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Da falaciosa afirmação de que a tese fixada, pelo STJ, no julgamento do EREsp

nº1.775.781 teria sido superada pelo STF, quando do julgamento do Tema 633.

Alguns Estados da Federação têm feito um esforço argumentativo na tentativa de


aplicar ao caso um trecho isolado (obiter dictum) de um precedente do STF (Tema
633) absolutamente incompatível com o tema: ICMS – Creditamento de Insumos,
julgado pelo STJ no EREsp nº1.775.781.

O TEMA 633 não se aplica porque estudou cenário de (i) bens de uso e consumo –
e não insumos - (ii) em contexto de operação de exportação, sabidamente imune
ao ICMS (art.155, §2º, X, a, da CF), (iii) com etapa da cadeia desonerada desse
imposto. Já o cenário tratado pelo STJ, quando do julgamento do EREsp
nº1.775.781, versa sobre insumos e (b) não permeia nenhuma desoneração (por
imunidade ou benefício fiscal) ou (c) remessa para outro país.

- Trechos do voto do Min. Alexandre de Moraes – Tema 633

- Trechos do voto do Min. Gilmar Mendes - Tema 633

(...)
Nessa perspectiva, é didático chamar à baila o julgamento da Apelação
Cível nº 0044725-62.2006.8.19.0001, Rel. Des. Marco Aurélio Bezerra de Melo, da 5ª
Câmara de Direito Público do TJ-RJ, julgamento em 05/12/2023, destacando a
inaplicabilidade do Tema 633 à controvérsia ora posta. Veja-se:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA E DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS.


CREDITAMENTO. BROCAS DE PERFURAÇÃO DE POÇO DE PETRÓLEO.
PETROBRÁS. ESTADO DO RIO DE JANEIRO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. RECURSO DA AUTORA. (...)

7. O E. STJ, em recente decisão proferida por sua Primeira Seção, afirmou a sua
jurisprudência no sentido de que “à luz das normas plasmadas nos arts. 20, 21 e 33
da Lei Complementar n. 87/1996, aquisição de materiais (produtos intermediários)
empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados
gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a
realização do objeto social da empresa – essencialidade em relação à atividade-
fim”, o que vai ao encontro da solução aqui adotada.

8. O E. STF, em recente decisão no Tema 633, afirmou que a regra da não-


cumulatividade adota a natureza de crédito físico para o ICMS, de maneira que não
é cabível a adoção de “crédito financeiro” para aproveitamento de ICMS decorrente
de bens destinados ao uso e consumo da empresa. Ocorre que tal julgamento diz
respeito ao ICMS que incide sobre a cadeira de exportação, o que não é o caso
destes autos, de maneira que se deve fazer a distinção entre o referido precedente
da Corte Constitucional e o que se julga no presente caso.

9. Anulação do auto de infração. Levantamento dos depósitos administrativo e judicial em


favor da autora.

10. Procedência do pedido autoral. Inversão dos ônus sucumbenciais.

11. Sentença reformada. Recurso provido.

No mesmo sentido, o voto condutor do Desembargador Mauro Dickstein,


exarado nos autos da Apelação Cível nº 0011172-41.2018.8.19.0021 (5ª Câmara
Cível, julgamento em 05/12/2023), onde, em processo envolvendo a mesma discussão
jurídica dos autos, fundamentou a inviabilidade de invocação do Tema 633 em razão
dele sequer tangenciar a controvérsia de que se trata, senão veja-se:

2. CONQUANTO SEJA TRADICIONAL A DIVERGÊNCIA A RESPEITO DA ADOÇÃO DO


REGIME DO CRÉDITO FÍSICO OU DO REGIME DO CRÉDITO FINANCEIRO ACERCA
DO DIREITO AO CREDITAMENTO DE ICMS, O LEGISLADOR COMPLEMENTAR
CONCEBEU INEQUÍVOCAS CONCESSÕES AO REGIME DO CRÉDITO FINANCEIRO
E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JÁ ASSINALOU QUE, EMBORA A PREVISÃO
CONSTITUCIONAL DE NÃO CUMULATIVIDADE RESTRINJA-SE AO ÂMBITO DO
CRÉDITO FÍSICO, O LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL PODE ADOTAR O
SISTEMA DO CRÉDITO FINANCEIRO, QUAL SE DEU COM A LC N.º 87/96 EM
DIVERSOS ASPECTOS.
3. PORQUE HISTORICAMENTE AVULTAVA NO CENÁRIO LEGISLATIVO O
RESTRITIVO CRITÉRIO DO CRÉDITO FÍSICO (CF. CONVÊNIO ICM N.º 66/88), NO
SEIO DO QUAL SURGIA RELEVANTEA ANÁLISE DA INCORPORAÇÃO DOS
PRODUTOS OU MERCADORIAS NO PRODUTO FINAL OU A SUA CONSUNÇÃO NO
PROCESSO PRODUTIVO, REMANESCE, HOJE, ACESA CONTROVÉRSIA A
RESPEITO DA IMPRESCINDIBILIDADE DESSES FENÔMENOS PARA ANÁLISE DO
DIREITO AO CREDITAMENTO.
4. REDAÇÃO DO ART. 20, CAPUTE § 1º DA LC N.º 87/96 QUE, CONTUDO, NÃO
CONDICIONA, DE FORMA ABSOLUTA, O APROVEITAMENTO DO CRÉDITO À
NECESSIDADE DE QUE OS INSUMOS OU PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS
INTEGREM FISICAMENTE AQUELES COMERCIALIZADOS PELO
ESTABELECIMENTO; IMPÕE, APENAS, SEJAM UTILIZADOS DE FORMA EFETIVA
NA CONSECUÇÃO DO OBJETO SOCIAL DO ESTABELECIMENTO CONTRIBUINTE.
DOUTRINA. PECULIARIDADES DO EXTRATIVISMO MINERAL QUE, ADEMAIS,
DEVEM SER CONSIDERADAS NO EXAME DO DIREITO AO CREDITAMENTO.
5. CONSTATAÇÃO DE QUE IMPORTA, ANTES, AFERIR-SE A NATUREZA DE “BENS
DE USO E DE CONSUMO” DO QUE A DE “INSUMOS”, POIS, AO LADO DA AMPLITUDE
DE COMPENSAÇÕES ALMEJADA PELO LEGISLADOR NACIONAL (ART. 20,CAPUTE
§ 1º,LC N.º 87/96), A RESTRIÇÃO TEMPORAL AO CREDITAMENTO LIMITOU-SE
EXPLICITAMENTE ÀQUELES BENS DE USO E CONSUMO (ART. 33, I, LC N.º 87/96).
6. “A LIMITAÇÃO TEMPORAL PREVISTA NO ART. 33 DA LC N. 87/1996 SOMENTE
SE APLICA AOS BENS DE USO E CONSUMO DO ESTABELECIMENTO, INERENTES
AO FUNCIONAMENTO DO LOCAL ONDE SITUADO O COMPLEXO BENS MÓVEIS E
IMÓVEIS QUE DÃO SUPORTE À ATIVIDADE-FIM DO EMPRESÁRIO, OS QUAIS NÃO
SE CONFUNDEM COM AQUELES QUE SÃO DIRETAMENTE UTILIZADOS NO
PROCESSO PRODUTIVO” (IN AGINT NOS EDCL NO ARESP 1.394.400/SP).
7. INDEPENDENTEMENTE DE SUA NÃO CONSUNÇÃO IMEDIATA OU DE SUA NÃO
INCORPORAÇÃO AO PRODUTO FINAL, DECERTO NÃO SE PODE ASSENTIR NA
CATEGORIZAÇÃO DE PRODUTO ESSENCIAL AO PROCESSO PRODUTIVO COMO
MERO BEM DE “USO OU CONSUMO”, EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES, V.G., COM
MATERIAIS DE LIMPEZA E OUTRAS DESPESAS GERAIS DA ATIVIDADE
EMPRESARIAL, BENS QUE DÃO MERO SUPORTE À EMPRESA EXERCIDA, DE
ÍNDOLE UNICAMENTE ADMINISTRATIVA.
8. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO, BEM COMO DA
PRIMEIRA SEÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRECEDENTES DESTE
TRIBUNAL. PRECEDENTES DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES FLUMINENSE.
AMPLA DOUTRINA.
RECURSO DESPROVIDO” (grifou-se)
(...)
“Outrossim, naturalmente não se pode desconsiderar a existência do também recente
julgamento do RE 704.815, vinculado ao tema n.° 633 da repercussão geral,
considerado pelo Estado do Rio de Janeiro como favorável à sua tese.
A Corte Constitucional debateu, “à luz dos artigos 155, § 2º, incisos X, a e XII, c, da
Constituição Federal, a possibilidade de creditamento, após a Emenda
Constitucional 42/2003, do ICMS decorrente da aquisição de bens de uso e de
consumo empregados na elaboração de produtos destinados à exportação,
independentemente de regulamentação infraconstitucional”. Questionava-se, assim,
“a autoaplicabilidade da referida emenda constitucional e seus efeitos sobre a Lei
Complementar 87/1996, como norma de imunidade tributária”.
Firmou-se, então, a tese de que “a imunidade a que se refere o art. 155, § 2º, X, a, CF/88
não alcança, nas operações de exportação, o aproveitamento de créditos de ICMS
decorrentes de aquisições de bens destinados ao uso e consumo da empresa, que
depende de lei complementar para sua efetivação”.
Logo se vê a impertinência do argumento fazendário, porque a espécie dos autos
não se subsome ao âmbito do precedente qualificado, relativo a regime tributário
repleto de singularidades que gravitam em torno da lógica de não exportação de
tributos e que, por isso mesmo, não pode ser, irrefletidamente, aplicado a controvérsias
apenas aparentemente semelhantes.
E, ainda que a Fazenda deseje argumentar com base no teor dos não publicados votos
de cada ministro, o fato é que aquela Corte debruçou-se sobre o regime dos bens de
uso e consumo nas exportações, ao passo que o presente decisum, como amiúde já
se consignou, enfatizou justamente a circunstância de os catalisadores não se
enquadrarem no respectivo conceito, o qual, em linha de princípio, não é
constitucional. Mais uma vez, a semântica é erigida a chave interpretativa dos textos
legais e das teses jurídicas” (grifou-se)

É recomendável registrar que, naquela assentada (Tema 633) e em nenhuma


outra, o STF não definiu conceitos de insumo ou material de uso e consumo,
pois, a par de não haver conceito constitucional no aspecto, tal é assunto relegado
à Lei Complementar (art.146, II e III, e art.155, §2º, I, g, da CF).

Por isso, a Corte Suprema reconheceu, em diversas decisões, a viabilidade de


calibração legal do conceito de insumo para PIS e COFINS pelo art. 3º da Lei nº
10.833/03 (Tema-RG 756 – “A definição do alcance do conceito de ‘insumo’ e, em
contraposição a este, de ‘bens de uso e consumo’, é, portanto, matéria de índole
infraconstitucional) – compreensão essa ratificada no ARE n° 1.156.815-AgR (2ª
Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 28/11/2019 – “a possibilidade, ou não,
de creditamento [...] dependerá da opção do legislador, veiculada através de
legislação infraconstitucional, e da interpretação dada a essa legislação pelo
Superior Tribunal de Justiça”) e na Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2.325 (Rel. Min. Carlos Mario Velloso).

As próprias razões de decidir do RE 79.601 (1ª Turma, Relator Min. Aliomar Baleeiro,
julgado em 26/11/1974, DJ 08/01/1975, p. 75) endossam essa orientação, quando
consigna que o STF entende pela garantia do núcleo mínimo da não-
cumulatividade, próximo do chamado crédito físico, mas este não demandaria
agregação física ao produto final - e sim concorrência direta no “processo de
fabricação, nele consumido”.

Mas isso não é só. A Suprema Corte esclareceu também que - para além daquele
conteúdo básico, essencial, permanente e irrestringível - é possível a adoção de
amplitude maior do direito de crédito no plano infraconstitucional, admitindo um
regime de crédito mais amplo por meio de lei complementar nacional (v.g. LC
87/1996 – art.20, §1º) em respeito ao art. 155, §2º, XII, ‘c’ da CF.

Não por acaso, o EREsp nº1.775.781 (1ª Seção do STJ, Rel. Min Regina Helena, DJe
1/12/2023), já comentado acima, deu razão a uma usina de cana-de-açúcar
(produtora de energia elétrica e açúcar) que pleiteava o creditamento de ICMS
sobre uma série de itens relacionados ao seu processo produtivo (facas, correntes,
telas, lâminas, pneus, óleos lubrificantes etc.).

E isso se deve muito ao Tema 1052 (STF – RE RG 1.141.756/ RS, Rel. Min. Marco
Aurélio, sessão virtual de 18.9.2020 A 25.9.2020), este sim incidente no cenário
posto nesta demanda, pois se orientou claramente no sentido de que a não-
cumulatividade - tal como colocada na Constituição (art.155, §2º, I, g, da CF) e na
lei de regência (art.20, §1º, da LC87/1996) - só faz sentido se observada a dinâmica
do crédito financeiro:

“Observadas as balizas da Lei Complementar nº 87/1996, é constitucional o


creditamento de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias –
ICMS cobrado na entrada, por prestadora de serviço de telefonia móvel,
considerado aparelho celular posteriormente cedido, mediante comodato” (...) O
enfoque sinaliza não exaurido, pelo constituinte de 1988, o alcance da não
cumulatividade, ensejando campo à regulamentação via lei complementar,
observada a moldura delineada no texto constitucional. Ao exercê-la, o legislador
buscou prestigiar a neutralidade fiscal na cadeia de produção, adotando o
critério do crédito financeiro em vez do físico, nos termos do artigo 20 da Lei de
regência: (...) Não vinga a arguida desconexão do bem cedido com o objeto social
da sociedade empresária, visando afastar o direito ao crédito, considerado o
disposto no artigo 20, § 1º, da Lei Complementar nº 87/1996. O aparelho celular
está envolvido no dinamismo do serviço de telefonia móvel. Viabiliza a
telecomunicação, impulsionando a realização do objeto social da empresa, a
qual busca, mediante a cessão, potencializar o próprio desempenho, ante o
aumento do número de clientes.”

Em claras palavras, a opção política precipitada na Lei Complementar Nacional


nº 87/1996 (Lei Kandir) foi a de contemplar o crédito financeiro em detrimento
do físico – ampliando o espectro mínimo desse princípio nos termos da via
franqueada pela Constituição (art. 146, II e III da CF) - inexistindo possibilidade
constitucional dos Estados atuarem nessa margem de conformação de maneira
restritiva, pois a não-cumulatividade, além de garantia fundamental ao
contribuinte, constitui limitação constitucional ao poder de tributar.

Inclusive, isto o fundamento reside na exposição de motivos do PLP nº 95/1996,


o projeto originador da LC 87/1996 - tendo o seu autor (Antônio Kandir) sido claro
quanto ao objetivo de adoção da sistemática do crédito financeiro (páginas 6/7
da justificativa do projeto).

Isso se mostra mais delicado porque as atividades de exploração e produção de


petróleo, gás natural e derivados são de cunho extrativista. Assim, os principais
insumos de produção - diversamente de uma montadora de automóveis ou fábrica
de bebidas (indústria transformadora) - não se incorporam ao produto final. Essa
mesma lógica se aplica às prestadoras de serviços. Isto é, se a realização plena da
não-cumulatividade demandasse essa incorporação, teríamos distinção
injustificada entre contribuintes conforme a sua atividade negocial (art.150, II, da
CF) - gerando-se uma quebra da neutralidade da tributação com a incidência de
ICMS “em cascata” no setor extrativista e de prestação de serviços.

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