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1 – Introdução
Estabelecidos para serem harmônicos entre si os poderes da república, o executivo,
o legislativo e o judiciário nem sempre tem claro os limites de sua atuação, ao contrário
não são poucas as vezes em que é gerada uma fricção entre poderes em razão de usurpação
de atribuições de um poder pelo outro.
Assim, são abertas oportunidades em que os poderes são instados a agirem fora das
suas atribuições, sendo suscitados a ocuparem vácuos oriundos na inoperância dos outros
poderes. Por outro lado, tão pronto ocorra uma invasão de atribuições, ou mesmo uma
atuação em uma área cinzenta em que as atribuições não são tão definidas, a reação do
poder que se sentiu invadido em suas funções, pode gerar atrito, pondo em risco a
harmonia prevista na Constituição.
O livre exercício democrático que inaugurou nova fase no Brasil com a Constituição
de 1988 tem possibilitado a ocorrência cada vez mais à miúde de casos em que se verifica
a Judicialização da política, onde o judiciário se propõe a exercer atribuições típicas do
poder legislativo, criando normas para reger situações ainda não legislada
especificamente, ou mesmo para inverter os significados já definidos em lei.
1
Notícias do STF - http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326838
2
Texto disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Lei/L13364.htm
3
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem
a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Por se tratar de matéria sensível que há muito vem tramitando no congresso nacional
sem um entendimento a reação foi imediata no Legislativo que se sentiu invadido na sua
competência. A decisão do STF foi no dia 29 de novembro e já no dia 30 de novembro
de 2016, o presidente da Câmara reagiu com as seguintes palavras: “Tenho discutido com
muitos líderes que, às vezes, o Supremo legisla. Entendemos que isso aconteceu ontem e
minha posição, discutindo com líderes, é que toda vez que entendemos que isso acontece
nossa obrigação é responder, por que há uma interferência do Poder Legislativo4. Ato
contínuo constituiu uma Comissão Especial para restaurar o papel legislador do
Congresso Nacional.
4
http://paranaportal.uol.com.br/politica/apos-decisao-do-stf-rodrigo-maia-anuncia-comissaoespecial-para-discutir-
aborto/
acessada em 17.01.17 as 18:25h
judge, which essentially takes law-enforcement away from our country, is ridiculous and
will be overturned”5. A promessa de tentativa de derrubar a decisão singular foi cumprida
e recurso foi apresentado à Corte Federal de Apelação que, em uma turma de juízes com
matizes diversas, ratificou a decisão de monocrática e repetiu que o decreto presidencial,
por “runs contrary to the fundamental structure of our constitutional democracy”6.
Outro caso externo foi a decisão da Suprema Corte Britânica que impediu o
executivo Inglês de iniciar o processo de tratativas da saída da Comunidade Europeia sem
a autorização do Parlamento, mesmo após o plebiscito que decidiu pela exclusão.
A primeira Ministra Thereza May havia invocado o seu poder executivo, conhecido
como “prerrogativa real”, por derivar diretamente da Família Real, para acionar o art. 50
do tratado de Lisboa que daria início ao processo. A Suprema Corte Britânica, por oito
votos a três, decidiu que a única maneira permitida pela Constituição do Reino Unido se
dá mediante autorização do parlamento.
A doutrina tem constatado a indefinição dos limites de atuação de cada poder e por
isto mesmo tem gerado várias teorias sobre como definir estes limites, veremos a seguir
três correntes de pensamento, o que nega ao poder judiciário qualquer poder de
regulatório, o que entende que as intervenções judiciárias devem ser a mínima possível,
conhecido como minimalistas, e o chamado Constitucionalismo Democrático que
defende que estas tensões são próprias do regime democrático e servem para fortalecer a
união da sociedade em torno do pacto constitucional.
5
"A decisão deste pseudo-juiz, que essencialmente tira do nosso país o cumprimento da lei, é ridícula e
será derrubada!"
6
“Ser contrária a estrutura fundamental da nossa democracia constitucional”
O professor Carlos Ayres Britto7, orientado pela localização topográfica do
Judiciário no final da frase “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário” do Artigo 2º da Constituição Federal, compreende
que o judiciário encerra toda a discussão sobre os direitos constitucionais, sendo ele a
síntese, o resumo e a essência de toda a controvérsia. Restando-lhe a última palavra.
O primeiro grupo que estudamos é aquele que tem a posição mais radical,
enxergando a judicial review como uma restrição à vontade dos legítimos representantes
do povo, que fazem parte do parlamente eleito periodicamente. Veem no judiciário, não
eleito, a ausência desta legitimidade. Este argumento, por ser mais radical e obvio, é uma
forma mais simplificada de externar conceitos teóricos mais apurados.
7
Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor de Direito Constitucional no Uniceub.
uma democracia direta nos Estados contemporâneos, e,
portanto, da necessidade de definir a instância que, embora
não compreenda todo o povo, deva ser a responsável por
dirimir as divergências que grassam na sociedade a respeito
da justiça e do bem-estar, Waldron defende que tal função
seja desempenhada pelo Parlamento, pois tem
responsabilidade eleitoral e a pluralidade da sua
composição reflete os desacordos sociais. Sugere a adoção,
portanto, de uma supremacia parlamentar e de uma
Constituição flexível, em que a justiça dos atos legislativos
dependerá da virtude cívica dos cidadãos e dos seus
representantes, somente admitindo mecanismos que não
tenham natureza contramajoritária.8
Entre os críticos da Supremacia Judicial existem aqueles que entendem ser esa
possível, desde que se restrinja a casos específicos, é o minimalismo, que veremos a
seguir.
3.2 O Minimalismo
8
BRANDÃO, Rodrigo. Crítica à Supremacia Judicial.
9
No Brasil, por exemplo, a constituinte de 1988 convocada após um regime de exceção em que a minoria
indígena foi solenemente ignorada, quando não massacrada, ganhou grande relevância no texto
constitucional. Passada a “ressaca” ditatorial esta minoria não goza mais do prestígio decorrente do
sofrimento que lhe foi infringido e muitas vozes da sociedade já a enxerga como superprotegida e
privilegiada. Contudo, no dizer de Ayres Britto: “A Constituição é Touro Sentado, e não Búfalo Bill”
10
CASS R. SUNSTEIN, RADICALS IN ROBES: WHY EXTREME RIGHT-WING COURTS ARE WRONG FOR
AMERICA xiii (2005).
Corte decide o caso em apresentado; eles não decidem outros casos, a menos que eles
sejam forçados a fazê-lo.11"
Assim, diante de casos em que o risco de erro é muito grande devido à falta de
informações, circunstâncias mutáveis ou desacordo moral razoável e irremediável,
recomenda-se postura cautelosa e humilde.12
Posição cautelosa e humilde não foi a adotada pelo Supremo Tribunal Federal no
caso das vaquejadas, mesmo diante de uma questão que envolve tradições fortemente
arraigadas na cultura popular. É claro o dissenso entre as tradições nordestinas e a vontade
dos protetores dos animais sediados no sul do país, existindo assim um desacordo moral
razoável que não foi observado pelo STF, gerando um decisão que gerou forte reação
popular em detrimento do desprestígio da Corte Suprema.
11
Cass R. Sunstein, Foreword: Leaving Things Undecided, 110 HARV. L. REV. 4, 33 (1996).
SUNSTEIN, Cass. R. One case at a time – judicial minimalism in the Supreme Court. Cambridge:
12
Neste diapasão, a Suprema Corte, deve apurar o seu processo de permeabilidade aos
anseios populares, ouvir “a voz rouca das ruas14”, fazer as partes se sentirem incluídas
na discussão para que, se não contempladas no mérito, pelo menos saiam satisfeitas com
o processo decisório em que foram participantes.
4. Conclusão
13
POST, Robert e SIEGEL, Reva. Roe Rage: Democratic Constitucionalism and Backlash. Yale Law
School - http://papers.ssrn.com/abstract=990968
14
Expressão atribuída ao Deputado Constituinte Ulysses Guimarães
Como demonstrado os conflitos entre poderes da república são comuns aqui e
alhures e mesmo em democracias maduras se apresentam como testes para o regime
democrático.
15
Art. 14, I