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17/10/23, 15:50 Acordão do Supremo Tribunal Administrativo

Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo


Processo: 0716/02
Data do Acordão: 23/05/2002
Tribunal: 1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator: SANTOS BOTELHO
Descritores: TESOUREIRO DA FAZENDA PÚBLICA.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
ABONO PARA FALHAS.
Sumário: I - O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um
princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema
constitucional global.
II - Trata-se, aqui, de um princípio de conteúdo pluridimensional, que
postula várias exigências, designadamente a de obrigar a um tratamento
igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de
situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de
situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais.
III - Temos, assim, que tal princípio não pode ser entendido como um
obstáculo ao estabelecimento pelo legislador de disciplinas diferentes,
quando diversas forem as situações que as normas pretendam regular.
IV - No fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio legislativo, mediante
uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente
apoio material e constitucional objectivo, servindo o princípio da
igualdade como princípio negativo de controlo do limite externo de
conformação da iniciativa do Legislador.
Nº Convencional: JSTA00057752
Nº do Documento: SA1200205230716
Data de Entrada: 02/05/2002
Recorrente: MINFIN
Recorrido 1: A...
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: REC JURISDICIONAL.
Objecto: AC TCA.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática 1: DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional: DL 158/96 DE 1996/09/03 ART24 N4.
DL 335/97 DE 1997/12/02 ART3 N3.
CONST97 ART13 ART59 N1.
Jurisprudência Nacional: AC STA PROC47048 DE 2001/02/22.; AC STA PROC47141 DE 2001/06/05.; AC STA
PROC47049 DE 2001/04/24.
Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal


Administrativo:
1-RELATÓRIO
1.1 O Ministro das Finanças recorre do Acórdão do TCA, de 19-12-01,
que, concedendo provimento ao recurso contencioso interposto por A...,
anulou o indeferimento tácito imputado ao agora Recorrente do recurso
hierárquico que lhe dirigiu o Recorrido, em 10. 7.98, do acto de
processamento dos suplementos a que se refere o n° 4, do artigo 24° do
DL 158/96, de 3-9.
Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
“I - O douto Acórdão recorrido não fez, salvo o devido respeito, uma

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correcta interpretação do princípio constitucional da igualdade.


II - Com efeito, o n° 3 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 335/97, de 3 de
Dezembro, não ofende os princípios constitucionais consagrados nos
artigos 13° e 59°, nº 3 da Constituição, não havendo, pois, qualquer
violação do princípio da igualdade.
III - O princípio da igualdade não impõe a absoluta uniformidade de
regimes jurídicos para todos os cidadãos, qualquer que seja a situação
em que se encontrem, permitindo e até impondo, em nome desse mesmo
princípio, diversidade de regimes justificados pela diferença de
situações.
IV - O que o princípio da igualdade exige é que se tratem por igual as
situações substancialmente iguais e que às situações substancialmente
desiguais se dê um tratamento desigual, mas proporcionado.
V - Para que houvesse a invocada violação do princípio da igualdade,
teria o recorrente que provar que exerce as mesmas funções dos demais
funcionários da DGCI que recebem a totalidade do FET.
VI - E, como é referido no n° 4 do artigo 24° do Decreto-Lei n° 158/96,
de 3 de Setembro, tal suplemento surge em função “de particularidades
especificas da prestação de trabalho”. É criada para compensar e
estimular o acréscimo de produtividade dos funcionários e agentes da
DGCI, bem como o esforço adicional daí decorrente, na cobrança
coerciva dos impostos, derivada dos processos no âmbito da
regularização das dívidas fiscais implantada pelo Decreto-Lei 126/96, de
10 de Agosto (Cfr. Preâmbulo da portaria n° 132/98, de 4 de Março, que
regulamentou as condições de aplicação desse mesmo suplemento).
VII - Não estando o recorrente investido no âmbito de tratamento de
processos, mas sim em serviço de caixa, serviço esse que está dentro do
conteúdo funcional da sua categoria, não pode ter a mesma
produtividade que os funcionários que têm tal tarefa como função
específica.
VIII - Foi, nas particularidades específicas da prestação de trabalho que
o legislador encontrou fundamento material bastante, para mandar
considerar o abono para falhas no cálculo do valor do suplemento em
causa.
IX - Como decorre do exposto, o douto Acórdão recorrido, ao decidir
como decidiu, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos
factos não existindo quaisquer fundamentos para que se considere
inconstitucional o n° 3 do artigo 3° do Decreto-Lei 3335/97.
Nestes termos...deve ser concedido provimento ao presente recurso
e...anulado o Acórdão recorrido.” - cfr. fls. 84-86.
1.2 O Recorrido não contra-alegou.
1.3 No seu Parecer o Magistrado do M. Público pronuncia-se pelo
provimento do recurso jurisdicional.
FUNDAMENTAÇÃO
2 - A MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto pertinente é a dada como provada no Acórdão
recorrido, que aqui consideramos reproduzida, como estabelece o n° 6,
do artigo 713° do CPC.
3-O DIREITO

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3.1 O Recorrente, que é tesoureiro ajudante principal, prestando serviço


nas Tesourarias da Fazenda Pública, impugnou contenciosamente, junto
do TCA, o indeferimento tácito, que imputou ao Ministro das Finanças,
do recurso hierárquico que lhe dirigiu em 10-7-98, “do acto processador
dos suplementos a que se refere o n° 4, do art. 24° do D.L. 158/96”,
peticionando o abono da quantia que entendia ser-lhe devida a título de
compensação de produtividade, sem dedução do abono para falhas (cfr.
o doc. de fls. 12-16).
Para o efeito sustentou, no essencial, que o indeferimento da sua
pretensão radicou na aplicação de preceito inconstitucional, a saber: o n°
3, do artigo 3° do DL 335/97, de 2-12, norma que ofende o disposto nos
artigos 13° e 59°, n° 1, alínea a) da CRP.
Esta tese foi sufragada no Acórdão agora objecto de recurso
jurisdicional, que, como já se viu, anulou contenciosamente o despacho
impugnado.
Na verdade, no aludido aresto entendeu-se que “a norma do n° 3, do art.
3° do DL n° 335/97 é inconstitucional por violação do princípio da
igualdade consagrados nos arts. 13° e 59º, n° 1, al. a) da CRP, deve ser
recusada a sua aplicação em concreto...o que torna ilegal o acto
recorrido.”- cfr. fls. 70.
3.2 Outra é, porém, a posição defendida pelo Recorrente, que considera
não se verificar a aludida inconstitucionalidade.
Ora, assiste, efectivamente, razão ao Recorrente.
Na verdade, o mencionado n° 3, do artigo 3° do DL 335/97, que, aliás,
como se verá seguidamente, não padece da referida
inconstitucionalidade, foi incorrectamente interpretado e aplicado pelo
Tribunal “a quo”.
É que, o Legislador ao estatuir que: “O abono para falhas atribuído ao
pessoal das tesourarias da Fazenda Pública é considerado para o efeito
do valor a que se refere o n° 1 do presente artigo” quis significar que o
valor do abono para falhas integra o do suplemento de produtividade a
que se reporta n° 1 do citado artigo, estando contido nele.
Por força, do aludido n° 3, do artigo 3° o abono para falhas não pode ser
acumulado ao suplemento de produtividade, só assim se compreende o
uso pelo Legislador do termo “considerado”.
A interpretação do dito n° 3, nos moldes acabados de explicitar, não
atenta contra o disposto nos artigos 13° e 59° da CRP.
Com efeito, a diferença de situação funcional entre os tesoureiros e os
demais funcionários da “Administração fiscal” justifica a diversidade de
regime no que concernente ao concreto montante do suplemento de
produtividade.
É sabido que o princípio constitucional da igualdade do cidadão perante
a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do
sistema constitucional global.
Trata-se, aqui, de um princípio de conteúdo pluridimensional, que
postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento
igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de
situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de
situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais.

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Este princípio, na sua dimensão material ou substancial vincula, desde


logo, o legislador ordinário.
Importa, porém, reter que tal princípio não pode ser entendido de forma
absoluta, vendo nele um obstáculo ao estabelecimento pelo legislador de
disciplinas diferentes quando diversas forem as situações que as normas
pretendam regular.
O princípio da igualdade, enquanto limite objectivo da discricionaridade
legislativa não impede, por isso, o legislador de proceder a distinções.
De facto, o que está vedado é a adopção de medidas que se traduzam em
distinções discriminatórias, sem qualquer fundamento razoável.
No fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio legislativo, mediante uma
diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente
apoio material e constitucional objectivo, servindo o princípio da
igualdade como princípio negativo de controlo ao limite externo de
conformação da iniciativa do legislador.
Vê-se, assim, que o princípio da igualdade não impõe a absoluta
uniformidade de regimes jurídicos para todos os cidadãos,
independentemente da situação em que se encontrem, desde que se trate
de tutelar situações não coincidentes.
Não violará tal princípio uma diferenciação de tratamento, por via legal,
que se baseie numa distinção objectiva das situações.
Por sua vez, o preceituado no artigo 59º da CRP também não resulta
inobservado com a interpretação agora perfilhada, a propósito do n° 3,
do artigo 3° do DL 335/97, não existindo, neste particular contexto uma
qualquer violação do princípio de salário igual para trabalho igual,
acolhido na alínea a), do n° 1, do citado artigo 59º.
No caso em análise como, aliás, decorre do já anteriormente exposto, a
vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade,
quer na sua previsão mais lata no artigo 13° da CRP, quer na sua
específica manifestação na alínea a), do n° 1, do artigo 59° da CRP, não
foi inobservada, sendo que a margem de liberdade de conformação
legislativa podia consubstanciar-se na adopção de norma como a contida
no n° 3, do artigo 3° do DL 335/97.
E, isto, atendendo à diferença de situação funcional entre os tesoureiros
das Tesourarias da Fazenda Pública e os demais funcionários da
“Administração Fiscal”, traduzida na circunstância de os Tesoureiros,
essencialmente, se limitarem a receber quantias liquidadas, sem qualquer
intervenção anterior, nas fases de maior complexidade do procedimento,
o que se consubstancia em motivo objectivo e razoável para o
estabelecimento de um tratamento não coincidente com os demais
funcionários, não se deparando, consequentemente, com uma qualquer
desigualdade inadmissível, arbitrária e sem justificação fundada em
valores objectivos constitucionalmente relevantes.
Esta tem sido a posição reiteradamente afirmada por este STA.
Vide, entre outros, os Acs. de 22-2-01- Rec. 47 048, de 1-3-01 - Rec. 49
966, de 29-3-01 - Rec. 47 049, de 24-4-01- Rec. 47 046, de 26-4-01 -
Rec. 47 141 e de 5-6-01 - Rec. 47 148.
Por sua vez, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n° 37/2001,
publicado no DR, II Série, de 9-3-01, ainda que analisando o n° 3, do

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artigo 3° do DL 335/97, no sentido de, na prática, reduzir ou abolir o


abono para falhas, considerou que a mesma não viola o princípio da
igualdade.
Em suma, não nos encontramos em face de violação dos limites externos
da “discricionariedade legislativa”, daí que o Acórdão recorrido tenha
incorrido no invocado erro de julgamento, ao ter por inconstituciona1 o
n° 3, do artigo 3° do DL 335/97, de 2-12 e, com base nesta constatação,
ter concluído pela procedência do vício arguido pelo Recorrente, com a
consequente anulação do acto objecto de impugnação contenciosa.
3.3 Procedem, assim, todas as conclusões da alegação do Recorrente.
4 - DECISÃO
Nestes termos, acordam em conceder provimento ao recurso
jurisdicional, revogando o Acórdão recorrido e negando provimento ao
recurso contencioso.
Custas pelo Recorrido, fixando-se as devidas no TAC nos seguintes
montantes: 200 € (de taxa de justiça) e 100 € (de procuradoria).
Lisboa, 23 de Maio de 2002
Santos Botelho – Relator – Macedo de Almeida – Alves Barata

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