos muito amplos. Ex.: o princípio
da igualdade pode ser utilizado para acolher ou rejeitar a tese de uma ação afirmativa.

Uma quarta característica envolve o caráter político da norma constitucional, no


sentido daquilo que é próprio da definição, estruturação e delimitação do poder. As
normas constitucionais têm essa carga política (tanto em sua formação como em seu
conteúdo).

Todos esses elementos permitem concluir que as normas constitucionais têm


características próprias, que, por sua vez, levam a métodos próprios de interpretação, o
que permite concluir que cabe, sim, falar em uma interpretação puramente
constitucional.

Quando se fala, por exemplo: “a norma é constitucional”, você pode entender


isso de duas formas – ou no sentido de que a norma infraconstitucional é compatível
com a CF; ou no sentido de que se está a se tratar de uma norma puramente
constitucional. O próprio termo “interpretação constitucional” pode seguir duas
direções: ou o da interpretação de uma norma infraconstitucional à luz da CF; ou o da
interpretação das normas propriamente constitucionais. Ex.: o princípio da máxima
efetividade das normas constitucionais se dirige às normas propriamente
constitucionais. Agora, quando se fala no princípio da presunção de constitucionalidade,
cuida-se de um princípio de interpretação de uma norma infraconstitucional sob a
perspectiva constitucional.

A interpretação constitucional nos remete a três desdobramentos:

Interpretar o que?

Interpretar como?

28
E quem interpreta?

Quando discutimos, nas outras aulas, o tema jurisdição constitucional, ali o


professor trabalhou muito a terceira pergunta. Quem interpreta é o juiz constitucional, a
jurisdição constitucional. Mas atenção! A jurisdição constitucional não é o intérprete
único da CF, mas o seu intérprete último.

Na aula de hoje, trabalharemos com o segundo questionamento. Mas e quanto à


primeira pergunta? O que é Constituição? Se se responder que se cuida de um texto
normativo definido como CF, não importando o seu conteúdo – com embasamento na
superioridade hierárquica da CF-, estaremos nos utilizando de um método normativo.
Por outro lado, se se atentar para o conteúdo das normas, já nos valeremos de outra
concepção. A interpretação constitucional, nesse sentido, perpassa pelo próprio conceito
de Constituição.

Metódica constitucional

É um termo consagrado por Canotilho. É uma metodologia específica dentro


da metodologia jurídica geral. CANOTILHO É CITADO PELO EXAMINADOR
ALGUMAS VEZES!

DIFICULDADES METÓDICAS

Denotam as características especificas da Constituição que tornam a sua


interpretação diferente das demais. É como se a interpretação da CF enfrentasse
dificuldades adicionais. Quais são essas dificuldades metódicas? Três já foram
mencionadas pelo professor:

- textura aberta

- caráter político

- ausência de um cânon fechado de métodos

Canotilho traz dois outros pontos:

- teoreticismo: é você levar a interpretação constitucional para um grau de


abstração teórico-filosófica totalmente descolado da realidade. A interpretação
constitucional corre o risco de ingressar nesse campo do academicismo.

29
- epigonismo positivista: o termo “epigonismo” significa uma imitação que uma
geração nova faz em relação a uma geração anterior. Normalmente, a expressão é
levada para o seu sentido negativo (um sentido de ser retrógrado).

O epigonismo positivista se configura quando há a utilização de um discurso de


valorização da Constituição, mas, na prática, se aplica um positivismo retrógrado.

TJPR - Apelação Cível e Reexame Necessário nº 180126-


5"1. DA RELEVÂNCIA DO CONTEXTO FÁTICO: Inicialmente, mister
se faz avivar que todas as causas jurídicas devem ser analisadas
levando-se em conta o contexto fático e o bom-senso. Não mais
impera regra no sentido de que tão somente da lei se retira solução
para todos os casos, ainda que em contrariedade à verdade dos fatos
ou ao que é justo. Como vivemos num Estado Democrático de
Direito os princípios, fundamentos e objetivos elencados pela
Carta Magna sempre devem nortear a atuação dos integrantes da
sociedade, em especial do operador jurídico, o que enseja, no
mais das vezes, razoável ponderação dos bens em conflito.
Desta forma o caso em tela, como qualquer outro, deve ser julgado
conforme os princípios estabelecidos pela nossa Constituição Federal
e com os olhos voltados à realidade. É o que ensina Canotilho
quando afirma que a metódica constitucional debate-se ainda
com aquilo que já se chamou de epigonismo positivista. Por mais
que se faça fé numa metodologia pós-positivista quer vá para além
dos textos, os operadores jurídicos mostram-se relapsos em
ultrapassar os postulados positivistas: (1) as soluções dos casos
encontram-se no texto das normas; (2) a interpretação/aplicação de
normas é a aplicação da regra geral e condicional precisa e
suficientemente definida nos códigos. Quem assim proceder não
sabe nada de direito constitucional.

Essa segunda crítica deve ser vista com cautela (porque se faz uma crítica
aqueles que valorizam precipuamente o positivismo), especialmente quando se está
diante de uma banca mais conservadora e cautelosa em relação a uma posição mais
ativista.

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

1. Método jurídico ou hermenêutico clássico Ernest Forsthoff: parte da ideia


de que a interpretação constitucional não é diferente da interpretação de
qualquer outra norma. A CF e a lei são normas ontologicamente iguais. O
30
termo ontologia está relacionado à essência. Se a CF e a lei são normas
iguais na essência, há apenas uma diferenciação quanto ao grau de
hierarquia de ambas. É a “tese da identidade”. Para esse método, devemos
nos utilizar das técnicas de interpretação clássicos:

-Gramatical (literal ou filológico) – olhar para os significantes e entender os


significados;

- Histórico: o intérprete se volta para o histórico do momento de criação da


norma, mas também verifica quais foram as modificações dos tempos atuais.

- Sistemático (lógico): se entende a norma dentro do contexto de outras normas,


de um contexto.

- Teleológico: entender as finalidades dessa norma.

Esses elementos (que advêm de Savigny) ajudam a preservar o conteúdo da


norma, impedindo que ela se dissolva em avaliações valorativas abertas demais. Posição
mais cautelosa em relação a uma análise mais axiológica. Utiliza-se de uma
interpretação meramente subsuntiva. Procura delimitar o juiz para evitar excessos.
Muito ligado ao positivismo, de forma geral.

2. Método tópico-problemático (tópica) - Theodor Viehweg: alguns autores


sustentam que este seria o primeiro método que efetivamente se preocupou
com a CF, uma vez que ele olha para a CF e visualiza uma textura aberta,
porosa, plástica (ductilidade, abertura), por conta de suas normas de
conteúdo valorativo e indeterminado. A Constituição, nesse sentido, teria um
caráter fragmentário. Por isso, esse método propõe é um processo também
aberto de interpretação, baseado na argumentação e baseado no problema.

Diferentemente da subsunção, em que se olha primeiro para a norma, para,


depois, se voltar para o problema (silogismo clássico), esse método parte do problema
para a norma (alguns falam em “método indutivo” – do particular para o geral). A
partir daí, o intérprete buscará a solução ideal para o auditório, que significa o
conjunto das pessoas que serão afetadas pela norma. E para se chegar a essa solução
ideal, o intérprete se utiliza das normas e de vários argumentos, de vários pontos de
vista (daí, deriva o termo “topoi”, que significa argumentos). Esse procedimento é
aberto e envolve vários agentes de interpretação.

31
Diz-se que esse método é problematicamente orientado – ele dá uma
proeminência ao problema. Envolve um processo aberto, que permite a participação de
uma pluralidade de participantes, construindo, assim, uma pluralidade de argumentos
(dentre eles, a norma), para se chegar à solução ideal do caso concreto.

Críticas que se faz ao método: esse método pode levar a um casuístico “sem
limites” (que pode ser retratado no ditado “cada cabeça de juiz, uma sentença”), já que
se vai sempre buscar a solução ideal do caso concreto. Ademais, ele leva a um
esvaziamento da norma (desvalorização da norma ou degeneração da norma), em
detrimento ao problema. O problema tem primazia em relação à norma, e não o
contrário. Alguns adentram na parte crítica dizendo que o intérprete, a partir desse
método, visualiza o caso concreto e vislumbra uma solução, e, então, inicia a busca dos
argumentos que se encaixariam para consubstanciar essa solução dada por ele.

Um aluno fez um questionamento sobre a relação entre esse método e o realismo


jurídico. O professor respondeu que, em parte, há ligação, quando se olha para a
realidade social, para o problema. Agora, se deve ter em mente que existem diversos
métodos que se voltam ao problema. Nem todos eles se enquadram no “guarda-chuva”
do realismo jurídico.

3. Científico-espiritual (valorativo/sociológico) - Rudolf Smend: para esse


método, a interpretação da Constituição demanda uma captura espiritual do
conteúdo axiológico da CF. Quando se fala em “captura espiritual”, se
sustenta que o Direito é uma ciência do espírito, mas no sentido de espírito
humano, e não no sentido transcendental. Significa dizer que o Direito é uma
ciência humana ou uma ciência social (quando se faz uma contraposição às
ciências exatas). Essa ciência social não tem a rigidez que as ciências
matemáticas têm.

Nesse caso, o método entende que o sentido da CF está integrado com a


realidade da Constituição (não há como desconectar a interpretação da realidade). A
interpretação deve ser um instrumento de integração entre a realidade e a
Constituição. Como a realidade vem dessa vivência social, a interpretação deve
preservar a unidade social, a sociedade. Ora, se a sociedade é dinâmica e vive um
processo constante de transformação (no sentido positivo e no sentido negativo; sentido

32
de progresso e de involução) e a CF vem dessa sociedade, a própria interpretação da CF
tem que ser dinâmica, que acompanhe o caminhar da sociedade.

Dentro dessa visão, a interpretação deve levar em consideração os valores


sociais que informam a sociedade e a CF. Por isso é que esse método também é
chamado de valorativo. Esse método entende que a Constituição é uma ordenação
jurídica integradora.

Consequências desse método: entender que tanto o Direito quanto o Estado e a


Constituição são fenômenos culturais (fenômenos espirituais, no sentido de que é algo
humano); a interpretação constitucional será flexível e maleável, pois irá adotar a forma
das transformações sociais, dos impulsos sociais. A crítica que se faz a esse método é a
de que a valorização da sociedade ao seu extremo pode esvaziar, por completo, o
indivíduo (o indivíduo deixa de ser considerado um agente relevante e passa a ser
considerado apenas uma peça da engrenagem social, deixando de ter sua importância
como pessoa que tem uma existência em si mesmo, independentemente da sociedade).

4. Método hermenêutico-concretizador – Konrad Hesse: na tópica, o professor


se utilizou da expressão “método problematicamente orientado” (método que
se volta para o problema). Esse método também se volta para o problema. A
grande diferença é que, para o método hermenêutico-concretizador, o fluxo
não está em partir do problema para a norma (tópica), mas, sim, da norma
para o problema. Há uma busca da solução ideal do problema dentro da
norma. Há uma comunicação entre norma e problema (aqui chamado de
fato). A tópica dava primazia ao problema em detrimento da norma. Aqui, ao
contrário, a primazia é da norma (parto da norma para o problema e volto
para a norma). É nesse sentido que alguns afirmam que há um “círculo
hermenêutico” ou “espiral hermenêutica” (parte-se da norma para o
problema e do problema para a norma).

Esse método também se volta para o problema (por isso, é problematicamente


orientado), mas não dá primazia ao problema. A primazia é da norma.

Esse método sustenta que existem três pressupostos:

Pressuposto subjetivo: imagine a seguinte situação – o marido diz para a mulher


que ela só pode comer depois que ela botar a mesa e servi-lo. Se surgisse uma norma

33
dizendo isso, seguramente você iria afirmar que essa norma é absurda. A grande questão
é que existem países em que essa conduta não chega a ser um problema. Existem
variações culturais que influenciam as suas concepções de vida, de mundo. Quando se
interpreta essa regra inventada pelo professor, já se interpreta com essa carga que a
gente tem e que talvez nem percebamos.

Com isso, o professor quer demonstrar que todo intérprete carrega, dentro de
si, certos valores, certas concepções, até difíceis de serem percebidas por ele. Essa
carga é anterior ao próprio ato de interpretar – o intérprete tem pré-compreensões, e
carrega isso em sua análise. Daí vem a importância do problema, porque, com ele, se
torna a questão mais objetiva (pressuposto objetivo). O pressuposto objetivo é a
situação fática.

O terceiro pressuposto está na relação entre “texto e contexto”. A norma não


pode ser entendida fora do seu contexto, que é o fato. E o fato não pode ser entendido
fora da norma. Há um movimento de ida e vinda entre texto e contexto. Logo, há um
círculo hermenêutico.

Crítica que se faz ao método: a ideia de pré-compreensão pode levar uma


distorção do sentido da norma, uma vez que pode apresentar um aspecto “irracional”,
mas não no sentido pejorativo, e sim, de algo que vai além da “razão comum”. Existem
coisas que são da prática, da cultura daquela pessoa que, para ela, podem até ter alguma
razão, mas estão fora da chamada “razão comum”.

5. Método normativo-estruturante - Friedrich Müller: entende que


norma e texto normativo não são a mesma coisa. O texto normativo é o que ele
chama de “programa normativo”. Um outro elemento trazido pelo autor é o de que, se
há um “programa normativo”, há um “domínio normativo”– denota a parcela da
realidade social que se encaixa dentro do programa (ex.: se A mata B, a tipificação da
conduta ao crime de homicídio é a parcela da realidade que será encaixada dentro do
programa). Quando se olha para o programa normativo e para o domínio normativo e se
chega a uma decisão sobre esse domínio descrito nesse programa, essa decisão é a
norma. Então, por essa lógica, a norma, dentro desse método, é o ponto de chegada da
interpretação. A norma é resultado da interpretação do texto normativo (programa
normativo) e da investigação do domínio normativo (que é o caso concreto).

34
6. Método comparativo (heterointegração): nada mais é do que a utilização
do Direito Constitucional comparado, de referências externas, de standards, para a
solução dos problemas internos.
7. Método da abertura da interpretação constitucional (interpretação
como processo público) – Peter Harbele: o autor fala em duas sociedades de
intérpretes constitucionais – a sociedade aberta e a sociedade fechada. A sociedade
fechada é formada por intérpretes em sentido estrito (são os agentes formais, oficiais da
interpretação – agentes políticos propriamente ditos, especialmente os juízes). Por outro
lado, a sociedade aberta é formada pelos intérpretes em sentido amplo (são todos os
agentes conformadores da realidade constitucional; são aqueles que vivenciam a
realidade constitucional). Nós vivenciamos a realidade constitucional, e. por isso,
somos intérpretes em sentido amplo, integrando a sociedade aberta de intérpretes (não
há um rol taxativo de intérpretes nessa sociedade aberta). É nesse sentido que o método
vai propugnar uma pluralidade de participantes na interpretação constitucional como
forma até mesmo de legitimação da jurisdição constitucional (ex.: amicus curiae e
audiência pública são instrumentos de democratização do processo de interpretação
constitucional).

Esse modelo se baseia num pensamento pluralista de alternativas, no chamado


“pensamento jurídico do possível”: é o pensamento em alternativas, é estar aberto a
novas possibilidades, a novos compromissos. Quando se abre o processo de
interpretação para agentes interpretativos diversos, se abre alternativas de pensamento.
É uma lógica de pensamento que leva constantemente a indagações. É sempre pensar
em diversas alternativas, sempre conectado à realidade, mas sem se deixar ser
subjugado pelo problema (sem dar primazia ao problema).

Muitos autores – incluindo o examinador- entendem que esses métodos não são
excludentes (ideia de complementariedade). O intérprete pode se utilizar de métodos
diferentes a depender da situação concreta.

O autor Paulo de Barros Carvalho, citado pelo examinador, fala em três planos
dos métodos de interpretação (lato sensu): plano sintático, plano semântico e plano
pragmático. O plano sintático seria o plano de análise da relação que uma norma tem
com outras normas (ex.: o método lógico está no plano sintático). O plano semântico,
por sua vez, denota a relação entre a norma e os fatos descritos por ela. Busca-se o
significado, o sentido. Já o plano pragmático denota a efetiva aplicação e as
35
consequências dessa aplicação (o método histórico se volta mais para o plano semântico
e para o plano pragmático).

AULA 4.

PRINCÍPIOS X REGRAS

A primeira coisa que temos que ter em mente é que, tradicionalmente, tanto
regras como princípios são considerados normas jurídicas.

Critérios de diferenciação entre ambos:

i. Grau de abstração: os princípios apresentam alto grau de abstração, ao


passo que as regras possuem grau de abstração reduzido (note que ambos
são abstratos; o que os diferencia é o grau, a intensidade de abstração – a
norma jurídica é, ontologicamente, abstrata). Ex.: matar alguém, art. 121,
CP. Essa norma denota uma situação abstrata que apresenta uma
consequência concreta, ou seja, possui um baixo grau de abstração. Ex.2:
“todos são iguais perante a lei”. Aqui, se tem uma norma com alto grau
de abstração, não se consegue extrair, a partir, uma conduta descrita a ser
feita ou a ser evitada; de igual modo, não se tem a consequência prática
desse fazer ou desse não fazer.
ii. Grau de determinabilidade ou o grau de aplicação: esse ponto é
diretamente decorrente do primeiro já apresentado. Os princípios têm
alto grau de abstração e baixo grau de determinabilidade.
Determinabilidade ou grau de aplicação significa dizer o seguinte – essa
norma pode ser aplicada imediatamente? Por si só? Ou depende de outras
normas ou de um desdobramento para ser aplicada? Quando se fala em
igualdade, pense nas cotas. A lógica da cota como instrumento de ação
afirmativa visa à promoção da igualdade de determinado grupo
vulnerável. No entanto, há a possibilidade de se defender ou de se refutar
a implementação de cotas se utilizando do mesmo argumento. Afinal, há
quem entenda que as cotas promovem a igualdade. De outra banda, há
quem entenda que as cotas, na verdade, implicam em violação do
princípio da igualdade. Isso porque a ideia de igualdade é altamente
abstrata, o que leva a conceitos e definições diferentes. Mesmo que a
gente discorde dos argumentos levantados por um ou outro lado, não há
36
como negar que ambas as linhas de argumentação se pautam em uma
linha de raciocínio lógica.

Por sua vez, as regras têm baixo grau de abstração e alto grau de
determinabilidade. Dela, se extrai uma consequencia bem definida no plano normativo.
Outro exemplo se refere ao regramento pertinente à concessão dos benefícios
previdenciários.

O grau de abstração e o grau de determinabilidade são inversamente


proporcionais, portanto.

Os princípios precisam de uma mediação concretizadora. Para fins de


raciocínio, admita que todos concordem que as cotas são mecanismos de promoção da
igualdade. Quando se cria uma lei ou uma política pública reservando determinada
porcentagem de vagas em concurso público para os cotistas, essa política pública é uma
mediação concretizadora. Mediação vem de “fazer o meio do caminho”, a “ponte” entre
uma coisa e outra. É a ponte que torna algo abstrato em algo concreto. Por isso, a
política pública torna concreta a aplicação do princípio da igualdade.

A partir daí, se pode concluir que existem diversas formas diferentes de se


concretizar o princípio. As cotas são um dos mecanismos aptos a tornar concreto algo
que é abstrato. A existência da Defensoria Pública, por si só, é uma forma de concretizar
a igualdade no viés do acesso à justiça.

Por isso, se diz que os princípios se constituem em mandados de otimização.


Se o princípio é abstrato, sua concretização demanda um instrumento concretizador.
Para que o comando do princípio seja otimizado, é preciso dar, a ele, uma aplicação
ótima.

Quando se fala em baixa produtividade e otimização do tempo, se quer dizer que


se quer dar, às horas do dia, uma aplicação mais eficiente.

Por sua vez, a regra, de forma geral, funciona tradicionalmente a partir do


fenômeno da subsunção (incidência da norma sobre o fato nela descrito). Logo, não há
falar de subsunção de um fato em relação a um princípio. Esse fenômeno é visto no
campo de aplicação das regras.

A regra parte para a aplicação “tudo ou nada”. Significa dizer o seguinte, por
exemplo: se eu não pratiquei o fato descrito na norma, a regra não se aplica a mim. Isso
37
me leva a outro ponto: “eu matei uma pessoa, mas o fiz em legítima defesa”. A partir
daí, se trabalha com uma segunda regra, que entra em rota de colisão com a primeira.
Como resolver o conflito? Pelo critério da exclusão – a regra B exclui a A (a legítima
defesa é uma regra excludente da conduta capitulada no art. 121, CP).

Quais são os critérios de solução de conflitos entre regras (solução das


antinomias)?

- hierarquia (a regra superior prevalece)

- especialidade (a regra especial prevalece sobre a norma geral)

- cronológico

Já quando se está diante de conflito entre princípios, qual é, de forma geral o


critério usado? O critério da ponderação. É o sopesamento entre os valores em jogo no
caso concreto, para, então, se saber qual dos princípios deve ter a proeminência dentro
daquele caso. Imagine o seguinte: um homem casado tem uma relação extraconjugal.
Suponha que ele seja uma autoridade pública e tenha se utilizado do cartão corporativo
para efetuar o pagamento da despesa. Aqui, se observa o uso da coisa pública para o
pagamento de despesas privados. Aliado a isso, há o direito à intimidade do sujeito.
Dependendo das circunstâncias do caso concreto, se pode chegar a soluções diversas.
As especificidades do caso concreto podem levar a soluções diferenciadas, a depender
dos princípios e valores em rota de colisão.

Há um ponto ainda mais complexo, que está na contrariedade entre um princípio


e uma regra? Tradicionalmente, terminava por se prestigiar a regra, em razão de sua
especialidade. No entanto, a depender do caso concreto, a aplicação “cega” da regra
pode levar à violação de princípios. Em um caso julgado pelo STF, a operação da PF
resultou na prisão do presidente da Assembleia Legislativa de determinado Estado. Feita
a prisão em flagrante, a CF dispõe que a Casa deve deliberar pela manutenção da prisão
(o STJ não efetuou a comunicação). No caso, o STF entendeu que, de fato, há a
disposição da regra constitucional. Mas o suposto chefe da organização criminosa era o
próprio presidente da Assembleia, com a participação da quase totalidade dos
parlamentares (apenas um não estaria supostamente envolvido no sistema). Esses
parlamentares não teriam a isenção suficiente para deliberar sobre a prisão do presidente
de forma legítima. Por isso, a aplicação de aplicação de princípios e regras deve ser feita

38
dentro das circunstâncias do fato. A aplicação desmedida de uma regra pode implicar na
violação de princípios constitucionais – no caso, a própria ideia de Estado Democrático
de Direito (a impunidade viola a ideia de Estado Democrático de Direito).

Essa decisão traz uma sensação de justiça, especialmente à luz das


especificidades do caso concreto. Mas, em última análise, se pode pensar que o que se
tem, aqui, é um juiz constitucional afastando uma regra constitucional em detrimento de
princípios constitucionais, interpretados pela própria Corte Suprema. Para uma prova
clássica como a SP, o professor não recomenda a adoção de uma posição tão ativista do
magistrado, a ponto de afastar regras constitucionais em detrimento dos princípios.

iii. Caráter de fundamentalidade: as regras possuem uma natureza


definidora. A regra define tanto uma conduta ou uma situação e a sua
consequência. A regra possui dois elementos: um elemento antecedente
(a descrição de uma situação fática); e um elemento consequente (denota
a consequência dessa descrição).

Os princípios, por sua vez, possuem uma natureza estruturante, que significa
que os princípios se mostram com uma estrutura a partir da qual se construirão outras
regras ou outras normas (para a construção do ordenamento jurídico normativo).

iv. Quanto à ideia de direito: os princípios se apresentam como parâmetros


de justiça (parâmetro do estado ideal das coisas). O princípio se
aproxima da ideia do direito, que é o de apresentar o parâmetro ideal das
coisas. As regras, por sua vez, têm um caráter funcional, de trazer, para a
operação, essa ideia de parâmetro do estado ideal das coisas.
v. Quanto à função: essa ideia está muito conectada ao ponto anterior. Os
princípios têm uma função retorico-argumentativa, ou seja, funcionam
como linhas de argumentação, de fundamentação de outras ideias ou de
outras normas. Já as regras possuem uma função de uma definição de
uma conduta e sua consequência.

Os princípios têm uma natureza normogenetica. Isso significa que os princípios


têm um papel de criação de novas normas.

39
Imagine um sistema jurídica somente baseado em princípios ou somente baseado
em regras. Um sistema baseado somente em regras teria um grau de engessamento
muito grande, por seu extremo legalismo. Isso levaria a uma necessidade de um
esgotamento da disciplina normativa, ou seja, se teria que exigir um detalhamento tão
grande do ordenamento a ponto de ele descrever todas as situações possíveis (o que, na
prática, mostra-se inviável).

Se se pensar em um sistema composto apenas por princípios, teríamos um


âmbito de extrema volatilidade, com um grau de insegurança e de indeterminabilidade
muito grandes, levando a um casuísmo excessivo (dependência muito grande dos casos
concretos para se chegar a uma conclusão).

Por isso é que, no fim das contas, o que se busca é um sistema composto por
princípios e regras.

Dentro desse sistema de princípios e regras, os princípios passam a ter múltiplas


funções. O professor elenca quatro delas:

a. Função normogenética
b. Função sistêmica: é uma função de irradiar, para todo o ordenamento
jurídico, lhe conferindo coesão e coerência. O ordenamento deixa de ser um
conjunto aleatório de normas e passa a ser um conjunto harmônico de
normas coesas e coerentes.
c. Função hermenêutica: função de interpretação. Os princípios orientam a
interpretação de outras normas.
d. Função integradora: função de colmatação de lacunas. O que é colmatar? É
preencher.

Quando nos voltamos aos princípios de interpretação, a partir de tudo o que já


foi falado pelo professor, podemos chegar à seguinte conclusão. Se se disse que as
normas jurídicas se dividem em regras e princípios, os próprios podem se dividir em
princípios materiais e em princípios instrumentais.

Os princípios materiais são aqueles que apresentam um conteúdo próprio (eles


querem dizer alguma coisa; eles mandam uma mensagem). Os princípios carregam
valores próprios. Ex.: princípio da igualdade – mensagem de que todos são iguais. O

40
princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, traz, em si, um parâmetro da
ideia de justiça.

Os princípios instrumentais não possuem conteúdo próprio, mas são


instrumentos a serem utilizados por outras normas (é como se fosse o bisturi nas mãos
do cirurgião). Eles, sozinhos, não transmitem a mensagem de um valor ou de um ideal a
ser buscado. Mas carregam, dentro de si, conceitos lógicos ou referencias lógicas que
nos ajudam a entender, a aplicar e a construir novas regras. Ex.: interpretação conforme
a Constituição – procurar dar, a uma norma infraconstitucional, um sentido compatível
com a Constituição. É um parâmetro utilizado na construção de outras normas – o
legislador, no exercício de sua função, deve criar normas compatíveis com o texto
constitucional.

Por essa lógica, teríamos as regras, que definem condutas e as respectivas


consequências; os princípios materiais, que apresentam parâmetros de um estado ideal
das coisas; e os princípios instrumentais, que são referencias de lógica, de estrutura de
pensamento para a compreensão e aplicação de outras normas.

Próximo do raciocínio já explicitado, o professor cita Robert Alexy. O autor vê


normas, princípios e metanormas. As regras descrevem condutas e apontam as
consequências. Para o autor, princípios denotam o estado ideal das coisas. As
metanormas, por sua vez, estão no plano da argumentação. Não configuram um estado
ideal das coisas, de justiça; se constituem em uma metodologia argumentativa para
criar, interpretar e aplicar normas. Seria mais ou menos a mesma ideia apresentada no
tocante à divisão entre princípios materiais e instrumentais.

Existem princípios intrumentais utilizados para a interpretação das leis, e, outros,


para a interpretação da Constituição.

Princípios utilizados para a interpretação das leis

a. Supremacia da Constituição: a norma const. é hierarquicamente superior às


demais normas. Alguns autores falam em primazia da CF ou em prevalência.
Pode-se falar em supremacia formal e supremacia material.

A primeira está relacionada ao texto constitucional (tudo o que está inserido no


texto constitucional tem posição hierárquica superior à dos demais atos

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infraconstitucionais – relacionada à ideia de rigidez constitucional). A segunda está
relacionada ao conteúdo – a mensagem deixada pelas normas constitucionais tem
prevalência em relação à mensagem deixada pelas normas infraconstitucionais.

b. Presunção de constitucionalidade: presume-se que as normas são


compatíveis à CF (a presunção de legitimidade possui um conceito mais
amplo). A norma nasce presumivelmente compatível com a CF. Parte-se de
uma boa-fé, de uma confiança.

Qual é a razão de ser desse princípio?

i. Necessidade de segurança jurídica: a estabilidade vem da segurança.


ii. Separação dos poderes: parte-se da presunção de que os poderes atuam
de forma legítima.
iii. Democracia: respeito à vontade da maioria, expressada através do Poder
Legislativo.
iv. Necessidade de imperatividade da norma jurídica.

Quais são as consequências disso?

Na dúvida sobre a norma, se deve adotar uma posição a favor da norma, a favor
do legislador que a elaborou (in dubio pro legislatore). Como segunda consequência, se
tem que o intérprete deve ter o esforço de argumentação para declarar a norma
inconstitucional. A declaração de inconstitucionalidade pressupõe um dever de
argumentação.

Uma outra consequência está no fato de que esse princípio é um fato de


autocontenção do juiz. O magistrado não pode começar por um ponto de partida de
desconfiança da norma, mas, sim, do pressuposto de que a norma é válida.

De igual forma, se a norma apresentar múltiplas interpretações, o intérprete deve


prestigiar a interpretação que estiver de acordo com a Constituição.

A inconstitucionalidade deve ser vista como uma exceção. O intérprete deve


trabalhar em busca da constitucionalidade da norma, somente partindo para a
inconstitucionalidade da norma quando houver uma dúvida acima do razoável.

c. Interpretação conforme à Constituição: o intérprete deve buscar interpretar


uma norma em conformidade com a Constituição. Porém, esse princípio tem

42
alguns complicadores, e, por isso, é estudado em dois planos. O primeiro
plano é o plano hermenêutico. Nesse plano, o referido princípio é
intrumental, em que as normas infraconstitucionais devem ser entendidas em
compatibilidade com a CF.

Contudo, existe um segundo plano, que está no âmbito do controle de


constitucionalidade. Aqui, o princípio se apresenta como uma técnica decisória, em que
o juiz declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma a partir da
interpretação conforme.

Como instrumento de interpretação (plano hermenêutico), o referido princípio


deve ser entendido em seu sentido lato e em seu sentido estrito. Em sentido lato, indica
a afirmação de que se deve buscar a interpretação das normas infraconstitucionais em
conformidade com a CF. A Constituição é parâmetro máximo de interpretação. Todas as
normas hierarquicamente inferiores devem ser interpretadas em conformidade com esse
parâmetro máximo.

Em sentido estrito, a interpretação conforme admite que a norma pode possuir


vários significados, cabendo ao intérprete “garimpar” (definir) aquele ou aqueles que
são compatíveis com a CF. Por que isso é importante? Porque nos leva a concluir que a
interpretação conforme a CF tem um PRESSUPOSTO lógico, que é o da
PLURISSIGNIFICATIVIDADE DA NORMA. A norma deve ser tida como
polissêmica, plurívoca, multívoca, o que significa dizer que a norma é dotada de
plurivocidade como pressuposto de interpretação. Isso porque, se a norma for unívoca,
esse um único sentido dela ou será compatível ou será incompatível com a CF (não há
esforço hermenêutico aqui). Nesse último caso, não há falar em interpretação conforme
à Constituição.

E as emendas à Constituição? As emendas são normas constitucionais, mas


derivam do poder constituinte reformador, e estão sujeitas a limitações (limites
materiais – cláusulas pétreas, sejam elas explícitas e implícitas; limites temporais;
limites circunstanciais). A questão se expõe quanto a EC entra em rota de colisão com
uma limitação material (cláusula pétrea). Já vimos que o intérprete deve sempre buscar
a constitucionalidade das normas. Por isso, pode fazer uma interpretação da EC em
conformidade a uma cláusula pétrea (foi que aconteceu, por exemplo, no tocante à
definição da competência criminal da Justiça do Trabalho). Agora, se o conflito se der

43
entre a EC e uma outra limitação, prevalece a emenda, porque a emenda tem o poder de
justamente alterar a Constituição.

Assim, o objeto da interpretação constitucional pode envolver normas


infraconstitucionais ou uma norma derivada de uma EC em relação a uma cláusula
pétrea.

Interpretação da Constituição no plano do controle de constitucionalidade

Já vimos que a interpretação conforme parte do pressuposto de que a norma é


plurívoca.

Supondo que você, intérprete, ao analisar uma norma, observa quatro


interpretações distintas: nas interpretações A e B, a norma é constitucional; a mesma
coisa na C. No entanto, a interpretação D conduz à inconstitucionalidade da norma.
Nesse caso, o juiz constitucional pode adotar dois caminhos: a norma é constitucional se
for interpretada nos sentidos A, B e C. Nessa hipótese, o intérprete faz uma atribuição
do sentido compatível com a Constituição (ele diz que a norma é constitucional nesse
sentido, dessa forma). Lado outro, o intérprete poderia dizer que, no sentido D, a norma
é inconstitucional. Nesse caso, o intérprete faz a exclusão do sentido incompatível
com a Constituição. É comum visualizar decisões no STF com a afirmação
“determinada norma é considerada inconstitucional se interpretada nesse sentido”.

Pense hipoteticamente: ao analisar uma lei, você observa que a norma cuida de
múltiplos assuntos, não sendo possível esgotar todas as interpretações possíveis. Nesse
caso, ele pode se limitar a dizer qual é o sentido incompatível com a Constituição. Isso
não significa que os demais sentidos são compatíveis com a CF. Ex.: art. 90 da Lei
9099/95 – o termo “as disposições desta lei” pode ser entendido de duas formas,
fazendo remissão ou à parte processual ou à parte penal da lei. Como, no Direito Penal,
deve prevalecer a norma mais benéfica, o art. 90 é válido em relação às normas de
natureza processual. Nesse caso, o intérprete poderia dizer o seguinte: declaro que o art.
90 da lei é inconstitucional no que tange às normas de natureza penal. Outra forma de
dizer: declaro que o art. 90 só é constitucional no que concerne às normas de natureza
processual da lei.

O STF atribuiu o sentido correto e excluiu o sentido correto, portanto.

O problema se inicia quando a norma possui mais de dois sentidos diferentes.

44
É comum aparecer a seguinte redação nas decisões do STF proferidas pelos
relatores: “julgo procedente o pedido contido na ADI para dar interpretação conforme
no sentido de que a norma deve ser interpretada no sentido Y”. Qual é o pedido aqui? A
declaração de inconstitucionalidade da norma. Na verdade, o relator, aqui, diz qual é a
interpretação correta. Pode até parecer um contrassenso, a princípio, mas o relator quer
dizer que o pedido é julgado procedente, e, portanto, a norma é declarada
inconstitucional, a exceção da interpretação em determinado sentido (ele exclui os
demais sentidos, portanto).

Então, na interpretação conforme, o juiz pode atribuir o sentido compatível com


a CF, declarando a constitucionalidade da norma em determinado sentido. Ou ele pode
declarar a norma inconstitucional, excluindo determinado sentido da norma.

Quando o professor discorre sobre esse tema, é comum que o aluno faça a
conexão com a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Veja que o
próprio artigo da Lei 9868 (art. 28, pu) faz menção à interpretação conforme e à
declaração sem redução de texto no mesmo contexto.

O que é essa declaração sem redução de texto?

A declaração de inconstitucionalidade parcial COM redução de texto indica a


exclusão de uma palavra ou de uma exclusão do texto. Ex.: uma norma estadual dispõe
que a vitaliciedade é concedida aos magistrados, aos membros do MP e aos
procuradores do Estado. A vitaliciedade, para o procurador do Estado, não é válida.
Assim, o STF pode declarar a inconstitucionalidade da expressão “e aos procuradores
do Estado”. Nesse caso, o “restante que sobra” mantém o mesmo sentido original. Ex2.:
“não é permitido fumar em lugares fechados”. Se o interprete declarar a
inconstitucionalidade da palavra “não”, o juiz constitucional estaria legislando, criando
nova norma (isso porque o sentido do texto estaria completamente alterado com a
retirada da palavra). E o juiz constitucional não deve atuar como legislador positivo, e,
sim, como legislador negativo, ao menos em tese.

Na declaração sem redução de texto, o texto dispositivo permanece o mesmo.


Porém, o texto tem o que se chama de “hipóteses de incidência”, que denotam as
situações sobre as quais o texto vai incidir. Nesse caso, as hipóteses de incidência sobre
as quais recai o texto são diminuídas. Assim, na declaração de inconstitucionalidade
sem redução do texto, não há alteração do texto, mas há uma redução do campo

45
normativo da norma. Retira-se, da incidência da norma, determinadas hipóteses, mas
NÃO há redução do texto.

Como isso se conecta com a interpretação conforme? A interpretação conforme,


ao excluir da norma determinada interpretação, isso leva a uma redução do seu campo
de incidência. É muito comum o STF utilizar as duas expressões misturadas, inclusive.

A interpretação conforme também está relacionada a três princípios:

a. Prevalência da Constituição (expressão usada por Canotilho). Muller usa o


termo “princípio geral da penetração vertical da hierarquia das normas”.
b. Princípio da conservação de normas: o intérprete deve sempre buscar
salvaguardar a norma. Se houver, pelo menos, um sentido compatível com a
Constituição, o intérprete deve salva-la.
c. Princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição, porém
contra legem: na tentativa de salvaguardar a norma, o interprete não pode
conferir, a ela, uma interpretação contrária ao próprio sentido da normal. Ex.:
não se pode dar à cor preta a cor laranja. A interpretação deve respeitar os
limites semânticos do texto, as possibilidades semânticas do texto. Se o
professor usar a palavra “concreto”, o aluno pode pensar em um material de
obra, contrário de abstrato, mas não vai pensar em um líquido escorrendo por
dentro de um ralo. Ainda que a palavra tenha vários sentidos, ela tem um
conjunto de possibilidades semânticas.

Atenção! Na interpretação conforme à Constituição, o intérprete não pode criar


uma norma. A interpretação conforme à CF tem limites. Quais são eles? A interpretação
não pode violar as possibilidades semânticas do próprio texto; de igual forma, a
interpretação conforme não pode implicar na criação de uma nova norma.

PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CONFORME ÀS LEIS

Exemplo prático: nos artigos referentes aos legitimados para a propositura da


ADI, o STF entendeu que a expressão “confederação sindical” deve ser interpretada
conforme o conceito legal, preenchidos os requisitos legais. O termo está sendo
interpretado de acordo com o que a lei diz. Isso ocorre com frequência em situações que
envolvem conceitos técnicos. Assim, o referido princípio é admitido, ainda que em um

46
contexto menor, em assuntos técnicos não definidos, a priori, pela CF (são conceitos
deixados ao encargo do legislador).

AULA 5.

Estávamos falando sobre os princípios de interpretação. Costumamos colocar


uma classificação entre princípios instrumentais de interpretação das leis (presunção
conforme; supremacia e interpretação conforme) e entre princípios instrumentais de
interpretação da CF.

Na sequência, veremos os princípios instrumentais de interpretação da CF.

PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS DE INTERPRETAÇÃO DA CF

1. Princípio da força normativa da CF: quando se fala em força normativa, é


preciso que se pense no sentido da expressão “força normativa”, que deriva
da “normatividade”. Essa norma tem o poder de gerar transformações
concretas, transformações dos fatos sobre as quais se destina. Quando
falamos no referido princípio, estamos dizendo o seguinte – a CF tem o
poder de gerar resultados, de gerar transformações, de gerar uma
conformação da realidade dos fatos aos seus comandos. Disso, se desdobra o
seguinte – se a CF é efetiva e deve se impor, significa dizer que, na solução
dos problemas jurídicos que tem repercussão constitucional, se deve dar
prevalência ao ponto de vista que gera o maior grau de normatividade da CF,
de aplicação concreta da CF. na solução de problemas gerais que geram
repercussões no âmbito constitucional (na solução de problemas jurídico-
constitucionais), se deve dar prevalência ao argumento que otimiza a
Constituição, que dá, a ela, uma aplicação ótima.
2. Princípio da máxima efetividade da CF (eficiência da CF) : esse princípio é,
por vezes, colocado como sinônimo do princípio da “força normativa”. Se a
CF tem força normativa, e, portanto, se impõe, a máxima efetividade denota
que, na realização da interpretação das normas constitucionais, se deve
buscar a interpretação ou o sentido que confira o maior grau de aplicação
dessa norma (sobretudo se se tratar de direitos fundamentais), o maior grau
de aplicação real, de aplicação concreta, em menos tempo. Ex.: a

47
interpretação A faz com que a norma seja aplicada imediatamente, mas não
em sua plenitude. A B diz que se deve aguardar uma serie de fatores. No
caso, se deve optar pela norma A. Pense, também, nos Tribunais de Contas
dos Estados – 04 vagas são oriundas do Poder Legislativo e 03 são oriundas
do chefe do Executivo (uma de livre escolha; outro que tenha atuado como
auditor; outro que tenha atuado como MP). Para o STF, na transição entre a
CF passada e a nova CF, a melhor interpretação dessa nova norma
constitucional é no sentido de que, dentre as três vagas, as duas primeiras já
devem ser ocupadas por cargos técnicos (escolhas vinculadas – auditores e
membros do MP). Assim, se busca dar uma concretização, o mais rápido
possível, às normas constitucionais.
3. Princípio da unidade da CF: impõe que o intérprete deve olhar para a CF,
analisar a CF em sua globalidade, em não de forma compartimentada, sem
conexão. Olhando para a CF em sua globalidade, deve o intérprete buscar
harmonizar as normas constitucionais de uma forma coesa e coerente.
Entender que as normas constitucionais não são isoladas, dispersas ou
estanques (como se fossem normas insulares, ilhadas). Todas elas fazem
parte de um sistema unitário, de uma globalidade.
4. Princípio do efeito integrador: aqui, o professor também vai se utilizar da
expressão “problemas jurídico-constitucionais”, que denotam problemas
reais, que têm repercussão jurídica (têm, de alguma forma, relação com o
sistema jurídico), e, especificamente, têm uma repercussão constitucional.
Um problema somente moral, por exemplo, não tem repercussão jurídica,
como quando se descriminaliza determinada conduta, a exemplo do
adultério.

Na solução de problemas jurídico-constitucionais, se deve buscar a primazia, a


prevalência das soluções, argumentos, pontos de vista, linhas de raciocínio que
promovam a integração política e social. Aqui, eu estou olhando para a realidade
política e para a realidade social, e entendendo que, a depender da forma como esse
problema jurídico-constitucional seja resolvido, veremos ou uma maior coesão social ou
uma maior fratura social. Essa discussão fica mais evidente em relação às políticas
públicas criadas em favor dos vulneráveis. Colocar determinado grupo como grupo
vulnerável gera controvérsias. Ex.: negros e pardos são realmente vulneráveis? Há quem

48
entenda que sim e há quem entenda que não. Mesmo para aqueles que entendem que
sim, o fazem com entendimentos de graus de vulnerabilidades diversos. Por vezes, essas
ações geram uma radicalização e, por via de consequência, uma fratura social. O
princípio em comento visa a reduzir essas fraturas constitucionais.

5. Princípio da concordância prática ou da harmonização: também é ligado


ao princípio da unidade da CF. Na hipótese de conflito entre normas ou
conflito entre bens jurídicos constitucionais, se deve buscar uma
harmonização entre esses bens, de modo que a proeminência de um não gere
o sacrifício total do outro. Isso fica mais evidente quando nos deparamos
com a colisão entre direitos fundamentais. Ex.: foto de um artista no mar em
momento íntimo X direito à privacidade. Ex.2: um casal de políticos é
fotografado entrando num motel. Até então, se pode pensar que não há
maiores problemas. Mas e se o valor foi pago com o cartão corporativo? As
circunstâncias concretas podem levar a um sopesamento, a uma ponderação
de bens, valores e interesses.
6. Princípio da justeza, conformidade ou correção constitucional: também é
conectado com o princípio da unidade constitucional, mas está diretamente
relacionado às funções institucionais constitucionalmente estabelecidas.
Deve-se buscar interpretar as normas constitucionais fortalecendo as funções
constitucionais, não subvertendo o sistema organizatório-funcional da CF.
Quando se diz que o juiz constitucional não deve atuar como legislador
positivo, se está chegando a essa conclusão a partir do princípio em comento.
Isso porque, de acordo com o princípio, cabe ao juiz constitucional
salvaguardar a CF, mas não se substituir ao legislador, exercendo a função
de outro poder. Esse princípio está intrinsecamente relacionado ao da
separação de poderes.

Aqui, cabe uma observação quanto à teoria dos poderes implícitos ou princípio
dos poderes implícitos: a cada dever, correspondem os poderes instrumentais para a
realização desse dever. Se é dever do juiz solucionar os conflitos aplicando o direito
adequado, e ele percebe, por exemplo, que uma não intervenção imediata agravará a
situação, ele pode conceder uma liminar. Assim, em alguns casos, ainda que não
houvesse previsão legal, o juiz estaria autorizado a conceder uma liminar, pautado no
poder geral de cautela. Esse é um princípio que ajuda na solução de problemas

49
operacionais no exercício da função. Os poderes devem realizar seus deveres
institucionais; por vezes, porém, os instrumentos para tanto não estão previstos na CF.
Por isso, nos utilizamos da referida teoria disposta acima. A reclamação, décadas atrás,
surgiu de uma derivação do direito de petição e de uma derivação do poder de o STF
fazer impor as suas decisões. Outro exemplo dado pelo professor é o poder de
investigar, que deriva do poder de fiscalizar, que, por sua vez, deriva do poder de
legislar do Legislativo. Por isso, o Poder Legislativo pode criar grupos menores de
trabalho para o exercício de suas funções, através das comissões parlamentares. Para o
STF, mesmo nos casos em que as Constituições mais antigas não previram as CPI’s,
essas poderiam ser criadas, pois nada mais são do que a instrumentalização do órgão na
realização de suas funções.

O poder de cautela dos Tribunais de Contas também deriva dessa teoria, de


forma a dar efetividade às suas decisões.

Mas atenção! A teoria dos poderes implícitos tem um limite: não se pode, por
meio dela, dar, a determinado poder, algum instrumento que subverta o sistema
organizatório constitucional. Essa teoria é importante para operacionalizar as funções
dos órgãos, mas possui limites no princípio da justeza constitucional.

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

A ideia de proporcionalidade surgiu, no Direito, antes dessa sua conformação


como princípio.

A própria Lei de Talião denota um comando de proporcionalidade, porque era


comum que se tivessem reações desproporcionais naquela época. Então, se você matou
um boi meu, eu vou matar um boi seu. E fim de papo.

Quando Aristóteles fala de justiça distributiva, temos a ideia de igualdade


proporcional. A igualdade consiste em dar um tratamento igual aos iguais e desigual aos
desiguais, na medida de suas desigualdades.

O professor, no entanto, se utilizará de referencias mais recentes. A relevância


da Magna Carta, de 1215, para a formação das Constituições, é inegável. Lá, havia a
previsão no sentido que a punição deve ter caráter proporcional ao da ofensa.

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O documento também dispunha que ninguém seria lesado, exceto pelo
julgamento legítimo de seus pares ou pela “Lei da Terra” (the law of de land). Essa
ideia será convertida, quando direcionada aos EUA, no due process of law.

Na Inglaterra, em 1689, temos a Bill of Rights. O ponto mais interessante é o de


que ela amplia o alcance da Magna Carta, não apenas para os condes e barões ingleses,
mas para toda a sociedade.

Um pouco depois, encontraremos documentos importantes, nessa época


influenciados pelos jusnaturalismo. Neste contexto, a Declaração de Direitos da
Virgínia, de 1776 (independência americana em 04 de julho) será importante na
consolidação dos direitos naturais. Depois, já se começa a incorporar a ideia de
proporcionalidade.

Temos, também, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, da


França, de 1789.

Para além, temos 10 emendas à Constituição Americana (que entram em vigor


em 1791). Essa declaração é incorporada ao texto constitucional de 1787 por meio de
emendas constitucionais (o texto original da constituição americana não possui previsão
acerca de direitos individuais = direitos de primeira dimensão). Essas emendas também
são chamadas de “Bill of Rights” americana, juntamente com as demais emendas que
foram feitas ao longo das décadas (emendas que tratam de direitos individuais).

OBS.: neste contexto (de direitos de primeira dimensão), os direitos individuais


tinham grande influência do jusnaturalismo, no sentido de serem suprapositivos,
inerentes ao ser humano. A positivação seria apenas um reconhecimento expresso
daquilo que é um direito natural.

OBS.2: termo “Bill of rights” é comumente traduzido como “declaração de


direitos” e pode ter um sentido “universal” (um sentido genérico de “declaração de
direitos”). Por isso, é preciso ter cuidado com o sentido que o texto pretende dar. Obs.:
o professor não vê problemas em citar que do art. 5º ao 17 da CF 88 como o “Bill of
rights” brasileiro.

Voltando. Até aqui, a ideia de proporcionalidade está muito conectada à ideia de


direitos naturais.

51
Ainda neste contexto inicial, vamos nos voltar para a Prússia do sec. XVIII. Na
Prússia, a ideia de proporcionalidade surge ligada à ideia de que o poder público,
quando impõe limitações administrativas aos indivíduos, o deve fazer de forma
proporcional.

No sec. XIX, a proporcionalidade começa a encontrar as primeiras


manifestações positivadas. O princípio em comento surge, de forma positivada, na
Prússia/Alemanha, no contexto do poder de polícia do Direito Administrativo.

Jellinek conecta a proporcionalidade diretamente à ideia de discricionariedade


do Poder Público. A proporcionalidade passa, então, a estar relacionada com a atuação
do Estado no Direito Administrativo, não se restringindo ao âmbito do poder de polícia.

Há quem diga, assim, que, no contexto europeu, a proporcionalidade está ligada


ao Direito Administrativo. Já no contexto americano, a proporcionalidade está
conectada à ideia de devido processo legal.

SENTIDOS DE PROPORCIONALIDADE

1. Proporcionalidade em sentido amplo: o dever de proporcionalidade pode se


traduzir na “proibição do excesso”. Essa ideia está destinada tanto aqueles
que exercem o poder como aqueles que estão sob esse poder.
2. Proporcionalidade em sentido estrito: aqui, já se começa a fazer uma
conexão entre os fins e os meios. Consiste na relação adequada, na justa
medida, entre meios e fins.

ELEMENTOS DA PROPORCIONALIDADE

A doutrina tradicional trabalha com três elementos ou subprincípios. Paulo


Bonavides fala em “relação triangular”. Humberto Ávila, por sua vez, entende que a
proporcionalidade tem uma “natureza trifásica” (o autor não considera a
proporcionalidade como um princípio).

1. Adequação: também chamada de “pertinência, aptidão, idoneidade,


conformidade”. Relaciona-se com o FIM. Qual é o fim pretendido? Se o fim
pretendido é X, quais são os instrumentos, os meios, as ações, as medidas
adequadas para se alcançar a finalidade? O ponto central da adequação,
portanto, é o fim.

52
2. Necessidade (exigibilidade): está ligada com o MEIO. A medida escolhida
ou os meios escolhidos devem ser os absolutamente necessários para se
alcançar aquela finalidade. Significa dizer que, sem aquela medida, não se
alcança aquela finalidade. Entre duas medidas possíveis, por exemplo, se
deve utilizar daquela que gera a menor ingerência possível, a menos onerosa.
Também é chamado de princípio da escolha do meio mais suave; princípio
da menor ingerência possível; princípio da intervenção mínima. Ex.:diante
das chuvas, famílias são transferidas a um galpão. É possível a
desapropriação, e, também, a ocupação temporária. Como a desapropriação
gera gastos ao Estado e ônus ao particular, considerando que a necessidade
de abrigar as famílias é temporária, se deve optar pela ocupação (em
detrimento da desapropriação).

Esse princípio é dividido em outros quatro, segundo Canotilho:

i. Material: olha para o conteúdo da medida. A medida deve ser a menos


onerosa, a que gere menos desvantagem. Olha-se para o conteúdo da
medida, para a substância.
ii. Espacial: significa delimitar o âmbito daquela medida. Se se fizer uma
ocupação temporária para o recebimento de famílias desabrigadas, a
medida deve ser feita em atendimento ao número de famílias
necessitadas. Esse sentido denota tanto espaço físico como a delimitação
da abrangência.
iii. Temporal: dimensão temporal da medida. Indica quanto tempo a medida
permanecerá válida.
iv. Pessoal: determinação e delimitação das pessoas que sofrerão aquela
ingerência.

3. Proporcionalidade em sentido estrito: as vantagens devem superar as


desvantagens. Aqui, se olha para a relação entre MEIO e FIM. Ex.: quando
a Petrobrás descobriu o pré-sal, visualizou o que era necessário para se
realizar a extração. Ao final, ela percebeu que o dinheiro que ganharia com a
extração seria menor do que os custos da operação. O custo acabou se
tornando maior do que o benefício.

53
Nesse caso, o bônus deve superar o ônus. Ao final do dia, as vantagens devem
superar as desvantagens. Essa proporcionalidade em sentido estrito gera uma obrigação
positiva (caráter positivo) e uma obrigação negativa (caráter negativo). A obrigação
positiva denota que se deve utilizar dos meios adequados. Já a obrigação negativa indica
que não se pode utilizar de meios excessivos.

Há quem chame o princípio em comento de princípio da justa medida. E há


quem entenda que é nesse ponto que se deve fazer a ponderação, para se verificar em
que ponto os benefícios superam os custos (ou não). também é chamado de
balanceamento.

Uma corrente mais contemporânea acrescenta dois elementos aos três já vistos,
quais sejam, “objeto legítimo” e “meio legítimo”. Objeto e meio juridicamente válidos.

AULA EXTRA I

Princípio da proporcionalidade sob o aspecto constitucional

Quando se pensa em proporcionalidade sob o aspecto constitucional, se pode


partir de dois campos diferentes. Num primeiro campo, o princípio está relacionado ao
Estado de Direito. Quem trabalha com o tema é Paulo Bonavides.

Dentro da ideia de Estado de Direito, o autor faz uma separação entre dois
momentos. O primeiro se pauta no Estado de Direito a partir do princípio da legalidade.
A primazia do princípio da legalidade é típico do Estado Liberal (formatado no final do
sec. XVIII, perdurando por boa parte do sec. XIX), que, por sua vez, tem pilares
fundamentais, dentre os quais podem ser citados:

- há uma limitação do poder político do Estado, a partir da perspectiva dos


direitos individuais;

- primazia das liberdades individuais sobre o poder do Estado. A liberdade como


direito fundamental leva a outras liberdades (livre iniciativa, livre concorrência). Cuida-
se de um espaço livre do indivíduo, fora da ingerência estatal. A garantia dessa
liberdade está na lei.

Paulo Bonavides destaca que, posteriormente, o mundo passa da primazia do


princípio da legalidade para a primazia do princípio constitucional, em que a CF passa a
ser o centro gravitacional do próprio ordenamento normativo. “Ontem, o CC. Hoje, a

54
CF”. Essa primazia se firma, sobretudo, após a 2GGM (mormente a partir da década de
60, 70). No Brasil, a grande virada ocorreu após a CF88, especialmente após a segunda
metade da década de 90 em diante.

OBS.: quando se tem uma nova CF, é comum que olhemos para os seus
institutos jurídicos, as suas instituições com um olhar baseado nos conceitos e nas ideias
anteriores à Constituição. São pré-compreensões que influenciam no modo de leitura da
CF. É o fenômeno chamado de “interpretação retrospectiva”. Por esta razão, as ideias
embutidas na CF88 começam a ser internalizadas a partir da segunda metade da década
de 90.

Voltando. É exatamente nessa época de primazia da CF que o princípio da


proporcionalidade deixa de ter um viés meramente setorial, do D. Adm.; e passa ser
abrangido pelo D. Const.

O segundo campo relaciona o princípio da proporcionalidade aos direitos


fundamentais. Para quem entende que a proporcionalidade está ligada ao Estado de
Direito, pensa da seguinte forma: “o Estado deve atuar na medida do necessário, na
medida do que é adequado e na medida em que as vantagens de sua atuação superem as
desvantagens”. Já quem vê o princípio sob a perspectiva dos direitos fundamentais
pensa da seguinte maneira: o indivíduo tem as suas liberdades e o Estado (ou qualquer
outro) não pode agir de modo a restringir essa liberdade individual além do limite do
razoável, do proporcional, da justa medida (esta última ligada ao princípio da
proporcionalidade em sentido estrito).

Quando se enxerga o referido princípio sob a perspectiva do Estado de Direito,


há uma tendencia de se vincular a sua aplicação na relação do Estado com o indivíduo.
Já se se vincula o princípio aos direitos fundamentais, a aplicação é estendida tanto para
a relação com o Estado como para com outras partes (entre particulares).

Alguns ainda vão além, no sentido de se entender o princípio da


proporcionalidade como um postulado geral do Direito. E isso vale para a aplicação em
qualquer relação (Estado x indivíduo; indivíduo x Estado; indivíduo x indivíduo; Estado
x Estado). como assim Estado x Estado? Ex.: suponha que a União Federal vá fazer uma
intervenção em um Estado-membro. Esse Estado alega que a intervenção é
desproporcional (no caso, se vai avaliar se essa intervenção é ou não é legítima; é ou
não é adequada; é ou não é necessária; é ou não na justa medida).

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E há uma tendência nesse sentido (IF 298, STF): a intervenção, como medida
extrema, deve atender à MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE. O professor pede
para observarmos a expressão usada pelo STF, que adveio da tradução de um dos livros
de Robert Alexy por Virgílio Afonso.

A Corte Alemã fica intercambiando entre as fontes acima estudadas (Estado de


Direito e direitos fundamentais). A tendência é essa, inclusive com a consideração do
princípio como um postulado do Direito.

Relação com o direito comparado: o Bill of rights, de 1689, não fala


expressamente do princípio, mas dispõe sobre o seu conceito, quando, no item 10,
dispõe que não se deve exigir fiança ou multa excessivas, tampouco penas cruéis ou
incomuns. Não é à toa que muitos autores que preferem a utilização do termo “princípio
da vedação do excesso” à utilização do termo “princípio da proporcionalidade”. Há,
também, quem entenda que a vedação do excesso é uma das facetas do referido
princípio (ideia a ser trabalhada mais à frente). De todo modo, o que o professor quer
demonstrar é que a ideia de excesso (na verdade, de vedação de condutas excessivas)
deve ser sempre lincada com o princípio ora estudado (se há excesso, é
desproporcional).

Na 5ª Emenda Americana, há a menção ao direito de não ser privado da vida ou


da liberdade sem o devido processo legal. Já na 8ª emenda, também se fala na vedação a
fianças e multas excessivas.

O professor fez referência ao “due processo of law” porque há quem entenda


que, aqui, está a fundamentação, na Const. Americana, do princípio da razoabilidade
(chamada por muitos de proporcionalidade).

Na Const. de Portugal, há menção à expressão ao princípio da proporcionalidade


em alguns dos dispositivos.

Por sua vez, na Const. Espanhola, se fala em respeito ao conteúdo essencial. Isso
porque, no que diz respeito aos direitos fundamentais, há quem defenda que estes
possuem um núcleo mínimo que não pode ser atingido. Significa dizer que o direito
pode ser restringido, mas até o limite do conteúdo essencial. Quando uma restrição se
torna uma violação ao direito fundamental? Quando essa restrição passa a ser abusiva,
excessiva, no sentido de violação desse conteúdo essencial.

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Paulo Bonavides também destaca que o D. Const. Sofreu, ao longo dos séculos,
algumas revoluções:

1. controle de constitucionalidade. A CF não é mais vista como um documento


político, um protocolo de intenções, uma carta de recomendações, mas, sim,
como um documento jurídico-normativo dotado de efetividade. E tanto é
assim que, se qualquer ato ou lei estiver em contrariedade com a CF, haverá
o controle, e, cabendo o controle, o ato declarado inconstitucional será
considerado nulo (teoria da nulidade, de base americana e originada no
famoso caso Marbury x Maison, berço do controle difuso, no sentido de que
cabe a qualquer juiz ou Tribunal a realização do controle de
constitucionalidade das leis em caráter incidental). Obs.: a teoria da nulidade
se contrapõe à da anulabilidade, defendida por Kelsen, na Europa.

As consequências práticas dessa diferenciação residem no fato de que o ato


declarado inconstitucional com base na teoria da nulidade é considerado nulo desde sua
origem (“ab ovo”) – efeitos ex tunc. Para a linha europeia, o ato inconstitucional é
anulado com efeitos ex nunc. Como regra, adotamos a declaração de
inconstitucionalidade com efeitos retroativos, mas é admitida a modulação de efeitos,
tanto para declarar a inconstitucionalidade com efeitos “ex nunc” como com efeitos
“pro futuro”.

2. Tópica: método de interpretação propriamente voltado para a Constituição.


Tira-se a interpretação do campo meramente textual/normativo, a levando
para a realidade dos fatos. Dá-se, ao problema, um peso. Converte-se o
problema como referência para a interpretação.
3. Primazia dos direitos fundamentais: se a CF passa a ser o epicentro do
ordenamento normativo, o epicentro da CF são os direitos fundamentais, que
possuem, como epicentro, a dignidade da pessoa humana. OBS.: a Const.
Americana de 1787 é a primeira Const. Moderna, mas nada dispõe acerca
dos direitos fundamentais. Na verdade, à época, nem se falava em direitos
fundamentais, mas, sim, em direitos individuais. E, ainda assim, só foram
incorporados com as emendas de 1789.
4. Constitucionalização do princípio da proporcionalidade: a
proporcionalidade deixa de ser um princípio meramente setorial do Direito
Adm. (mais especificamente, do poder de polícia) e é trazido para o Direito
57
Const., sendo aplicado às relações entre indivíduo x indivíduo, Estado e
indivíduo e até mesmo entre Estado x Estado.

Princípio da proporcionalidade na CF/88

O referido princípio se encontrava, tradicionalmente, atrelado ao princípio do


devido processo legal. E, aqui, há uma confusão entre razoabilidade e
proporcionalidade, ideia trazida dos EUA.

Nos EUA, a ideia da 5º emenda, no sentido de que ninguém será privado sem o
devido processo, pode ser observada somente de maneira formal. Ex.: imagine que você
pratique um crime de furto no valor de 1.000 reais, em que formalmente foi atendido o
processo legal, com observância das regras procedimentais. Considere, ainda, que, na
hipótese, a lei formal imputa, ao agente, uma pena de 30 anos, sendo você condenado a
uma pena de 20 anos. Pela perspectiva formal, estão atendidos a legalidade e o devido
processo legal. Vamos “piorar” essa situação, aumentando a previsão para 40 anos.
Nesse caso, a pena parece muito maior do que o que indica a razoabilidade do delito.

A partir daí, a doutrina americana começou a questionar que existe, também,


além da forma legal do processo, um devido processo legal substantivo, relacionado à
substância, ao conteúdo. No caso do exemplo, o procedimento é legal, mas o conteúdo
parece abusivo.

Surge, assim, um desdobramento do devido processo legal, que, do qual, no


ASPECTO SUBSTANCIAL, DERIVOU A IDÉIA DE RAZOABILIDADE
(lembrando que, até o momento, não vamos discutir sobre a diferenciação de
razoabilidade e proporcionalidade).

Na década de 60 a 80, já encontramos raízes desse pensamento em decisões


exaradas pelo STF, em que a Corte fala em “abusos, penas desmedidas ou cruéis,
proteção do núcleo essencial de direitos fundamentais”; posteriormente, existem
julgados que se conectam diretamente com a ideia devido processo legal substantivo -
ex.: REXT 397635 do Min. Veloso.

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RESTRIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.

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De forma geral, predomina a ideia de que direitos fundamentais são restringíveis,
e a de que o princípio da proporcionalidade estaria conectado à ideia de restrição aos
direitos fundamentais como uma forma de proteção desses direitos. Então, se impediria
que um direito fundamental fosse restringido para além do necessário, adequado e da
justa medida.

Há quem fale, inclusive, em “Princípio da Reserva Legal proporcional”, em


que se sustenta que o direito fundamental pode ser restringido, desde que haja uma base
legal. Só que essa restrição, ainda que tenha uma base legal, tem que ter uma
legitimidade, evidenciada justamente na proporcionalidade. Ou seja, não basta a
existência da lei; se exige o preenchimento da condição proporcional. O professor
exemplifica com o direito ao exercício da profissão da advocacia: o “ser advogado”
decorre da liberdade profissional, que é um direito fundamental individual. E os direitos
fundamentais individuais podem ser restringidos, desde que haja base legal. Isso
significa que, hoje, caso não houvesse nenhuma previsão legal acerca da profissão de
advogado, qualquer um poderia sê-lo, pois não se pode restringir direitos fundamentais
sem que haja a correspondente base legal.

Agora, imagine uma lei que exija níveis condicionais absurdos, como por
exemplo, uma faculdade com 10 anos de duração. Alguns, inclusive, argumentam que o
próprio exame da ordem seria desproporcional. Sobre a matéria, o STF se utilizou de
vários argumentos para legitimar o exame, sendo que, dentre eles, está o impacto da
profissão para a sociedade. Desse modo, quanto maior a consequência social, maior será
a restrição. Há a possibilidade de restrição como garantia da própria sociedade (a
própria CF dispõe que o advogado é essencial à atividade da justiça). É uma atividade
de alto impacto em uma sociedade que se organiza na forma de um Estado Democrático
de Direito. O mesmo raciocínio é utilizado para o médico e para o engenheiro, por
exemplo.

OBS.: a restrição ou também para o próprio indivíduo que exerce a liberdade,


como exemplo o mergulhador.

Alguns ainda criticam que existem diversas atividades que impõe riscos sociais
mas não exigem exame para exercê-la, e o Supremo refuta esse argumento pois o
correto é exigir, não se pode olhar de forma comparativa para os que faltam de forma a

59
diminuir a segurança social, pelo contrário, o certo seria exigir maiores controles aos
demais.

Em suma, a restrição ao direito fundamental deve ter uma base legal, e, de igual
forma, deve ser proporcional.

ROBERT ALEXY diz que a proporcionalidade é o limite último da


possibilidade de restrição legítima dos direitos fundamentais. Uma restrição de
direito fundamental pode existir e deve ter uma base legal para ser considerada legítima.
E o último limite para se entender pela legitimidade é justamente a proporcionalidade.

CANOTILHO afirma, por sua vez, que o campo de aplicação mais importante da
proporcionalidade é o da restrição aos direitos fundamentais e garantias por atos do
Poder Público.

Para Willis Santiago Guerra Filho, o fim (finalidade) do princípio da


proporcionalidade (limitação do Poder Público perante o direito dos indivíduos) é o
mesmo da própria CF, razão pela qual deve ser considerado como princípio dos
princípios (o princípio ordenador do Direito). A sua finalidade é a finalidade da própria
CF, que se traduz na proteção dos indivíduos

Jorge Reis Novaes (autor português) fala que o princípio da proporcionalidade,


ou, mais rigorosamente, o princípio da proibição de excesso, em aplicação combinada
com a metodologia de ponderação de bens, é a chave da decifração do complexo tema
dos limites dos direitos fundamentais. Em outras palavras, o autor quer dizer que os
direitos fundamentais podem ser limitados; que o tema é complexo; e que a chave para
decifrar esse problema é o princípio da proporcionalidade, ou da vedação do excesso.

APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE NO ÂMBITO DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.

Relação da proporcionalidade com o P. da concordância prática

O primeiro ponto está em conectar com o PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA


PRÁTICA (harmonização sem que a colisão de bens importe um sacrifício total do
outro), pois é na PROPORCIONALIDADE QUE SE ENCONTRA A MEDIDA

60
JUSTA, necessária e adequada de EQUILÍBRIO entre os direitos, princípios que estão
em rota de colisão. É exatamente a proporcionalidade que evita o abuso; e, por via de
consequência, evita um sacrifício total.

Utilização da proporcionalidade sob um aspecto procedimental

Um ponto mais complexo cuida do aspecto procedimental da proporcionalidade


(não se está falando sobre o aspecto formal do devido processo legal).

Imagine que dois filhos, um de 15 anos e outro de 3 anos, não serão tratados da
mesma forma, devido às diferenças. Esse exemplo fático se relaciona ao princípio da
igualdade, que é um princípio substancial (princípio que é analisado sob o aspecto do
seu conteúdo próprio).

Quando se fala em proporcionalidade, não há conteúdo próprio, não se pode


falar, por exemplo, “que pessoas são proporcionais”. Não há um conteúdo que defina
um “estado ideal das coisas” que deve ser perseguido. Quando o princípio traz um
estado ideal, se diz que ele traz um conteúdo próprio. Ex.: todas as pessoas serão
tratadas com dignidade.

A proporcionalidade não apresenta esse “estado ideal” a ser perseguido. Na


verdade, a proporcionalidade nos traz um instrumento a ser perseguido. Por isso muitos
falam que o princípio da proporcionalidade possui uma natureza instrumental, no
sentido de que não tem valor em si; cuida-se de um instrumento para alcançar valores.
Significa dizer que se a proporcionalidade não for utilizada por alguém da maneira
correta para se atingir uma finalidade, ela não será “nada”. Ex. da caneta: a caneta pode
valer R$1.000,00, mas, se não estiver na mão da pessoa que fará o seu uso, não terá
conteúdo algum.

A APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE, NA INTERPRETAÇÃO


CONSTITUCIONAL, É UM MEIO QUE SERÁ USADO PARA CHEGAR A UM
DADO SENTIDO VALORATIVO. Ou seja, possui caráter instrumental. Por isso, pode
ser aplicada em vários contextos dentro da interpretação constitucional.

Relação da proporcionalidade como Controle de Constitucionalidade

61
A classificação da inconstitucionalidade pode ser formal ou material. Ex.: lei
elaborada com a observância dos procedimentos, mas que preveja pena de morte.
Dentro dessa ideia, o princípio da proporcionalidade, no âmbito do controle de
constitucionalidade, é sobretudo utilizado na análise da constitucionalidade sobre o
aspecto material, o que demanda observar se o conteúdo da lei é abusivo ou não.

Neste ponto, alguns doutrinadores tecem críticas, no sentido de que o juízo sobre
o excesso ou não do conteúdo da norma perpassa por uma valoração do intérprete
(Gilmar Mendes fala em uma “situação tormentosa”). Há o risco de o juízo
constitucional adentrar excessivamente nas escolhas substantivas e morais que o
legislador fez, se sobrepondo ao Poder legislativo. Nesse caso, a proporcionalidade
serve de instrumento, de argumentação, para conferir poderes demasiados ao juiz.

Essa situação se torna “tormentosa” porque a proporcionalidade se torna um


instrumento para que o Poder Judiciário valore as análises do legislador (alguns
positivistas tendem a ser mais resistentes ou até mesmo contrários ao princípio da
proporcionalidade).

Caso em que o STF julgou usou um termo: “excesso de poder de legislar” – o


STF diz que o legislador agiu com excessos. O juiz se sobrepõe às escolhas legislativas.
Ao dizer que o legislador agiu com excesso, o juiz poderá estar agindo também de
forma excessiva ao interferir, em demasia, nas escolhas do legislador.

Isso é problemático, pois há casos em que pode ocorrer uma aceitação total da
sociedade em relação à decisão do juiz constitucional; mas, em outras hipóteses, o
comando decisório pode ser discutível. É um risco que o próprio julgador pode agir com
excesso ao tratar o legislador como excessivo.

CANOTILHO propõe, então, que a melhor forma de evitar essa situação é a de


considerar que apenas o que for manifestamente inadequado ou desnecessário pode ser
objeto de controle por parte do juiz. Assim, o juiz poderia se utilizar do princípio da
proporcionalidade para declarar uma lei inconstitucional, do ponto de vista material,
desde que evidenciado um erro manifesto do legislador (escolha manifestamente
desnecessária, inadequada ou desmedida).

62
->PROPORCIONALIDADE RELACIONADA AO PRINCÍPIO DA MANIFESTAÇÃO OU VEDAÇÃO DE

INSUFICIÊNCIA (P. DA VEDAÇÃO À PROTEÇÃO DEFICIENTE)

Se o princípio da vedação de excesso impede que o Poder Público vá além do


adequado, necessário e da justa medida, aqui o princípio impede que fique “aquém”. O
Poder público deve agir em uma justa medida, nem com excesso e nem com
insuficiência.

Nessa linha da insuficiência, o princípio da proporcionalidade seria uma espécie


de GARANTISMO POSITIVO. No garantismo negativo, o Poder Público não pode
ir além (é uma força negativa para atuação do Estado). No positivo, a garantia é de
que o Estado deve ir “para além”, mas até ao necessário (não pode ficar aquém,
portanto).

OBS. Cuidado, a palavra garantia aqui não está relacionada ao direito penal, mas
à correlação com a garantia das ordens e do direito.

ENCONTRO EXTRA 2

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE CONT.

Trabalhamos com a ideia de vedação do excesso (garantismo negativo) e da


vedação da insuficiência (garantismo positivo).

NATUREZA DA PROPORCIONALIDADE

Wilys Santiago Guerra Filho entende que a proporcionalidade é verdadeiro


princípio, composto de três subprincípios. Daí, chegamos à conclusão de que as regras
não têm subprincípios. Elas podem ter fundamentação em princípios, mas não contêm
subprincípios. Por isso, a proporcionalidade seria, de fato, um princípio. Ademais, se a
proporcionalidade fosse considerada uma regra, não se poderia admiti-la no
ordenamento, porque não há uma norma constitucional que a configure. Não havendo
uma regra explícita sobre a proporcionalidade, a conceituando e determinando o seu
âmbito de aplicação, ela não poderia ter a natureza de regra. Então, forçosamente,

63
chegamos à conclusão de que se cuida de um princípio implícito (somente princípios
podem ter

Para além, os princípios têm um âmbito de aplicação que não tem uma descrição
a priori. Nas regras, se determina o seu âmbito de aplicação. Há uma definição do
âmbito de aplicação. Com efeito, as regras têm zonas cinzentas, mas, de forma geral já
tem o seu âmbito de aplicação pré-definido. No caso dos princípios, é praticamente
impossível que o legislador anteveja as hipóteses em que um princípio pode ser
aplicado.

Uma outra linha de raciocínio é a de Humberto Ávila, para quem a


proporcionalidade tem natureza de postulado normativo aplicativo. Para iniciar o
raciocínio, o professor rememora uma ideia trabalhada nas aulas anteriores: pense no
princípio da igualdade. Quando se diz “todos são iguais perante a lei”, se traz um
conteúdo próprio, uma formulação que traduz o princípio da igualdade (nem tão boa
assim, porque não existe apenas a igualdade perante a lei, mas, também, a igualdade na
lei). É um valor trazido pelo princípio, que deve ser perseguido. O princípio fixa,
estabelece um “estado ideal das coisas”. Então, eu olho para a sociedade e vejo muita
desigualdade, e, assim, estabeleço como um “ideal” que todos são iguais perante a lei.
Então, os princípios carregam esse conteúdo axiológico.

Quando se olha para a proporcionalidade, ela não estabelece um estado ideal. Na


verdade, ela é um “framework”. Uma estrutura de pensamento, um quadro estrutural.
Ex.: quando você faz um projeto na área empresarial, você tem vários projetos. E,
sempre, se deve colocar o “quem, como, quando, onde e quanto custa”. O professor diz
para pensarmos a proporcionalidade como uma “lista” que o intérprete do direito, em
determinadas situações, irá preencher e chegar a um projeto concreto e compreensível
às demais pessoas. Quando se coloca que um determinado ato deve preencher os três
pontos (adequação – os meios para alcançar para o fim são eficientes; necessidade – os
meios devem ser os menos onerosos; e proporcionalidade – as desvantagens não podem
superar as vantagens ---- princípio da justa medida), nada mais se está fazendo do que
aplicar esse framework.

A proporcionalidade, em si, não traz um estado ideal das coisas a ser perseguido,
mas, sim, uma estrutura de pensamento (“uma lista de requisitos”, em linguagem

64
informal) a ser observado para se verificar se a medida que se quer adotar é adequada,
necessária e na justa medida.

Quando se diz que alguma coisa é instrumental, se fiz que essa coisa será apenas
um instrumento para se alcançar a finalidade. Se se entende que a proporcionalidade não
fixa o estado ideal das coisas, mas, sim é uma estrutura de compreensão para se chegar a
uma definição, se pode afirmar que a proporcionalidade não é um princípio, no sentido
de coisas que carregam um valor.

Se a proporcionalidade não é um princípio, seria um postulado normativo


aplicativo, na visão de Ávila. Explicando o conceito:

Postulado no sentido de que é uma estrutura.

Normativo porque é estabelecido dentro da realidade jurídica (quando se fala


que algo é “normativo”, se está querendo dizer que esse “normativo” estabelece um
“dever ser”, um “padrão a ser seguido”. Explicando a expressão a partir da psicologia,
para entender: quando você vivencia uma experiência ruim, você armazena o que
ocorreu em sua mente (você normatiza essa situação). “Normatizar” é você pegar
aquela experiência e traduzi-la como um padrão de comportamento a ser seguido; toda
vez que você se deparar com uma situação semelhante, você chegará à conclusão, ainda
que de forma inconscientemente, de que aquela situação gerará as mesmas
consequências ruins (um determinado resultado já conhecido).

Aplicativo porque leva à ideia de que a proporcionalidade será considerada no


âmbito da aplicação das normas, no âmbito concreto.

Em suma, cuida-se uma estrutura de pensamento que estabelece um padrão de


raciocínio jurídico que é relevante para a aplicação de determinadas normas jurídicas.

Na maior parte da doutrina, a expressão comumente usada vincula a


proporcionalidade à ideia de princípio. No STF, por exemplo, o Min. Gilmar Mendes se
utiliza muito do termo “a máxima da proporcionalidade”.

Em provas, o professor disse que podemos nos utilizar das expressões “princípio
da proporcionalidade” e “dever de proporcionalidade. Até mesmo “máxima da
proporcionalidade”, porque é uma expressão muito usada no STF. Não é muito
recomendável utilizar a expressão "postulado”, a não ser que o questionamento verse
diretamente sobre este ponto.
65
PROPORCIONALIDADE X RAZOABILIDADE

Muitas vezes, as expressões são usadas como sinônimos. Tanto é que a


jurisprudência do STF fundamentava o princípio no “due processo of law”, dos EUA, e,
com o já especificado, a expressão americana estava relacionada com a ideia de
razoabilidade.

Partindo do raciocínio feito anteriormente, se pode afirmar que a


proporcionalidade consiste nessa “estrutura de compreensão”, que é condição
necessária para a eficácia e a aplicação de outras normas. Lado outro, a razoabilidade é
observada em situações individuais e suas respectivas consequências.

Então, nesse caso, a proporcionalidade é uma estrutura formal de


entendimento, em que se analisa a relação entre meio e fim (ao fim e ao cabo, olhamos
para a relação entre meio X fim: o meio é eficaz à finalidade? É menos oneroso? As
vantagens superam as desvantagens?). O campo de aplicabilidade é mais objetivo.

A razoabilidade, por sua vez, terá uma aplicação individual ou uma condição
para a aplicação individual da justiça. Na razoabilidade, se analisa a situação pessoal
do individual, para identificar quais são os direitos desse individuo; os bens jurídicos
protegidos; os interesses e os valores em jogo; para se garantir que não haja nem
excesso e nem insuficiência em relação aos direitos, bens e interesses desse indivíduo. É
uma situação mais subjetiva. Obs.: subjetiva no sentido de ser algo relacionado ao
sujeito envolvido na situação.

CRÍTICA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Como a proporcionalidade é apenas uma estrutura de pensamento, não


carregando, dentro de si, um valor próprio, dá, ao juiz, um poder demasiado de fazer
valorações que podem estar carregadas de sua pré-compreensões. Pode-se abrir um
campo demasiadamente grande para uma análise personalizada do juiz. Então, o juiz
adentraria nas escolhas substantivas do legislador, nas escolhas morais do legislador.
Exatamente por não ter conteúdo, pode ser aplicado em diversos contextos diferentes.
Por isso, permite que o julgador adentre nas escolhas legislativas em qualquer âmbito.
LEMBRANDO que o examinador tem uma linha cautelosa, de autorrestrição. Em
última análise, o juiz acaba tendo primazia sobre o legislador = risco de “governo dos
juízes”. Há quem diga que a pior das ditaduras é a ditadura da toga, porque ela tem uma

66
roupagem de juridicidade, e, por isso, se torna a mais difícil de ser “resistida”. As
ditaduras, no geral, se valem do direito como instrumento de domínio. Sendo esse
direito manejado pelos juízes, “ao fim do dia”, o direito será o que os juízes querem que
ele seja. Há uma roupagem de juridicidade = não há aparência de ditadura. Por isso, há
maior dificuldade de percepção pela sociedade. Por via de consequência, essa ditadura
terá mais dificuldade de encontrar oposição.

Permite que o juiz adentre nas escolhas do legislador = primazia do juiz em


detrimento do legislador = ditadura do Judiciário.

Nas aulas sobre os princípios instrumentais de interpretação, o professor


mencionou o da “cedência recíproca”. Esse princípio encontra uma conexão com o
princípio da concordância prática. Na hipótese de bens jurídicos constitucionalmente
tutelados em colisão, um pode se sobrepor a outro, desde que não haja sacrifício total.
Isso comporta uma ponderação. O princípio da cedência recíproca preconiza que um
ceda em relação ao outro, para que, dessa forma, nenhum dos dois princípios seja
sacrificado em sua totalidade.

Ainda no âmbito da interpretação constitucional, o professor falará de


interpretativismo e não interpretativismo.

INTERPRETATIVISMO E NÃO INTERPRETATIVISMO

O interpretativismo tem, como principal preocupação, a democracia. Vamos


lembrar que, quando o professor falou sobre jurisdição constitucional, ele fez quase uma
“tabela imaginária" colocando, de um lado, o legislador, e, de outro, a jurisdição
constitucional.

O legislador é composto de representantes do povo. Suas decisões são fruto da


vontade da maioria. Essas decisões majoritárias podem ensejar a formação de leis.
Logo, as leis são fruto da vontade da maioria.

A jurisdição constitucional, por sua vez, é composta de membros não eleitos


pelo povo. Então, quando

O interpretativismo tem uma grande preocupação com a democracia. Tudo


aquilo que tem o “cheiro” de contramajoritário corre o risco de também ser
antidemocrático. Por isso é que os interpretativistas dizem que o Judiciário atua numa
função contramajoritária. Mas, para que não se torne também antidemocrática, precisa
67
de uma atuação com cautela. Zelando por uma legitimidade democrática, o Judiciário
deve se manter adstrito ao texto constitucional e à história constitucional, NÃO cabendo
ao intérprete adentrar nas escolhas políticas do legislador. Deve-se buscar uma conduta
de interpretação mais próxima possível do texto constitucional e respeitando o texto
constitucional.

É uma linha de pensamento RESISTENTE AO ATIVISMO JUDICIAL. O


interpretativismo, inclusive, vai entender que o ativismo judicial é
ANTIDEMOCRÁTICO. No controle de constitucionalidade, a jurisdição constitucional
deve agir com EXTREMA CAUTELA e parcimônia na hora de declarar o texto
inconstitucional. O intérprete deve ter deferência às escolhas morais e políticas do
legislador, adentrando no que for claramente violador da CF (explícita ou
implicitamente, mas num quadro de clara violação).

A consequência disso é uma valorização do texto constitucional. E, por via de


consequência, uma valorização das escolhas substantivas do poder político democrático.
São limites ao controle judicial; são limites à atuação do juiz.

O “rule of law” não é “law of judges”. O governo da lei não é a lei dos juízes.
Essa é a linha utilizada pelos interpretativistas.

Do interpretativismo, extraímos uma linha de pensamento, originária dos EUA,


que é o originalismo. Essa tese segue a lógica do interpretativismo para defender a
ideia de que as normas constitucionais devem ser interpretadas e aplicadas na forma
como foram compreendidas, entendidas e definidas por aqueles que a definiram, ou
seja, pelos “pais fundadores” da Constituição. Fica óbvio entender que essa linha de
pensamento e o originalismo são posições de autocontenção do próprio poder Judiciário.
É uma linha de pensamento que restringe a atuação do Judiciário. O originalismo
denota uma posição CONTRÁRIA à do ativismo.

É muito comum tentar se fazer uma conexão da seguinte forme: posições


originalistas ou posições dos interpretativistas são mais conservadoras, enquanto que
posições de ativismo judicial são mais progressistas.

CONEXÃO RÁPIDA: o termo “conservadorismo” está muito ligado ao pensamento “de


direita” (manutenção do status quo), enquanto o “progressismo” está ligado ao
pensamento “de esquerda”. No âmbito acadêmico, essas categorias são antiquadas, mas

68
o professor vai trabalhar com elas para entendermos. Uma posição mais conservadora
denota uma posição de resistência a transformações sociais ou ao progresso da
sociedade. A visão “mais à esquerda” está ligada ao progressismo, à evolução da
sociedade. São pensamentos que, se colocados de forma estanque, podem levar a
exageros.

Quando se vincula o originalismo ao conservadorismo, há uma tendência de se


trazer, ao originalismo, as mesmas críticas feitas ao conservadorismo, no sentido de ser
uma posição reacionária, contrária à evolução da sociedade, de manutenção do status
quo. Na verdade, os conservadores entendem que existem determinados valores da
sociedade que devem ser mantidos. Ações contrárias a esses pilares colocam em risco a
sociedade por eles almejada. Ideia de conservação de certos valores para a sociedade.

Já o pensamento mais progressista entende que esses valores são mutáveis.


Valores considerados pilares no passado podem não o ser mais hoje. Novos valores
podem emergir do tempo, da evolução da sociedade.

Ao vincular o originalismo ao conservadorismo, há a tendencia de se colocar a


tese como revolucionária, como retrógrada. O examinador tenta demonstrar, em seu
texto, posições ativistas conservadoras. Ex.: política favorável aos negros libertos da
escravidão. Essa política é invalidada pelo Judiciário – essa posição é ativista do
Judiciário, no sentido de invalidar uma escolha substantiva (há uma imposição moral da
escolha do juiz), mas não se cuida de uma escolha progressista, porque não promove a
igualdade entre os negros. O que o professor quer mostrar é que o originalismo não
necessariamente é contra a evolução. Ele pode ser utilizado contra a evolução ou a favor
da evolução. Pode-se ter um progressismo a partir de uma visão originalista.

O que o origininalismo defende não é uma posição progressista ou


conservadora. MAS UMA POSIÇÃO NÃO ATIVISTA DO JUIZ.

O não interpretativismo entende que a CF não é uma obra estática, mas, sim,
um documento vivo. Logo, entende que a CF é uma “Constituição viva”. Assim, a
Constituição é patrimônio da geração atual, e não de uma geração antiga, passada.
Então, a CF não pode ser entendida como uma “imposição dos mortos sobre os vivos”.

Desse modo, como se busca uma linha de pensamento nesse sentido?


Buscando interpretar a CF a partir de valores morais e políticos da geração atual.

69
Daí, chegaremos à conclusão de que o sentido da CF é construído a cada geração, ou,
melhor, a cada dia. A Constituição está sendo escrita, constantemente, pela geração
atual, no sentido de compreensão. A Constituição é um projeto de ordenação, que vai
sendo construído a partir de um processo de argumentação valorativo, de avaliação de
novos sentidos, que transcorrem ao longo do tempo.

REPETINDO: o originalismo segue a linha do interpretativismo, indo um


pouco além para buscar a busca original dos redatores da Constituição. Você “estica um
pouco mais a corda”. Deve ser buscada a vontade original dos “pais da Constituição”.

(O originalismo é mais radical, e trazê-lo para a realidade brasileira, seria


passível de críticas, diante do fato de a Constituição ser extremamente “alterável”).

Evitar a volitividade interpretativa do juiz.

Se o interpretativismo segue uma visão mais conservadora, no sentido de se


conservar os valores do texto constitucional, o não interpretativismo vai numa linha
diametralmente oposta. Sustenta uma posição mais ativista. Uma linha critica a outra: o
não interpretativismo entende que o interpretativismo vê a CF como documento
estático, o que gera um enrijecimento constitucional muito grande. Já o
interpretativismo entende que o NÃO interpretativismo leva à ideia do “governo dos
juízes” , porque confere, aos julgadores, um poder demasiado para adentrar nas escolhas
políticas do legislador.

Judicialização da política: 1ª posição – quando o juiz verifica que o tema é


político, deve se abster. Posição de superautocontençao.

Outra posição: o juiz não pode se furtar a decidir questões políticas depois de
provocado.

Concluindo (complementação com as anotações da Josi):

INTERPRETATIVISMO – democracia – autocontenção – história


constitucional.

ORIGINALISMO – democracia – autocontenção – história constitucional –


intenção dos pais da constituição.

70
NÃO INTERPRETATIVISMO – constituição como obra viva – projeto de
ordenação – construção a cada geração conforme seus valores morais e políticos.

Judicialização da política x Politização da Justiça

Judicialização da política = trazer questões políticas para o âmbito do judiciário.


Duas posições:

a. Ao verificar que o tema política foi judicializado, o juiz deve se abster


(superautocontenção).
b. O juiz não entra na política, mas se a política entrar no judiciário, ele não
pode ser furtar a decidir com base nos parâmetros constitucionais, que
pode levar ao um contexto mais original.

Politização da Justiça

- A Justiça toma a iniciativa de entrar em temas políticos.

Pergunta-se como faria isso, se ela é inerte e demanda provocação. A inércia não
tem sido respeitada, pois basta uma provocação de qualquer tema para que a jurisdição
entre em qualquer âmbito de interpretação.

É a justiça provocada para, além do tema levado à sua jurisdição, adentra em


temas políticos.

Pergunta: como um originalista interpretaria o art. 226, §8º, CF/88? Com uma
postura de cautela, mas não no sentido de não aceitar moralmente a união homoafetiva.
O originalista não discutiria se isso é bom ou adequado. Mas que não cabe ao juiz fazer
essa escolha.

Repassando: TOMEM CUIDADO com a prova! É recomendável adotar uma


posição de cautela, de autocontenção!!!!!!!!!!!!!!!

AULA EXTRA 3

71
Decisões no controle de constitucionalidade

SENTENÇAS OU DECISÕES INTERMEDIÁRIAS

É importante entender o tema não no sentido de uma decisão de um juiz


singular, mas, sim, no sentido lato de “decisão judicial” (abrange as sentenças e os
acórdãos).

O ponto de partida deve ser o seguinte: se eu verifico que uma norma


incompatível com a CF, tenho que essa norma é inconstitucional (aqui, o professor está
falando de normas posteriores à CF; quanto às normas anteriores à CF, prevalece a
corrente da “não recepção”). Quando se diz que a norma “nasce incompatível com a
CF”, se diz que o STF declarou a norma inconstitucional. A linha de raciocínio adotada
é a relacionada com a teoria da nulidade. A norma é nula desde o seu nascimento (nula
desde o nascimento; ab ovo; ab início). Se a norma é nula desde a sua origem, a
declaração de inconstitucionalidade gerará um efeito retroativo, ex tunc.

Por outro lado, se se verifica que a norma é compatível com a CF, não havendo
nenhuma contrariedade, o juiz constitucional declarará a norma constitucional. Essas
duas situações, que são óbvias, são o que chamamos de “situações constitucionais
perfeitas”. O qualificativo “constitucional” indica correspondência com a realidade
constitucional, ambiência com o plano constitucional. É uma situação “binária”
(situações constitucionais binárias), que leva a decisões ortodoxas, comuns, ou de
inconstitucionalidade, ou de constitucionalidade (declarações ortodoxas de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade).

Agora, há outras situações em que não se consegue fazer um enquadramento


“exato”, tranquilo, para dizer que a norma é claramente inconstitucional ou
absolutamente constitucional. quando nos deparamos com essa situação, a chamamos de
“situação constitucional imperfeita”.

Retomando: situações constitucionais perfeitas levam à conclusão de que a


norma é absolutamente constitucional ou absolutamente inconstitucional.

A situação constitucional imperfeita fica “no meio do caminho”. Por isso é que
se fala, aqui, em “sentenças intermediarias ou em situações heterodoxas”.

72
Imagine o seguinte: quando a norma estabelecia que a Defensoria Pública possui
prazo em dobro. Qual foi a lógica pensada? Em termos simples, podemos afirmar que a
DP advoga. Essa advocacia é pública ou privada? Na verdade, o advogado público é
aquele que defende o interesse de determinado ente da federação. A DP exerce uma
advocacia de interesses privados. Na prática, não há diferença para a atuação de um
defensor contratado, a não ser o fato de ele ser um agente público. É uma forma de
consecução do acesso à justiça. Por essa perspectiva, dar o prazo em dobro para a DP
seria inconstitucional, porque seria tratar os desiguais de maneira desigual. Em
contrapartida, sob outra ótica, se pode pensar no fato de que a DP não possui, ainda,
uma estrutura de atuação efetiva, o que prejudica, em última análise, o jurisdicionado.
Por isso se justifica a concessão de prazo em dobro. Quando o STF analisou a situação,
concluiu que se cuidava de uma situação jurídica imperfeita. Porque, se considerando a
realidade fática da DP, é razoável a concessão de prazo em dobro. Assim, a Corte
concluiu que se tratava de uma norma “ainda constitucional”, que deveria perdurar
enquanto presente essa situação de ausência de estruturação da DP. A situação seria
inconstitucional se analisada apenas abstratamente; constitucional se analisada a
realidade fática; mas tendente a ser inconstitucional, a partir do momento em que
evidenciada a formação de estrutura da DP.

Esse exemplo denota um dos tipos de decisões intermediarias possíveis (situação


imperfeita).

Existem vários tipos de situações constitucionais imperfeitas.

73
SENTENÇAS NORMATIVAS

SENTENÇAS INTERPRETATIVAS OU SENTENÇAS DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CF:

Na interpretação conforme à CF, buscamos conferir, a norma, um sentido


compatível com a CF. Já trabalhamos com o fato de que a interpretação conforme está
intimamente ligada a expressões plurívocas, plurissignificativas. Analisa-se a norma em
um espectro de possibilidades hermenêuticas, se verificando quais os sentidos que são
válidos perante à CF. assim, na interpretação conforme à CF, é pressuposto lógico que a
norma seja polissêmica. A norma tem X sentidos: esse ou esses são compatíveis com a
CF. ao fazer isso, o juiz constitucional pode, de forma explícita ou implícita, irá excluir
algum sentido que seja incompatível. Nesse caso, há uma expressão que não é tão
comum, que é a “declaração de conformidade sob reserva de interpretação
neutralizante” (usada no Direito Francês). É como se estivéssemos “neutralizando o

74
veneno da norma”, a interpretação que é incompatível com a CF. a norma é
constitucional, desde que ela não seja interpretada de determinada maneira. Na
Alemanha, se utiliza da expressão “sentença interpretativa de rejeição ou de
acolhimento”. “De rejeição” = hipótese em que o intérprete rejeita a interpretação
inconstitucional; “de acolhimento” – acolhimento do sentido que é compatível com a
CF.

SENTENÇAS ADITIVAS OU CONSTRUTIVAS (MANIPULATIVAS)

O ponto de partida é o de que estamos diante de uma norma que possui uma
omissão parcial. Quando se fala em “omissão parcial”, o problema não está na não
atuação do legislador (na omissão total, há uma absoluta ausência de ação), mas em uma
atuação incompleta ou insuficiente. Na omissão parcial, o legislador regula determinada
situação, mas o faz de forma incompleta ou insuficiente. Quando se fala, por exemplo,
no “direito de greve”. Há uma omissão do legislador sobre o direito de greve? Não! isso
porque o referido direito envolve tanto os trabalhadores em geral como em relação aos
servidores públicos. No caso, a legislação versava apenas sobre o direito dos
trabalhadores em geral.

Na hipótese da sentença aditiva, o juiz constitucional constrói um racional para


suprir essa omissão. A decisão não indicará sobre o que o legislador disse, mas, sim,
atuar sobre a ausência, ou insuficiência, sobre o que ele não abrangeu. O foco é esse.
Ele vai adicionar, à norma, uma situação que não foi contemplada originalmente. Nesse
sentido, ele vai alargar o âmbito de incidência da norma para determinada situação ou
para determinado grupo. Ele adiciona, à norma, uma situação não abrangida
inicialmente, mas que deveria ter sido abrangida pela norma. Ex.: o STF se utilizou
dessa técnica nos casos de aposentadoria especial, a partir de casos substancialmente
iguais. A norma que regulava a situação A, por exemplo, foi estendida para a situação
B. fez-se possível o alargamento da norma, porque se entendeu que, nesse caso, a
omissão é mais prejudicial do que essa extensão, até mesmo porque essa extensão não
ensejaria qualquer prejuízo.

Alguns autores, a exemplo de Gilmar Mendes, se utiliza do termo “decisões


manipulativas de efeitos aditivos”. “Manipulativa” – adaptações da norma trazendo um
efeito aditivo para a norma.

Quais os fundamentos para isso?

75
✔ A ineficácia do legislador em atender os comandos constitucionais, em

observar as exigências constitucionais.

✔ Numa constitucional eminentemente programática, há uma maior

responsabilidade de o juiz constitucional em adaptar as leis e a realidade


a essa Constituição. A CF dirige a sociedade (dirigente), e não apenas
uma carta de recomendação.

Dentro dessas sentenças aditivas, encontramos 03 subtipos:

a) Decisão demolitória com efeito aditivo: é feita uma demolição de uma


norma que restringe outra norma. Ex.: temos uma norma A. É elaborada uma
norma B que restringe a norma A, estabelecendo condições para a fruição do
direito. Supondo que o STF declare a norma A inconstitucional. Ora, se essa
norma é restritiva e é inconstitucional, isso significa que a restrição deixa de
se impor. Assim, a norma antes restringida passa a ter um âmbito de
aplicação mais ampliado, mais alargado, diante da declaração de
inconstitucionalidade da norma.

Pergunta de um aluno: possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de


determinada interpretação + alargamento de outra norma = decisão com efeito aditivo.
Há como “combinar” as duas técnicas, digamos assim.

b) Decisão aditiva de prestação: é aquele em que o juiz constitucional impõe,


ao Poder Público, determinada tarefa. Daí o nome “aditiva”. Gera-se uma
obrigação de fazer ao Poder Público.
c) Decisão aditiva de garantia: o juiz constitucional adiciona uma garantia a
um determinado grupo, que estava sem o gozo dessa garantia, mas isso não
gera nenhuma imposição ao Poder Público; apenas uma garantia. Gera uma
obrigação de “não fazer ao Poder Público”.

DECISÃO ADITIVA DE PRINCÍPIO

O objetivo também é o de corrigir omissões. Ocorre que, no caso


anterior, o professor falou em “corrigir omissão ampliando a abrangência da norma”.
Nessa hipótese, ao contrário, a norma é declarada inconstitucional (extirpada do
ordenamento jurídico), mas, para se evitar o “vazio” da norma (“vazio normativo”), o

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juiz constitucional estabelece certas diretrizes, balizas, que deverão ser observados pelo
administrador público e pela sociedade enquanto não houver uma norma
regulamentando aquela situação. Ex.: lei estadual que estabelecia hipóteses de
destituição de dirigentes de agências reguladoras. O STF entendeu que a disposição era
inconstitucional. Diante do “vazio normativo”, a Corte Suprema decidiu que, enquanto
não houvesse norma regulamentadora, a destituição de dirigente de agência reguladora
deveria observar 03 pontos, quais sejam, renúncia, condenação judicial ou PAD. ADI
1949.

É uma forma de o juiz constitucional “normatizar”.

DECISÕES SUBSTITUTIVAS

A questão, aqui, não é a omissão legislativa, mas, sim, a consequência da


norma. A situação toda foi disciplinada (antecedente). A consequência jurídica (direito,
benefício ou sanção pela violação da norma) será “atacada” pelo juiz constitucional.
Imagine que tenhamos dois tipos penais com os seus respectivos preceitos secundários.
Suponha, ainda, que determinada pena cominada ao tipo penal seja considerada, pelo
STF, como desmedida para o tipo penal. Enquanto não houver norma regulamentadora
do citado tipo, o preceito secundário a ser aplicado é o de outro tipo penal. Nesse caso,
se ataca não a omissão legislativa, mas a consequência jurídica da disposição.
Reconstrói-se a consequência, a substituindo por outra que é extraída do próprio
ordenamento normativo.

DECISÕES TRANSITIVAS

DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM EFEITO ABLATIVO

O termo “efeito ablativo” vem da palavra “ablação”, que significa “excluir”.


Uma vez que a norma é declarada inconstitucional, ela é excluída do ordenamento
normativo. Norma inconstitucional = norma nula = excluída do ordenamento normativo.

Na hipótese, teremos uma declaração de inconstitucionalidade SEM pronúncia


de nulidade. Ela continuará sendo aplicada no ordenamento jurídico, mesmo sem
declaração de inconstitucionalidade. Aqui, se entende que a ausência da norma é pior do
que a própria norma. Logo, é melhor manter a norma do que declará-la inconstitucional.
Seria o caso, por exemplo, da modulação de efeitos temporais – aqui, se modula o efeito

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temporal, seja pro futuro, seja ex nunc, seja retroativo parcial. No caso em análise, o
juiz pode não declarar a modulação.

Em muitos casos, essa declaração de nulidade pode vir acompanhada de um


“apelo ao legislador”. Há um apelo para que se corrija o problema.

Outras expressões menos comuns são: “inconstitucionalidade acertada, mas não


declarada” (expressão da doutrina italiana). Reconhece-se a inconstitucionalidade, mas
não se declara a inconstitucionalidade. A fórmula que usamos inconstitucional é inversa
= declara-se a inconstitucionalidade, mas se diz que ela não é nula. Porém, se trata da
mesma lógica.

DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM ABLAÇÃO DIFERIDA OU DATADA (COM EFEITO


ABLATIVO DIFERIDO OU DATADO)

Nesse caso, há a declaração de efeitos temporais. Existem 03 possibilidades de


modulação de efeitos temporais (fundamentos: segurança jurídica e interesse social):

a. Efeitos ex nunc (dali para frente)


b. Efeitos pro futuro (ex.: STF declara a norma inconstitucional, mas
diz que sua aplicação perdurará por 24 meses).
c. Efeito retroativo parcial/limitado/ ex tunc parcial (ex.: imagine que a
norma é de 2015; em 2018, houve a concessão de uma liminar
suspendendo a eficácia da norma; em 2021, o STF declarou a
inconstitucionalidade da norma – o STF declara efeitos retroativos
até a liminar// a retroação desde o nascedouro da norma pode gerar
uma situação de insegurança).

DECLARAÇÃO DE NORMA AINDA CONSTITUCIONAL (DECLARAÇÃO DE TODAVIA CONSTITUCIONALIDADE/


DE CONSTITUCIONALIDADE PROVISÓRIA)

Na declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Aqui, se


olha para a norma, e se vê, abstratamente, que a norma é inconstitucional. Porém, diante
da realidade fática, ela será considerada constitucional, até que essa realidade se
modifique (exemplo da DP). A realidade dá suporte a norma, a legitima. Porém, se essa
realidade for alterada, a norma passará a ser considerada inconstitucional.

SENTENÇA DE AVISO OU PROSPECTIVE OVERRULING

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Quando se fala em prospective overruling, o que a sentença de aviso diz o
seguinte (é como se o juiz constitucional dissesse ao legislador e ao administrador
público): “olha, até aqui, eu tinha um entendimento; mas, a partir de agora, estou
alterando o meu entendimento e estou te avisando para que você se programe”.

É uma sentença que “anuncia uma mudança jurisprudencial”, o overruling. No


Brasil, essa realidade é vista quando o STF muda a sua orientação.

ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÃO

Quando se olha para as sentenças intermediárias (sentenças normativas e


transitivas), se pode afirmar que, nas primeiras, como o próprio nome indica, o juiz
constitucional, de uma alguma, está normatizando, está criando norma – seja porque
estabelece uma interpretação, seja porque alarga o campo de incidência da norma, seja
porque ele substitui a consequência da norma. Então, ele inova no ordenamento
jurídico. A crítica que se faz aqui é o risco de excesso do juiz constitucional.

Já as sentenças transitivas denotam o oposto: é o juiz constitucional tentando, de


alguma forma, manter a norma inconstitucional. Nesses casos, o juiz constitucional tem
uma atitude de deferência para com o legislador, mas até de forma demasiada.

As duas posições, levadas aos extremos, podem levar a um juiz “grande demais”
ou de forma “apequenada em demasia”. Nas sentenças normativas, o risco é o de juiz ir
além do que deveria; e, nas sentenças transitivas, o risco é o de o juiz ficar aquém do
que deveria. O juiz pode ou se exceder (se sobrepondo ao legislador, impondo as suas
vontades; em última análise, se sobrepõe à própria CF) ou se conter demasiadamente
(prestígio da lei em detrimento da CF; em última análise, coloca o legislador à frente da
CF). O risco é o excesso do juiz ou a falta do juiz.

De uma forma, ou de outra, o juiz não está atuando como mero legislador
negativo, ou seja, extirpando a norma inconstitucional do ordenamento jurídico. Ao se
exceder, o juiz pode estar se utilizando de uma posição ativista.

Aqui, o juiz pode argumentar que o ativismo é necessário, diante da omissão dos
demais poderes instituídos.

Se, por outro lado, o juiz fica “aquém” ou com falta, se pode argumentar com
base na prudência, com base na “sobrevivência institucional”.

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De uma forma ou de outra, o juiz estaria violando a Constituição (sendo ativista
ou sendo cauteloso demasiadamente). Então, seria um “mito” falar que o juiz agiu como
legislador negativo.

Nas provas, em geral, o recomendável é ser pragmático, conduzindo um


raciocínio que seja compatível com o perfil da banca. No TJSP, é recomendável agir a
partir de uma posição cautelosa.

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