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A Legitimação da Justiça Constitucional1

Leandro Emídio da Gama Ferreira*

1. O Problema da Legitimação
I. A legitimação da justiça constitucional apresenta-se como bastante
complexa no diferenciado tratamento que lhe tem sido conferido pelas
suas numerosas abordagens. Apesar de quase centenária, remontando
ao período de início da fiscalização abstrata com o modelo austríaco2

* Mestre em Ciências Jurídico-Políticas e Especialista em Ciências Jurídico-Empre-


sariais (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa). Professor da FD-UCAN em
Direito Constitucional e Administrativo.
I. O texto que agora se publica corresponde ao relatório de mestrado apresentado no
seminário de Direito Constitucional no Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
pela FDUL. II. Por ter sido presente em instituição académica portuguesa, referências à
Jurisdição Constitucional portuguesa e à sua jurisprudência encontravam-se na redação
inicial concluída em 2009; nesse sentido, as ligeiras alterações (sem prejuízo dos vários
«cortes» para efeitos de publicação) que ao presente texto foram efetuadas pretenderam
tão-só adaptá-lo a uma publicação em território nacional.
1 1. Apesar de referida com frequência no tratamento do nosso tema, o estudo da

separação de poderes neste trabalho terá apenas como objetivo ressaltar aspetos fun-
damentais e que relevam para a discussão da legitimação da jurisdição constitucional,
não representando, por evidente inoportunidade, um estudo suficientemente profundo.
2. A referência a «poderes públicos» ao longo do texto corresponderá somente ao poder
judicial e ao poder político-legislativo. Em ocasiões raríssimas abrangerá também o
poder executivo. 3. Sempre que utilizarmos os conceitos «Tribunal», «Jurisdição»,
«TC», «Órgão» ou «Instituição» é ao órgão jurisdicional com competência para a tutela
da Constituição a que nos estaremos a referir.
2 Observe-se que não deixou de representar um marco histórico a inicial experiência

constitucional americana, apesar de a Constituição ter surgido com a perspetiva de apenas


regular a relação entre os Estados dentro da Confederação – e a proteção de direitos dos
270 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

– num debate historicamente intenso entre H. KELSEN e C. SCH-


MITT que partia do problema sobre Wer soll der Hüter der Verfassung
sein –, ainda não existem respostas perentórias à questão dos fundamentos
democráticos dos poderes jurisdicionais constitucionais.
A evolução dos Estados nos últimos séculos firmou a conceção de
nenhum poder exercido a nível do Estado poder subsistir se não houver
sido instituído e legitimado pela soberania do povo, cabendo àquele a
função de realizar os fins da comunidade que ele representa3. Esta ver-
dade, pontificada com o tempo, parece, para muitos autores, contrária ao
poder dos juízes4 de declarar inválida uma lei – percebida, assim, como
expressão da vontade do povo. Por que razão poderiam estes fazê-lo
em relação a leis democraticamente criadas? «Não seria isso governo
dos juízes… uma subalternização do governo do povo em relação ao
governo dos juízes?»5 O ressurgimento de um governo de homens, em

cidadãos, bem como a fiscalização da constitucionalidade só terem ocorrido alguns anos


depois. Desde que a Corte Suprema avocou para si a responsabilidade pela supremacia da
Constituição como paramount law, em 1803, passou, naquele exato momento, a enfrentar
as acusações de usurpar um espaço que não lhe havia sido atribuído ou imaginado pela
Constituição de 1787 (TAVARES, André Ramos. O discurso dos direitos fundamentais
na legitimidade e deslegitimação da justiça constitucional substantiva. In Justiça Cons-
titucional: Pressupostos teóricos e análises concretas. Belo Horizonte, Editora Fórum,
2007, p. 154). Vide ainda o relato sobre o debate constitucional americano nos 15 anos
anteriores ao Marbury vs. Madison apresentado em STARCK, Christian. La légitimité
de la justice constitutionnelle et le principe démocratique de majorité. In Legitimidade
e legitimação da justiça constitucional. Lisboa, Coimbra Editora, 1995, pp. 62, 63.
3 Qualquer povo tem hoje a ideia de democracia firmada nos seus valores fundamen-

tais: da sua consciência faz parte um conjunto de noções necessárias à convivência em


grupo: sufrágio, eleições, governo, parlamento, mandato, alternância, poder. «O teatro
democrático é necessário para emprestar credibilidade aos governantes.» MOREIRA,
Adriano. Ciência Política. Coimbra, 2001, p. 131.
4 Como entende CHRISTIAN STARCK, coloca-se o problema do poder do juiz

porque sempre que existir controlo significará exercício de um poder e sob pretexto de
contradição, os tribunais poderão substituir a sua própria vontade às intenções constitu-
cionais da legislatura. Vide a propósito STARCK, Christian. Op. cit., p. 66.
5 BRITO, José de Sousa e. Jurisdição Constitucional e princípio democrático. In

Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Lisboa, Coimbra Editora, 1995,


p. 39. A justiça constitucional, nesse sentido, seria «um governo composto por pessoas
não representativas da sociedade, porque não são conduzidas aos seus cargos pelo voto
popular»: TAVARES, André Ramos. Teoria da Justiça Constitucional. São Paulo,
2003, p. 503.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 271

oposição ao desejável e avançado estágio alcançado anteriormente de


um governo de leis?6
Tudo se resume em saber se, no presente Estado de Direito Demo-
crático, os órgãos com competência para a defesa da Constituição, com
principal incidência aos que detêm natureza jurisdicional, possuirão (ou
deverão possuir)7, na sua atuação, a anuência, prévia ou concomitante,
do poder popular para invalidar a sua própria vontade, institucionalmente
expressa pelos poderes legislativo e executivo. É o problema da sua
legitimação democrática, resultante da visão tradicionalista dos pais do
constitucionalismo, que percebia a vontade popular apenas limitável por
si própria ou por instâncias por ela autorizadas no mecanismo político
das eleições.
Nas acusações de que tem sido alvo, a Jurisdição é afirmada como
possuidora de uma autonomia constitucional maior à pretendida e con-
sagrada para o seu poder, visto ser capaz de, em apelo a um sentido de
justiça, acomodado ou não em direitos subjetivos, recusar a aplicação
de opções jurídico-políticas e tornar a Lei e o Estado o que ela indivi-
dualmente entender deverem ser estes domínios8.

II. Embora possa, com maior esforço, constatar-se nos demais instru-
mentos normais de intervenção dos tribunais constitucionais, é na fisca-
lização abstrata preventiva9 e sucessiva, como legislador negativo de

6 TAVARES, André Ramos. Teoria… op. cit., p. 507.


7 Algumas vezes, atento à construção do conceito de democracia, a legitimação da
justiça constitucional parece apresentar em si um paradoxo por buscar legitimidade a
acções de juízes, que, em verdade, não são órgãos políticos. Cuidaremos de desenvolver
esse aspeto neste trabalho.
8 Vide a referência às desconfianças no poder judicial, aquando da original separação

de poderes e na revolução russa, respetivamente, BACHOF, Otto. Jueces y Constitución.


Madrid, Civitas, 1987, p. 49, e DAVID, René. Les Grands Systèmes du Droit Contempo-
rains (Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Trad. Hermínio A. Carvalho).
São Paulo, Martins Fontes, 2002, p. 168.
9 A fiscalização preventiva é o meio dotado da maior densidade política (MORAIS,

Carlos Blanco de. Justiça Constitucional: O contencioso constitucional português entre o


modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Cascais, Coimbra Editora, 2005, tomo
II, pp. 27, 28), pela forma de articulação processual da intervenção do tribunal com a
atuação dos órgãos do poder político, pelo objeto de apreciação e pelas consequências do
seu pronunciamento (embora seja onde se consagre a menor eficácia das decisões, ante
a faculdade da sua superação por confirmação parlamentar. Como nota ainda MORAIS,
Carlos Blanco de. Op. cit., p. 30, a «politicidade deste tipo de controlo pode ainda ser
aferida da conduta dos próprios juízes do Tribunal».
272 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

constitucionalidade, com as declarações de inconstitucionalidade de atos


normativos com força obrigatória geral, e nas decisões atípicas e inter-
médias, mormente a interpretação constitucional (com grande destaque,
entre estas, para as sentenças modificativas, substitutivas, manipulativas
e aditivas), que com maior acutilância se apresentam os conflitos entre
as clássicas funções estaduais10/11.
Ao incidir sobre conteúdos normativos, a atuação do Tribunal reveste-
-se de elevado teor de politicidade, pois outorga-lhe competência para
decidir sobre o conteúdo e a matéria da regra jurídica, alcançando o
fundo da norma, ao mesmo tempo que permite acomodá-la aos câno-
nes da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios
políticos constitucionais12. A neutralidade afirmada na técnica desen-
volvida pelo Tribunal esconde, na verdade, um poder imenso e oculta
verdadeiras opções constitucionais13. Ora, com os recentes conflitos de
afirmação das maiorias políticas sobre as opções políticas fundamentais,
com questionáveis intervenções jurisdicionais em processos políticos e
questões constitucionais controversas, deparamo-nos com um suposto
confronto entre o Estado de Direito (respeito pelos direitos fundamentais
e a jurisdicionalização do poder ou do seu controlo) e o estado demo-
crático (regras da maioria). Como tal, é preciso fixar uma ordem de
valoração sobre os princípios e institutos envolvidos, à luz da filosofia

10 Vide ANDRADE, J. C. Vieira de. Legitimidade da justiça constitucional e

princípio da maioria. In Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Lisboa,


Coimbra Editora, 1995, pp. 79; TAVARES, André Ramos. O discurso… Op. cit., p. 161;
MIRANDA, Jorge. Nos 10 anos do Tribunal Constitucional. In Legitimidade e legiti-
mação da justiça constitucional. Lisboa, Coimbra Editora, 1995, p. 95. Veja-se ainda
MIRANDA, Ibidem, para quem o problema coloca-se também em torno da inserção da
jurisdição constitucional no sistema político constitucional global.
11 Apesar de formulada nos EUA, a contraposição judicial constructivism ao self

restraint foi transportada para o modelo de matriz austríaca, sendo nesse que o problema
ganha maior realce por ser mais aderente ao modelo de controlo concentrado abstrato
em países do civil law.
12 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23.ª ed., São Paulo,

Malheiros Editores, 2008, p. 299. Quando os federalistas atribuíram à Jurisdição ame-


ricana a responsabilidade de proteção da Constituição, estavam motivados – era impos-
sível preverem outro destino – pela sua pretensa inofensividade no campo político. Cfr.
MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os Artigos Federalistas. Rio
de Janeiro, 1993, p. 479.
13 Cfr. PALMA, Maria Fernanda. Constitucionalidade e justiça. In THEMIS, Ano

I, n.º 1, Lisboa, Almedina, 2000, p. 24.


A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 273

jurídica e política dos Estados atuais, capaz de legitimar a atuação do


Tribunal nestes termos.
No entanto, estando perdida há muito a imposição de inércia apre-
sentada pela «bouche de la loi» de MONTESQUIEU, o discurso da
legitimação impõe descodificar os misticismos que envolvem a atuação
do Órgão ante os demais poderes. O confronto baseado nas competências
entre legislador e julgador constitui o cerne do problema da legitimação
constitucional do Tribunal. São os pontos de colisão entre estes poderes
que fomentam tal discussão. O confronto pode, assim, existir:
a) Na valoração dos pressupostos ideológicos que subjazem à
Constituição, ao substituir-se ao poder legislativo constituinte ou consti-
tucionalizado na valoração dos princípios fundamentais da constituição14:
a Jurisdição como conformadora global.
b) Na declaração de inconstitucionalidade de normas com elevada
pertinência política: quase omisso, esconde-se na Jurisdição um forte
poder de veto, hábil a permitir a sua participação no cenário político15.
c) Na intervenção direta em matérias de relevância política16: a
Jurisdição-escudo.
d) Na interpretação das disposições constitucionais, que constituam
verdadeiras inovações17 ou aditamentos normativos18: a Jurisdição legi-
ferante.

14 Cfr. as dificuldades resultantes dos tradicionalismos e a busca de modos de «how

not to read the constitution»: TRIBE, Lawrence; DORF, Michael. On Reading the Cons-
titution. Massachusetts, Harvard University Press, 1991, pp. 6, ss.
15 Veja-se o incisivo valor político constitucional do Acórdão n.º 111/2010 do TC,

datado de 30 de janeiro, que procedeu à fiscalização preventiva da Constituição (p. 15, dis-
ponível em http://www.tribunal constitucional.ao/SIGAPortalAdmin/FileUpload/72318018-
4009-436c-9930-47aaaa9 2632 a_2_2_2010.pdf) no que toca à definição do modo de
investidura política do Vice-Presidente da República.
16 Por exemplo, o Acórdão do Tribunal Supremo de 21 de dezembro de 1998 e, nesse

sentido, as persistentes dúvidas da doutrina acerca dos fundamentos da sua legitimidade


para a definição da questão em causa e das soluções adotadas.
17 Idem. Cfr. ainda o Acórdão n.º 122/2010 do TC, Estado vs. Funcionários do SME

– Recurso extraordinário – acerca das diversas e precisas injunções (por isso indevidas)
sobre princípios, direitos fundamentais e os correspondentes deveres legiferantes (dispo-
nível em http://www.tribunalconstitucional.ao/SIGAPortalAdmin/FileUpload/57ab8bcf-
e9b6-42a4-aa21-695cd8223982_24_9_2010.pdf).
18 Vide, a respeito, EDLIN, Douglas. Judges and Unjust Laws: Common Law and

the Foundations of Judicial Review. Michigan, University of Michigan Press, 2008,


pp. 79-137; ANDRADE, J. C. Vieira de. Op. cit., p. 79. Cfr. ainda os problemas her-
menêuticos em TRIBE, Lawrence; DORF, Michael. Op. cit., pp. 8-30.
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III. As soluções propostas pelos autores são as mais distintas. Com


destaque, argumentos há que apresentam uma legitimidade direta, deri-
vada da Constituição ou da vontade popular, outras fundamentam-na na
práxis de realização da dignidade da pessoa humana e dos direitos do
Homem, ou na proximidade do Tribunal aos cidadãos, enquanto alguns
afirmam uma legitimidade indireta, por meio da intervenção do poder
político, democraticamente instituído, exclusivo ou preponderante, na
constituição do corpo de juízes.
A legitimação por meio da Constituição e da vontade popular implí-
cita apresenta-se como um discurso jusfilosófico, numa ideia geral da
superioridade do diploma constitucional, e dos tribunais, órgãos não
políticos, como seus defensores. Noutra linha, na tarefa de afirmação
de uma dignidade humana, capaz de legitimar a atuação do Tribunal, as
decisões tomadas pelos juízes têm sido rotuladas, quer umas como outras,
pela própria jurisprudência e por largos setores da doutrina19, como repre-
sentativas da «Vontade da Constituição», da «Razão Pública», «a melhor
das razões»20, com a consequência de omnipotência injustificada deste
Órgão. Em terceira via, a aproximação entre a Jurisdição e os cidadãos
mostra-se pouco realista e com enormes inviabilidades de materializa-
ção. Mas causador das maiores dúvidas, é a solução que pretende uma
legitimação indireta, seja pela intervenção de órgãos democraticamente
instituídos na constituição do Tribunal seja pela sujeição deste às leis.

IV. Não deixa, no entanto, de existir quem propugne a extempora-


neidade da sua abordagem – como discurso entregue para arquivamento
histórico – e a perda da sua pragmaticidade21. LOUIS FAVOREU e VITAL
MOREIRA, por exemplo, consideram que a «legitimidade do controlo
jurisdicional das leis deixou de ser tema principal de controvérsia» e que
19 De acordo com RAWLS (autor facilmente referido por todos os que buscam na
Jurisdição o órgão supremo na defesa de direitos subjetivos), a razão pública é a única
razão que o Tribunal exerce. Apud MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucio-
nal: Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição. 3.ª ed., Lisboa, Coimbra Editora,
2008, Tomo VI, p. 134.
20 Vide, porém, o que em sentido contrário afirma CANOTILHO, Gomes. Jurisdição

Constitucional e novas intranquilidades discursivas: Do melhor método à melhor teoria.


In Revista Fundamentos, dezembro de 2002.
21 Com uma visão extrema, considerando que «sobre a jurisdição constitucional já

se disse praticamente tudo, seja para defendê-la, seja para criticá-la», cfr. MENDES,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo G. Gonet. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 123.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 275

«não é mais posta em causa desde a década de 80»22. As suas atenções


passaram a voltar-se ao sentido, alcance, extensão e limites da justiça
constitucional23. Ora, não é esse o nosso entendimento. Ressalvado o
devido respeito, considerámos existir um equívoco da parte dos autores
referidos, por ser exatamente sobre os domínios que se propõem a refletir
que se coloca a necessidade de repensar a sua atuação como legítima à
luz daqueles modelos de Estado.
O que não se contesta hoje, disso fazemos fé – e consideramos também
ser este o domínio não contestado pelos autores –, é que a importância do
órgão não possa mais ser colocada. O papel da jurisdição constitucional
na definição do alcance das disposições normativas é uma prerrogativa
que, em tempos que nos acolhem, não lhe pode mais ser recusada, sendo
uma realidade com a qual a coerência do sistema tem de conviver.
A acompanhar (ou na origem) (d)esse fenómeno24, ocorre uma relati-
vização dos parlamentos e do poder político-legislativo das origens da
separação de poderes aos dias de hoje. Verifica-se uma crise de legitimi-
dade, que se expressa na descrença do povo no ente político do Estado,
ante os seus desvios funcionais. Desde o Estado social prestacional, com
uma forte caraterização governamental, que o papel clássico e sagrado
do poder legislativo, como controlo do povo à arbitrariedade do poder,
conhece sinais profundos de abalo. A contínua atribuição de funções

22 «Cento e noventa anos passados sobre a célebre sentença do Supremo Tribunal


dos Estados Unidos no caso Marbury v. Madison (1803), que inaugurou a judicial
review da constitucionalidade das leis; mais de setenta anos decorridos desde a criação
do Tribunal Constitucional austríaco (1920), que introduziu o sistema de fiscalização
concentrada da constitucionalidade; mais de oitenta anos depois do estabelecimento em
Portugal da fiscalização judi­cial difusa, de modelo americano (Constituição de 1911);
e… anos após a instalação do Tribunal Constitucional entre nós —, neste quadro, será
que tem ainda sentido questionar a legitimidade da justiça constitucional em geral e a
do Tribunal Constitucional em particular, nomea­damente à luz do princípio da maio-
ria?» Cfr. MOREIRA, Vital. Princípio da maioria e princípio da constitucionalidade:
Legitimidade e Limites da Justiça Constitucional. In Legitimidade e legitimação da
justiça constitucional. Lisboa, Coimbra Editora, 1995, pp. 177-199. Vide, próxima desta
perspetiva, ESTEVES, Maria da Assunção. A Legitimação da Justiça Constitucional e
Princípio Maioritário. In Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Lisboa,
Coimbra Editora, 1995, p. 132.
23 MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199. Cfr., ainda, na mesma linha, TAVARES,

André Ramos. Tribunal e jurisdição constitucional. São Paulo, IBDC, 1998, p. 113.
24 Na mesma linha TAVARES, André Ramos. O discurso… op. cit., p. 158, para

quem uma «deslegitimação perfomática» do parlamento terá sido o ponto de início desse
desenvolvimento que culminou na atual habilitação (funcional) da justiça constitucional.
276 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

legislativas ao governo significou um esvaziamento do papel protetor


dos parlamentos e das leis. Numa crescente desconfiança, «a ideia de
representação da vontade do povo pelo eleito» tem-se esvanecido, e este
tem constatado que os seus eleitos procedem às opções políticas sem a
realização do seu interesse eleitor, como suas obrigações no Contrato. Já
não se compreende o legislativo como função de limite às arbitrariedades
do Estado25, tendo esta transformação da atividade política conduzido
«à tomada de consciência da necessidade de proteger os direitos funda-
mentais, inclusive perante a própria lei»26 diante dos perigos que agora
representa para a esfera dos cidadãos.
Mas foi sobretudo na Alemanha do pós-nacional-socialismo –
influenciando toda a construção jurídica dos demais Estados, devido aos
traumas de uma guerra empreendida contra o ser humano de que todos
os povos haviam sido vítimas – que surge, de modo mais significativo,
a necessidade de repensar os fundamentos axiológicos e jurídicos da
atuação pública27 (nas suas várias facetas, incluindo a constituinte),
com a consequente construção de um jusnaturalismo antiestatista28.
A este movimento de renascimento do jusnaturalismo no direito, na
jurisprudência e na doutrina germânicas acompanhou-se todo o pro-
cesso do pós-guerra tendente à recuperação da superioridade e nobreza
humanas, perdidas aos auspícios de ordens jurídicas que ignoravam a
capacidade de perversidade do ser humano a quem fosse reconhecida
uma racionalidade absoluta na condução da sua sorte. A exaltação do
dever de realização dos direitos fundamentais pelos poderes públicos,
como reação ao regime que abalou a Democracia e os direitos humanos,
levou ao surgimento e reforço das jurisdições constitucionais até aos

25 Aliás, hoje «ninguém contesta que a lei, anteriormente considerada o maior escudo

da liberdade, pode ser um dos seus inimigos mais temíveis»: ENTERRÍA, Eduardo
Garcia de. La constitución como norma y el tribunal constitucional. 3.ª ed., Madrid,
Civitas, 1994, pp. 133 e ss.
26 RIVERO, Jean. A modo de sintesis. In Tribunales constitucionales europeus y

derechos fundamentales. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1984, p. 667.


27 Quando já o primeiro conflito mundial havia «posto termo ao optimismo liberal

expresso na crença numa justiça natural imanente às relações económicas e sociais e


marca(va), consequentemente, a crise de uma visão idealizada de separação radical entre
Estado e Sociedade». NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes
da república portuguesa. Lisboa, Coimbra Editora, 2004, p. 30.
28 Sobre o exemplo italiano veja-se PINTO, Luzia Marques da Silva Cabral. Os limi-

tes do poder constituinte e a legitimidade material da constituição. Coimbra, STVDIA


IVRIDICA n.º 7, Coimbra Editora, 1994, p. 66.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 277

tempos que nos acompanham, numa tendência irreversível de afirmação


da preeminência da dignidade humana, da Constituição e dos direitos
fundamentais sobre toda a realidade social29.
Logo, é inegável a função que os tribunais desempenham na constru-
ção das democracias e na construção dos Estados de direito – apesar de
questionado, é amplamente aceite. Nos tempos hodiernos, a efetividade
da Constituição por meio da sua fiscalização, que não era conhecida no
constitucionalismo liberal europeu30, com os cada vez mais presentes
desafios dos direitos fundamentais e dos grupos sociais marginalizados,
encontra na jurisdição constitucional o seu principal suporte31. Assim é
que na própria discussão política e constitucional norte-americana, onde
começou a intervenção judicial sobre questões de constitucionalidade,
a abordagem não se dirige, hoje, pois, contra a instituição do controlo
judicial da constitucionalidade das leis, mas contra a interpretação
judicial criadora, com o argumento de que o juiz carece de legitimação
democrática e que, por isso, se deve cingir à aplicação de um Direito
que lhe preexiste e proceder nas suas decisões de acordo com os dis-
positivos legais32. Afinal, do que se trata é do alcance da sua atuação,
do conteúdo e limites imanentes e não da existência do Órgão. Com os
enormes riscos advenientes de um poder político pouco empático com
o coletivo que representa, a sociedade atual não parece estar disposta a
pagar tal preço, preferindo, pela proteção do constitucionalismo, deixar
de julgar os tribunais e deixá-los seguir em liberdade no cumprimento
da sua nobre missão.
Nestes termos, mais do que questionar a sua existência, parece pois
necessário encontrar fundamentação dogmática capaz de suportar a sua
intervenção no quadro político, enquanto privilegiada na definição de
opções gerais e globais sobre o presente e futuro de uma coletividade33.
29 Vide, nesta linha, DAVID, René. Op. cit., pp. 54 e ss.
30 A criação das Constituições liberais encontrou pressupostos ideológicos adequados,
determinantes da excessiva confiança na força e normatividade que aquelas conheceram.
Vide a propósito MIRANDA, Jorge. Nos 10 anos… op. cit., pp. 91, 92.
31 É tão significativa esta dimensão da Jurisdição que leva HÄBERLE a afirmar que

o tribunal constitucional é mais um tribunal de natureza social do que um tribunal estatal.


HÄBERLE, Peter. Jurisdição constitucional como força política. In Justiça Constitucional:
Pressupostos teóricos e análises concretas. Belo Horizonte, Editora Fórum, 2007, p. 67
32 ESTEVES, Maria da Assunção. Op. cit., 127.
33 Como afirma TAVARES, André Ramos. Tribunal… op. cit., p. 15, «não há

nenhum engano em questionar-se a legitimidade da justiça constitucional e do Tribunal


Constitucional. Na verdade, têm mesmo de ser postas em nova discussão… enquanto
278 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

O título por nós adotado refere exatamente a necessidade de analisar a


legitimidade da justiça e não da jurisdição constitucional.

V. Como é evidente, este debate surge apenas quando o controlo de


constitucionalidade é jurisdicional34. Em França, onde historicamente
se colocou o controlo político, a questão da legitimação do controlo da
constitucionalidade é diferente. Não estava em saber se os juízes podiam
anular uma lei, mas antes se o controlo deve ser feito por políticos, com
o sentido de que a legitimação será maior se ela for feita por juristas e
quanto maior for a área de fiscalização. Apesar de, atualmente, funcionar
como uma jurisdição constitucional limitada, ainda há o sentido de se
evitar que os juízes afastem a vontade do legislador.
Em resumo, o Conseil Constitutionnel possuía uma legitimidade que
era fortemente contestada. Em rigor, por um lado, nunca foi pensado
para funcionar como uma verdadeira jurisdição, a par das que existiam
nos demais Estados na Europa, protetoras da constitucionalidade e dos
direitos e liberdades. Com natureza política, as intenções dos criadores
do Conselho eram de reforçar os poderes e controlo do Executivo sobre
o Parlamento (acusado de excessivo protagonismo35), no clima político
envolto da Constituição de 195836. Por outro, a completa designação dos
seus membros por autoridades políticas (três pelo Presidente da Repú-
blica, três pelo Presidente da Assembleia Nacional e três pelo Presidente

condições de credibilidade de qualquer regime constitucional democrático». Não obs-


tante, ignorando a provável existência deste risco, a opção pelo tratamento desta temática
teve em consideração a criação recente do Tribunal Constitucional em Angola e a débil
intervenção constitucional pela jurisdição comum na fiscalização da constitucionalidade.
34 Mesmo nesses casos, a discussão não se processa sempre nos termos referidos. Em

muitos sistemas, existem vastos espaços excluídos da fiscalização da constitucio­nalidade.


Em alguns, incide apenas sobre os atos normativos, enquanto nou­tros não os abrange a
todos, estando excluídas as leis parlamentares — Suíça, com as leis federais —, ou as
«leis» governamentais — como em França. Mais generalizada é a exclusão dos atos polí-
ticos. Vide, com mais desenvolvimento, os diversos âmbitos de atuação que possuem as
jurisdições em MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199, e COSTA, José Manuel Cardoso
da. Constitutional Jurisdiction in the Context of State Powers: Modalities, contents and
effects of the decisions on the constitutionality of legal regulations. Offprint from Vol.
9, 1987 of Human Rights Law Journal. Lisboa, 1988, pp. 59, ss.
35 Vide, a propósito, BON, Pierre. La légitimité du Conseil Constitutionnel français.

In Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Lisboa, Coimbra Editora, 1995,


p. 145.
36 BURDEAU, Georges. Derecho constitucional e instituciones políticas. Madrid,

Nacional, 1981, p. 144; BON, Pierre. Op. cit., p. 143.


A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 279

do Senado) não conferia garantias de isenção do órgão, tornando-o num


provável órgão político paralelo37.
Só a partir dos anos 70 é que a imagem da instituição começa a
alterar-se, motivada pela mudança do direito regulador do Conselho,
a evolução da sua jurisprudência, o melhor conhecimento do papel da
instituição, a evolução do contexto político e a análise do Conselho na
perspetiva do direito comparado38, possuindo, agora, uma legitimidade
que tende a ser pacificamente aceite.
Não sendo nosso objetivo, neste trabalho, optar por um sistema de
controlo político, apartamo-nos de maior desenvolvimento. Interessou-nos,
sobretudo, refletir e indagar sobre o poder que possuem os tribunais de
determinar orientação geral no domínio dos direitos fundamentais, contrária
à vontade soberana do povo. Hoje, já o dissemos, qualquer tentativa de
construção dogmática que retire dos Tribunais o papel que desempenham
nos sistemas constitucionais apresenta-se como contracorrente ao movi-
mento que carateriza a humanidade há mais de meio século. Apesar de
todas as considerações acerca da sua legitimidade, é inegável a função
que cumprem hoje na construção das democracias. A par da Assembleia
Nacional, os juízes representam uma contraparte robusta na regulação
da governação e na definição do sistema constitucional. São eles que
julgam as principais causas de destituição do PR (art. 129.º da CRA).
Aliás, dificilmente uma questão se coloca à presidência moderna que
não se encontre eventualmente enquadrada como um problema jurídico
a ser discutido e resolvido pelos tribunais. Dentro do sistema político,
desempenham um papel crucial, ainda que envolto em mistérios39, de
uma dúbia politicidade40. Assim, não pretendemos, esclareça-se, abalar a
responsabilidade dos tribunais constitucionais de proteção da Constituição,
dos direitos fundamentais e das minorias, hoje amplamente reconhecida
37 De acordo com o relato de Pierre BON, dos nove membros designados em 1959
cinco pertenciam diretamente a partidos gaullistas, e existiam membros não juristas,
dado que havia entre eles um diretor de banco, um antigo diretor de empresas privadas
e um médico. Op. cit., p. 146.
38 Com maior detalhe sobre as causas referidas, vide BON, Pierre. Op. cit., pp. 147-153.
39 Na perspetiva de TOCQUEVILLE, o desempenho na limitação do poder que os

tribunais americanos têm desenvolvido atribui-lhes a natureza especial de serem verda-


deiros órgãos políticos: TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracy in America. New York,
New American Library, 1956, p. 73.
40 «Uma interferência que parece ao acaso, mas que se vai repetindo com frequência»:

GENOVESE, Michael; SPITZER, Robert. The Presidency and the Constitution: Cases
and Controversies. New York, Palgrave Macmillan, 2005, p. 2.
280 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

e atribuída. O que a doutrina (incluindo-nos a nós) se propõe a fazer


é questionar a sua legitimidade democrática, não a sua existência ou
efetividade. Trata-se, tão-só, de abordar a conformação da sua atuação
com a vontade soberana do povo, o sentido, a extensão e limites dessa
atuação, com especial enfoque para determinadas intervenções conside-
radas de duvidosa validade, ante os propósitos das Constituições quando
separam os seus poderes41. Impõe-se, sobretudo, a identificação de fontes
de conflito entre os poderes, pontos de contacto entre as funções e desta-
car, para estes pontos, mecanismos teóricos de resolução dos problemas
apresentados pela doutrina, para, por fim, fixar a compreensão que nos
parece ser a que mais se ajusta à livre convivência do Tribunal com os
demais poderes públicos e em especial com a soberania do povo, na base
de um constitucionalismo civilizado.

2. Retórica de Legitimação
A. A doutrina
Os esforços da doutrina para sustentar uma legitimidade da jurisdi-
ção têm consistido na construção de um sentido capaz de ser refletor de
alguma intervenção ou participação populares – como se a legitimação
democrática dependesse com preponderância da concessão de um voto
prévio, ou concomitante, ao Tribunal e à sua atividade. Nesta linha, têm
os autores apresentado várias propostas; com destaque, há, nomeadamente:
I. Uma legitimidade direta, derivada da Constituição ou da vontade
popular.
I.1. A tese da validade constitucional do Estado
I.2. A tese da vontade popular implícita na Constituição
I.3. A tese do governo limitado
I.4. A tese da vontade popular constitutiva
II. A práxis jurisdicional de realização da dignidade da pessoa
humana, dos direitos do Homem e do cidadão.
III. Legitimidade indireta, por meio da intervenção do poder político,
democraticamente instituído, exclusivo ou preponderante na constituição
do corpo de juízes.

41 Próximos desses trilhos: TAVARES, André Ramos. O discurso… op. cit., p. 155;

MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199.


A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 281

IV. Legitimidade por meio do acesso popular ao Tribunal.


Analisemo-las com maior detalhe.

I. Uma legitimidade direta, derivada da Constituição ou da vontade


popular
A legitimidade democrática do Tribunal pode retirar-se da Consti-
tuição e da vontade popular que lhe subjaz. O Tribunal será legítimo
porque assim o desejou a vontade maioritária plasmada na Constituição,
legitimidade reforçada pela atuação do Tribunal em prol dessa vontade
maioritária contra as vontades maioritárias inferiores (dos demais poderes
públicos) que lhe contrariem42.
De acordo com essa tese, o Tribunal foi instituído pela vontade
popular apenas para fazer cumprir os seus fins (e reside exatamente aqui
a sua legitimidade): é o povo que pensou o Tribunal como protetor da
sua vontade, da sua Constituição43, da democracia por ele pretendida.
À jurisdição, que validaria a Constituição e o exercício da governação,
não competiria mais do fazer cumprir e renovar a vontade geral de um
governo limitado, de respeito pelos direitos fundamentais, as ideias pró-
prias de uma democracia e de um Estado de Direito44.
Várias ramificações podem ser encontradas a partir dessa teoria:

I.1. A tese da validade constitucional do Estado

Como entende Cruz VILLALÓN45, a legitimidade dos tribunais


constitucionais é, antes de tudo, a legitimidade da própria Constituição,
por ser impossível pensar, hoje, num retorno ao Estado sem jurisdição,
ao Estado em que a Constituição não possa consagrar mecanismos
42 TAVARES, André Ramos. Teoria… op. cit., p. 511.
43 O juiz constitucional seria, no fundo, a «boca que pronuncia», no caso concreto, as
palavras da Constituição. PALMA, Maria Fernanda. O legislador negativo e o intérprete
da Constituição. In O Direito, Almedina, n.º 140, 2008, III, p. 535.
44 Daí HÄBERLE, nesta senda, considerar que o TC tem uma particular responsa-

bilidade de tipo global para a garantia e atualização da Constituição, enquanto «contrato


social» (cfr. Jurisdição constitucional como força política. In Justiça Constitucional:
Pressupostos teóricos e análises concretas. Belo Horizonte, Editora Fórum, 2007, p. 69)
ou de busca de um contínuo consenso.
45 VILLALÓN, Cruz. Legitimidade da Justiça Constitucional e Princípio da maio-

ria. In Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Lisboa, Coimbra Editora,


1995, p. 86.
282 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

jurisdicionais de autoproteção e salvaguarda. A existência do Tribunal


validaria a democracia porque este seria o seu guardião, senhor da
Constituição, quarto ou até mesmo primeiro poder, o soberano46. Se
uma Constituição não possuir um Tribunal que a defenda, direcione e
imponha a sua interpretação, ela está condenada à morte e a sua sorte
depende do poder político47.
Esta tese encontra fáceis obstáculos de afirmação. Como se sabe, há
democracias (Inglaterra, Holanda e Suécia) que não possuem Tribunais
Constitucionais e nem por isso deixam de ser ordens políticas onde se
assegurem os direitos fundamentais, maxime de liberdade e participação
política, ao seu nível mais elevado. A justiça constitucional não é, pois,
elemento necessário para validar uma sociedade como uma democracia
ou um Estado de Direito. Outrossim, a simplicidade desta teoria parece
apenas justificar a existência do órgão no quadro político constitucional
(que, nesta senda, é inútil) e não responde às necessidades de legitimação
da sua atuação.
A tese peca ainda por, derivando a jurisdição da Constituição, não
equacionar o problema da legitimidade do texto ou do exercício do poder
constituinte48.

I.2. A tese da vontade popular implícita na Constituição

É conhecida a fórmula «o Tribunal administra a justiça em nome do


povo», consagrada, em regra, nos textos constitucionais. O Tribunal seria,
nesse olhar, o responsável pela tutela da vontade popular constante da
Constituição49, aquela que, diferindo da transitória vontade representativa,
não se altera facilmente e carateriza as aspirações de vivência coletiva
e histórica de um povo que foram capazes de congregar as várias indi-
vidualidades em torno de uma vivência política e social em comum.
É a proteção da «Vontade da Constituição» face às vontades maioritárias

46 HÄBERLE, Peter. Jurisdição… op. cit., p. 60.


47 FAVOREU, Louis. La légitimité du juge constitutionnel. In Revue Internationale
de Droit Comparé, anne 46, n.º 2, abril-junho, 1994, p. 560.
48 Vide, a respeito, PIRES, Francisco Lucas. Legitimidade da Justiça Constitucional

e Princípio da Maioria. In Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Lisboa,


Coimbra Editora, 1995, p. 168.
49 Cfr. MULLER, Dennis. Constitutional Democracy. New York, Oxford University

Press, 1996, p. 279.


A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 283

inferiores que lhe contrariem50. Nesta perspetiva enquadra-se a discussão


entre KELSEN e SCHMITT, acerca do órgão estadual que devia pro-
teger a Constituição: na verdade, não se tratava de um conflito sobre o
exercício de tais competências, pois, havia em ambos, acima de tudo, a
consciência da necessidade de preservar os valores superiores da nação
consagrados na Constituição, ante as decisões políticas das maiorias.
Se o Tribunal é o seu protetor, logo possuirá uma legitimação popu-
lar, democrática, por servir apenas os interesses superiores de um povo.
Compreende-se, deste modo, que nos sistemas democráticos, embora
imprescindível que a vontade a prevalecer nas escolhas fundamentais
seja a do povo, nada impede que órgãos não eleitos consigam realizar
aqueles intentos populares.
As críticas podem, também com facilidade, fragilizar esta orienta-
ção. Como se sabe, todos os órgãos públicos devem materializar aquela
vontade e podem assumir-se, na sua atuação, como estando a realizá-
-la51. Quando a intervenção da Jurisdição a confronta, reprovando-a, não
existem instrumentos que satisfatoriamente possam tornar melhores as
escolhas feitas pelos juízes52. Ademais, colocar-se-á sempre o problema

50 Como refere RAWLS, citado por J. MIRANDA, ao aplicar a razão pública, a

Jurisdição evita que a lei seja corroída pela legislação de maiorias passageiras ou por
interesses parciais, organizados e influentes. MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 133.
Vide, ainda, MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199.
51 Vide, a respeito, TAVARES, André Ramos. Teoria… op. cit., p. 507.
52 Como lembra DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo, Martins

Fontes, 1992, p. 492: ainda que os juízes devam ter sempre a última palavra, devem ter
presente que a sua palavra não é a melhor por essa razão. Pressupomos, desse modo, a
existência de um falso dogma – o que pretende a infalibilidade da jurisdição constitucional,
a melhor capacidade e a perfeição dos juízes constitucionais: Nas próprias palavras de
um juiz do Tribunal Constitucional José de Sousa e BRITO (Jurisdição… op. cit.): os
juízes (entenda-se deste órgão) são mais bem qualificados que o legislativo e o executivo
em «raciocinar bem» (p. 47), e… são mais qualificados para resolver questões de
princípio, enquanto os parlamentos e os governos são mais qualificados para escolher
(p. 43). Vide, igualmente, PALMA, Maria Fernanda. O legislador… op. cit., p. 524;
GARCIA, Maria da Glória. Suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma
norma regulamentar. In Reforma do contencioso administrativo: O debate universitário
(trabalhos preparatórios). Ministério da Justiça, Gabinete de Política Legislativa e de
Planeamento. Lisboa, Coimbra Editora, 2003, Vol. I. Julgamos não existirem mecanismos
que assegurem na pessoa dos juízes de racionalidades subjetivas de tal modo claras e
aceites como compatíveis com a legitimidade da razão. Convém lembrar que o facto de
serem nomeados por políticos agrava essa desconfiança.
284 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

de decifrar e determinar qual o exato sentido e alcance daquela vontade


popular e até que ponto está ainda a jurisdição a satisfazê-la.
Caraterístico da atividade política, as opções constitucionais podem
estar sujeitas a simples alteração em revisões. Como um mandato não
autorizado, a jurisdição não possui na verdade, ao abrigo dessa tese,
contrário ao que se tem assistido na prática jurisdicional, substrato dog-
mático nem meios de superar qualquer posterior manifestação popular
de vontade política; posição que se agrava nos casos de direto confronto
do Tribunal com as opções validamente realizadas ao abrigo do princípio
maioritário.
Com o seu dever de fazer observar a Constituição, a Jurisdição pode
ainda acabar por servir uma conjuntura política não satisfatória com
as necessidades de proteção de direitos fundamentais universalmente
exigíveis53. Nesta tese, o Tribunal estará submetido à vontade expressa
pelo poder constituinte, ainda que dela discorde. A ordem de valores que
lhe cabe defender, em primeira linha, é a ordem determinada pelo poder
constituinte e não qualquer outra ordem e uma jurisdição que pretenda
afirmar um sistema e Constituição anteriores ao poder constituinte e a
todo o ordenamento deste resultante transformar-se-ia num órgão político
superior a toda a ordem estabelecida, insustentável dogmaticamente a
todos os níveis54, pois a responsabilidade por uma Constituição injusta
deve ser imputada ao poder constituinte e não assumida pela jurisdição55.

53 Na atualidade, até mesmo as constituições têm sido alvo de interesses conjuntu-

rais, de maiorias que se formam em detrimento não apenas das minorias como também,
muitas vezes, do interesse geral. É o descrédito da Constituição. TAVARES, André
Ramos. Teoria… op. cit., p. 510.
54 Cfr. o que diz MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 22, a propósito das normas

constitucionais gravemente injustas contrárias, a imperativos de direito natural, violadoras


de valores fundamentais.
55 Como nota Maria de Assunção ESTEVES, «uma interpretação constitucional

“constitutiva” (DWORKIN) e a “teoria discursiva” (ALEXY, HABERMAS) em matéria


de argumentação jurídico-constitucional — sobretudo no âmbito da concretização de
direitos fundamentais — não se assemelha a procedimentos argumentativos baseados no
recurso a uma “ordem objetiva de valores”, tal como foi hábito, por exemplo, na prática
decisória do Tribunal Constitucional alemão nos anos 50 e 60. O recurso a elementos
extrassistemáticos (pré-positivos) no processo de concretização judicial — recurso que na
metodologia do Direito privado tinha sido sistematizado no quadro da orientação meto-
dológica denominada de “Jurisprudência de valoração” (Wertungsjurisprudenz) — não
pode equivaler a restaurar, em qualquer medida, a conceção pré-moderna de jurisdictio,
como poder fundamentado num Direito suprapositivo, pertencente ao soberano político na
sua qualidade de pretor supremo.» ESTEVES, Maria da Assunção. Op. cit., pp. 127-138.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 285

Certamente, pela ausência de mecanismos procedimentais e existência


de elevados obstáculos teóricos56, não se poderá aceitar tão facilmente
qualquer tipo de objeção da parte dos poderes constituídos quando o
poder constituinte já tenha consagrado as suas opções na Constituição,
em violação de direitos fundamentais, pois todos os poderes públicos
estão sujeitos à Constituição e a ela devem obediência: como opção
política fundamental, o cumprimento da Constituição pode e deve ser-
-lhes exigido. O Tribunal terá de materializar a Constituição e todo o
sistema que lhe subjaz.
Como forma de os superar, invocando por vezes pretensos conflitos
entre normas constitucionais, têm as jurisdições adotado nas interpretações
às disposições, princípios e valores abertos a um construtivismo manipu-
lativo, que é largamente acusado de ilegítimo. Ora, não pode assim ser
adotada na solução uma teoria que é fonte do problema.

I.3. A tese do governo limitado

De origem americana57, defende-se que ao criar uma Constituição


o povo anseia fundamentalmente criar um mecanismo de limitação ao
exercício da governação58.
Esta preocupação ancora-se no receio de a ação governativa sobrepor-
-se à soberania e vontade populares, aliás, uma das suas permanentes e
recorrentes ameaças59.
Assim, à jurisdição não competiria mais do que fazer cumprir a vontade
geral de um governo limitado, tal como historicamente se justificou a sua

56 Nesta perspetiva, como afirma Vital MOREIRA, não compete ao juiz consti­tucional

corrigir a Constituição quando esta supostamente não con­tém as soluções mais acertadas
ou avisadas (op. cit., pp. 177-199), dentro de uma filosofia de existir uma separação de
poderes também entre o poder constituinte e os poderes constituídos (vide, a respeito,
ANDRADE, J. C. Vieira de. Op. cit., pp. 80 e ss.).
57 Em 1803, no Marbury vs. Madison, Marshall justificou a necessidade de um

controlo jurisdicional das leis dizendo que ele reforçava os limites com que o mesmo
povo ordenara as instituições de um governo limitado, quando criara a Constituição.
ESTEVES, Maria da Assunção. Op. cit., p. 127. E é nesta ideia de um governo limitado
que a autora vislumbra a legitimidade de justiça constitucional. Cfr. Idem.
58 MULLER, Dennis. Constitutional Democracy, op. cit., pp. 280, ss.
59 Uma jurisdição politicamente ativa em momentos de crise – de tomada e exercício

de poder em arrepio às formas legítimas conhecidas pela Constituição – significa, para


TAVARES, André Ramos. Tribunal… op. cit., pp. 21 e ss., causa de maior legitimação
democrática. Cfr., também, TAVARES, André Ramos. Teoria… op. cit., pp. 523, 524.
286 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

criação60. Apresentar-se-ia como um órgão de garantia da Constituição


e dos seus princípios, e esta pronunciaria, através do poder que lhe con-
fere, os critérios concretos de uma racionalidade de limitação do poder
do Estado pelo seu Direito61, pelo que, mais do que mero protetor de
direitos, seria um órgão realizador da democracia, do Direito, da justiça.
Contudo, no controlo da ação política, «na busca da democracia»,
a jurisdição não se tem apresentado como um poder nulo, com uma
atividade robótica. Controlando a atividade de criação normativa dos
demais poderes, tem reconhecido o direito vivo e podido recriá-lo ou
reescrevê-lo «de acordo com a Constituição», atribuindo à jurisprudência
constitucional, em regra, uma conotação e função constitutivas, portanto,
aquém da sua mera limitação.
Em sistemas em que o equilíbrio represente o fim de atuação dos
poderes, um controlo exercido nestes termos, ou com excessiva natureza
intervencionista, acarreta desvios institucionais consideráveis, conferindo
ao órgão incumbido do seu desempenho «um lugar que muitos têm por
privilegiado, um lugar de verdadeira preeminência ou supremacia»62,
capaz de afetar a igualdade constitucional dos poderes.
A falta de natureza política contribui igualmente para a recusa da sua
intervenção no domínio político. Esperar que o Tribunal repudie os atos
políticos de governo porque, diante da sua filosofia, deles discorde – em
detrimento do seu afastamento apenas em caso de violação de valores
fundamentais juridicamente atendíveis e carecidos de intervenção do
Órgão, por força da Constituição – parece também pouco aceitável.

60 Como dissemos, nos Estados Unidos, verificou-se esse sentido. Mas até na Cons-

tituição austríaca de 1920 a fiscalização parecia pretender limitar a ação governativa,


tentando resolver os conflitos de competência entre a federação e os Estados-membros
(onde o acesso ao TC cabia apenas ao Governo federal, quanto às normas dos Länder,
e aos governos regionais, quanto às normas da federação). Em França, essa função foi
muito mais notória, visto o Conselho Consti­tucional ter sido projetado para contrariar
um intervencionismo do parlamento não compatível com a Constituição (cfr. o que
escrevemos supra, p. 9). Vide MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199.
61 PALMA, Maria Fernanda. O legislador… op. cit., p. 535.
62 Vide BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 297.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 287

I.4. A tese da vontade popular constitutiva

Um dos principais mecanismos que os autores utilizam para funda-


mentar a legitimidade da jurisdição constitucional é o da referência às
suas funções e importância no sistema político constitucional.
A vontade a que aqui aludimos é a da criação voluntária do Órgão pelo
povo. Assim, a legitimidade do Tribunal não seria maior nem menor do
que a dos órgãos políticos: adviria da Constituição63, pois, por meio dela,
no processo constituinte64, o povo o criava intencional e especialmente
para proceder à defesa da supremacia da Constituição e dos direitos do
cidadão. E se a decisão dos juízes deve prevalecer sobre as dos repre-
sentantes eleitos é porque a Constituição e o povo assim o querem65.
Por ser uma legitimidade recebida diretamente das mãos do povo,
primeiro e único titular da soberania constituinte, esta é considerada
como incontestável66. As contradições que o Tribunal tiver com os demais
órgãos não serão verdadeiras, antes aparentes, porque o povo habilitou-
-o a fiscalizar a atuação daqueles e a eles impôs-lhe a necessidade de
conviver com a jurisdição.
Mas há uma outra dimensão que esta orientação ressalta. É a da
legitimação do Órgão no quadro do sistema constitucional democrático,
enquanto instrumento de controlo do exercício do poder político. Conforme
dissemos, a ideia de ser um poder criado para limitar o poder legislativo
(«contra o poder só o poder») colocou a Jurisdição num quadro necessário
de uma ordem jurídico-política séria e democrática. Se a Constituição que
o cria deriva de um poder constituinte democrático, a sua legitimidade
será democrática, por ter sido no próprio processo político constituinte
objeto de escolha e assentimento popular67.
A essa tese voltaremos adiante.

63 MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., pp. 130, 131.


64 Tendo sido consagrados e divididos na Constituição, considera TAVARES (Teoria…
op. cit., p. 509) que todos os poderes são democráticos, já que procedem de um mesmo
ato de soberania popular, que é a aprovação de uma específica ordem constitucional, e
isso independentemente da estrutura final que se crie entre esses poderes.
65 Próximo destes termos, cfr. BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit., p. 47.
66 Cfr. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos

intérpretes da Constituição. (Tradução de Gilmar Ferreira Mendes), Porto Alegre, Sérgio


António Fabris, 1997, p. 29.
67 Vide MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 131.
288 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

II. 
A práxis jurisdicional de realização da dignidade da pessoa
humana, dos direitos do Homem e do cidadão
Na evolução do constitucionalismo, a garantia dos direitos funda-
mentais tornou-se uma ideia inerente à definição de Constituição68. Os
horrores da II Guerra Mundial trouxeram para os povos consciência
sobre a necessidade de garantir uma maior proteção à pessoa humana69,
por meio da consagração de direitos que lhe reconhecessem dignidade,
ao mesmo tempo que se sentiu a necessidade de reforçar os instrumen-
tos estaduais, mormente os tribunais, para a defesa daqueles direitos.
A partir das décadas de 60/70, com o surgimento de novos tipos de direitos
fundamentais, a intensificação das relações internacionais, a afirmação
constante dos direitos dos povos e o fenómeno da globalização, a cultura
jurídica dos cidadãos conheceu desenvolvimentos e solicitou constante-
mente a intervenção das instâncias judiciais para a sua proteção70.
Na tutela e garan­tia de cumprimento da Constituição, a justiça cons-
titucional atual passou a não poder deixar de garantir também as demais
funções que a evolução histórica lhe fez atribuir.
É na decorrência desta evolução dos Estados que J. S. BRITO71 apon-
tava os direitos do indivíduo como um dos fundamentos para o poder
dos juízes, que, enquanto direitos do homem (supremos, inalienáveis,
universais, indisponíveis) não existem em razão das leis, mas antes serão
as leis, constitucional e ordinária que existirão em função dos direitos e
da sua materialização.
Esta visão universalista sobre os direitos do Homem conformaria as
constituições e instituições internas, que se encontram na obrigação de os
materializar, sob pena de invalidade72. A jurisdição constitucional seria
uma forma de assegurar a supremacia dos direitos do Homem sobre as

68 Veja-se, a propósito, MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199.


69 CHOMSKY, Noam. Failed States: The Abuse of Power and The Assault on
Democracy. New York, Metropolitan Books, 2006, p. 79.
70 TAVARES, André Ramos. O discurso… op. cit., p. 158.
71 BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit., p. 39.
72 A própria Constituição seria alvo de desconfiança por parte do poder judiciário,

como mais um diploma ao serviço de interesses particulares, suscetível de violar direitos


individuais, sob o qual o Órgão deve estar em permanente fiscalização. TAVARES,
André Ramos. Teoria… op. cit., p. 504.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 289

criações da vontade geral73. CAPELLETTI chegou, inclusive, a afirmar


a ideia de uma giurisdizione costituzionale delle liberta74.
Assim, recorrentemente utiliza-se o discurso dos direitos fundamen-
tais, ou de uma justiça assente na Pessoa75, como legitimador de uma
postura não maioritária, como trunfos, e desde essa perspetiva, mais ativa
e intervencionista da justiça constitucional76, fator pelo qual as decisões
tomadas pelos juízes têm sido rotuladas, quer umas como outras, pela
própria jurisprudência e por largos setores da doutrina, como represen-
tativas da «Razão Pública», «a melhor das razões»77.
O primeiro erro destas conceções é pressuporem a jurisdição como
poder superior a toda a ordem estabelecida, com dificuldades significativas
de defesa78. Fruto da diversidade de conceções partilhada pelos grupos
de uma determinada sociedade, o Direito – e os poderes públicos que o
materializam – depara-se com o problema de, alicerçada numa demo-
cracia cultural, a «ordem de apoio» da normatividade poder conhecer
uma pluralidade de valores fundantes79: há tantas razões democráticas ou
jurídicas quanto os estados democráticos, há outras razões ético-políticas

73 BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit., p. 39.


74 Apud TAVARES, André Ramos. O discurso… op. cit., p. 157.
75 Nessa perspetiva, a legitimidade da Jurisdição é uma legitimidade que advém da

Constituição, do dever de administrar a justiça e não aplicar meramente o Direito. Vide,


a respeito, PALMA, Maria Fernanda. Constitucionalidade… op. cit., p. 27.
76 A tutela de direitos é feita em diversas frentes. Uma das mais significativas e que

tem sido mais desenvolvida nos países pluriétnicos e plurilinguísticos (MOREIRA, Vital.
Op. cit., Idem), na sequência das exigências internacionais de tolerância e integração entre
os povos, é a da proteção das minorias, que leva a caraterizar a jurisdição constitucional,
em muitos Estados, como criadora de uma jurisprudência do pluralismo (HÄBERLE,
Peter. Jurisdição… op. cit., p. 62). De acordo com Cruz VILLALÓN (op. cit., p. 87) a
legitimidade da justiça constitucional é a legitimidade da minoria frente à legitimidade
da maioria.
77 Em sentido contrário afirma CANOTILHO, Gomes. Jurisdição… op. cit.
78 Afinal, em matéria de poder, como afirma Lawrence TRIBE, quando os juízes

são levados a acreditar que «alguma parte da força coercitiva que detêm está legitimada
e não necessita de ser uma fonte de angústia pessoal são de temer tanto como aqueles
juízes que procedem alegremente sem preocupações teóricas e são de temer mais do
que aqueles que se preocupam mas cujas preocupações não são abaladas por qualquer
fórmula legitimadora». TRIBE, Lawrence H. Constitutional Choices. Cambridge/Mass./
/London, Harvard University Press, 1985, p. 7. Vide PALMA, Maria Fernanda. Consti-
tucionalidade… op. cit., p. 24.
79 Cfr. BRITO, José de Sousa e. A democracia e o fim da história. In THEMIS, Ano

I, n.º 1, Lisboa, Almedina, 2000, p. 130, e, sobretudo, o exemplo da discussão pública


em Portugal do aborto nas dez primeiras semanas de vida: p. 133.
290 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

validadas pelo povo como melhores às existentes nos seus Estados e ainda
uma racionalidade democrática universal existente numa comunidade
ideal em perfeito equilíbrio reflexivo80.
Entre essas, as soluções nacionais dispõem de maior efetividade
porque as razões de apoio (order of support) a uma conceção normativa
dependem da força dessas razões e não do lugar que ocupem no conjunto
de raciocínios (como algumas vezes parecem entender as jurisdições
constitucionais), conferindo-lhe, em relação às demais normas, uma
prioridade hermenêutica81. Não nos convence que uma atuação inclinada
à defesa de valores supranacionais seja capaz de responder à nossa busca
por propor uma legitimidade inter ou supranacional.
O discurso dos direitos humanos é outra abordagem filosófica de
elevada abstração, justificação jusnaturalista em defesa de valores impre-
cisos e indeterminados que não satisfaz uma legitimação que signifique
manifestação de vontade por parte do povo. O máximo de consentimento
que daqui se pode retirar é o que implicitamente resulta de um percurso
histórico de todos os povos que elaborou e reafirmou um jusnaturalismo
fundante de toda a atuação e instituições públicas.
Deve admitir-se, ainda, que a defesa de uma atuação intransigente,
global e exclusiva da justiça constitucional no âmbito dos direitos
fundamentais é democraticamente repulsiva, desastrosa e tecnicamente
indesejável82.
Não menos verdade é que, se o juiz (titular de um sentido e de uma
racionalidade), no seu reto julgar, manifesta o seu voto por determinada
compreensão da Constituição, contrário (sob a sombra da mesma disposição
constitucional e da mesma perspetiva de decisão) ao sufrágio de outros
membros do seu coletivo, a uniformidade pretendida da «Vontade da
Constituição» não é alcançada e prevalecerá, não esta, antes a leitura que
possuir mais adeptos83. Daqui não resultaria mais evidente que, por meio
da fiscalização e da interpretação das normas constitucionais, enfrenta-se

80 BRITO, José de Sousa e. A democracia… p. 133.


81 Cfr. BRITO, José de Sousa e. A democracia… p. 131.
82 TAVARES, André Ramos. O discurso… op. cit., p. 162.
83 De acordo com PINTO, Luzia M. S. C. Op. cit., p. 77, a neutralidade ideológica

dos juízes, presumida pelas posições jusnaturalistas – como se a magistratura judicial


navegasse num espaço etéreo e não estivesse inserida numa sociedade de classes – é uma
ilusão que a sociologia judicial desmente. Para HÄBERLE, a jurisdição constitucional
teria inclusive um papel de moldar a sociedade, com base no seu modelo de orientação
de uma sociedade plural e aberta: HÄBERLE, Peter. Jurisdição… op. cit., p. 68.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 291

o perigo de o poder judicial «interferir nas condições da vontade demo-


crática – condições da própria validade e consistência da democracia»84
por, afinal, não estar este órgão isento de juízos de maiorias.

III. Legitimidade indireta, por meio da intervenção do poder polí-


tico, democraticamente instituído, exclusivo ou preponderante,
na constituição do corpo de juízes
Nesta linha, sob influência do modelo original americano, os autores
defendem, por um lado, que a inclusão de um órgão legítimo do ponto
de vista democrático na constituição e/ou decisões do Tribunal confere a
este uma irradiação do consentimento que aquele vira da parte do povo.
Tentando dar resposta à conceção que vê o princípio democrático ser
negado se existir algum poder que não seja constituído e exercido pelo
povo, a legitimidade diz-se ser recebida indiretamente por meio do sufrágio
universal que cria os órgãos que nomeiam o poder judicial85, como uma
transmissão da sua qualidade democrática. Como diz J. MIRANDA, o
poder de invalidar atos com força de lei baseia-se exatamente no facto
de os juízes constitucionais serem escolhidos por órgãos democratica-
mente legitimados86, órgãos representantes do povo, como se da mesma
origem resultassem.
Em segundo argumento, a legitimidade do órgão pode ser aferida da
sua sujeição exclusiva às leis criadas por poderes instituídos pelo povo.
O Tribunal, que não precisaria de uma legitimidade direta87, sujeita-se
e atua apenas nos precisos termos em que o quer a vontade popular
expressa nas leis.
Por outra via, a eleição da maior parte dos juízes do TC pelo parla-
mento, tal como feita em alguns Estados, permite assegurar a legitimidade
democrática indireta por nesse mecanismo o parlamento consentir, anuir
que a jurisdição constitucional possa invalidar os seus atos.
Tal orientação padece de vários problemas. A teoria em apreço não
consegue justificar a intervenção do poder jurisdicional além da vontade
legislativa, nem, ao certo, adequar-se aos fenómenos jurisprudenciais
de construtivismo de direitos fundamentais numa ordem de valores

84 Vide ainda PALMA, Maria Fernanda. O legislador… op. cit., p. 524.


85 BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit., p. 42.
86 MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 135.
87 TAVARES, André Ramos. Teoria… op. cit., p. 514.
292 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

superior à Constituição. Não se vislumbra desta uma relação necessária


com a atuação da jurisdição na proteção de direitos humanos, maxime
fundamentais.
Segundo, porque uma maior intervenção do poder político na cons-
tituição do órgão (que sob esta teoria aumentaria a legitimidade do Tri-
bunal) parece desviá-lo das suas responsabilidades: «Yes, the courts are
political! One becomes a judge through political appointment, judges do
take politics into account (even though they usually deny it), and judicial
rulings often have profound political and policy consequences.»88 Ora,
«como pode a criatura fiscalizar o criador?»89. No sistema constitucional
nacional, cabe ao Presidente da República a indicação pessoal de quatro
juízes do Tribunal Constitucional incluindo o Presidente, num total de
11 [cfr. arts. 119.º, e), e 180.º, n.º 3, a)], competência reforçada pela,
ainda que formal, faculdade de nomeação de todos os juízes do Tribunal
Constitucional [art. 119.º, e)]. Percebe-se diretamente uma capacidade
natural de influência sobre a magistratura, além da clássica tendência
de controlo jurisdicional politicamente influenciado, com o risco da
indicação das «almas gémeas» necessárias à «legitimação política»90.
Uma fácil escolha daqueles membros subjetivamente motivada pode
perigar o desempenho da Jurisdição, da Democracia e do Estado de
Direito, diante da inocuidade funcional que patenteariam os juízes91.
É certo que o sistema pode produzir um efeito contrário: devido a essa
tendencial formação política das principais jurisdições, podem facilmente
converter-se os órgãos judiciais em instrumentos de exercício autónomo
de poder político, atento à diferença temporal de mandatos que possuem
em relação ao Presidente da República e o seu inevitável desfasamento;
o Tribunal, que devia ser isento, tanto se pode transformar num órgão de
cooperação como de confronto (uma verdadeira Oposição)92, conforme
esteja maioritária ou minoritariamente constituído por juízes da linha

88 GENOVESE, Michael; SPITZER, Robert. The Presidency and the Constitution:

Cases and Controversies. New York, Palgrave Macmillan, 2005, p. 2.


89 MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 134; TRIBE, Lawrence; DORF, Michael.

On Reading the Constitution. Massachusetts, Harvard University Press, 1991, p. 6.


90 Sobre os riscos e críticas à «seleção dos juízes», vide MULLER, Dennis. Consti-

tutional Democracy. New York, Oxford University Press, 1996, pp. 281, ss.
91 Cfr. a acusação de GENOVESE, Michael; SPITZER, Robert. The Presidency

and the Constitution… op. cit., p. 13 sobre a cumplicidade e aliança entre a «Corte e o
Presidente», que têm contribuído para a afirmação do poder presidencial sobre os demais.
92 Quando não uma juristocracia que, com «independência» age em nome próprio.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 293

política do Presidente93. Não o é assim em regra ou em frequência se


comparado àquela primeira hipótese, em que facilmente se produzem
poderes judiciais como longa manus do poder político governante.
A teoria não parece resolver assim o dilema que aflige a instituição e os
seus membros (se não são nomeados por meios democráticos ou «órgãos
democraticamente constituídos», sempre se colocará a questão da sua
legitimação94; mas se forem nomeados por políticos, corre-se o risco
permanente de o Tribunal não ser politicamente neutro95).
Acrescente-se que a jurisdição constitucional não precisa da confir-
mação do poder legislativo para anular um seu diploma por não exercer
uma função legislativa (a esse assunto voltaremos mais adiante).

IV. Legitimidade por meio do acesso popular ao Tribunal


É motivada pela sensibilidade do Tribunal à opinião pública96, num
esforço de a jurisprudência corresponder à consciência jurídica comuni-
tária, por um lado, e ao acesso imediato e direto à justiça constitucional
por parte do povo, com a efetiva abertura do processo constitucional,
pelo outro.
A legitimidade da instituição seria assim reforçada pela elevada proxi-
midade com o cidadão, por este perceber naquele o seu mais forte escudo.
Os seus ganhos seriam logo palpáveis: desde a maior coerência entre
as disposições normativas até ao maior cumprimento da Constituição.

93 As hipóteses de confronto são variadas e sobejamente conhecidas a partir de


outros contextos constitucionais. Há, no entanto, uma que tendencialmente não é referida
nos «manuais» e «artigos», que incide sobre a faculdade direta de indicação dos juízes.
A CRA não admite a possibilidade de o Presidente da República rejeitar a indicação dos
demais juízes que resultem da aplicação do n.º 3 do art. 180.º ou de a inviabilizar com a
não indicação dos juízes que pessoalmente lhe cabe. Mas não parece restarem dúvidas
de que, em tais casos, haveria uma inconstitucionalidade por omissão grave, com uma
afronta inaceitável aos postulados do Estado democrático de Direito.
94 MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 134.
95 Quando a neutralidade é, também, elemento de legitimação: VILLALÓN, Cruz.

Op. cit., p. 87. Como refere MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 135, esse obstáculo
é evitado com a concessão de garantias, mandatos mais longos que os dos órgãos que
os indicam, consagração de independência, incompatibilidade e insuscetibilidade de
renovação de mandatos. Contudo, não é igualmente certo que a escolha de membros do
Tribunal seja não politicamente conveniente.
96 Com referência a este quadro nos EUA, veja-se TAVARES, André Ramos.

Teoria… op. cit., p. 516.


294 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

Os próprios cidadãos são parte interessada na observância objetiva da


ordem constitucional e mais recursos seriam apresentados com o fim
de eliminar as contradições de textos infraconstitucionais com a Lei
Fundamental. Como se sabe, a Jurisdição não chega a ter acesso, como
órgão desinteressado, a muitas normas de duvidosa validade por falta
de demanda das partes com legitimidade e por obstáculos processuais
de diversa natureza.
Mas os males decorrentes desta proposta parecem suplantar os seus
benefícios: um avolumar de pretensões junto do Tribunal paralisá-lo-iam,
especialmente em Estado de forma unitária97.

B. Os obstáculos à legitimação (incoerências da doutrina): a perma-


nente retórica
Como se constatou, caraterístico em geral nas teses expostas, a falta
de elementos de afirmação de tal legitimidade e o cerceio por parte da
doutrina de todas as outras formas pelas quais reivindica ela própria esta
legitimação (sem em regra resolverem os questionamentos pragmáticos
que são colocados ao tema) tem como consequência a insuficiência e
incoerência dos argumentos anteriores. A doutrina refere-se, em geral, a
respostas indiretas e impede que se apresentem as soluções que exigem
nos seus questionamentos: a legitimação e aceitação da atividade do
Órgão por meio de alguma forma de intervenção popular.
Tais teses representam assim partes de uma retórica que nunca poderá
ser conclusiva e satisfatória – aproximando os constitucionalistas aos filó-
sofos naturalistas clássicos, por continuarem a discutir problemas para os
quais sabem à partida estarem excluídas quaisquer respostas definitivas.
Se é verdade que a participação popular na constituição do Órgão98 só
o desajustaria no sistema, também nos parece evidente a iminência de
um falso problema, uma total incoerência, por a doutrina procurar uma
solução de impossível existência.

97 Em sentido oposto, veja-se MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199, para quem

tais temores não são de compartilhar.


98 MONTESQUIEU chegou mesmo a propor que a justiça fosse composta por juízes

temporários, selecionados na comunidade. Cfr. O espírito das leis. 2.ª ed., São Paulo,
1996, p. 168.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 295

Mas então porque se coloca o problema da legitimação? Deverá ou


não existir algum assentimento popular à atividade do Órgão? Tratar-se-á
de um «dever o povo intervir», mas não o poder fazer?

3. Princípio Democrático, Estado de Direito e Jurisdição


Constitucional (Conflitos)
A. Estado de Direito vs. Estado Democrático99
I. A questão anterior parece, deste modo, remeter o discurso da
legitimidade da justiça constitucional para outro domínio: o de saber se
a legitimidade do Tribunal pode ser encontrada noutro suporte que não
a democracia, pois a sua discussão está centrada num aparente conflito
entre os pilares do Estado de Direito (respeito pelos direitos dos cidadãos,
a jurisdicionalização do poder ou do seu controlo) e os princípios que
enformam uma democracia. Cabe essencialmente questionar qual dos
fins cumpre a Jurisdição realizar: um Estado democrático ou um Estado
de direito? Se poderem ser-lhe incumbidas ambas as responsabilidades,
com qual delas possui a relação mais próxima e imediata, que tem de
necessariamente realizar?
Ora, só aqui pode ser encontrada a legitimação necessária àquela
Instituição. E porquê?

II. Como se sabe, Democracia equivale à soberania, governo ou


vontade do povo, refere-se à forma como o Estado exerce o seu poder
soberano, isto é, a quem exercerá o poder do Estado. O que carateriza
uma democracia é o facto de os atos de governo da sociedade deverem
ser apenas exercidos por representantes do povo, «politicamente inves-
tidos», através de processos eleitorais.
Historicamente mais recuado, como processo de organização política,
conheceu os seus mais importantes aperfeiçoamentos com as revoluções
liberais e representa, na perspetiva clássica, o governo do povo, para
o povo e pelo povo, de acordo com a regra da maioria, na medida em
que todo o poder emana do povo e no seu nome é exercido. É o sistema
que assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante

99 Veja-se que não é unânime na doutrina que se faça uma separação entre Estado
de Direito e Democracia, pois não faltam adeptos da conceção de o Estado de Direito
ser um Estado de democracia. Nós afastamo-nos desta discussão fundamentalmente por
questões metodológicas e da oportunidade da sua exposição separada.
296 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

aos governados a possibilidade quer de escolher, como de controlar os


próprios governantes com o poder que possuem de os substituir. Uma
organização desta natureza impõe a existência de cargos eletivos para o
controlo das decisões políticas, de eleições livres, periódicas e imparciais,
de sufrágio universal, do direito de os cidadãos livremente ocuparem
cargos públicos, da liberdade de expressão, da existência e proteção dos
meios de informação e do direito a constituir associações e organizações
autónomas, partidos e grupos de interesse. Uma outra dimensão manifesta
no princípio democrático, meio de eliminação de formas arbitrárias de
governação, e ressaltada pelo liberalismo, é a de os poderes estaduais
deverem estar separados e exercidos por órgãos distintos.
Neste quadro, as decisões políticas fundamentais, aquelas que repre-
sentam o governo da sociedade, são e devem ser definidas pelo maior
número de vontades individuais que se podem encontrar e manifestar
no povo. A atuação e função do TC, como poder público, possuirão, em
geral, limites intransponíveis no equilíbrio com as demais funções estatais,
com as quais concorre, principalmente, com o legislador democrático e
também com as outras funções da Constituição como processo público
estruturado ou como «correlação de forças»100. O Tribunal encontra-se
rodeado por circunstancialismos democráticos aos quais se deve subme-
ter101 e nesse sentido deve, como órgão do aparelho estadual, velar pela
subsistência da ordem social, qualquer que seja o seu preço, quando esta
não possa ser assegurada por outra forma, uma vez que a democracia é
ela própria o Estado e a sociedade como um todo.

III. O Estado de Direito (que parte de um inicial governo de homens


do Estado absolutista, passando pelo do governo das leis do Estado lega-
lista liberal) culminou no Estado de Direito constitucional do governo
do Direito e é a instituição jurídico-normativa e política mais evoluída,
cujo fundamento material reside hoje no valor da dignidade humana e
afirma os seus pressupostos materiais, identificados como fins primários,
em geral: na garantia de direitos fundamentais, na juridicidade, na cons-
titucionalidade e na ideia de realização de uma justiça efetiva.

100 HÄBERLE, Peter. Jurisdição… op. cit., p. 78.


101 De acordo com DWORKIN, «qualquer interpretação de uma lei constitucional
numa democracia tem de tomar em conta o facto da democracia». Cfr. DWORKIN,
Ronald. Equality, democracy and constitution: We the people in court. Alberta Law
Review, n.º 28, 1990, p. 344.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 297

Conceito de origem alemã, Rechtsstaat, resultou de uma longa evo-


lução, com a contribuição dos mais importantes constitucionalismos do
período liberal. Da Inglaterra o rule of law pretendeu um processo justo,
a prevalência das leis e costumes do país perante a discricionariedade do
poder real, a sujeição de todos os atos do poder executivo à soberania do
parlamento e o direito e igualdade de acesso aos tribunais por parte de
qualquer indivíduo. Dos EUA resultaram as ideias de um poder constituinte
do povo – o direito de o povo fazer uma lei superior onde os direitos e
liberdades dos cidadãos fossem a base do Estado –, a da justificação do
governo pela subordinação às leis e a de os tribunais exercerem a justiça
em nome do povo. Em França, como critérios de legitimação do Estado,
adicionaram-se as necessidades de a Constituição resultar da Nação, de
ela consagrar direitos, liberdades e poderes públicos separados102.
Mas foi sobretudo, como dissemos, a experiência dos conflitos bélicos
mundiais, em especial o segundo, que reforçou a necessidade de repensar
o absolutismo dogmático da razão humana e do poder político titulado
pelo povo, assistidos os crimes de que tinham sido vítimas todos os povos,
em guerras empreendidas contra o ser humano e a sua dignidade. Com
as consequências da II Guerra Mundial, e a contínua invocatio dei nas
constituições dos Länder, verificou-se uma recusa do povo alemão e de
grande parte da doutrina jurídica mundial em aceitarem considerar-se
pessoas investidas de um poder político-legislativo absoluto103. Ocorre
o renascimento de um jusnaturalismo humanista – mais com a preocupa-
ção de proteção do ser homem do que com a fundamentação do direito
constitucional em ordens abstratas. Desde esse período, com o reforço
axiológico que garantiram as grandes declarações de direitos, a legiti-
midade da atuação dos órgãos públicos esteve inelutavelmente ligada à
realização de um mínimo de dignidade humana. Uma vez resolvido o
problema da previsão nas Declarações e na maioria das Constituições
dos deveres do Homem para consigo, colocou-se o desafio da sua mate-
rialização, da fiscalização do seu cumprimento e inviolabilidade, pois
de nada valeriam se os ordenamentos jurídicos não previssem os meios
necessários à sua efetivação (convertendo-se em retórica política), que

102 Vide com mais desenvolvimento CANOTILHO, Gomes. Estado de Direito, p. 9.


Disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CanotilhoED.pdf.
103 PINTO, Luzia M. S. C. Op. cit., p. 69; FIORAVANTI, Maurizio. Constitución:

De la Antigüedad a nuestros dias. Madrid, Editorial Trotta, 2001, p. 147.


298 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

envolveu necessariamente um debate em torno dos limites do poder, com


uma reformulação das noções de Estado, Direito e democracia.
Como resposta à desconfiança no poder político («si queremos sacar
la enseñanza y las consecuencias de este pasado, nuestra atención no
debe limitarse a procurar que no vuelva a producirse una guerra o a
que no haya otro Auschwitz – cualquiera que sea su forma – sino que no
debemos perder de vista «toda» la dimensión de la amenaza totalitária
del hombre»104), esta responsabilidade foi sucessivamente confiada aos
juízes, afinal o poder público menos perigoso de todos.
Na atualidade, os desafios cada vez mais crescentes de tutela da huma-
nidade e dos povos perante os riscos cada vez maiores de expansão do
fenómeno do terrorismo, bem como a discussão em torno da falibilidade
do Estado social, impondo o repensar da Constituição-modelo conforme
arquitetura do século xx, apresentam a jurisdição constitucional com um
papel cada vez mais relevante na consolidação do Estado de Direito,
servindo de propulsor de equilíbrio entre as forças políticas, económicas,
sociais e culturais, conflituantes.

IV. Recentemente, os dois corações políticos de que falava


CANOTILHO105 parecem fundir-se num só motor de qualquer sociedade,
sem o qual, ou sem qualquer uma das partes que o compõem, não pode o
Estado sobreviver num constitucionalismo atual. Já não existem Estados
exclusivamente democráticos. A estes foi adicionado um outro modelo
(como resultado da incapacidade do modelo inicial de Estado legislativo)
caraterizado pela juridicização da atuação do Estado, tendo como resul-
tado aquilo que se conhece modernamente por Estados democráticos de
Direito, Democracias constitucionais de Direito. Democracia e Estado
de Direito passam, por conseguinte, a ser partes de um mesmo projeto
de construção das sociedades modernas. A sua forma de relacionamento
impede que uma construção separada seja feita.
Tal imbricação despoletou consequências e efeitos recíprocos, com
várias linhas de força limitadoras da atuação pública com base no mero
jogo político. Assim:

104 BUCHHEIM, Hans. Política y poder (trad. Carlos de Santiago), Barcelona/


/Caracas, Editorial Alfa, 1985, pp. 147, 148.
105 O Estado de Direito e a Democracia: CANOTILHO, Gomes. Direito Constitucional

e Teoria da Constituição. 7.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 98.


A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 299

1. A começar, o princípio da constitucionalidade impôs a submissão


de todos os poderes do Estado, a começar pelo poder legislativo,
à Constituição. Os direitos fundamentais nela reconhecidos são,
desse modo, a ele obrigatórios. Por meio da sua consagração, os
cidadãos acabam por «concordar em retirar certos itens da agenda
legislativa», construindo um espaço inacessível aos parlamentos,
contra as suas eventuais práticas nocivas106.
2. O princípio democrático deixou de ser apenas o exercício de deci-
sões das maiorias, para incluir também os grupos minoritários107.
Como se tem dito, o sufrágio universal que está na origem de
toda a decisão democrática não assegura o caráter democrático
da decisão. O princípio de que o Direito é o que a maioria disser
que é Direito não o cumpre integralmente108. A democracia, tal
como construída por ROUSSEAU, diverge da recente edificação
dos pilares do Estado no cidadão e ao serviço da sua dignidade.
Pretender afirmar nos tempos atuais um Estado democrático em
que o povo se afirme, de modo absoluto, apenas como substituto
do outrora monarca, em detrimento das reivindicações de respeito
pela dignidade humana é uma «incoerência absoluta»109, desfasa-
mento histórico-social que não pode ser aceite.
3. Dessa relação resultou uma mais clara diferenciação entre o prin-
cípio democrático e o princípio maioritário dentro da democracia.
Embora realidades absolutamente distintas, não eram distinguidas

106 TAVARES, André Ramos. O discurso… op. cit., p. 159.


107 É a necessidade de tutela de todos os interesses conflituantes em processos
políticos, desde que reivindicassem proteção de direitos fundamentais. São as vertentes
recentes de proteção dos direitos fundamentais de minorias sociais e políticas, geradoras
de constituições inclusivas. Como afirma HÄBERLE, o contrato constitucional não
deve ignorar nenhum grupo de cidadãos ou gerações porque o direito constitucional
tornou-se direito de coexistência (HÄBERLE, Peter. Jurisdição… op. cit., p. 70), uma
experiência bem-sucedida do contrato social, um pacto de todos com todos (HÄBERLE,
Peter. Jurisdição… op. cit., p. 71). Afirmando uma contínua jurisprudência protetora de
minorias e de grupos marginalizados (neste sentido, BRITO, José de Sousa e. Jurisdi-
ção constitucional… op. cit., p. 42: a justiça constitucional que protege as minorias em
relação às leis da maioria, não lesa, mas antes reforça, o próprio princípio democrático,
e Baptista MACHADO: «Quando se não limita o âmbito do poder político da maioria…
limita-se necessariamente a liberdade ou o poder de todos os cidadãos, do povo em geral
e, portanto, do titular da soberania», apud MIRANDA, J. Nos 10 anos… op. cit., p. 95).
108 TAVARES, André Ramos. Tribunal… op. cit., p. 519.
109 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica… op. cit., p. 38.
300 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

por ROUSSEAU na sua separação de poderes (como diz J. S.


BRITO)110, arrastando nos mesmos erros todos os que se propõem
a rejeitar a atuação do órgão com base nas meras regras da maioria.
Para o autor clássico, a manifestação soberana do povo através
do poder legislativo, porque é neste poder que reside a dimensão
«essencial da democracia», não pode ser limitada e fragilizada pelo
poder judicial (maxime a jurisdição constitucional), por não exis-
tirem, para ROUSSEAU, Direito e direitos fora da vontade geral.
Logicamente, a deficiência de elaboração do Estado de Direito da
sua época terá influenciado este entendimento. Mas, hodiernamente,
após várias metamorfoses111 do princípio da maioria em mais de
dois séculos, uma decisão democrática não é apenas uma decisão
da maioria, é também aquela que se adequa à democracia como
sistema de princípios, que realiza as próprias razões do princípio
democrático112, isto é dizer, que se ajuste à democracia como
democracia constitucional, como democracia de direito113.
4. À ideia de instituição popular de qualquer forma de exercício de
governação parecem alguns autores – como consequência do erro do
constitucionalismo americano original – esquecer que o povo não
é uma realidade homogénea, antes a soma de várias consciências
individuais. Muitas dessas individualidades não participaram, e
não participam, na escolha dos representantes políticos, nem têm
qualquer esperança de, por meio deles, verem os seus interesses
satisfeitos. A sua falta de ligação ao processo democrático não
obsta que exijam e recebam proteção dos seus direitos à luz do
Estado de Direito que os acolhe114. É antes a consagração de um

110 BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit., p. 42. ROUSSEAU, que é con-

siderado o teórico da democracia, desenvolveu o conceito de soberania popular, mas


pouco se pronunciou pelo sentido de uma Constituição. Para o autor, este documento
era primordialmente um instrumento de expressão da vontade do povo, estando assim
sujeita a alterações conforme as oscilações do povo.
111 MOREIRA, Vital. Op. cit., Idem.
112 Cfr. BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit., p. 42.
113 Por isso, as limitações ao princípio maioritário não são contraditórias, mas podem

até ser exigidas pelo princípio democrático. Vide, a respeito, BRITO, José de Sousa e.
Jurisdição… op. cit., p. 40.
114 Cfr. a referência a REZEK, em prefácio a BAUM, feita em TAVARES, André

Ramos. Teoria… op. cit., pp. 519, 520.


A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 301

Estado de direitos fundamentais que obriga ao respeito igual dos


direitos e opções dessas minorias.

B. O papel e posição da Jurisdição


À Jurisdição cumpre observar logicamente as obrigações decorrentes
tanto do Estado de Direito como do princípio democrático115. É um órgão
ao serviço do Estado constitucional. No entanto, não se pode afirmar que
sobre eles o Tribunal se encontra à mesma distância. Como diz CANO-
TILHO116, a existência de tribunais independentes que através de um
processo justo dissessem o bom direito para as controvérsias jurídicas
representou sempre um bastião incontornável do Estado de Direito, pois
este é, por definição, um Estado de justiça e qualquer que seja a ideia de
justiça, ela pressupõe alguém que a faça valer117. Recentemente, Estado
de direito é um Estado que assegura pela justiça os direitos fundamentais.
Logo, parece-nos ser conclusiva a desnecessidade de intervenção
popular na legitimação do Órgão, na medida em que este mecanismo se
aproxima mais do princípio democrático do que do Estado de Direito.
Em toda a sua história, da criação aos nossos dias, a Jurisdição parece
ter estado mais ligada ao Estado de Direito do que ao princípio demo-
crático118; aliás, o próprio exercício da soberania popular identificar-se-ia
menos com a atividade legislativa ordinária e mais com a produção de
normas constitucionais – diante da inversão do momento democrático:
da anterior soberania, intangibilidade e omnipotência dos Parlamentos

115 Numa democracia, além de se conferir o exercício efetivo e pleno da governação

ao povo, é preciso, sobretudo, acompanhar o cumprimento do mandato dos governantes


de acordo com aquela vontade popular e com os direitos dos cidadãos: CANOTILHO,
Gomes. Estado de Direito, op. cit., p. 7
116 CANOTILHO, Gomes. Estado de Direito, op. cit., p. 15.
117 Essa relevância da realização da justiça já podia ser percebida mesmo em formas

primárias do Estado de Direito. Como se sabe, de entre as funções que competiam histo-
ricamente, ao poder político, a mais importante era a de administrar a justiça reclamada
pelos povos, fosse ela feita diretamente pelos reis, pelos tribunais ou até por órgãos
colegiais (como os parlamentos).
118 JUST, Gustavo. A teoria da interpretação como variável do paradoxo da jurisdição

constitucional. In Revista de informação legislativa, Brasília, ano 42, n.º 165, jan./mar.,
2005, pp. 26, ss. De acordo com WEBER, Max. Economia e sociedade. 4.ª ed., Brasília,
1998, vol. I, p. 141, de entre os vários tipos de legitimidade – tradicional, carismática
e racional-legal, esta última é a que mais é capaz de expressar o Estado de Direito.
302 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

para a soberania, supremacia e incontestabilidade da Constituição e do


poder constituinte.
Como adverte DWORKIN119, se uma fácil compatibilidade do prin-
cípio democrático é constatada nas choice-sensitive, preference sensitive
(matérias sensíveis à escolha ou à preferência), quando nos deparamos
com as choice-insensitive, preference insensitive (matérias insensíveis à
opção ou à preferência), em que o exemplo mais referido desse conflito
é o da realização da justiça nos direitos do Homem, maxime, direitos
fundamentais, podemos perceber dificuldades maiores na conceção da
justiça capaz de realizar os distintos, ou eventualmente incompatíveis,
interesses constitucionais protegidos, pois ela pode apresentar-se tanto
como uma questão de política como uma questão de princípio120. Numa
democracia constitucional moderna, com um poder constituinte avisado,
esta determinação tem sido conferida às jurisdições constitucionais, na
esperança de possuírem a melhor filosofia política capaz de se integrar
de maneira coerente no conjunto do Direito121 (num sistema social
saudável, a Jurisdição é o principal escudo, o verdadeiro «trunfo» dos
cidadãos contra o poder e contra todos os fenómenos que resultam da
sua intrínseca natureza). Próximo dessa perspetiva encontra-se também
Maria CALLEJON122 que, embora referindo-se ao poder judiciário em
geral, afirma que a sua falta de uma representatividade originariamente
eletiva não impede que se admita a sua legitimação democrática, já que
numa democracia complexa, que pretende assegurar não só o governo
das maiorias, mas também o respeito das minorias, bem como dos direi-
tos e liberdades em geral, são imprescindíveis mecanismos de controlo
que não necessariamente sejam exercitados por órgãos representativos.
Portanto, não é verdade que a legitimidade da Jurisdição só pode ser
alcançada por meio da intervenção popular pela via eleitoral na constituição
do Órgão, ou que, se não forem nomeados por órgãos democraticamente
instituídos, lhe faltará a legitimidade123. Existem vários mecanismos de

119 Equality… op. cit., pp. 324, ss.


120 Vide, em termos aproximados, BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit.,
pp. 43, ss.
121 BRITO, José de Sousa e. Jurisdição… op. cit., p. 42.
122 CALLEJON, Maria Luisa Balaguer. La interpretación de la constitución por la

jurisdicción ordinária. Madrid, Editorial Civitas, 1990, p. 26.


123 De acordo com TAVARES, André Ramos. Teoria… op. cit., p. 504, é de uma

correção a toda a prova, uma falácia, o argumento de que o princípio democrático seria
negado se existisse um poder que não fosse constituído, de algum modo, pelo povo.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 303

legitimação, além desta via, que parecem adequar-se e ser aceites nos
Estados modernos124.

C. É, ou não, necessária uma legitimação pela eleição popular?


Por conseguinte, não há nenhuma imposição de legitimação pela via
popular. É, inclusive, afastada a possibilidade de a legitimação poder
estar dependente da maior ou menor intervenção do povo na constitui-
ção da jurisdição. Como afirma André Ramos TAVARES125, de entre
as alternativas possíveis, a utilização do sufrágio universal direto para a
composição subjetiva do Tribunal seria, provavelmente, o modo menos
aconselhável de preservar a democracia. A ideia dos «incentives of the
Judiciary»126 é, por conseguinte, geralmente rejeitada.
Quando se tratar do TC, a legitimação democrática não significará
legitimação por meio da intervenção direta do povo, nem precisa de
ser legitimado imediatamente pelo poder popular por não exercer uma
atividade política; aliás, hodiernamente, nem todas as instituições sociais
e estaduais têm de merecer a necessária legitimação pelo princípio demo-
crático. O consentimento do povo, pela via democrática, não será assim
determinante na realização da justiça constitucional.
Se ao Tribunal cabe defender essencialmente o Estado de Direito,
qual deve ser a sua posição ante o jogo político-democrático?

D. Limites dos poderes do juiz constitu­cional (consequências)


É a defesa dos direitos dos indivíduos e das minorias que tem
sido impulsionador de um forte ativismo judicial. Sob a influência de
DWORKIN, o autor que elaborou as teorias mais sofisticadas e siste-
matizadas em defesa de um certo construtivismo interpretativo e de um
living approach na concretização da Constituição127, têm os tribunais

Otto BACHOF recorda que o caráter democrático nem sempre está ligado à forma de
eleição dos membros em causa, pois, os funcionários do Estado, ou até alguns membros
do governo, nomeados e/ou coligados, não foram eleitos diretamente pelo povo e não se
coloca a questão da sua legitimidade: op. cit., p. 59.
124 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica… op. cit., p. 39.
125 Teoria da Justiça, op. cit., p. 505.
126 Cfr., sobre o assunto, maiores desenvolvimentos em MULLER, Dennis. Consti-

tutional Democracy, op. cit., pp. 284, ss.


127 ESTEVES, Maria da Assunção. Op. cit., p. 128.
304 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

construído uma doutrina de superioridade do Estado dos Direitos em


relação ao Estado das políticas.
A confiança de tão elevadas responsabilidades não significa que
o Estado de Direito possa legitimamente ser invocado contra toda e
qualquer intenção e transformação social operada nos quadros de uma
democracia política128.
A conceção que vê com contínua desconfiança a decisão da maioria
pode produzir um efeito contrário ao poder judicial. A utopia (da melhor
racionalidade das decisões judiciais) existente na recusa da vontade
política das maiorias seria apenas inquestionável se dos órgãos do Estado
com funções de efetivação da Constituição pudessem resultar soluções
efetivamente consensuais, definidoras de parâmetros absolutamente
válidos para todos os destinatários dos comandos emitidos pelos poderes
públicos. Não é essa, no entanto, a realidade. Tão verdade é que a própria
Jurisdição decide com base no critério da maioria, da vontade dominante
e não da vontade aglutinadora da totalidade de distintos interesses dos
cidadãos. Os votos de vencido são disso exemplo claro. Sob pena de
redundarem num segundo processo de decisão política, os juízes devem
mostrar-se bastante prudentes, evitando interferências em espaços com
predominância política129. Pelo que a aceitação do Tribunal no âmbito
do sistema só pode ser garantida numa atuação que, na realização do
Estado de Direito, intente respeitar os limites decorrentes da natureza da
atividade que desempenha.
O Tribunal não pode interferir na Democracia ou no exercício da
função política, enquanto não sejam eles próprios elementos autónomos
de tutela ao abrigo do Estado de Direito ou derivados da relação que
este estabeleça com o princípio democrático.
No tocante à Constituição, é preciso garantir uma efetiva distinção
entre poder constituinte e constituídos. As opções constituintes vinculam
todos os poderes públicos e estes devem materializá-la conforme aquele
pretende, não cabendo ao Tribunal rejeitá-las, sob uma argumentação de
inadequadas ou indevidas130. Se a Constituição, que é superior e inalterável

128 NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios… op. cit., p. 49.


129 No entender de HÄBERLE, o dilema direito ou política existe apenas aparen-
temente, pois, o Tribunal é força política, mesmo quando é cauteloso e qualquer outra
afirmação seria enganosa. HÄBERLE, Peter. Jurisdição… op. cit., p. 74.
130 Como repara MIRANDA, Jorge. Manual… op. cit., p. 20, não vemos como

órgãos de fiscalização […] seriam competentes para apreciar e não aplicar, com base na
constituição, qualquer das suas normas. Mas o mesmo autor, embora com reservas, chama
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 305

pelos métodos comuns, poder ser simplesmente derrogada ou rejeitada


pelos poderes constitucionalizados, na defesa de uma filosofia político-
-jurídica distinta, então ela é apenas um escrito absurdo, uma tentativa
vã por parte do povo em limitar poderes que afinal são ilimitáveis131.
A jurisdição, que deve respeitar a separação de poderes, não pode
exercer o papel do legislador ordinário, substituindo-o nas escolhas
constitucionalmente admissíveis, nem definir por ele as soluções mais
adequadas à Constituição, seja em caso de inconstitucionalidade por ação,
como em caso de omissões132. Os seus poderes acabam onde começa a
reserva do legislador133. Num entendimento dinâmico da Constituição
como projeto inacabado, o próprio Tribunal Constitucional, além de
não ter o monopólio da interpretação, que, numa sociedade aberta de
intérpretes é tarefa de todos (HÄBERLE), nem sequer tem (em termos
inequívocos) a última palavra na interpretação da Constituição. É à maioria
demo­craticamente legitimada para governar que compete fazer as leis e
não aos juízes, mesmo ao juiz constitucional, a quem apenas compete
verificar se aquela legislou contra a Constituição134. A sua intervenção
no campo da fiscalização deve propender sobre os poderes vinculados e
não sobre os poderes constitucionalmente discricionários do legislador
referentes às normas constitucionais não diretamente aplicáveis e carentes
de desenvolvimento posterior.
No campo da interpretação constitucional, deve a Jurisdição fixar
sentidos que ainda caibam no espaço de abrangência das normas. Como
frisa DWORKIN135, os juízes não devem tomar decisões independentes
acerca da mudança ou expansão do livro das regras, porque essas deci-
sões devem ser tomadas apenas sob o controlo popular.

à atenção sobre a possibilidade de o poder judicial não aplicar normas constitucionais


gravemente injustas, contrárias a imperativos de direito natural. Cfr. MIRANDA, Jorge.
Manual… op. cit., p. 22.
131 Próximo destes termos, vide STARCK, Christian. Op. cit., p. 63.
132 No combate a qualquer supremacia das cortes, vide TUSHNET, Mark. Taking

the Constitution Away from the Courts. New Jersey, Princeton University Press, 1999,
pp. 6-31.
133 MOREIRA, Vital. Op. cit., pp. 177-199. Sobre o domínio da ação do Executivo:

FALLON Richard, jr. The Dynamic Constitution. Cambridge, Cambridge University


Press, 2004, pp. 200, ss.
134 MOREIRA, Vital. Op. cit., Idem.
135 A matter of principle. Cambridge, Massachussets, Harvard University, 1985,

p. 18 (apud TAVARES, André Ramos. Teoria… op. cit., p. 536).


306 LEANDRO EMÍDIO DA GAMA FERREIRA

4. Conclusões
O problema da legitimação democrática da Jurisdição resume-se
em saber se os juízes possuem (ou deverão possuir), na sua atuação, a
anuência, prévia ou concomitante, do poder popular para invalidar a sua
própria vontade, institucionalmente expressa pelos poderes legislativo
e executivo, uma vez acusado de interferência no exercício da função
política, por deter meios de forte interferência, suscetíveis de impor a
vontade dos juízes aos órgãos políticos democráticos e representativos
do povo. Mas, ao mesmo tempo que se questiona a limitação do poder
político, a humanidade parece não querer esquecer o sofrimento que lhe
fora infligido num passado recente, ou em toda a sua história e conjunturas,
reforçando cada vez mais os mecanismos de controlo do poder político,
com o fim de garantir a efetiva proteção de direitos fundamentais nos
sistemas atuais, em que se agudiza, dia após dia, a descrença do povo
no ente político do Estado, ante os seus desvios funcionais.
Apesar de esse trauma ter aconchegado ao povo um Órgão conotado
como protetor de direitos, a convivência de reivindicações democráticas
mantém ainda vivo o problema da legitimidade, pelo que, mais do que
questionar a sua existência, tivemos de encontrar uma fundamentação
dogmática capaz de suportar a intervenção do Tribunal no quadro político.
Com soluções teóricas distintas, constatamos que largos setores da
doutrina insistem em buscar a legitimidade da Jurisdição no dogma
clássico de nenhuma forma de poder dever exercer-se sem haver sido
instituída pelo povo. Verificámos que a doutrina procura realidades e
soluções (sob a alegada reivindicação popular de legitimação) que ela
própria se recusa a conferir hospitalidade no pragmatismo e funciona-
mento das instituições do Estado. Após proceder à sua análise, do nosso
estudo resulta a conclusão de não existir uma necessidade de legitimidade
democrática da Jurisdição Constitucional e que é aliás um falso problema,
uma retórica interminável.
Primeiro, porque a jurisdição esteve, historicamente (assim conti-
nuando), ligada mais ao Estado de Direito do que ao princípio democrático.
Embora partes do coração de uma sociedade, em que ambos os valores
fundamentais têm de ser materializados, é ao Estado de Direito e aos
seus princípios estruturantes que, legitimando-a, cumpre primacialmente
defender às ameaças concretas das sociedades modernas.
A LEGITIMAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 307

Segundo, porque a legitimidade não significa apenas intervenção


popular na criação do órgão, mas, sobretudo, a aceitação social da auto-
ridade dos detentores do poder.
A democracia não deixa, no entanto, de constituir um histórico e neces-
sário momento de civilidade. A defesa de direitos não deve significar o
uso descontrolado do Estado de Direito contra toda e qualquer intenção de
uma democracia política. O Tribunal encontra-se rodeado por processos
democráticos aos quais se deve submeter, de modo a permitir que as deci-
sões políticas fundamentais sejam definidas pelo povo sob pressupostos
democráticos. Por isso deve o Tribunal, na defesa do Estado de Direito,
adotar uma posição clara ante o jogo democrático. O juiz constitucional
deve ser não só tenaz, mas prudente – selfrestraint – e sábio ao não cair
na tentação de um ativismo judicial inusitado. Não deixamos de aceitar
que, como sempre defendeu DWORKIN, a neutralidade política do juiz
constitucional não pode facilmente ser alcançada, por este decidir em regra
com certa motivação e determinados pressupostos ideológicos políticos.
Mas é preciso lembrar-lhe que não deve transformar a atividade judicial
num processo autónomo de decisão política. Por conseguinte, o juiz não
deverá determinar o fim ou conteúdo da ação política, mas tão-só impor
limites aos modos segundo os quais não é lícito agir. Poderá proceder a
uma concretização jurídico-interpretativa, mas não a uma concretização
política da Constituição.

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