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1. O Problema da Legitimação
I. A legitimação da justiça constitucional apresenta-se como bastante
complexa no diferenciado tratamento que lhe tem sido conferido pelas
suas numerosas abordagens. Apesar de quase centenária, remontando
ao período de início da fiscalização abstrata com o modelo austríaco2
separação de poderes neste trabalho terá apenas como objetivo ressaltar aspetos fun-
damentais e que relevam para a discussão da legitimação da jurisdição constitucional,
não representando, por evidente inoportunidade, um estudo suficientemente profundo.
2. A referência a «poderes públicos» ao longo do texto corresponderá somente ao poder
judicial e ao poder político-legislativo. Em ocasiões raríssimas abrangerá também o
poder executivo. 3. Sempre que utilizarmos os conceitos «Tribunal», «Jurisdição»,
«TC», «Órgão» ou «Instituição» é ao órgão jurisdicional com competência para a tutela
da Constituição a que nos estaremos a referir.
2 Observe-se que não deixou de representar um marco histórico a inicial experiência
porque sempre que existir controlo significará exercício de um poder e sob pretexto de
contradição, os tribunais poderão substituir a sua própria vontade às intenções constitu-
cionais da legislatura. Vide a propósito STARCK, Christian. Op. cit., p. 66.
5 BRITO, José de Sousa e. Jurisdição Constitucional e princípio democrático. In
II. Embora possa, com maior esforço, constatar-se nos demais instru-
mentos normais de intervenção dos tribunais constitucionais, é na fisca-
lização abstrata preventiva9 e sucessiva, como legislador negativo de
restraint foi transportada para o modelo de matriz austríaca, sendo nesse que o problema
ganha maior realce por ser mais aderente ao modelo de controlo concentrado abstrato
em países do civil law.
12 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23.ª ed., São Paulo,
not to read the constitution»: TRIBE, Lawrence; DORF, Michael. On Reading the Cons-
titution. Massachusetts, Harvard University Press, 1991, pp. 6, ss.
15 Veja-se o incisivo valor político constitucional do Acórdão n.º 111/2010 do TC,
datado de 30 de janeiro, que procedeu à fiscalização preventiva da Constituição (p. 15, dis-
ponível em http://www.tribunal constitucional.ao/SIGAPortalAdmin/FileUpload/72318018-
4009-436c-9930-47aaaa9 2632 a_2_2_2010.pdf) no que toca à definição do modo de
investidura política do Vice-Presidente da República.
16 Por exemplo, o Acórdão do Tribunal Supremo de 21 de dezembro de 1998 e, nesse
– Recurso extraordinário – acerca das diversas e precisas injunções (por isso indevidas)
sobre princípios, direitos fundamentais e os correspondentes deveres legiferantes (dispo-
nível em http://www.tribunalconstitucional.ao/SIGAPortalAdmin/FileUpload/57ab8bcf-
e9b6-42a4-aa21-695cd8223982_24_9_2010.pdf).
18 Vide, a respeito, EDLIN, Douglas. Judges and Unjust Laws: Common Law and
se disse praticamente tudo, seja para defendê-la, seja para criticá-la», cfr. MENDES,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo G. Gonet. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 123.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 275
André Ramos. Tribunal e jurisdição constitucional. São Paulo, IBDC, 1998, p. 113.
24 Na mesma linha TAVARES, André Ramos. O discurso… op. cit., p. 158, para
quem uma «deslegitimação perfomática» do parlamento terá sido o ponto de início desse
desenvolvimento que culminou na atual habilitação (funcional) da justiça constitucional.
276 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA
25 Aliás, hoje «ninguém contesta que a lei, anteriormente considerada o maior escudo
da liberdade, pode ser um dos seus inimigos mais temíveis»: ENTERRÍA, Eduardo
Garcia de. La constitución como norma y el tribunal constitucional. 3.ª ed., Madrid,
Civitas, 1994, pp. 133 e ss.
26 RIVERO, Jean. A modo de sintesis. In Tribunales constitucionales europeus y
GENOVESE, Michael; SPITZER, Robert. The Presidency and the Constitution: Cases
and Controversies. New York, Palgrave Macmillan, 2005, p. 2.
280 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA
2. Retórica de Legitimação
A. A doutrina
Os esforços da doutrina para sustentar uma legitimidade da jurisdi-
ção têm consistido na construção de um sentido capaz de ser refletor de
alguma intervenção ou participação populares – como se a legitimação
democrática dependesse com preponderância da concessão de um voto
prévio, ou concomitante, ao Tribunal e à sua atividade. Nesta linha, têm
os autores apresentado várias propostas; com destaque, há, nomeadamente:
I. Uma legitimidade direta, derivada da Constituição ou da vontade
popular.
I.1. A tese da validade constitucional do Estado
I.2. A tese da vontade popular implícita na Constituição
I.3. A tese do governo limitado
I.4. A tese da vontade popular constitutiva
II. A práxis jurisdicional de realização da dignidade da pessoa
humana, dos direitos do Homem e do cidadão.
III. Legitimidade indireta, por meio da intervenção do poder político,
democraticamente instituído, exclusivo ou preponderante na constituição
do corpo de juízes.
41 Próximos desses trilhos: TAVARES, André Ramos. O discurso… op. cit., p. 155;
Jurisdição evita que a lei seja corroída pela legislação de maiorias passageiras ou por
interesses parciais, organizados e influentes. MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 133.
Vide, ainda, MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199.
51 Vide, a respeito, TAVARES, André Ramos. Teoria… op. cit., p. 507.
52 Como lembra DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo, Martins
Fontes, 1992, p. 492: ainda que os juízes devam ter sempre a última palavra, devem ter
presente que a sua palavra não é a melhor por essa razão. Pressupomos, desse modo, a
existência de um falso dogma – o que pretende a infalibilidade da jurisdição constitucional,
a melhor capacidade e a perfeição dos juízes constitucionais: Nas próprias palavras de
um juiz do Tribunal Constitucional José de Sousa e BRITO (Jurisdição… op. cit.): os
juízes (entenda-se deste órgão) são mais bem qualificados que o legislativo e o executivo
em «raciocinar bem» (p. 47), e… são mais qualificados para resolver questões de
princípio, enquanto os parlamentos e os governos são mais qualificados para escolher
(p. 43). Vide, igualmente, PALMA, Maria Fernanda. O legislador… op. cit., p. 524;
GARCIA, Maria da Glória. Suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma
norma regulamentar. In Reforma do contencioso administrativo: O debate universitário
(trabalhos preparatórios). Ministério da Justiça, Gabinete de Política Legislativa e de
Planeamento. Lisboa, Coimbra Editora, 2003, Vol. I. Julgamos não existirem mecanismos
que assegurem na pessoa dos juízes de racionalidades subjetivas de tal modo claras e
aceites como compatíveis com a legitimidade da razão. Convém lembrar que o facto de
serem nomeados por políticos agrava essa desconfiança.
284 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA
rais, de maiorias que se formam em detrimento não apenas das minorias como também,
muitas vezes, do interesse geral. É o descrédito da Constituição. TAVARES, André
Ramos. Teoria… op. cit., p. 510.
54 Cfr. o que diz MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 22, a propósito das normas
56 Nesta perspetiva, como afirma Vital MOREIRA, não compete ao juiz constitucional
corrigir a Constituição quando esta supostamente não contém as soluções mais acertadas
ou avisadas (op. cit., pp. 177-199), dentro de uma filosofia de existir uma separação de
poderes também entre o poder constituinte e os poderes constituídos (vide, a respeito,
ANDRADE, J. C. Vieira de. Op. cit., pp. 80 e ss.).
57 Em 1803, no Marbury vs. Madison, Marshall justificou a necessidade de um
controlo jurisdicional das leis dizendo que ele reforçava os limites com que o mesmo
povo ordenara as instituições de um governo limitado, quando criara a Constituição.
ESTEVES, Maria da Assunção. Op. cit., p. 127. E é nesta ideia de um governo limitado
que a autora vislumbra a legitimidade de justiça constitucional. Cfr. Idem.
58 MULLER, Dennis. Constitutional Democracy, op. cit., pp. 280, ss.
59 Uma jurisdição politicamente ativa em momentos de crise – de tomada e exercício
60 Como dissemos, nos Estados Unidos, verificou-se esse sentido. Mas até na Cons-
II.
A práxis jurisdicional de realização da dignidade da pessoa
humana, dos direitos do Homem e do cidadão
Na evolução do constitucionalismo, a garantia dos direitos funda-
mentais tornou-se uma ideia inerente à definição de Constituição68. Os
horrores da II Guerra Mundial trouxeram para os povos consciência
sobre a necessidade de garantir uma maior proteção à pessoa humana69,
por meio da consagração de direitos que lhe reconhecessem dignidade,
ao mesmo tempo que se sentiu a necessidade de reforçar os instrumen-
tos estaduais, mormente os tribunais, para a defesa daqueles direitos.
A partir das décadas de 60/70, com o surgimento de novos tipos de direitos
fundamentais, a intensificação das relações internacionais, a afirmação
constante dos direitos dos povos e o fenómeno da globalização, a cultura
jurídica dos cidadãos conheceu desenvolvimentos e solicitou constante-
mente a intervenção das instâncias judiciais para a sua proteção70.
Na tutela e garantia de cumprimento da Constituição, a justiça cons-
titucional atual passou a não poder deixar de garantir também as demais
funções que a evolução histórica lhe fez atribuir.
É na decorrência desta evolução dos Estados que J. S. BRITO71 apon-
tava os direitos do indivíduo como um dos fundamentos para o poder
dos juízes, que, enquanto direitos do homem (supremos, inalienáveis,
universais, indisponíveis) não existem em razão das leis, mas antes serão
as leis, constitucional e ordinária que existirão em função dos direitos e
da sua materialização.
Esta visão universalista sobre os direitos do Homem conformaria as
constituições e instituições internas, que se encontram na obrigação de os
materializar, sob pena de invalidade72. A jurisdição constitucional seria
uma forma de assegurar a supremacia dos direitos do Homem sobre as
tem sido mais desenvolvida nos países pluriétnicos e plurilinguísticos (MOREIRA, Vital.
Op. cit., Idem), na sequência das exigências internacionais de tolerância e integração entre
os povos, é a da proteção das minorias, que leva a caraterizar a jurisdição constitucional,
em muitos Estados, como criadora de uma jurisprudência do pluralismo (HÄBERLE,
Peter. Jurisdição… op. cit., p. 62). De acordo com Cruz VILLALÓN (op. cit., p. 87) a
legitimidade da justiça constitucional é a legitimidade da minoria frente à legitimidade
da maioria.
77 Em sentido contrário afirma CANOTILHO, Gomes. Jurisdição… op. cit.
78 Afinal, em matéria de poder, como afirma Lawrence TRIBE, quando os juízes
são levados a acreditar que «alguma parte da força coercitiva que detêm está legitimada
e não necessita de ser uma fonte de angústia pessoal são de temer tanto como aqueles
juízes que procedem alegremente sem preocupações teóricas e são de temer mais do
que aqueles que se preocupam mas cujas preocupações não são abaladas por qualquer
fórmula legitimadora». TRIBE, Lawrence H. Constitutional Choices. Cambridge/Mass./
/London, Harvard University Press, 1985, p. 7. Vide PALMA, Maria Fernanda. Consti-
tucionalidade… op. cit., p. 24.
79 Cfr. BRITO, José de Sousa e. A democracia e o fim da história. In THEMIS, Ano
validadas pelo povo como melhores às existentes nos seus Estados e ainda
uma racionalidade democrática universal existente numa comunidade
ideal em perfeito equilíbrio reflexivo80.
Entre essas, as soluções nacionais dispõem de maior efetividade
porque as razões de apoio (order of support) a uma conceção normativa
dependem da força dessas razões e não do lugar que ocupem no conjunto
de raciocínios (como algumas vezes parecem entender as jurisdições
constitucionais), conferindo-lhe, em relação às demais normas, uma
prioridade hermenêutica81. Não nos convence que uma atuação inclinada
à defesa de valores supranacionais seja capaz de responder à nossa busca
por propor uma legitimidade inter ou supranacional.
O discurso dos direitos humanos é outra abordagem filosófica de
elevada abstração, justificação jusnaturalista em defesa de valores impre-
cisos e indeterminados que não satisfaz uma legitimação que signifique
manifestação de vontade por parte do povo. O máximo de consentimento
que daqui se pode retirar é o que implicitamente resulta de um percurso
histórico de todos os povos que elaborou e reafirmou um jusnaturalismo
fundante de toda a atuação e instituições públicas.
Deve admitir-se, ainda, que a defesa de uma atuação intransigente,
global e exclusiva da justiça constitucional no âmbito dos direitos
fundamentais é democraticamente repulsiva, desastrosa e tecnicamente
indesejável82.
Não menos verdade é que, se o juiz (titular de um sentido e de uma
racionalidade), no seu reto julgar, manifesta o seu voto por determinada
compreensão da Constituição, contrário (sob a sombra da mesma disposição
constitucional e da mesma perspetiva de decisão) ao sufrágio de outros
membros do seu coletivo, a uniformidade pretendida da «Vontade da
Constituição» não é alcançada e prevalecerá, não esta, antes a leitura que
possuir mais adeptos83. Daqui não resultaria mais evidente que, por meio
da fiscalização e da interpretação das normas constitucionais, enfrenta-se
tutional Democracy. New York, Oxford University Press, 1996, pp. 281, ss.
91 Cfr. a acusação de GENOVESE, Michael; SPITZER, Robert. The Presidency
and the Constitution… op. cit., p. 13 sobre a cumplicidade e aliança entre a «Corte e o
Presidente», que têm contribuído para a afirmação do poder presidencial sobre os demais.
92 Quando não uma juristocracia que, com «independência» age em nome próprio.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 293
Op. cit., p. 87. Como refere MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 135, esse obstáculo
é evitado com a concessão de garantias, mandatos mais longos que os dos órgãos que
os indicam, consagração de independência, incompatibilidade e insuscetibilidade de
renovação de mandatos. Contudo, não é igualmente certo que a escolha de membros do
Tribunal seja não politicamente conveniente.
96 Com referência a este quadro nos EUA, veja-se TAVARES, André Ramos.
97 Em sentido oposto, veja-se MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199, para quem
temporários, selecionados na comunidade. Cfr. O espírito das leis. 2.ª ed., São Paulo,
1996, p. 168.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 295
99 Veja-se que não é unânime na doutrina que se faça uma separação entre Estado
de Direito e Democracia, pois não faltam adeptos da conceção de o Estado de Direito
ser um Estado de democracia. Nós afastamo-nos desta discussão fundamentalmente por
questões metodológicas e da oportunidade da sua exposição separada.
296 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA
110 BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit., p. 42. ROUSSEAU, que é con-
até ser exigidas pelo princípio democrático. Vide, a respeito, BRITO, José de Sousa e.
Jurisdição… op. cit., p. 40.
114 Cfr. a referência a REZEK, em prefácio a BAUM, feita em TAVARES, André
primárias do Estado de Direito. Como se sabe, de entre as funções que competiam histo-
ricamente, ao poder político, a mais importante era a de administrar a justiça reclamada
pelos povos, fosse ela feita diretamente pelos reis, pelos tribunais ou até por órgãos
colegiais (como os parlamentos).
118 JUST, Gustavo. A teoria da interpretação como variável do paradoxo da jurisdição
constitucional. In Revista de informação legislativa, Brasília, ano 42, n.º 165, jan./mar.,
2005, pp. 26, ss. De acordo com WEBER, Max. Economia e sociedade. 4.ª ed., Brasília,
1998, vol. I, p. 141, de entre os vários tipos de legitimidade – tradicional, carismática
e racional-legal, esta última é a que mais é capaz de expressar o Estado de Direito.
302 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA
correção a toda a prova, uma falácia, o argumento de que o princípio democrático seria
negado se existisse um poder que não fosse constituído, de algum modo, pelo povo.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 303
legitimação, além desta via, que parecem adequar-se e ser aceites nos
Estados modernos124.
Otto BACHOF recorda que o caráter democrático nem sempre está ligado à forma de
eleição dos membros em causa, pois, os funcionários do Estado, ou até alguns membros
do governo, nomeados e/ou coligados, não foram eleitos diretamente pelo povo e não se
coloca a questão da sua legitimidade: op. cit., p. 59.
124 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica… op. cit., p. 39.
125 Teoria da Justiça, op. cit., p. 505.
126 Cfr., sobre o assunto, maiores desenvolvimentos em MULLER, Dennis. Consti-
órgãos de fiscalização […] seriam competentes para apreciar e não aplicar, com base na
constituição, qualquer das suas normas. Mas o mesmo autor, embora com reservas, chama
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 305
the Constitution Away from the Courts. New Jersey, Princeton University Press, 1999,
pp. 6-31.
133 MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199. Sobre o domínio da ação do Executivo:
4. Conclusões
O problema da legitimação democrática da Jurisdição resume-se
em saber se os juízes possuem (ou deverão possuir), na sua atuação, a
anuência, prévia ou concomitante, do poder popular para invalidar a sua
própria vontade, institucionalmente expressa pelos poderes legislativo
e executivo, uma vez acusado de interferência no exercício da função
política, por deter meios de forte interferência, suscetíveis de impor a
vontade dos juízes aos órgãos políticos democráticos e representativos
do povo. Mas, ao mesmo tempo que se questiona a limitação do poder
político, a humanidade parece não querer esquecer o sofrimento que lhe
fora infligido num passado recente, ou em toda a sua história e conjunturas,
reforçando cada vez mais os mecanismos de controlo do poder político,
com o fim de garantir a efetiva proteção de direitos fundamentais nos
sistemas atuais, em que se agudiza, dia após dia, a descrença do povo
no ente político do Estado, ante os seus desvios funcionais.
Apesar de esse trauma ter aconchegado ao povo um Órgão conotado
como protetor de direitos, a convivência de reivindicações democráticas
mantém ainda vivo o problema da legitimidade, pelo que, mais do que
questionar a sua existência, tivemos de encontrar uma fundamentação
dogmática capaz de suportar a intervenção do Tribunal no quadro político.
Com soluções teóricas distintas, constatamos que largos setores da
doutrina insistem em buscar a legitimidade da Jurisdição no dogma
clássico de nenhuma forma de poder dever exercer-se sem haver sido
instituída pelo povo. Verificámos que a doutrina procura realidades e
soluções (sob a alegada reivindicação popular de legitimação) que ela
própria se recusa a conferir hospitalidade no pragmatismo e funciona-
mento das instituições do Estado. Após proceder à sua análise, do nosso
estudo resulta a conclusão de não existir uma necessidade de legitimidade
democrática da Jurisdição Constitucional e que é aliás um falso problema,
uma retórica interminável.
Primeiro, porque a jurisdição esteve, historicamente (assim conti-
nuando), ligada mais ao Estado de Direito do que ao princípio democrático.
Embora partes do coração de uma sociedade, em que ambos os valores
fundamentais têm de ser materializados, é ao Estado de Direito e aos
seus princípios estruturantes que, legitimando-a, cumpre primacialmente
defender às ameaças concretas das sociedades modernas.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 307
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