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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 0438/14
Data do Acordão: 20-11-2014
Tribunal: 1 SECÇÃO
Relator: FERNANDA MAÇÃS
Descritores: EFEITOS DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
LIMITAÇÃO DE EFEITOS
CASO JULGADO MATERIAL
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário: I - Subjacente aos poderes conferidos pelo nº 4 do art. 282º da CRP está a ponderação
feita pelo legislador constituinte no sentido de que a renúncia à declaração de
inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória há-de depender da
ponderação feita pelo Tribunal Constitucional de que, no caso concreto, a declaração de
inconstitucionalidade com limitação de efeitos assegura melhor a normatividade da
Constituição do que simples declaração de inconstitucionalidade.
II - Quando o Tribunal Constitucional se pronuncia sobre a inconstitucionalidade de uma
norma com força obrigatória geral define com carácter vinculativo e imodificável, não
apenas que a norma é inconstitucional, mas também as condições e o momento a partir do
qual essa norma deixará de produzir efeitos na ordem jurídica.
III - Assim sendo, qualquer tribunal em sede de fiscalização concreta fica impedido de
desaplicar a norma, com fundamento em inconstitucionalidade, depois de o Tribunal
Constitucional ter declarado, em pronúncia com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade dessa norma, e de ter, em consonância com os poderes decisórios
que lhe são constitucionalmente cometidos, no nº 4 do art. 282º da CRP, salvaguardando
os efeitos entretanto produzidos até à sua decisão, sob pena de violação do caso julgado,
entretanto formado, sobre declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Nº Convencional: JSTA00068993
Nº do Documento: SA1201411200438
Data de Entrada: 11-04-2014
Recorrente: ASSOC SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES
Recorrido 1: TRIBUNAL DE CONTAS
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual: ACÇÃO ADM ESPECIAL
Objecto: DECIS TCO
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática 1: DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL
Legislação Nacional: L 83-C/2013 DE 2013/12/31 ART33 N9.
CONST76 ART282 N1 N4.
Jurisprudência Nacional: AC TC 93/92 PROC151/90 DE 1992/03/11.; AC TC 140/02 PROC731/99 DE 2002/04/09.; AC TC 308/01 PROC450/92 DE
2001/07/03.; AC TC 405/03 DE 2003/09/17.; AC TC 81/03 PROC628/01 DE 2003/02/12.; AC TC PROC14/2014 DE 2014/05/30.; AC
TC 163/2000 PROC137/98 DE 2000/03/22.
Referência a Doutrina: MARCELO REBELO DE SOUSA - O VALOR JURIDICO DO ACTO INCONSTITUCIONAL PAG262.
GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 4ED PAG981-982
PAG975.
RUI MEDEIROS - A DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PAG620 PAG765 PAG874.
JORGE MIRANDA - CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA III PAG845.
Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo

I- RELATÓRIO

1- A Associação Sindical dos Juízes Portugueses, «em representação e defesa colectiva


dos direitos e interesses de alguns dos seus associados, os Juízes Conselheiros referidos
a fls. 23, intentou contra o Tribunal de Contas a presente acção administrativa especial,
pedindo a anulação dos actos que, a partir de Janeiro de 2014, inclusive, processaram os
vencimentos daqueles magistrados ao abrigo de uma norma inconstitucional e a
condenação da entidade demandada a pagar-lhes as diferenças remuneratórias retidas e
os respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo cumprimento.

2- O Tribunal de Contas apresentou «a sua contestação», em que se limitou a oferecer «o


merecimento dos autos» e a esclarecer «que se tratou de aplicar a lei».

3- Somente alegou a autora, preconizando a procedência da acção.

4- A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste STA emitiu douto parecer no sentido dessa
mesma procedência.

5- Com dispensa de vistos, mas entrega em mão do acórdão, cumpre apreciar e decidir

II-FUNDAMENTOS
1- DE FACTO

Estão assentes os seguintes factos, pertinentes à decisão:


“1 – Os Juízes Conselheiros do Tribunal de Contas indicados a fls. 23 são associados da
autora.
2 – A partir de Janeiro de 2014, inclusive, os vencimentos desses magistrados foram
processados e pagos com a redução imposta pelo art. 33º da Lei do Orçamento de Estado
para 2014.
3 – O Acórdão do Tribunal Constitucional de 30/5/2014, proferido no proc. n.º 14/2014,
declarou essa norma inconstitucional, com força obrigatória geral e com restrição de efeitos
à data do aresto, por violação do princípio da igualdade.”

2- DE DIREITO

2-1- Através da acção administrativa especial dos autos, vem a associação sindical autora,
em representação dos Juízes Conselheiros seus associados que constam do rol de fls. 23,
pedir a anulação dos actos que, ao abrigo do art. 33º da Lei do Orçamento de Estado para
2014 (a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), processaram os seus vencimentos no mês
de Janeiro de 2014 e nos meses subsequentes; e, a título complementar, a autora pede
que o Tribunal de Contas seja condenado a restituir aos mesmos associados as diferenças
remuneratórias retidas e a pagar-lhes os juros moratórios correspondentes, à taxa legal.
Acontece que aquele art. 33º foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral e
por ofensa do princípio da igualdade, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional, de
30/5/2014, proferido no Proc n.º 14/2014.
No entanto, o acórdão determinou que tal declaração de inconstitucionalidade só produziria
efeitos «a partir da data da presente decisão».
A questão que se coloca é a de saber como conjugar a resssalva de efeitos do acto
normativo declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização
abstracta, com a fiscalização sucessiva concreta a cargo de qualquer tribunal num
processo ainda pendente.
Vejamos.

2-2- A possibilidade de um acto nulo poder produzir efeitos como se tratasse de um acto
válido, ainda que durante um período temporalmente limitado, não é isenta de dificuldades
quanto ao seu sentido e alcance, em especial no que se refere à força vinculativa da
decisão do Tribunal Constitucional quanto à limitação de efeitos.
Para alguma doutrina, decorre da própria essência da nulidade da declaração de
inconstitucionalidade, que devem “(…) os tribunais recusar-se a aplicar, declarando
implicitamente nulos, actos inconstitucionais nos processos pendentes relativos a factos
anteriores ao início da produção de efeitos de uma declaração expressa de
inconstitucionalidade com força obrigatória do Tribunal Constitucional, mesmo que esta
tenha salvo todos os efeitos do acto nulo até à sua publicação”, sob pena de, por esta via,
se esvaziar de conteúdo a sanção de nulidade (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, O
valor jurídico do acto inconstitucional, Lisboa, 1988, p. 262).
Para outros autores, os casos pendentes devem ficar fora da ressalva de efeitos, sob pena
de a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória poder funcionar como
«prémio» para a norma em causa, ou seja, para o legislador, na fiscalização concreta. “Por
isso, mesmo que haja ressalva de efeitos, nos processos pendentes, os tribunais, incluindo
o TC, não ficam impedidos de julgar essa norma como inconstitucional (ou ilegal) e de se
recusar a aplicá-la” (cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 981/82).
Afigura-se, porém, que as teses mencionadas não correspondem à interpretação que
resulta do art. 282º da CRP, tendo especialmente em conta o seu nº 4.
Senão vejamos.

2-2-1- Nos termos do nº 1 do art. 282º da CRP “a declaração de inconstitucionalidade ou


de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da
norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela,
eventualmente haja revogado.”
Segundo a doutrina, a declaração de inconstitucionalidade ou da ilegalidade de normas é
equivalente, em geral, à declaração de nulidade, considerando-se que as mesmas se
encontram feridas de nulidade desde a sua entrada em vigor, com a consequente
atribuição de carácter declarativo e não constitutivo à decisão do Tribunal Constitucional.
Como a norma declarada inconstitucional é nula desde a sua origem, significa que são
“igualmente inválidos não somente os efeitos directamente produzidos por ela (…)”, mas
também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo (actos administrativos, negócios
jurídicos, etc.”), cfr., entre outros, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pp. 975
ss.).
O mencionado preceito contém, porém, no nº 3, uma excepção à regra dos efeitos gerais
retroactivo da declaração de inconstitucionalidade e uma excepção da excepção.
A excepção é relativa ao caso julgado, ressalvando a Constituição os efeitos produzidos
pela norma declarada inconstitucional desde que tais efeitos tenham ganho forma definitiva
e irretractável por sentença judicial. Por sua vez, o Tribunal Constitucional pode afastar
esta excepção quando a norma respeite a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera
ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.
Do exposto resulta que, em regra, a declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral produz efeitos retroactivos, desde a entrada em vigor da norma declarada
inconstitucional (ou ilegal), atingindo as relações ou situações jurídicas ainda a discutir em
tribunal e em relação às quais se pode ainda aplicar, com efeitos úteis, a norma declarada
inconstitucional (cfr. RUI MEDEIROS, A Decisão de Inconstitucionalidade, Universidade
Católica Editora, 1999, p. 620).
A declaração de inconstitucionalidade de uma norma com o alcance previsto no nº 1 do art.
282º da CRP além de poder constituir um factor de incerteza e de insegurança poderá
igualmente contender com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos,
consequências que o efeito repristinatório das decisões de inconstitucionalidade pode
reduzir mas não eliminar.
O nº 4 do art. 282º da CRP confere ao Tribunal Constitucional a faculdade de fixar os
efeitos da declaração de inconstitucionalidade podendo o seu alcance ser mais restrito do
que o resultante do indicado nos nºs 1 e 2, “Quando razões de segurança jurídica, razões
de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o
exigirem”.
Por via deste preceito o Tribunal Constitucional dispõe de ampla faculdade para moldar os
efeitos das suas decisões de provimento originando vários tipos de decisões atípicas, em
especial decisões através das quais o Tribunal se pronuncia pela inconstitucionalidade da
norma, mas declara a inaplicabilidade da norma declarada inconstitucional só a partir de
certo momento, em regra, a partir da publicação do acórdão (efeitos ex nunc e não ex
tunc).
A limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade não contende necessariamente
com a nulidade da lei inconstitucional, desde logo, porque a realidade mostra que a
ausência absoluta de aptidão para produzir efeitos não é requisito indispensável do
conceito de nulidade (vejam-se os exemplos dados pelo direito do urbanismo e a
possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações decorrentes de actos
nulos, por força do decurso do tempo e em homenagem a princípios jurídicos fundamentais
consagrada no nº 3 do art. 134º do CPA).
De qualquer modo, independente da tese que se aponte para integrar na teoria das
invalidades a que decorre da decisão de inconstitucionalidade de uma norma (nulidade
atípica ou invalidade mista), o que resulta do texto constitucional é que a invalidade da
norma declarada inconstitucional “não constitui uma figura unitária”.
Com efeito, se na generalidade dos casos a norma inconstitucional é nula, a consideração
de outros interesses ou bens constitucionalmente protegidos impõe que,
excepcionalmente, a invalidade possa ter um efeito mais restrito, nos termos do
estabelecido no art. 282º, nº 4, da CRP, sendo certo que tal “solução resulta directamente
do sistema jurídico-constitucional e não de uma determinação autónoma do Tribunal
Constitucional” (RUI MEDEIROS, ob. cit., pp. 765 e 874).
Por outro lado, concede-se que a limitação de efeitos vá em sentido contrário ao do
processo de fiscalização da inconstitucionalidade que visa, em última instância, expurgar
da ordem jurídica as normas inconstitucionais, compreendendo-se, assim, que o efeito
regra da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória seja a eliminação da
norma da ordem jurídica desde a entrada em vigor.
No entanto, a declaração de inconstitucionalidade com limitação de efeitos não pode ser
vista como um “prémio” para o legislador, mas tão só como um mecanismo gizado pela
própria Constituição destinado a mitigar o regime regra da declaração de
inconstitucionalidade, com vista a salvaguardar o sacrifício desproporcionado de outros
valores ou bens constitucionalmente protegidos.
Com a criação de um Tribunal Constitucional, na revisão constitucional de 1982, o
legislador constituinte consagrou este órgão como garante da segurança jurídica, da
equidade e do interesse público de excepcional relevo, por força da competência que lhe é
conferida, no nº 4 do art. 282º da CRP, destinada a adequar os efeitos da
inconstitucionalidade “«às situações da vida, a ponderar o seu alcance e a mitigar uma
excessiva rigidez que pudesse comportar»” (RUI MEDEIROS, ob. cit., pp. 674 ss.).
Através daquele preceito cabe ao Tribunal Constitucional verificar, entre o mais, “se as
consequências gerais da declaração de inconstitucionalidade são ou não excessivas,
devendo, para o efeito ponderar os diferentes interesses em jogo e, concretamente,
confrontar os interesses afectados pela lei inconstitucional com aqueles que
hipoteticamente seriam sacrificados em consequência da declaração de
inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória” (cfr. JORGE MIRANDA e
Outros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p.
845.)
É, por conseguinte, a própria Constituição que tolera a ideia de uma norma inconstitucional
poder continuar a ser aplicada mesmo após uma declaração de inconstitucionalidade,
porquanto se bem que o princípio da constitucionalidade exija o afastamento efectivo e o
mais rapidamente possível da inconstitucionalidade “(…) não se contenta apenas com uma
imediata maximização parcial (da norma constitucional violada) sem consideração das
restantes disposições e princípios constitucionais. O princípio da unidade da Constituição
postula uma concordância prática entre os diferentes interesses constitucionalmente
protegidos (…)”, donde as consequências da inconstitucionalidade da lei deverem ser
determinadas “no quadro da Constituição no seu todo e na sua unidade” (RUI MEDEIROS,
ob. cit., pp. 711-12).
Subjacente aos poderes conferidos pelo nº 4 do art. 282º da CRP está, assim, a
ponderação feita pelo legislador constituinte no sentido de que a renúncia à declaração de
inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória há-de depender da
verificação de que, no caso concreto, a declaração de “inconstitucionalidade com limitação
de efeitos assegura melhor a normatividade da Constituição do que simples declaração de
inconstitucionalidade” (cfr. RUI MEDEIROS, ob. cit., p. 712).
Não obstante o Tribunal gozar de amplos poderes na interpretação do nº 4 do art. 282º, da
CRP, estamos na presença de um poder vinculado (uma competência) que o Tribunal
Constitucional está obrigado a exercer desde que verificados os respectivos pressupostos.
Por outro lado, trata-se de um mecanismo excepcional que apenas legitima o Tribunal
Constitucional a afastar-se da regra do nº 1 do art. 282º da CRP quando conclua, em
decisão devidamente fundamentada, que, em face das circunstâncias concretas, a simples
declaração de inconstitucionalidade sacrificaria, em termos excessivos, a segurança
jurídica, a equidade ou um outro interesse constitucionalmente protegido.
Em face da letra do art. 282º, nº 4, da CRP, e da razão de ser do mesmo, afigura-se
incontornável que o mesmo comete ao Tribunal Constitucional poderes para a restrição
temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, com a consequente
salvaguarda dos efeitos entretanto produzidos pela norma declarada inconstitucional.
Importa sublinhar, que, como vimos, estamos perante um efeito que o legislador
constituinte de revisão decidiu assumir na ponderação que fez entre esse risco e a
eventual lesão de outros interesses que ilegitimamente ou desproporcionadamente seriam
afectados pela retroactividade da declaração de inconstitucionalidade.

2-2-2- Tendo por referência as teses atrás mencionadas, sustentar que a restrição de
efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não vincula os
tribunais nos casos pendentes (fiscalização concreta) retiraria sentido útil à própria noção
de força obrigatória geral. Afinal, o decidido não produziria efeitos gerais deles se retirando
os tribunais em sede de fiscalização concreta resultado que seria tanto mais absurdo
quando tanto implicaria que a tal decisão ficasse vinculado o próprio legislador.
As teses mencionadas revelam-se, por outro lado, em conflito com o caso julgado formado
sobre a decisão do Tribunal Constitucional, uma vez que pronunciada a decisão com força
obrigatória geral a mesma passa a gozar da imutabilidade e a definitividade que
caracterizam aquele, impondo-se não apenas aos tribunais, mas a todos os órgãos e
agentes do poder político do Estado, incluindo os próprios particulares. Acresce que tal
vinculatividade, própria do caso julgado, respeita a todas as dimensões integrantes da
decisão, quer digam respeito ao segmento em que se declara a inconstitucionalidade da
norma, quer ao que decide sobre o alcance da mesma (cfr. RUI MEDEIROS, ob. cit., p.738
e pp. 800 ss.).
É nesta dupla dimensão que o caso julgado a todos se impõe, precludindo, em
consequência, designadamente a possibilidade de qualquer outro tribunal se pronunciar
em sentido diverso, sobrepondo, em violação do caso julgado, a sua pronúncia no caso
concreto à do Tribunal Constitucional.
Para além do mais, tal solução frustraria a razão de ser que presidiu à construção da
norma inutilizando o concreto julgador através da sua decisão o juízo de ponderação feito
pelo legislador constituinte de revisão e justificador do regime constitucionalmente previsto
no que diz respeito à margem de discricionariedade concedida ao Tribunal Constitucional
para a limitação temporal da produção de efeitos.

2-2-3-Verifica-se que em algumas situações, o Tribunal Constitucional, socorrendo-se do nº


4 do art. 282º da CRP, limita os efeitos da declaração de inconstitucionalidade
salvaguardando os efeitos produzidos pela aplicação da norma em causa até à data da
publicação dos respectivos acórdãos, sem mais (neste sentido, cfr., entre outros, o acórdão
nº 93/92, proc. nº 151/90, de 11 de Março de 1992).
Noutros casos, o Tribunal Constitucional faz acompanhar a salvaguarda de efeitos “mas
sem prejuízo da produção desses efeitos nos casos pendentes de decisão do tribunal
sobre a sujeição a visto” (cfr. o Acórdão nº 140/02, proc. nº 731/99, de 9 de Abril de 2002);
ressalvando “as situações ainda susceptíveis de impugnação judicial ou que dela se
encontrem pendentes à data da publicação do acórdão” (cfr. o Acórdão nº 308/01, proc. nº
450/92, de 3 de Julho de 2001); “sem prejuízo de esta ressalva não abranger os actos
administrativos entretanto praticados e que hajam sido objecto de impugnação contencioso
por eventuais interessados” (cfr. o Acórdão nº 405/03, de 17 de Setembro de 2003); e,
finalmente, salvaguardando as situações jurídicas criadas e consolidadas durante o tempo
em que essas normas estiveram em vigor (cfr. Acórdão nº 81/03, proc. nº 628/01, de 12 de
Fevereiro de 2003).
No caso dos autos, nos termos do art. 33º, nº 9, alínea f), da Lei nº 83-C/2013, de 31 de
Dezembro, que aprova o Orçamento de Estado para 2014, ficam sujeitos à redução
remuneratória prevista no nº1 do mesmo preceito, “os juízes do Tribunal Constitucional e
os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República, bem como os
magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público e os juízes da jurisdição
administrativa e fiscal e dos julgados de paz.”
O Tribunal Constitucional, no Acórdão, de 30/5/2014, proc. nº 14/2014, para além de
declarar, entre o mais, na alínea a) da decisão, a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artº. 13º da
Constituição da República Portuguesa, das normas do artigo 33º da Lei nº 83-C/2013, de
31 de Dezembro, determinou que “a declaração da inconstitucionalidade da alínea a) só
produz efeitos a partir da data da decisão”.
Para tanto, pode ler-se no mencionado Acórdão “Importa ter em consideração, por outro
lado, que a eficácia ex tunc atribuída em geral à declaração de inconstitucionalidade, nos
termos do n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, num momento em que decorreu já um
amplo período de execução orçamental, implicaria, em relação aos destinatários da norma
do artigo 33.º da LOE de 2014, o reembolso da totalidade das verbas que, em aplicação
desse preceito, integram a redução remuneratória, incluindo os montantes que ainda se
contenham dentro dos limites julgados constitucionalmente admissíveis pela jurisprudência
constitucional anterior.
Nestes termos, considerando a necessidade de evitar a perda para o Estado da poupança
líquida de despesa pública já obtida no presente exercício orçamental por via das reduções
remuneratórias, apesar de excederem o limite do sacrifício que se entende
constitucionalmente admissível em relação aos trabalhadores que auferem por verbas
públicas, com base no disposto no n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, e em atenção a
esse interesse público de excecional relevo, o Tribunal decide atribuir efeitos ex nunc à
declaração de inconstitucionalidade das referidas normas, que, assim, se produzirão
apenas a partir da data da sua decisão.”
Ao contrário do que vimos acontecer em relação a outros acórdãos, o Tribunal
Constitucional não faz aqui qualquer menção quanto aos casos pendentes, nem tão pouco
reenviou, como fez no Acórdão nº 163/2000, proc. nº 137/98, de 22 de Março, para os
órgãos aplicadores do direito em geral a tarefa de decidir a restrição dos efeitos da
declaração de inconstitucionalidade.
Assim sendo, o silêncio não pode ser entendido como contendo um julgamento implícito
sobre a admissibilidade dessa salvaguarda, já que a declaração de inconstitucionalidade
com eficácia erga omnes “vale nos precisos limites e termos em que julga” (RUI
MEDEIROS, ob. cit., p. 739).
Em face do exposto, admitir que, no caso, um tribunal pudesse em julgamento concreto
desaplicar uma norma, com fundamento em inconstitucionalidade, depois de o Tribunal
Constitucional ter declarado, em pronúncia com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade dessa norma, e de ter, em consonância com os poderes decisórios
que lhe são constitucionalmente cometidos, no nº 4 do art. 282º da CRP, salvaguardando
os efeitos entretanto produzidos até à sua decisão, significaria estarmos a decidir em
sentido diverso do Tribunal Constitucional, permitindo que a contingente pronúncia no caso
concreto se sobrepusesse ao caso julgado, entretanto formado, sobre declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Quando o Tribunal Constitucional se pronuncia sobre a inconstitucionalidade de uma
norma com força obrigatória geral define com carácter vinculativo e imodificável, não
apenas que a norma é inconstitucional, mas também as condições e o momento a partir do
qual essa norma deixará de produzir efeitos na ordem jurídica.
Termos em que improcede a pretensão da A., devendo ser julgada a mesma improcedente.

III- DECISÃO
Termos em que os Juízes de Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal
acordam, em conferência, em julgar totalmente improcedente a ação administrativa,
absolvendo o R. do pedido.

Sem custas.

Lisboa, 20 de Novembro de 2014. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora por
vencimento) – José Augusto Araújo Veloso – Jorge Artur Madeira dos Santos(Vencido, nos
termos da declaração que junto).
VOTO DE VENCIDO

Através da acção administrativa especial dos autos, vem a associação sindical autora, em
representação dos Juízes Conselheiros seus associados que constam do rol de fls. 23,
pedir a anulação dos actos que, ao abrigo do art. 33º da Lei do Orçamento de Estado para
2014 (a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), processaram os seus vencimentos no mês
de Janeiro de 2014 e nos meses subsequentes; e, a título complementar, a autora pede
que o Tribunal de Contas seja condenado a restituir aos mesmos associados as diferenças
remuneratórias retidas e a pagar-lhes os juros moratórios correspondentes, à taxa legal.
Aquele art. 33º foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral e por ofensa do
princípio da igualdade, pelo acórdão do Tribunal Constitucional de 30/5/2014, proferido no
processo n.º 14/2014. E o acórdão determinou que tal declaração de inconstitucionalidade
só produziria efeitos «a partir da data da presente decisão».
Mas esta restrição de efeitos «in tempore» não obsta a que qualquer tribunal, exercendo
uma fiscalização concreta, atenda à inconstitucionalidade da norma e dela extraia as
devidas consequências, «ab origine» (cfr., v.g., Marcelo Rebelo de Sousa, O Valor Jurídico
do Acto Inconstitucional, pág. 262, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, vol. II,
pág. 982). A solução oposta, adoptada pela posição vencedora, extrai consequências
excessivas da fiscalização abstracta, cuja pronúncia restritiva só pode afectar as
impugnações futuras - sob pena de lesão inadmissível dos interesses dos já impugnantes.
Sendo assim, considero que estávamos em condições de avaliar da legalidade dos actos
impugnados na acção com base na inconstitucionalidade daquele art. 33º, que eles
aplicaram.
Ora, tendo o Tribunal Constitucional decidido já que esse art. 33º é inconstitucional por
violação do princípio da igualdade, tendo mesmo erradicado tal norma da ordem jurídica,
está adquirida a inconstitucionalidade do preceito. Por via disso, esvaía-se o título jurídico
em que os actos impugnados fundaram a redução remuneratória dos vencimentos dos
associados da autora. Donde se segue que tais actos são ilegais, como a autora afirma,
devendo ser anulados.
E, consequentemente, o Tribunal de Contas devia ser condenado a restituir aos ditos
Juízes Conselheiros as diferenças de vencimentos que, desde o início de 2014, lhes não
pagou. Condenação que devia abranger os juros de mora incidentes sobre todas essas
diferenças que se foram vencendo e que seriam contados à taxa legal - tudo isto nos
termos gerais dos arts. 804º a 806º do Código Civil. É que a circunstância do Tribunal de
Contas estar vinculado a observar a norma inconstitucional não exclui a sua «obrigação de
reparar os danos causados» pelo atraso na reposição integral dos vencimentos.
Deste modo, julgaria totalmente procedente a acção dos autos.

Jorge Artur Madeira dos Santos.

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