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Processo: 0438/14
Data do Acordão: 20-11-2014
Tribunal: 1 SECÇÃO
Relator: FERNANDA MAÇÃS
Descritores: EFEITOS DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
LIMITAÇÃO DE EFEITOS
CASO JULGADO MATERIAL
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário: I - Subjacente aos poderes conferidos pelo nº 4 do art. 282º da CRP está a ponderação
feita pelo legislador constituinte no sentido de que a renúncia à declaração de
inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória há-de depender da
ponderação feita pelo Tribunal Constitucional de que, no caso concreto, a declaração de
inconstitucionalidade com limitação de efeitos assegura melhor a normatividade da
Constituição do que simples declaração de inconstitucionalidade.
II - Quando o Tribunal Constitucional se pronuncia sobre a inconstitucionalidade de uma
norma com força obrigatória geral define com carácter vinculativo e imodificável, não
apenas que a norma é inconstitucional, mas também as condições e o momento a partir do
qual essa norma deixará de produzir efeitos na ordem jurídica.
III - Assim sendo, qualquer tribunal em sede de fiscalização concreta fica impedido de
desaplicar a norma, com fundamento em inconstitucionalidade, depois de o Tribunal
Constitucional ter declarado, em pronúncia com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade dessa norma, e de ter, em consonância com os poderes decisórios
que lhe são constitucionalmente cometidos, no nº 4 do art. 282º da CRP, salvaguardando
os efeitos entretanto produzidos até à sua decisão, sob pena de violação do caso julgado,
entretanto formado, sobre declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Nº Convencional: JSTA00068993
Nº do Documento: SA1201411200438
Data de Entrada: 11-04-2014
Recorrente: ASSOC SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES
Recorrido 1: TRIBUNAL DE CONTAS
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual: ACÇÃO ADM ESPECIAL
Objecto: DECIS TCO
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática 1: DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL
Legislação Nacional: L 83-C/2013 DE 2013/12/31 ART33 N9.
CONST76 ART282 N1 N4.
Jurisprudência Nacional: AC TC 93/92 PROC151/90 DE 1992/03/11.; AC TC 140/02 PROC731/99 DE 2002/04/09.; AC TC 308/01 PROC450/92 DE
2001/07/03.; AC TC 405/03 DE 2003/09/17.; AC TC 81/03 PROC628/01 DE 2003/02/12.; AC TC PROC14/2014 DE 2014/05/30.; AC
TC 163/2000 PROC137/98 DE 2000/03/22.
Referência a Doutrina: MARCELO REBELO DE SOUSA - O VALOR JURIDICO DO ACTO INCONSTITUCIONAL PAG262.
GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 4ED PAG981-982
PAG975.
RUI MEDEIROS - A DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PAG620 PAG765 PAG874.
JORGE MIRANDA - CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA III PAG845.
Aditamento:
Texto Integral
I- RELATÓRIO
4- A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste STA emitiu douto parecer no sentido dessa
mesma procedência.
5- Com dispensa de vistos, mas entrega em mão do acórdão, cumpre apreciar e decidir
II-FUNDAMENTOS
1- DE FACTO
2- DE DIREITO
2-1- Através da acção administrativa especial dos autos, vem a associação sindical autora,
em representação dos Juízes Conselheiros seus associados que constam do rol de fls. 23,
pedir a anulação dos actos que, ao abrigo do art. 33º da Lei do Orçamento de Estado para
2014 (a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), processaram os seus vencimentos no mês
de Janeiro de 2014 e nos meses subsequentes; e, a título complementar, a autora pede
que o Tribunal de Contas seja condenado a restituir aos mesmos associados as diferenças
remuneratórias retidas e a pagar-lhes os juros moratórios correspondentes, à taxa legal.
Acontece que aquele art. 33º foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral e
por ofensa do princípio da igualdade, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional, de
30/5/2014, proferido no Proc n.º 14/2014.
No entanto, o acórdão determinou que tal declaração de inconstitucionalidade só produziria
efeitos «a partir da data da presente decisão».
A questão que se coloca é a de saber como conjugar a resssalva de efeitos do acto
normativo declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização
abstracta, com a fiscalização sucessiva concreta a cargo de qualquer tribunal num
processo ainda pendente.
Vejamos.
2-2- A possibilidade de um acto nulo poder produzir efeitos como se tratasse de um acto
válido, ainda que durante um período temporalmente limitado, não é isenta de dificuldades
quanto ao seu sentido e alcance, em especial no que se refere à força vinculativa da
decisão do Tribunal Constitucional quanto à limitação de efeitos.
Para alguma doutrina, decorre da própria essência da nulidade da declaração de
inconstitucionalidade, que devem “(…) os tribunais recusar-se a aplicar, declarando
implicitamente nulos, actos inconstitucionais nos processos pendentes relativos a factos
anteriores ao início da produção de efeitos de uma declaração expressa de
inconstitucionalidade com força obrigatória do Tribunal Constitucional, mesmo que esta
tenha salvo todos os efeitos do acto nulo até à sua publicação”, sob pena de, por esta via,
se esvaziar de conteúdo a sanção de nulidade (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, O
valor jurídico do acto inconstitucional, Lisboa, 1988, p. 262).
Para outros autores, os casos pendentes devem ficar fora da ressalva de efeitos, sob pena
de a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória poder funcionar como
«prémio» para a norma em causa, ou seja, para o legislador, na fiscalização concreta. “Por
isso, mesmo que haja ressalva de efeitos, nos processos pendentes, os tribunais, incluindo
o TC, não ficam impedidos de julgar essa norma como inconstitucional (ou ilegal) e de se
recusar a aplicá-la” (cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 981/82).
Afigura-se, porém, que as teses mencionadas não correspondem à interpretação que
resulta do art. 282º da CRP, tendo especialmente em conta o seu nº 4.
Senão vejamos.
2-2-2- Tendo por referência as teses atrás mencionadas, sustentar que a restrição de
efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não vincula os
tribunais nos casos pendentes (fiscalização concreta) retiraria sentido útil à própria noção
de força obrigatória geral. Afinal, o decidido não produziria efeitos gerais deles se retirando
os tribunais em sede de fiscalização concreta resultado que seria tanto mais absurdo
quando tanto implicaria que a tal decisão ficasse vinculado o próprio legislador.
As teses mencionadas revelam-se, por outro lado, em conflito com o caso julgado formado
sobre a decisão do Tribunal Constitucional, uma vez que pronunciada a decisão com força
obrigatória geral a mesma passa a gozar da imutabilidade e a definitividade que
caracterizam aquele, impondo-se não apenas aos tribunais, mas a todos os órgãos e
agentes do poder político do Estado, incluindo os próprios particulares. Acresce que tal
vinculatividade, própria do caso julgado, respeita a todas as dimensões integrantes da
decisão, quer digam respeito ao segmento em que se declara a inconstitucionalidade da
norma, quer ao que decide sobre o alcance da mesma (cfr. RUI MEDEIROS, ob. cit., p.738
e pp. 800 ss.).
É nesta dupla dimensão que o caso julgado a todos se impõe, precludindo, em
consequência, designadamente a possibilidade de qualquer outro tribunal se pronunciar
em sentido diverso, sobrepondo, em violação do caso julgado, a sua pronúncia no caso
concreto à do Tribunal Constitucional.
Para além do mais, tal solução frustraria a razão de ser que presidiu à construção da
norma inutilizando o concreto julgador através da sua decisão o juízo de ponderação feito
pelo legislador constituinte de revisão e justificador do regime constitucionalmente previsto
no que diz respeito à margem de discricionariedade concedida ao Tribunal Constitucional
para a limitação temporal da produção de efeitos.
III- DECISÃO
Termos em que os Juízes de Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal
acordam, em conferência, em julgar totalmente improcedente a ação administrativa,
absolvendo o R. do pedido.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Novembro de 2014. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora por
vencimento) – José Augusto Araújo Veloso – Jorge Artur Madeira dos Santos(Vencido, nos
termos da declaração que junto).
VOTO DE VENCIDO
Através da acção administrativa especial dos autos, vem a associação sindical autora, em
representação dos Juízes Conselheiros seus associados que constam do rol de fls. 23,
pedir a anulação dos actos que, ao abrigo do art. 33º da Lei do Orçamento de Estado para
2014 (a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), processaram os seus vencimentos no mês
de Janeiro de 2014 e nos meses subsequentes; e, a título complementar, a autora pede
que o Tribunal de Contas seja condenado a restituir aos mesmos associados as diferenças
remuneratórias retidas e a pagar-lhes os juros moratórios correspondentes, à taxa legal.
Aquele art. 33º foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral e por ofensa do
princípio da igualdade, pelo acórdão do Tribunal Constitucional de 30/5/2014, proferido no
processo n.º 14/2014. E o acórdão determinou que tal declaração de inconstitucionalidade
só produziria efeitos «a partir da data da presente decisão».
Mas esta restrição de efeitos «in tempore» não obsta a que qualquer tribunal, exercendo
uma fiscalização concreta, atenda à inconstitucionalidade da norma e dela extraia as
devidas consequências, «ab origine» (cfr., v.g., Marcelo Rebelo de Sousa, O Valor Jurídico
do Acto Inconstitucional, pág. 262, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, vol. II,
pág. 982). A solução oposta, adoptada pela posição vencedora, extrai consequências
excessivas da fiscalização abstracta, cuja pronúncia restritiva só pode afectar as
impugnações futuras - sob pena de lesão inadmissível dos interesses dos já impugnantes.
Sendo assim, considero que estávamos em condições de avaliar da legalidade dos actos
impugnados na acção com base na inconstitucionalidade daquele art. 33º, que eles
aplicaram.
Ora, tendo o Tribunal Constitucional decidido já que esse art. 33º é inconstitucional por
violação do princípio da igualdade, tendo mesmo erradicado tal norma da ordem jurídica,
está adquirida a inconstitucionalidade do preceito. Por via disso, esvaía-se o título jurídico
em que os actos impugnados fundaram a redução remuneratória dos vencimentos dos
associados da autora. Donde se segue que tais actos são ilegais, como a autora afirma,
devendo ser anulados.
E, consequentemente, o Tribunal de Contas devia ser condenado a restituir aos ditos
Juízes Conselheiros as diferenças de vencimentos que, desde o início de 2014, lhes não
pagou. Condenação que devia abranger os juros de mora incidentes sobre todas essas
diferenças que se foram vencendo e que seriam contados à taxa legal - tudo isto nos
termos gerais dos arts. 804º a 806º do Código Civil. É que a circunstância do Tribunal de
Contas estar vinculado a observar a norma inconstitucional não exclui a sua «obrigação de
reparar os danos causados» pelo atraso na reposição integral dos vencimentos.
Deste modo, julgaria totalmente procedente a acção dos autos.